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Palavras-chave
Oxigenação por Membrana Extracorpórea; Choque Cardiogênico; Análise de Custo-Efetividade

A oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) é uma tecnologia avançada de suporte à vida que fornece suporte cardíaco e respiratório prolongado para pacientes cujos corações e pulmões não funcionam adequadamente. O conceito de utilização de uma máquina para substituir essas funções remonta a 1931, quando John Gibbon, residente cirúrgico em Boston, tratou uma mulher com embolia pulmonar.11 Fortenberry J, Bartlett RH, O’Rourke PP, Short BL, Lorusso R. The History and Development of Extracorporeal Support. In: Extracorporeal Life Support: The ELSO Red Book. 6th ed. Michigan: Extracorporeal Life Support Organization, 2022. p. 1-16. Sem os tratamentos disponíveis, ele só pôde vê-la deteriorar-se e falecer. Essa experiência levou Gibbon a imaginar um método para oxigenar o sangue fora do corpo em caso de obstrução vascular pulmonar. Em 1934, ele desenvolveu uma máquina que podia suportar a circulação de um gato durante trinta minutos e, em 1952, utilizou com sucesso a máquina em um ser humano, marcando o início da moderna cirurgia de coração aberto.11 Fortenberry J, Bartlett RH, O’Rourke PP, Short BL, Lorusso R. The History and Development of Extracorporeal Support. In: Extracorporeal Life Support: The ELSO Red Book. 6th ed. Michigan: Extracorporeal Life Support Organization, 2022. p. 1-16.

Em 1971, Donald Hill22 Hill JD, O’Brien TG, Murray JJ, Dontigny L, Bramson ML, Osborn JJ, et al. Prolonged Extracorporeal Oxygenation for Acute Post-traumatic Respiratory Failure (Shock-lung Syndrome). Use of the Bramson Membrane Lung. N Engl J Med. 1972;286(12):629-34. doi: 10.1056/NEJM197203232861204.
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utilizou um circuito extracorpóreo com um oxigenador especialmente projetado para dar suporte a um paciente com insuficiência respiratória durante trinta e seis horas, fazendo dele o primeiro ser humano a sobreviver com ECMO. Em 1975,33 Bartlett RH. Esperanza. Presidential Address. Trans Am Soc Artif Intern Organs. 1985;31:723-6. Robert Bartlett e sua equipe utilizaram ECMO para salvar um recém-nascido com insuficiência respiratória. Nos anos seguintes, centenas de casos semelhantes foram tratados com uma taxa de sobrevivência de oitenta por cento, estabelecendo a ECMO como padrão nos principais centros pediátricos. O uso da ECMO em adultos se expandiu, principalmente para condições refratárias aos tratamentos convencionais durante a epidemia de H1N1 e posteriormente durante a pandemia de SARS-CoV-2.44 Tonna JE, Boonstra PS, MacLaren G, Paden M, Brodie D, Anders M, et al. Extracorporeal Life Support Organization Registry International Report 2022: 100,000 Survivors. ASAIO J. 2024;70(2):131-43. doi: 10.1097/MAT.0000000000002128.
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,55 Melro LMG, Trindade EM, Park M. COVID-19 Underpinning the Inverse Equity Hypothesis between Public and Private Health Care in Brazil. Crit Care Sci. 2024;36:e20240294en. doi: 10.62675/2965-2774.20240294-en.
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Esse aumento se deve às técnicas aprimoradas de canulação e aos avanços em bombas, oxigenadores e cânulas. Apesar destas melhorias, a seleção de candidatos adequados e a gestão dos seus cuidados diários continuam a ser um desafio.

Apesar de ser considerado padrão mundial de atendimento para suporte cardiopulmonar temporário em casos agudos refratários aos tratamentos convencionais, o Brasil só começou a utilizar a ECMO no início do século XXI.66 Canêo LF, Neirotti RA. ECMO: Improving our Results by Chasing the Rabbits. Braz J Cardiovasc Surg. 2015;30(6):657-9. doi: 10.5935/1678-9741.20150088.
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A primeira série clínica para pacientes cardíacos adultos e pediátricos foi publicada em 2008, seguida de casos respiratórios em 2012.77 Colafranceschi AS, Monteiro AJ, Canale LS, Campos LA, Montera MW, Silva PR, et al. Adult Extracorporeal Life Support: A Failed or Forgotten Concept? Arq Bras Cardiol. 2008;91(1):34-41. doi: 10.1590/s0066-782x2008001300006.
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8 Atik FA, Castro RS, Succi FM, Barros MR, Afiune C, Succi GM, et al. Use of Centrifugal Pump and Extracorporeal Membrane Oxygenation as Cardiopulmonary Support in Pediatric Cardiovascular Surgery. Arq Bras Cardiol. 2008;90(4):216-20.
-99 Park M, Azevedo LC, Mendes PV, Carvalho CR, Amato MB, Schettino GP, et al. First-year Experience of a Brazilian Tertiary Medical Center in Supporting Severely Ill Patients Using Extracorporeal Membrane Oxygenation. Clinics (Sao Paulo). 2012;67(10):1157-63. doi: 10.6061/clinics/2012(10)07.
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Atualmente, mais de 228.174 pacientes fazem parte do registro da Extracorporeal Life Support Organization (ELSO), mas apenas 2,5% desses casos foram realizados na América Latina (https://www.elso.org/registry.aspx). O número exato de casos de ECMO no Brasil é desconhecido, pois esta tecnologia, especialmente a ECMO respiratória, não foi incorporada ao sistema público de saúde e não está registrada como procedimento no banco de dados do Sistema Único de Saúde (SUS) (DATASUS).

