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De Volta ao Básico: PCSK9 como um Novo Alvo para o Receptor LDL

PCSK9 Proteína humana; Polimorfismo genético; Tendências; Aterosclerose

Introdução

Quarenta anos após a descoberta de Goldstein e Brown do receptor de lipoproteína de baixa densidade (LDLR)11. Goldstein JL, Brown MS. The LDL receptor. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2009;29(4):431-8.e 25 anos após a introdução das estatinas22. Endo A. The discovery and development of HMG Co-A reductase inhibitors. J Lipid Res. 1992;33(11):1569-82., um marco do gerenciamento da aterosclerose, os olhos da comunidade científica se voltam novamente para o LDLR, por meio do mecanismo de ação da pró-proteína convertase subtilisina/ kexin tipo 9 (PCSK9)33. Artenstein AW, Opal SM. Proprotein convertases in health and disease. N Engl J Med. 2011;365(26):2507-18..

A avaliação do polimorfismo genético com resultados inesperados em grandes estudos trouxe novamente à vida a hipótese sobre o importante papel do colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-C) no metabolismo da lipoproteína44. Voight BF, Peloso GM, Orho-Melander M, Frikke-Schmidt R, Barbalic M, Jensen MK, et al. Plasma HDL cholesterol and risk of myocardial infarction: a mendelian randomisation study. Lancet. 2012;6736:1-9. Erratum in: Lancet. 2012;380(9841):564.; o debate aparentemente eterno sobre a contribuição de triglicérides (TG) e seus remanescentes para o fenômeno da aterosclerose55. Miller M, Stone NJ, Ballantyne C, Bittner V, Criqui MH, Ginsberg HN, et al; American Heart Association Clinical Lipidology, Thrombosis, and Prevention Committee of the Council on Nutrition, Physical Activity, and Metabolism; Council on Arteriosclerosis, Thrombosis and Vascular Biology; Council on Cardiovascular Nursing; Council on the Kidney in Cardiovascular Disease. Triglycerides and cardiovascular disease: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2011;123(20):2292-333.. Tais avanços levaram à nova priorização do gerenciamento do LDL como o objetivo central e primário em relação à prevenção da principal causa da morbidade e mortalidade no ocidente, a aterosclerose.

Mais uma vez, retornamos à descoberta que levou Goldstein e Brown ao Prêmio Nobel em 1985, o LDLR11. Goldstein JL, Brown MS. The LDL receptor. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2009;29(4):431-8.; agora buscando evitar sua degradação pelo do conhecimento e compreensão do mecanismo de ação da PCSK9.

Bases bioquímicas e moleculares

A PCSK9, também chamada de convertase 1 regulada por apoptose neuronal (NARC-1), é uma proteína serina, caracterizada por uma estrutura de três domínios e um trio catalítico; ela é o novo membro da família de convertase das pró-proteínas33. Artenstein AW, Opal SM. Proprotein convertases in health and disease. N Engl J Med. 2011;365(26):2507-18..

O gene PCSK9 está localizado no cromossomo 1p32.3 e apresenta 22-kb de comprimento, englobando 12 exons codificando 692 aminoácidos da glicoproteína. Esta convertase é altamente expressa no fígado, intestino e rins66. Horton JD, Cohen JC, Hobbs HH. PCSK9: a convertase that coordinates LDL catabolism. J Lipid Res. 2009;50 Suppl:S172-7..

A PCSK9 é sintetizada como um zimogênio solúvel 74 kDa (proPCSK9) que após um processo auto-catalítico dentro do retículo endoplasmático, libera o pró-peptídeo (14kDa)-N terminal, resultando em uma enzima 60-kDa. Este processo automático de clivagem é necessário para a sua ativação e liberação do retículo endoplasmático33. Artenstein AW, Opal SM. Proprotein convertases in health and disease. N Engl J Med. 2011;365(26):2507-18..

O processo auto-catalítico permite a progressão por meio do caminho de secreção e assim, interage diretamente com o LDLR. É importante mencionar que a atividade catalítica não parece ser exigida para a degradação de LDLR, mas somente para a ativação da secreção de PCSK966. Horton JD, Cohen JC, Hobbs HH. PCSK9: a convertase that coordinates LDL catabolism. J Lipid Res. 2009;50 Suppl:S172-7..

Esta protease serina lida o fator dominante de crescimento epidérmico A (EGF-A) no LDLR, no qual PCSK9 e LDLR são internalizados pelo hepatócito para que sejam finalmente degradados dentro do lisossomo (Figura 1)66. Horton JD, Cohen JC, Hobbs HH. PCSK9: a convertase that coordinates LDL catabolism. J Lipid Res. 2009;50 Suppl:S172-7..

Figura 1
PCSK9 regula a rotação de LDLR por meio da degradação intracelular elevada.

