Palavras-chave Infarto do Miocárdio; Síndrome Coronariana Aguda; Registro Médico Coordenado
A doença isquêmica miocárdica, particularmente em sua manifestação aguda como síndrome coronariana aguda (SCA), permanece como um dos principais desafios de saúde pública no Brasil e no mundo.1,2 Neste contexto, o estudo ACCEPT (Acute Coronary Syndrome Registry) emerge como uma fonte crucial de informações epidemiológicas e clínicas sobre o manejo das SCA no cenário brasileiro, com o objetivo de avaliar as terapias baseadas em evidência, a ocorrência de desfechos, uso de reperfusão e preditores para não receber reperfusão nos pacientes com SCACEST em um registro nacional multicêntrico.3,4
O Brasil, com suas dimensões continentais e marcantes disparidades regionais, apresenta um desafio único na implementação de estratégias uniformes para o tratamento das SCA. O estudo ACCEPT não apenas fornece dados valiosos sobre a prevalência e os tipos de SCA encontrados no país, mas também lança luz sobre as diferentes abordagens terapêuticas adotadas em diversas regiões.5 A revascularização miocárdica é um pilar fundamental no tratamento das SCA, especialmente no infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do Segmento-ST (IAMCSST).6 O ACCEPT demonstra que, embora a ICPp (Intervenção Coronária Percutânea Primária), primária seja considerada o padrão-ouro para o IAMCSST, sua disponibilidade e aplicação variam significativamente entre as regiões brasileiras. Em áreas metropolitanas e centros de referência, a ICP primária é frequentemente a primeira escolha, alinhando-se com diretrizes internacionais que recomendam sua realização dentro de 90 minutos após o primeiro contato médico.7 Contudo, em regiões menos desenvolvidas ou rurais, onde o acesso a centros de hemodinâmica é limitado, a fibrinólise ainda desempenha um papel crucial como estratégia de reperfusão inicial. Esta disparidade regional no acesso a recursos avançados de saúde ressalta a importância de estratégias adaptativas no manejo das SCA. A abordagem fármaco-invasiva, que combina fibrinólise inicial com transferência subsequente para ICP, emerge como uma alternativa promissora em cenários onde o acesso imediato à ICP não é viável.8-10
Além das questões de acesso, o estudo também destaca variações nos desfechos clínicos associados a diferentes abordagens terapêuticas. A mortalidade hospitalar e a longo prazo, bem como a incidência de eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE), são métricas cruciais que variam não apenas com o tipo de intervenção, mas também com o tempo até o tratamento.11 Um aspecto particularmente relevante evidenciado pelo ACCEPT é a importância do tempo no manejo das SCA. A relação inversa entre o atraso no tratamento e os desfechos clínicos reforça a necessidade de sistemas de saúde eficientes e protocolos bem estabelecidos para o rápido diagnóstico e intervenção.12-14 Uma análise detalhada das taxas de reperfusão baseadas nas regiões estudadas no ACCEPT revela disparidades significativas. Enquanto regiões mais desenvolvidas, como o Sudeste e o Sul, apresentam taxas mais elevadas de ICP primária, as regiões Norte e Nordeste ainda enfrentam desafios consideráveis no acesso a esta modalidade de tratamento. Por exemplo, enquanto a taxa de ICP primária pode chegar a 70-80% em grandes centros urbanos do Sudeste, em algumas áreas do Norte e Nordeste essa taxa pode cair para 30-40% Essas disparidades nas taxas de reperfusão refletem não apenas diferenças na infraestrutura de saúde, mas também variações nos protocolos de atendimento e na capacitação dos profissionais de saúde. Além disso, é crucial considerar as comorbidades clínicas e fatores regionais que impactam a reperfusão em tempo adequado. Entre as comorbidades clínicas que frequentemente atrasam ou impedem a reperfusão adequada, destacam-se:
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Diabetes mellitus: Pacientes diabéticos muitas vezes apresentam sintomas atípicos de SCA, levando a atrasos no diagnóstico e tratamento.
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Insuficiência renal crônica: A presença de disfunção renal pode complicar o manejo farmacológico e aumentar o risco de complicações pós-procedimento.
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Idade avançada: Pacientes idosos frequentemente apresentam manifestações atípicas da doença e têm maior risco de complicações, o que pode levar a hesitações na indicação de terapias mais agressivas.
Quanto aos fatores regionais que impactam a reperfusão adequada, podemos citar:
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Distância geográfica: Em regiões remotas, o tempo de transporte até centros especializados pode exceder a janela terapêutica ideal para reperfusão
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Infraestrutura de saúde: A falta de centros de hemodinâmica em algumas regiões limita o acesso à ICP primária.
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Capacitação profissional: A escassez de profissionais treinados em algumas áreas pode resultar em atrasos no diagnóstico e tratamento.
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Fatores socioeconômicos: Populações de baixa renda podem enfrentar barreiras adicionais no acesso aos serviços de saúde.
Em conclusão, o registro ACCEPT representa um avanço significativo na compreensão e manejo das SCA no contexto brasileiro. Seus achados devem ser utilizados para refinar protocolos clínicos, melhorar a alocação de recursos e, ultimamente, reduzir a morbimortalidade associada às doenças cardiovasculares no Brasil. A implementação de estratégias baseadas em evidências, adaptadas às realidades regionais, é fundamental para superar os desafios impostos pela vastidão territorial e diversidade socioeconômica do país. O caminho à frente exige uma abordagem multifacetada, incluindo investimentos em infraestrutura de saúde, treinamento de profissionais, educação pública sobre os sinais de alerta de SCA e o desenvolvimento de redes de atendimento integradas. Somente através de esforços coordenados e baseados em evidências, como as fornecidas pelo ACCEPT, poderemos avançar na melhoria do cuidado cardiovascular e na redução do impacto das SCA em todas as regiões do Brasil.
Referências
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2 Ribeiro ALP, Duncan BB, Brant LC, Lotufo PA, Mill JG, Barreto SM. Cardiovascular Health in Brazil: Trends and Perspectives. Circulation. 2016;133(4):422-33. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.114.008727.
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4 Ritt LEF, Barros e Silva PGM, Darzé ES, Santos RHN, Oliveira QB, Berwanger O, et al. Myocardial Infarction with ST Elevation and Reperfusion Therapy in Brazil: Data from the ACCEPT Registry. Arq Bras Cardiol. 2024; 121(11):e20230863. doi: https://doi.org/10.36660/abc.20230863
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7 Caluza AC, Barbosa AH, Gonçalves I, Oliveira CA, Matos LN, Zeefried C, et al. ST-Elevation Myocardial Infarction Network: Systematization in 205 Cases Reduced Clinical Events in the Public Health Care System. Arq Bras Cardiol. 2012;99(5):1040-8. doi: 10.1590/s0066-782x2012005000100.
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10 Byrne RA, Rossello X, Coughlan JJ, Barbato E, Berry C, Chieffo A, et al. 2023 ESC Guidelines for the Management of Acute Coronary Syndromes. Eur Heart J. 2023;44(38):3720-826. doi: 10.1093/eurheartj/ehad191.
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14 Armstrong PW, Gershlick AH, Goldstein P, Wilcox R, Danays T, Lambert Y, et al. Fibrinolysis or Primary PCI in ST-Segment Elevation Myocardial Infarction. N Engl J Med. 2013;368(15):1379-87. doi: 10.1056/NEJMoa1301092.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Dez 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
14 Set 2024 -
Revisado
25 Set 2024 -
Aceito
25 Set 2024