Resumos
Das cardiopatias congênitas, a origem anômala da artéria interventricular anterior apresenta incidência de 1:300.000, com alta mortalidade até o primeiro ano de vida, mas que na presença de boa circulação colateral para a artéria relacionada à anomalia, pode manter o paciente assintomático até a vida adulta. Relatamos o caso, raro, de um paciente de 43 anos, oligossintomático e com função ventricular normal que apresentava essa doença e foi submetido a tratamento cirúrgico sem circulação extracorpórea.
Adulto; cardiopatias congênitas; artéria pulmonar
From all congenital cardiopathies, anomalous origin of anterior interventricular artery occurs once per 300,0000 live births, reporting high mortality in the first year after birth. However, if good collateral circulation is available for the artery related to the abnormality, the patient may be kept asymptomatic until mature age. This is the report on a rare case of a 43-year-old patient who was oligosymptomatic, with normal ventricular function in this pathology presentation. The patient was submitted to surgical treatment with no extracorporeal circulation.
Adult; heart defects; congenital; pulmonary artery
RELATO DE CASO
Tratamento cirúrgico de paciente adulto com origem anômala da artéria interventricular anterior do tronco da artéria pulmonar
Adult patient with anomalous origin of anterior interventricular artery at main pulmonary artery
Haroldo Adans Ferraz; Leonardo Alves Batista; Fernando Mendes SantAnna; Leonardo da Costa Buczynski; Marcelo Bastos Brito; Carlos Alberto Mussel Barrozo
Santa Helena Hospital do Coração, Cabo Frio, RJ - Brasil
Correspondência Correspondência: Haroldo Adans Ferraz Rua Jorge Lóssio, 616/106 28907-010 - Cabo Frio, RJ - Brasil E-mail: haroldoferraz@cardiol.br
RESUMO
Das cardiopatias congênitas, a origem anômala da artéria interventricular anterior apresenta incidência de 1:300.000, com alta mortalidade até o primeiro ano de vida, mas que na presença de boa circulação colateral para a artéria relacionada à anomalia, pode manter o paciente assintomático até a vida adulta. Relatamos o caso, raro, de um paciente de 43 anos, oligossintomático e com função ventricular normal que apresentava essa doença e foi submetido a tratamento cirúrgico sem circulação extracorpórea.
Palavras-chave: Adulto, cardiopatias congênitas, artéria pulmonar/cirurgia.
ABSTRACT
From all congenital cardiopathies, anomalous origin of anterior interventricular artery occurs once per 300,0000 live births, reporting high mortality in the first year after birth. However, if good collateral circulation is available for the artery related to the abnormality, the patient may be kept asymptomatic until mature age. This is the report on a rare case of a 43-year-old patient who was oligosymptomatic, with normal ventricular function in this pathology presentation. The patient was submitted to surgical treatment with no extracorporeal circulation.
Introdução
A artéria interventricular anterior originando-se do tronco da artéria pulmonar é uma doença rara, de baixa incidência, e de alta mortalidade até o primeiro ano de vida, e constitui aproximadamente 0,24% das cardiopatias congênitas1. Em razão da precocidade de aparecimento dos sintomas, na maioria das vezes bem graves, apresenta alta mortalidade no primeiro ano de vida2. Quando os sintomas não aparecem na infância, essa cardiopatia pode ser diagnosticada na segunda ou na terceira décadas de vida, e a presença de circulação colateral para o leito distal da artéria interventricular anterior explica os poucos sintomas ou a ausência desses3,4. O tratamento cirúrgico é o escolhido nesses casos; no entanto, raramente consegue-se postergá-lo para idade adulta1.
Nosso objetivo é relatar um caso de origem anômala da artéria interventricular anterior a partir do tronco da artéria pulmonar, em um adulto com sintomas de doença coronariana, com completo desaparecimento dos sintomas após ser submetido a tratamento cirúrgico sem circulação extracorpórea (CEC).