Passado, presente e futuro da PCSK9

Há dez anos a Abifadel e cols. relatou 3 famílias na França com hipercolesterolemia familiar relacionada à funcionalidade e expressão elevadas de PCSK9, sem alteração no receptor de LDL ou estrutura apo B77. Abifadel M, Varret M, Rabès JP, Allard D, Ouguerram K, Devillers M, et al. Mutations in PCSK9 cause autosomal dominant hypercholesterolemia. Nat Genet. 2003;34(2):154-6..

Em 2005, dois anos mais tarde, Cohen e cols. por meio do programa/estudo Risco de Aterosclerose em Comunidades (ARIC) descreveram a perda da função de PCSK9 em indivíduos afro-americanos e caucasianos. No passado, eles relataram uma prevalência de 2,6% no déficit da função, concomitantemente, com níveis séricos reduzidos de colesterol de lipoprotína de baixa densidade LDL-C (28% inferior) e eventos CV, tais como infarto do miocárdio, necessidade de cirurgia para bypass cardíaco e mortes coronárias (88%). O último, por sua vez, exibiu uma diminuição na expressão de PCSK9 de 3,2%, com redução média de LDL-C de 15% vs. grupos de controle e redução de 47% nos eventos cardiovasculares exigindo cirurgia cardíaca, bem como a mortalidade relacionada a esta causa. De forma interessante, no estudo ARIC, 50% dos pacientes apresentavam hipertensão, 30% eram fumante e 20% apresentavam diabetes88. Cohen JC, Boerwinkle E, Mosley TH Jr, Hobbs HH. Sequence variations in PCSK9, low LDL, and protection against coronary heart disease. N Engl J Med. 2006;354(12):1264-72..

A inevitável comparação entre a redução do risco observada entre os indivíduos com um déficit da expressão/função de PCSK9 e os indivíduos avaliados com estatinas por 5 anos (diminuição similar do LDL-C entre os dois grupos com risco reduzido marcado nos pacientes com a alteração genética) levou ao desenvolvimento de diferentes estratégias para silenciar a protease serina e, assim, elevar os níveis de LDLR no fígado, com uma consequente diminuição dos níveis circulantes de LDL-C.

A intervenção precoce pode magnificar a eficácia clínica da terapia redutora do colesterol, por meio da atenuação do desenvolvimento e progressão da aterosclerose.

Os grupos terapêuticos primariamente envolvidos nesta estratégia seriam aqueles com hipercolesterolemia familiar, intolerância à estatina e, talvez, pacientes com um risco cardiovascular muito elevado com falha para atingir os alvos por meio do armamentário farmacológico existente.

Também é necessário determinar se a PCSK9 afeta somente os níveis de LDL-C, ou se também pode exercer uma ação direta sobre a vasculatura e outras estruturas. Sua interação/ação recíproca com a proteína de transferência do colesterol esterificado (CETP) e com o efluxo de colesterol mediado por HDL-C ainda tem de ser determinada.

Apesar de um mecanismo de ação indubitavelmente interessante, diversas questões permanecem: a segurança da combinação da PCSK9 com estatinas, a resposta imune dos anticorpos de PCSK9 após um tratamento prolongado, o valor real dos efeitos pleitrópicos que a estatina exibe e, finalmente, as potenciais interações com outras enzimas e proteases.

Estratégias terapêuticas e a PCSK9

Considerando o que foi anteriormente descrito, diversas linhas de pesquisa estão focando atualmente no desenvolvimento de moduladores/inibidores da PCSK9, em um esforço para reduzir o LDL-C mediado por um aumento no número de LDLRs hepáticos.

Diferentes estratégias farmacológicas estão em diferentes etapas de desenvolvimento; da fase 3 a etapas pré-clínicas (Tabela 1)99. Marais DA, Blom DJ, Petrides F, Gouëffic Y, Lambert G. Proprotein convertase subtilisin/kexin type 9 inhibition. Curr Opin Lipidol. 2012;23(6):511-7..

Tabela 1
PCSK9, terapias em desenvolvimento

Atualmente na fase 3, os anticorpos monoclonais definem a direção para esta estratégia terapêutica, com resultados demonstrados com relação à segurança e eficácia; da mesma forma os peptídeos, inibidores de pequenas moléculas e tentativas de silenciar os genes são algumas das diferenças estratégias e condutas sendo seguidas atualmente99. Marais DA, Blom DJ, Petrides F, Gouëffic Y, Lambert G. Proprotein convertase subtilisin/kexin type 9 inhibition. Curr Opin Lipidol. 2012;23(6):511-7..

Os potenciais resultados das diferentes estratégias farmacológicas, juntamente com a hipótese atrativa sobre o potencial efeito sinergístico quando administrada com estatinas, torna a modulação da PCSK9 a terapia futura mais promissora para evitar e prevenir o processo da aterosclerose em indivíduos com LDLR funcional.

