Acessibilidade / Reportar erro

A Importância de se Entender a Evolução da Fibrose Miocárdica na Cardiomiopatia Chagásica Crônica

Palavras-chave
Cardiomiopatia Chagásica; Fibrose Endomiocárdica; Doença de Chagas; Insuficiência Cardíaca; Diagnóstico por Imagem/métodos; Imagem por Ressonância Magnética/métodos

A fibrose miocárdica é um dos biomarcadores mais importantes da cardiomiopatia chagásica, e está diretamente relacionada à gravidade da cardiomiopatia e ao estágio da doença.11 Rochitte CE, Oliveira PF, Andrade JM, Ianni BM, Parga JR, Avila LF, Kalil-Filho R, Mady C, Meneghetti JC, Lima JA, Ramires JA. Myocardial delayed enhancement by magnetic resonance imaging in patients with chagas’ disease: A marker of disease severity. J Am Coll Cardiol. 2005;46(8):1553-8 Além disso, a fibrose miocárdica tem valor prognóstico para eventos cardiovasculares, com uma forte relação com eventos arrítmicos nesses pacientes.22 Senra T, Ianni BM, Costa ACP, Mady C, Martinelli-Filho M, Kalil-Filho R, Rochitte CE. Long-term prognostic value of myocardial fibrosis in patients with chagas cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol. 2018;72(21):2577-87

3 Uellendahl M, Siqueira ME, Calado EB, Kalil-Filho R, Sobral D, Ribeiro C, et al. Cardiac magnetic resonance-verified myocardial fibrosis in chagas disease: Clinical correlates and risk stratification. Arq Bras Cardiol. 2016;107(5):460-6.
-44 Volpe GJ, Moreira HT, Trad HS, Wu KC, Braggion-Santos MF, Santos MK,et al. Left ventricular scar and prognosis in chronic chagas cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol. 2018;72(21):2567-76.

A ressonância magnética cardíaca (RMC) é o método de imagem de referência para detecção e quantificação de fibrose do miocárdio em muitas cardiomiopatias, incluindo na doença de Chagas. Estudos iniciais incluindo pacientes com cardiomiopatia chagásica em diferentes estágios da doença claramente demonstraram que quanto maior a gravidade da doença maior a quantidade de fibrose do miocárdio. Com base nesses dados e na história natural da doença, caracterizada pela progressão da disfunção ventricular esquerda, pode-se inferir, seguramente, que a fibrose miocárdica evolui com o tempo em todos os pacientes. Contudo, a obtenção de dados longitudinais utilizando RMC em pacientes com doença de Chagas não era disponível até a publicação do artigo original de Santos et el.,55 Santos JBF,Gottlieb I, Tassi EM, Camargo GC, Atie J, Xavier S. Cardiac fibrosis and changes in left ventricle function in patients with chronic chagas heart disease. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(6):1081-1090. nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia. Esse é o primeiro estudo incluindo dados sobre fibrose miocárdica obtidos de dois exames consecutivos de RMC do mesmo paciente, com um período relativamente longo de acompanhamento, de 5,4 anos. Os autores demonstraram um aumento expressivo de 43% na fibrose miocárdica durante o período de acompanhamento, o que indica um acréscimo médio de 7,9% ao ano de fibrose do miocárdio detectado por RMC.

Apesar da originalidade do resultado, o qual, possivelmente foi um gerador de hipótese, esse foi um estudo retrospectivo incluindo uma amostra pequena de 20 pacientes. O estudo também investigou a associação entre fibrose do miocárdio e função ventricular esquerda, o que já foi demonstrado em estudos prévios. Isso, no meu ponto de vista, tirou o foco da evolução da fibrose do miocárdio, o que era, na realidade, a informação original do artigo, e que merecia ser mais bem explorado. Por isso, outros estudos maiores são mandatórios para expandir o conhecimento acerca desse parâmetro crucial que contribuiria para o entendimento da fisiopatologia da doença e o desenvolvimento de novos tratamentos da cardiomiopatia chagásica.

Os mecanismos evolvidos na evolução da fibrose do miocárdio, incluindo aspectos da microcirculação do miocárdio66 Campos FA, Magalhães ML, Moreira HT, Pavão RB, Lima Filho MO, Lago IM, et al. Chagas cardiomyopathy as the etiology of suspected coronary microvascular disease. A comparison study with suspected coronary microvascular disease of other etiologies. Arq Bras Cardiol. 2020;115(6):1094-101 e das artérias coronárias epicárdicas,77 Cardoso S, Azevedo Filho CF, Fernandes F, Ianni B, Torreão JA, Marques MD, et al. Lower prevalence and severity of coronary atherosclerosis in chronic chagas’ disease by coronary computed tomography angiography. Arq Bras Cardiol. 2020;115(6_):1051-60 e mesmo envolvimento de vias metabólicas específicas, não foram discutidos no artigo.88 Miranda CP, Botoni FA, Nunes M, Rocha M. Analysis of iron metabolism in chronic chagasic cardiomyopathy. Arq Bras Cardiol. 2019;112(2):189-92.