Relato do Caso
Paciente do sexo masculino, 43 anos, branco, varredor de rua, foi atendido com queixa de dor precordial aos médios esforços associada a dispnéia há oito anos, com alívio em repouso. Nega outros fatores de risco para doença aterosclerótica coronariana. Relata tratamento de infecção urinária um mês antes da internação, correção cirúrgica de hérnia inguinal bilateral e cirurgia no menisco do joelho direito prévias. Fazia uso de propranolol 80 mg/dia, isosorbida 30 mg/dia e ácido acetilsalicílico 200 mg/dia. Ao exame físico apresentava pressão arterial de 110 x 80 mmHg e freqüência cardíaca de 60 batimentos por minuto. Encontrava-se afebril, acianótico, corado e com boa perfusão periférica. Ausculta cardiopulmonar normal. Sem massas ou visceromegalias à palpação abdominal. Pulsos periféricos estavam simétricos e normais.
Os exames laboratoriais mostravam colesterol total de 172 mg/dl, HDL de 54 mg/dl, LDL de 105 mg/dl, triglicérides de 93 mg/dl, glicemia de 93 mg/dl e demais exames dentro da normalidade. O eletrocardiograma se mostrava sinusal, sem distúrbios de condução ou alterações isquêmicas. A radiografia de tórax apresentava imagem de área cardíaca e trama pulmonar normais. O teste ergométrico foi positivo para isquemia miocárdica.
Diante da hipótese diagnóstica de doença coronariana aterosclerótica, foi indicada cineangiocoronariografia que não evidenciou lesões coronarianas, mas mostrou que a artéria interventricular anterior originava-se do tronco da artéria pulmonar; o tronco da coronária esquerda era formado pelas artérias circunflexa e diagonalis (calibrosas) e a coronária direita era não-dominante (fig. 1). O ventrículo esquerdo apresentava-se normal. Ao final da injeção de contraste em artéria coronária direita, notava-se o aparecimento da artéria interventricular anterior até o tronco pulmonar, por circulação colateral (proveniente tanto da artéria coronária direita quanto da artéria circunflexa). Pressões pulmonares sistólica, média e diastólica eram respectivamente de 44 mmHg, 22 mmHg e 12 mmHg.
Uma vez definido o diagnóstico de origem anômala da artéria interventricular anterior do tronco da artéria pulmonar, decidiu-se pela realização da cirurgia de revascularização do miocárdio, sem uso de circulação extracorpórea (CEC). O paciente foi encaminhado para tratamento cirúrgico como segue: esternotomia mediana com posterior dissecção da artéria torácica interna esquerda; abriu-se o pericárdio com visibilização de câmaras cardíacas pouco aumentadas; seguiu-se com exposição da artéria interventricular anterior e colocação do estabilizador; realizou-se então abertura da artéria interventricular anterior e colocação de perfusor intracoronariano para manter o fluxo sangüíneo nativo, iniciou-se a anastomose término-lateral da artéria torácica interna esquerda com a artéria interventricular anterior, que possuía diâmetro superior a três e meio milímetros; retirou-se o perfusor antes do fechamento completo da anastomose, prosseguiu-se com a ligadura da artéria interventricular anterior, junto à sua origem na artéria pulmonar; após revisão de hemostasia, colocou-se dreno de mediastino e eletrodo de marcapasso provisório em parede anterior de ventrículo direito, seguido de sutura esternal e da pele. O paciente evoluiu no pós-operatório imediato sem intercorrências e recebeu alta da unidade de tratamento intensivo em dois dias. Alta hospitalar no quinto dia após a cirurgia sem nenhuma intercorrência.
O paciente apresentou excelente evolução pós-cirúrgica, permanecendo assintomático desde então. Em 15/6/2006, 33 meses após a cirurgia, foi realizado cateterismo cardíaco de controle com demonstração de excelente resultado cirúrgico tardio (fig. 2). Foi submetido a teste de esforço em janeiro de 2007, que se mostrou negativo para isquemia.