Discussão

A descoberta da PCSK9 há dez anos, juntamente com os recentes resultados de estudos sobre intervenção e polimorfismo genético acerca de diferentes frações de lipoproteínas, abrem um futuro campo terapêutico promissor. Os efeitos adversos de altas doses de estatinas e afirmação lógica e racional da necessidade de alternativas no gerenciamento desta fração de lipoproteína para valores < 70 ou 50 mg/dL LDL-C1010. O'Keefe JH Jr, Cordain L, Harris WH, Moe RM, Vogel R. Optimal low-density lipoprotein is 50 to 70 mg/dl: lower is better and physiologically normal. J Am Coll Cardiol. 2004;43(11):2142-6., geram a necessidade de alternativas no gerenciamento desta fração de lipoproteína, central para o processo aterosclerótico.

Resultados inesperados e falhas em diversos estudos clínicos com diferentes moléculas (ezetimibe, niacina, fibratos, ômega 3, inibidores de proteínas de transferência do colesterol esterificado -iCETP-) de forma oposta à clara demonstração dos efeitos benéficos das estatinas em diferentes cenários e populações, destacou a importância de não somente diminuir os níveis de LDL-C, mas também o mecanismo pelo qual o processo ocorre.

Não podemos ignorar a atual controvérsia sobre a função que o HDL-C desempenha no processo da aterosclerose; os resultados claros dos estudos de populações com forte evidência epidemiológica são contrastados com as recentes análises genéticas do polimorfismo e regressão de Mendelian, juntamente com as falhas recentes dos estudos de intervenção. Pendente dos resultados de diferentes estudos (IMPROVE IT com ezetimibe e DEFINE com anacetrapibe), a função atual do HDL-C (fator marcador versus fator de risco) redefine o foco sobre o LDL-C, bem como aos mecanismos ao redor de sua modulação.

As estatinas comprovaram ser compostos insuperáveis em seu efeito preventivo e terapêutico sobre as doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. Contudo, 60% a 70% dos pacientes com eventos cardiovasculares clínicos mantiveram, persistentemente, altos níveis de LDL-C, mesmo após atingir as doses máximas recomendadas. Isto leva claramente à necessidade de novas condutas em relação à redução do risco residual de eventos cardiovasculares. Relatos recentes e revisões sistemáticas dos efeitos das estatinas sobre os perfis glicêmicos e novos casos de diabetes associado à dimensão renal, bem como a importância de outros efeitos adversos, tais como a miopatia induzida por estatina, acrescentam mais razões para buscar terapias adicionais visando combater à aterosclerose.

O cenário descrito acima aumenta, direta e indiretamente, a importância e enfatiza a PCSK9, sua evidência genética e epidemiológica e o potencial efeito terapêutico neste campo.

A determinação de um subgrupo de pessoas com uma mutação da codificação genética da PCSK9, baixos níveis de LDL-C desde uma idade precoce e risco cardiovascular extremamente baixo sugere não somente a possibilidade de uma nova estratégia terapêutica, mas também a necessidade de gerenciar e manter o LDL-C em níveis consistentemente baixos e a partir de uma idade precoce. Esta última talvez seja a maior base a partir das estratégias atuais de prevenção, aplicável hoje desde as décadas de 40, 50 e 60.

Em conclusão, podemos dizer que estamos encarando uma nova classe terapêutica em potencial, com um mecanismo de ação no qual o receptor de LDL está localizado no centro do processo, 40 anos após sua descoberta, atingindo um marco na história da aterosclerose que deve se tornar um ponto crucial no prognóstico e terapia desta doença, atualmente posicionada como uma indubitável prioridade da saúde pública.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa, Obtenção de dados, Análise e interpretação dos dados, Análise estatística, Redação do manuscrito, Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Corral P.

Referências

  • 1
    Goldstein JL, Brown MS. The LDL receptor. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2009;29(4):431-8.
  • 2
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  • 3
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  • 4
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  • 8
    Cohen JC, Boerwinkle E, Mosley TH Jr, Hobbs HH. Sequence variations in PCSK9, low LDL, and protection against coronary heart disease. N Engl J Med. 2006;354(12):1264-72.
  • 9
    Marais DA, Blom DJ, Petrides F, Gouëffic Y, Lambert G. Proprotein convertase subtilisin/kexin type 9 inhibition. Curr Opin Lipidol. 2012;23(6):511-7.
  • 10
    O'Keefe JH Jr, Cordain L, Harris WH, Moe RM, Vogel R. Optimal low-density lipoprotein is 50 to 70 mg/dl: lower is better and physiologically normal. J Am Coll Cardiol. 2004;43(11):2142-6.
  • Vinculação Acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Fontes de Financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2014

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2013
  • Revisado
    05 Ago 2013
  • Aceito
    05 Ago 2013
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