Em 2014, Park publicou um estudo mostrando uma relação custo-utilidade potencialmente aceitável para o uso de ECMO em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo grave no Brasil.1010 Park M, Mendes PV, Zampieri FG, Azevedo LC, Costa EL, Antoniali F, et al. The Economic Effect of Extracorporeal Membrane Oxygenation to Support Adults with Severe Respiratory Failure in Brazil: A Hypothetical Analysis. Rev Bras Ter Intensiva. 2014;26(3):253-62. doi: 10.5935/0103-507x.20140036.
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Apoiada por uma revisão completa da literatura, incluindo este estudo, a proposta de incorporar à ECMO para suporte respiratório no sistema de saúde brasileiro foi submetida à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia (CONITEC) em 2014 e novamente durante a pandemia. No entanto, ambas as submissões foram recomendadas para não incorporação.

Sem reembolso pelo SUS e cobertura limitada por seguros privados, a ECMO não tem sido amplamente adotada no Brasil, comprometendo a formação de recursos humanos e o desenvolvimento de centros especializados. A falta de recursos levou a resultados abaixo do ideal nos centros brasileiros, desencorajando ainda mais o uso generalizado da ECMO. A implementação da ECMO exige mais do que apenas ter o sistema disponível; necessita de equipes treinadas e hospitais especializados.

O choque cardiogênico (CC) permanece como um dos desafios mais complexos e alarmantes no tratamento cardiovascular agudo, marcado por sua variabilidade, crescente incidência e elevadas taxas de mortalidade.11 A oxigenação por membrana extracorpórea venoarterial (ECMO-VA) surge como uma estratégia promissora no tratamento do CC refratário, aumentando as chances de sobrevivência desses pacientes. A ECMO-VA desempenha um papel crucial no manejo da insuficiência cardíaca, restaurando e estabilizando a função dos órgãos.1212 Lorusso R, Shekar K, MacLaren G, Schmidt M, Pellegrino V, Meyns B, et al. ELSO Interim Guidelines for Venoarterial Extracorporeal Membrane Oxygenation in Adult Cardiac Patients. ASAIO J. 2021;67(8):827-44. doi: 10.1097/MAT.0000000000001510.
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As indicações comuns para ECMO-VA incluem infarto agudo do miocárdio, miocardite fulminante, intoxicação por drogas cardiotóxicas, cardiomiopatia em estágio terminal, hipotermia, embolia pulmonar maciça e suporte pós-cirúrgico, incluindo pós-transplante. O suporte temporário de ECMO normalmente é necessário por alguns dias até que a função cardíaca se recupere.

No entanto, a adoção da ECMO-VA como suporte ao CC refratário em países de baixa e média renda como o Brasil levanta questões críticas sobre custo-benefício e acesso igualitário.

Um estudo recente realizado em centros terciários do sul do Brasil fornece informações essenciais, posicionando a ECMO-VA como uma terapia potencialmente custo-efetiva no SUS.1313 Decker SRR, Wainstein RV, Scolari FL, Rosa PR, Schneider D, Fogazzi DV, et al. Cost-Utility of Venoarterial Extracorporeal Membrane Oxygenation in Refractory Cardiogenic Shock: A Brazilian Perspective Study. Arq Bras Cardiol. 2024; 121(8):e20230672. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20230672i
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Este estudo advoga a necessidade de realizar ensaios clínicos rigorosos, que abranjam perfis variados de pacientes, com o objetivo de confirmar a relação custo-efetividade e garantir o acesso justo a essas tecnologias que salvam vidas. Embora os argumentos econômicos a favor da ECMO-VA sejam convincentes, o estudo também destaca a questão premente da equidade nos cuidados de saúde. Garantir o acesso equitativo a intervenções médicas avançadas como a ECMO-VA é crucial num país marcado por disparidades sociais significativas. As conclusões do estudo abrem caminho para que formuladores de políticas e prestadores de cuidados de saúde considerem a ECMO-VA como uma opção padrão para CC refratário no âmbito do SUS.

É importante observar que o CC não se resume a uma questão mecânica ou hemodinâmica, mas envolve também fatores metabólicos complexos. Estratégias eficazes devem abordar ambos os aspectos para melhorar os resultados dos pacientes.1414 Lüscher TF, Thiele H. Cardiogenic Shock: Do We Need a Paradigm Shift? Eur Heart J. 2024;ehae425. doi: 10.1093/eurheartj/ehae425.
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Por enquanto, a ECMO-VA oferece uma chance real de sobrevivência para pacientes com choque cardiogênico refratário, sendo uma opção crucial na falha do tratamento convencional.

À medida que o Brasil luta pela igualdade nos cuidados de saúde, a integração de terapias avançadas como a ECMO-VA poderia representar um passo significativo para garantir que todos os pacientes, independentemente da sua condição socioeconômica, possam ter acesso aos melhores cuidados possíveis.

  • Minieditorial referente ao artigo: Custo-Efetividade da Oxigenação por Membrana Extracorpórea Venoarterial no Choque Cardiogênico Refratário: Um Estudo na Perspectiva Brasileira

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2024
  • Revisado
    14 Ago 2024
  • Aceito
    14 Ago 2024
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