Discussão
A origem anômala da artéria interventricular anterior a partir do tronco da artéria pulmonar é uma anomalia cardíaca congênita rara com incidência de 0,24% ocorrendo em 1:300.000 nascidos vivos. Apresenta alta mortalidade, podendo variar de 80%2 até 93%1, ao fim do primeiro ano de vida. Essa cardiopatia, por causar isquemia miocárdica, apresenta como sintomas predominantes insuficiência cardíaca comumente associada a aumento da área cardíaca e sinais de regurgitação mitral por isquemia de músculo papilar. Os sintomas geralmente se manifestam nas primeiras semanas de vida, mas podem, raramente, ser discretos ou inexistentes, e por isso levar à descoberta da cardiopatia apenas na idade adulta3,5.
A presença de circulação colateral para um território isquêmico do coração pode protegê-lo de perda muscular mais importante em um evento agudo, podendo ocorrer casos de oclusão coronariana crônica com função ventricular totalmente normal4. Pacientes com doença arterial coronariana submetidos a angioplastia coronariana eletiva, por acesso percutâneo, fornecem um excelente modelo, confirmando a importância da circulação colateral na preservação ou redução da perda muscular, na oclusão aguda de uma coronária. Cohen e Rentrop4 demonstraram a relação direta entre o grau de circulação colateral, as alterações eletrocardiográficas e a área isquêmica pela ventriculografia esquerda. Da mesma forma, pacientes com circulação colateral bem desenvolvida apresentam menos dor precordial aos esforços, após oclusão coronariana4.
A origem anômala da artéria interventricular anterior do tronco pulmonar é rara e a sua descoberta na idade adulta se faz ainda menos freqüente, especialmente se o paciente é pouco sintomático. O tratamento cirúrgico deve ser feito quando necessário, caso ainda exista viabilidade miocárdica5. No entanto, quando descoberta após o nascimento, o tratamento cirúrgico deve ser adiado com uso de arsenal medicamentoso e realizado entre o 18º mês e o 7º ano de vida1. Esse pode ser feito de três formas: 1) simples ligadura da artéria interventricular anterior do tronco pulmonar5; a existência de gradiente de pressão entre o sistema arterial coronariano e o tronco pulmonar leva ao desembocar do fluxo da artéria interventricular anterior para o sistema pulmonar, via circulação colateral bem desenvolvida, e, nesse caso, a ligadura da artéria interventricular anterior redireciona toda a circulação colateral para a musculatura miocárdica3, o que poderia, ou não, ser suficiente na eliminação da sintomatologia4,5; 2) reimplante da artéria interventricular anterior na aorta; 3) combinação entre ligadura da artéria interventricular anterior e anastomose de artéria mamária interna esquerda ou enxerto de safena na DA.
A revascularização miocárdica com uso de enxertos venosos sem a utilização de CEC vem se tornando, desde a última década, muito utilizada na prática médica e, com a experiência adquirida e o com aprimoramento técnico, passou a ser utilizada também em outros territórios anteriormente não abordados6. Atualmente utiliza-se a anastomose de artéria torácica interna esquerda para a artéria interventricular anterior como a opção de escolha, pois apresenta menor morbidade e mortalidade, além de eliminar os sintomas e manter-se pérvia em longo prazo6. Conclui-se que, nesses pacientes, a utilização da técnica de revascularização do miocárdio sem o uso da CEC, utilizando-se a artéria torácica interna esquerda, e seguindo com a ligadura da artéria anômala em sua origem no tronco da pulmonar, é um excelente método terapêutico, pois, apesar de caso único, apresentou boa evolução tardia.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
Artigo recebido em 10/04/07; revisado recebido em 15/10/07; aceito em 01/11/07.
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- 6. Buffolo E, Andrade JCS, Branco JNR, Teles CA, Aguiar LF, Gomes WJ. Coronary artery bypass grafting without cardiopulmonar bypass. Ann Thorac Surg. 1996; 61: 63-6.
Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Jul 2008 -
Data do Fascículo
Jun 2008
Histórico
-
Revisado
15 Out 2007 -
Recebido
10 Abr 2007 -
Aceito
01 Nov 2007