RELATO DE CASO
Dificuldade técnica no implante de stent Supralimus em enxerto de artéria radial
George César Ximenes Meireles; Sergio Kreimer; Micheli Zanotti Galon; Gilberto Guilherme Ajjar Marchiori
Iamspe - Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil
Correspondência Correspondência: George César Ximenes Meireles Rua Sena Madureira, 1265/102 - Vila Clementino 04021-051 São Paulo, SP - Brasil E-mail: gcxm@cardiol.br, george.ximenes@terra.com.br
Palavras-chave: Stents/efeitos adversos, stents farmacológicos, reestenose de enxerto vascular, sirolimus.
Mulher, 67 anos, com angina instável e passado de revascularização miocárdica: artéria torácica interna esquerda para artéria descendente anterior e enxerto com artéria radial (AR) para ramos da artéria coronária direita. A coronariografia mostrou estenose de 90% em enxerto de AR, tratada com stent convencional. Após dois meses, evoluiu com angina instável relacionada à reestenose intra-stent, tratada com stent com eluição de Sirolimus. No seguimento aos seis meses pós-implante, estava assintomática e com manutenção do resultado do implante. Este relato de caso demonstra as dificuldades técnicas da intervenção percutânea em enxertos de AR e o resultado do tratamento de reestenose intra-stent com stent com Sirolimus.
Introdução
A utilização da artéria torácica interna (ATI) como enxerto em cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) está associada com a redução da mortalidade a longo prazo1, o que levou ao aumento do interesse por outros enxertos arteriais (gastroepiploica, epigástrica e radial). Dessas, o uso da artéria radial (AR) tornou-se mais popular após o aperfeiçoamento da técnica e a prevenção de espasmo, o que tornou possível a CRM com dois enxertos utilizando-se enxerto sequencial com a ATI esquerda anastomosada à artéria descendente anterior (ADA) e um ou mais enxertos da AR, anastomosada proximalmente à ATI esquerda e distalmente a ramos da artérias circunflexa (ACX) ou coronária direita (ACD)2. Os enxertos arteriais podem desenvolver estenoses e serem tratados pela intervenção coronária percutânea (ICP). No presente relato de caso, descrevemos as dificuldades na ICP para tratamento de estenoses no enxerto de AR.
Relato do caso
Trata-se de mulher, 67 anos, com angina instável e antecedentes de hipertensão arterial e diabete melito, submetida à CRM em 1996: anastomose da ATI esquerda látero-lateral com a ADA e 1º ramo diagonal (Dg1) e enxerto sequencial em Y com a AR para o ramo ventricular posterior (VPD) da ACD. A coronariografia mostrou anastomose da ATI com a ADA ocluída; anastomose com o Dg1 sem obstruções; enxerto da AR para o ramo VPD com estenose de 90% no terço médio (Figura 1A e B); ADA e ACD com estenoses de 70% e 100%, respectivamente, com circulação colateral da ADA para a ACD 3+/4+. A ventriculografia mostrou aspecto hipertrófico do ventrículo esquerdo. Foi indicado implante de stent para o tratamento da estenose no enxerto de AR. A via de acesso foi a artéria femoral direita (AFD), e foram utilizados o cateter-guia mamária 6F (Medtronic-AVE, USA) e o fio-guia Galeo floppy 0,014" (Biotronik, Switzerland). A ATI esquerda apresentava intensa tortuosidade no terço médio e, após a passagem do fio-guia, apresentou aspecto de saca-rolhas (Figura 1C). Foi realizada pré-dilatação da lesão com cateter-balão Elect 2,5 x 10 mm (Biotronik). A angiografia de controle mostrou intenso espasmo nos enxertos da AR e da ATI (Figura 1D). Foi medicada com monitrato-5 de isossorbida 20 mg (MN5IS) pelo cateter-guia, com melhora do espasmo, seguido do implante do stent PRO-Kinetic 2,75 x 13 mm (Biotronik) com 12 atm. No controle angiográfico pós-implante, o espasmo persistiu, e a paciente foi novamente medicada com MN5IS sem sucesso, seguido da administração de nitroglicerina 200 mcg (NG), permitindo a visualização do vaso. Foi observado, então, aspecto angiográfico de dissecção proximal ao stent (Figura 1E), tratada pelo implante de outro stent PRO-Kinetic 2,75 x 13 mm, liberado com 12 atm. Foi realizada pós-dilatação intra-stent com o balão do stent a 14 atm. A angiografia de controle mostrou expansão adequada dos stents, fluxo TIMI III (Figura 1F), com a resolução completa do espasmo nos enxertos arteriais, observada somente após a retirada do fio-guia. A paciente evoluiu sem complicações.