Um resultado surpreendente do estudo foi a falta de associação de fibrose com idade e sexo, a qual foi demonstrada em um estudo prévio.99 Assunção AN Jr, Jerosch-Herold M, Melo RL, Mauricio AV, Rocha L, Torreão JA, Fernandes F, et al. Chagas’ heart disease: Gender differences in myocardial damage assessed by cardiovascular magnetic resonance. J cardiovasc Magn Reson,2016;18:88. Tal fato, mais uma vez, deve-se ao tamanho amostral muito pequeno.

Outro aspecto interessante da cardiomiopatia chagásica é a baixa frequência de fibrose do miocárdio observada na fase aguda da doença de Chagas (comunicação pessoal de João Marcos Ferreira) e o possível surgimento de novas anomalias cardíacas ao longo do seguimento.1010 Ortiz JV, Pereira BVM, Couceiro KDN, Silva M, Doria SS, Silva P, Lira EDF, et al. Cardiac evaluation in the acute phase of chagas’ disease with post-treatment evolution in patients attended in the state of amazonas, brazil. Arq Bras Cardiol. 2019;112(3):240-6. Isso pode indicar que a fibrose miocárdica na doença de Chagas seja um processo implacável, dependendo do tempo e da intensidade do processo inflamatório. Nesse sentido, um estudo prévio também mostrou que, diferentemente da fibrose isquêmica, a fibrose causada por cardiomiopatia chagásica está associada com edema do miocárdio detectado por imagens ponderadas em T2 na RMC, indicando presença de inflamação.

A fibrose miocárdica na doença de Chagas não é um mero processo espectador passivo, e sim, um processo dinâmico, revelador, que leva à progressiva lesão do miocárdio e inflamação. Esse conceito é essencial para o desenvolvimento de métodos que interrompam essa via letal.

Embora o estudo publicado nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia55 Santos JBF,Gottlieb I, Tassi EM, Camargo GC, Atie J, Xavier S. Cardiac fibrosis and changes in left ventricle function in patients with chronic chagas heart disease. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(6):1081-1090. não tenha sido delineado para investigar o mecanismo de progressão da fibrose miocárdica, esse conhecimento é crucial se desejamos expandir nosso conhecimento acerca da fisiopatologia e tratamento da cardiomiopatia chagásica em um futuro próximo.

  • Minieditorial referente ao artigo: Fibrose Cardíaca e Mudanças Evolutivas na Função Ventricular Esquerda em Pacientes com Cardiopatia Chagásica Crônica

Referências

  • 1
    Rochitte CE, Oliveira PF, Andrade JM, Ianni BM, Parga JR, Avila LF, Kalil-Filho R, Mady C, Meneghetti JC, Lima JA, Ramires JA. Myocardial delayed enhancement by magnetic resonance imaging in patients with chagas’ disease: A marker of disease severity. J Am Coll Cardiol 2005;46(8):1553-8
  • 2
    Senra T, Ianni BM, Costa ACP, Mady C, Martinelli-Filho M, Kalil-Filho R, Rochitte CE. Long-term prognostic value of myocardial fibrosis in patients with chagas cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol. 2018;72(21):2577-87
  • 3
    Uellendahl M, Siqueira ME, Calado EB, Kalil-Filho R, Sobral D, Ribeiro C, et al. Cardiac magnetic resonance-verified myocardial fibrosis in chagas disease: Clinical correlates and risk stratification. Arq Bras Cardiol. 2016;107(5):460-6.
  • 4
    Volpe GJ, Moreira HT, Trad HS, Wu KC, Braggion-Santos MF, Santos MK,et al. Left ventricular scar and prognosis in chronic chagas cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol. 2018;72(21):2567-76.
  • 5
    Santos JBF,Gottlieb I, Tassi EM, Camargo GC, Atie J, Xavier S. Cardiac fibrosis and changes in left ventricle function in patients with chronic chagas heart disease. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(6):1081-1090.
  • 6
    Campos FA, Magalhães ML, Moreira HT, Pavão RB, Lima Filho MO, Lago IM, et al. Chagas cardiomyopathy as the etiology of suspected coronary microvascular disease. A comparison study with suspected coronary microvascular disease of other etiologies. Arq Bras Cardiol. 2020;115(6):1094-101
  • 7
    Cardoso S, Azevedo Filho CF, Fernandes F, Ianni B, Torreão JA, Marques MD, et al. Lower prevalence and severity of coronary atherosclerosis in chronic chagas’ disease by coronary computed tomography angiography. Arq Bras Cardiol 2020;115(6_):1051-60
  • 8
    Miranda CP, Botoni FA, Nunes M, Rocha M. Analysis of iron metabolism in chronic chagasic cardiomyopathy. Arq Bras Cardiol 2019;112(2):189-92.
  • 9
    Assunção AN Jr, Jerosch-Herold M, Melo RL, Mauricio AV, Rocha L, Torreão JA, Fernandes F, et al. Chagas’ heart disease: Gender differences in myocardial damage assessed by cardiovascular magnetic resonance. J cardiovasc Magn Reson,2016;18:88
  • 10
    Ortiz JV, Pereira BVM, Couceiro KDN, Silva M, Doria SS, Silva P, Lira EDF, et al. Cardiac evaluation in the acute phase of chagas’ disease with post-treatment evolution in patients attended in the state of amazonas, brazil. Arq Bras Cardiol 2019;112(3):240-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Dez 2021
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br