Após dois meses, apresentou precordialgia em repouso, sem alterações do eletrocardiograma, troponina e CK-MB massa. Foi realizada nova coronariografia, que revelou reestenose intra-stent padrão difuso, com estenose de 95% no enxerto da AR (Figura 2A e B). Foi realizada nova ICP no mesmo procedimento via AFD, e foi utilizado o mesmo tipo de cateter-guia e fio-guia Extra support Choice PT 0,014" (Bostom Scientific Inc., USA) introduzido via ATI esquerda até o ramo VPD, seguido de cateter-balão Elect 2,5x15mm para pré-dilatação. Apresentou novamente intenso espasmo dos enxertos, sendo medicada com MN5IS pelo cateter-guia, com leve melhora, dificultando o posicionamento do stent Supralimus 3,0 x 29 mm (Sahajanad Medical Technologies, India) (Figura 2C), auxiliado pela imagem dos stents previamente implantados (Figura 2D) e liberado com 14 atm. Somente após a retirada do fio-guia e a medicação com MN5IS, pôde-se observar o resultado final, que mostrou o stent com aspecto angiográfico adequado (Figura 2E). A paciente evoluiu sem complicações. No seguimento clínico e angiográfico aos seis meses pós-implante, ela estava assintomática e com a manutenção do resultado do implante do stent farmacológico (Figura 2F).
Discussão
Ao contrário da ATI, que apresenta baixa incidência de aterosclerose, a AR é mais frequentemente acometida por aterosclerose, tornando-se não utilizável como enxerto vascular em 5% dos pacientes submetidos à CRM. Na presença de diabete melito, aproximadamente 50% dos pacientes apresentam aterosclerose da AR3.
A taxa de patência aos cinco anos pós-enxerto de AR situa-se entre 83% a 91%4, e o mecanismo exato para essas elevadas taxas de falha do enxerto é desconhecido. Muitas hipóteses têm sido aventadas para explicar a presença de estenoses em enxertos de AR: vasoespasmo, fluxo competitivo da circulação nativa, hiperplasia neointimal, lesão endotelial durante a manipulação do enxerto ou problemas técnicos durante a cirurgia5. Em uma grande série de intervenções percutâneas em enxertos radiais, observou-se que dois terços dos casos de estenose ocorreram proximal ou distal à anastomose, sugerindo que a origem principal da estenose nesses pacientes é relacionada a dificuldades técnicas6. No presente caso, a estenose está provavelmente relacionada à hiperplasia neointimal, baseada na localização no terço médio do enxerto e o espaço de tempo de 12 anos entre a cirurgia e o início dos sintomas.
Desde os primeiros relatos de intervenção coronária em enxerto de AR, observou-se que essas artérias são potencialmente espásticas, e o procedimento deve ser realizado com o uso liberal de drogas vasodilatadores7. Histologicamente, a AR difere da ATI pela maior espessura da camada média,com miócitos organizados em camadas mais densas com escasso tecido conjuntivo, enquanto a média da ATI tem organização irregular dos miócitos com estrutura frouxa do tecido conjuntivo e fibras elásticas. A densidade e a melhor organização das células musculares lisas de AR podem gerar mais força que a ATI, aumentando a propensão para o espasmo2.
As dificuldades que ocorreram no presente caso foram relacionadas aos espasmos dos enxertos. As artérias radiais das mulheres são mais sensíveis aos vasoconstritores, são menos sensíveis aos vasodilatadores e apresentam diâmetro menor que os homens2,8. O aspecto de saca-rolhas observado na ATI, após a passagem do fio-guia, ocorreu devido ao estiramento da artéria, que apresentava intensa tortuosidade no segmento médio e tem sido descrito como uma marca característica de espasmo coronário. O segundo procedimento caracterizou-se por maior espasmo dos enxertos, provavelmente devido ao uso de fio-guia mais rígido, necessário para fornecer suporte à passagem do stent longo por trajeto tortuoso.
O espasmo arterial pode ocorrer por estimulação mecânica, estimulação nervosa e pela ação de substâncias vasoconstritoras. Para o tratamento farmacológico do espasmo arterial, são utilizados os nitratos (NG e MN5IS) e para os espasmos resistentes a esses fármacos, os bloqueadores de canais de cálcio (diltiazem e verapamil)7. No relato atual, foram utilizados para tratamento do espasmo somente nitratos em altas doses, pois acreditávamos que a principal causa do espasmo era secundária à passagem do fio-guia em ATI com intensa tortuosidade, reforçada pela observação que a resolução completa do espasmo ocorreu somente após a retirada do fio-guia.
O stent farmacológico utilizado no presente caso, o Supralimus, eluidor de Sirolimus, mostrou eficácia no tratamento da reestenose intra-stent, com a manutenção do resultado aos seis meses pós-implante. O único relato de caso do emprego de stents farmacológico para o tratamento de estenose em enxerto de AR foi relacionado à lesão de nova aorta ostial, e foi utilizado stent eluidor de paclitaxel9. Os stents com eluição de Sirolimus em comparação aos com paclitaxel, no tratamento da reestenose intra-stent, mostraram menores taxa de revascularização da lesão-alvo e de perda tardia10.
Este caso ilustra o primeiro relato do implante de stent com eluição de Sirolimus para tratamento de reestenose intra-stent em enxerto de AR, demonstrando as dificuldades técnicas da ICP nesses enxertos, relacionados ao intenso espasmo e o excelente resultado angiográfico imediato e aos seis meses pós-implante.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
Artigo recebido em 08/07/09; revisado recebido em 07/03/10; aceito em 26/04/10
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
02 Maio 2011 -
Data do Fascículo
Abr 2011