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Treinamento Intervalado de Alta Intensidade Pós-Infarto Agudo do Miocárdio Recente: O Rato Parece Apto, mas e o Ser Humano?

Keywords
Acute Coronary Syndrome; Cardiac Rehabilitation; Exercise

As síndromes coronárias agudas (SCA) e, em especial, o infarto agudo do miocárdio (IAM) matam e/ou incapacitam um número elevado de pessoas no mundo todo. Apesar de nem todo paciente pós-IAM cursar com disfunção ventricular, a insuficiência cardíaca pós-evento ainda apresenta prevalência elevada11 Benjamin EJ, Blaha MJ, Chiuve SE, Cushman M, Das SR, Deo R, et al; American Heart Association Statistics Committee and Stroke Statistics Subcommittee. Heart disease and stroke statistics-2017 update: a report from the American Heart Association. Circulation. 2017;135(10):e146-e603.,22 Piegas LS, Avezum A, Pereira JC, Rossi Neto JM, Hoepfner C, Farran JA, et al; AFIRMAR Study Investigators. Risk factors for myocardial infarction in Brazil. Am Heart J. 2003;146(2):331-8. sendo um problema de saúde pública. Um vasto arsenal medicamentoso, comumente associado a procedimentos de revascularização, compõe a base do tratamento pós-SCA, mas diferentes estratégias não farmacológicas têm se mostrado úteis. Nesse particular, o treinamento físico é indicado,33 Herdy AH, López-Jiménez F, Terzic CP, Milani M, Stein R, Carvalho T, et al. South American guidelines for cardiovascular disease prevention and rehabilitation. Arq Bras Cardiol. 2014;103(2 Suppl 1):1-31. e os programas de reabilitação cardíaca comumente mesclam o treinamento aeróbico com o resistido, ambos aliados aos exercícios de flexibilidade/alongamento.

No entanto, não existe “receita de bolo” para prescrição do exercício após um evento coronário agudo. É minha opinião que o uso do receituário do cardiologista deve contemplar o exercício como o faz com um remédio. Em outras palavras, o treinamento físico e o uso das drogas de ação cardiovascular devem ser prescritos levando em consideração diferentes aspectos, tais como dose, intervalo, intensidade e até mesmo potenciais efeitos colaterais. No que diz respeito ao treinamento físico , um verdadeiro “boom” de diferentes modelos vêm sendo aplicados à saúde. Pilates, Tai Chi Chuan, treinamento funcional, crossfit, treinamento intervalado de alta intensidade (TIAI), entre outros, pululam nas academias e centros físicos do país, sendo aplicados primeiramente para pessoas aparentemente saudáveis. Com o passar do tempo, alguns experimentos começaram a ser realizados em animais de laboratório e em indivíduos com doenças cardiovasculares.44 Zhang LQ, Zhang XQ, Musch TI, Moore RL, Cheung JY. Sprint training restores normal contractility in postinfarction rat myocites. J Appl Physiol (1985). 2000,89(3):1099-105.

5 Wisløff U, Støylen A, Loennechen JP, Bruvold M, Rognmo Ø, Haram PM, et al. Superior cardiovascular effect of aerobic interval training versus moderate continuous training in heart failure patients: a randomized study. Circulation. 2007;115(24):3086-94.

6 Ellingsen Ø, Halle M, Conraads V, Støylen A, Dalen H, Delagardelle C, et al; SMARTEX Heart Failure Study (Study of Myocardial Recovery After Exercise Training in Heart Failure) Group. High-intensity interval training in patients with heart failure with reduced ejection fraction. Circulation. 2017;135(9):839-49.
-77 Da Silveira AD, De Lima JB, Piardi, D, Horn T, Macedo DS, Santos F , et al. Treinamento intervalado de alta intensidade versus treinamento contínuo moderado em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada. In: 72º Congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia, 3-5 nov 2017. Arq Bras Cardiol. 2017;109(5 supl.1):98. O TIAI (do inglês “HIIT”) é um método inicialmente proposto para patinadores olímpicos japoneses por Izumi Tabata. Hoje em dia, é predominantemente realizado com intervalos de um a quatro minutos de maior intensidade em carga submáxima elevada, alternadamente com intervalos de baixa a moderada intensidade. Ensaios clínicos randomizados com pequeno tamanho amostral sugerem uma possível superioridade do método em aumentar o consumo de oxigênio de pico (VO2 pico) quando comparado ao treinamento contínuo convencional. Por suas peculiaridades e resultados, virou uma “febre” mundo afora, mas a literatura internacional continua sendo limitada em relação ao seu impacto em pacientes cardiopatas isquêmicos e, particularmente, pós-IAM.44 Zhang LQ, Zhang XQ, Musch TI, Moore RL, Cheung JY. Sprint training restores normal contractility in postinfarction rat myocites. J Appl Physiol (1985). 2000,89(3):1099-105.,88 Cardozo GG, Oliveira RB, Farinatti PT. Effects of high intensity interval versus moderate continuous training on markers of ventilatory and cardiac efficiency in coronary heart disease patients. Scientific World Journal. 2015; 2015:192479.,99 Hannan AL, Hing W, Simas V, Climstein M, Coombes JS, Jayasinghe R, et al. High-intensity interval training versus moderate-intensity continuous training within cardiac rehabilitation: a systematic review and meta-analysis. Open Access J Sports Med. 2018;9:1-17.

Neste número dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Winter et al.,1010 Winter SCN, Macedo RM, Francisco JC, Santos PC, Lopes APS, Meira LF, et al. Impact of a High-intensity training on ventricular function in rats after acute myocardial infarction. Arq Bras Cardiol. 2018 Mar 12:0. doi: 10.5935/abc.20180036. Arq Bras Cardiol. 2018; 110(4):373-380.
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apresentam informações sobre a repercussão do TIAI sobre a capacidade funcional e a função ventricular de 29 ratos Wistar após IAM. No vigésimo primeiro dia depois do evento, uma amostra foi randomizada, sendo 10 controles, 9 para treinamento contínuo e 10 para TIAI. É importante salientar que todos os ratos apresentavam fração de ejeção maior ou igual do que 50%, ou seja, sem disfunção ventricular. Primordialmente, os autores não encontraram diferença ecocardiográfica intragrupos e intergrupos pré- e pós-treinamento nos ratos randomizados para treinamento contínuo, assim como para o TIAI. Eles sugerem que os dois métodos são capazes de produzir efeito de treinamento (aumento na capacidade funcional) sem alterar a função ventricular (remodelamento). A partir dessa informação a seguinte pergunta poderia ser feita: seres humanos pós-IAM recente e sem disfunção ventricular podem ser expostos a esse tipo de treinamento?

Em um estudo clássico, Wisloff et al.,55 Wisløff U, Støylen A, Loennechen JP, Bruvold M, Rognmo Ø, Haram PM, et al. Superior cardiovascular effect of aerobic interval training versus moderate continuous training in heart failure patients: a randomized study. Circulation. 2007;115(24):3086-94. avaliaram três grupos de pacientes idosos com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida (ICFER), estáveis clinicamente, todos pós-IAM há mais de um ano. Os sujeitos foram randomizados para grupo controle, treinamento contínuo moderado (TCM) e TIAI.55 Wisløff U, Støylen A, Loennechen JP, Bruvold M, Rognmo Ø, Haram PM, et al. Superior cardiovascular effect of aerobic interval training versus moderate continuous training in heart failure patients: a randomized study. Circulation. 2007;115(24):3086-94. Àqueles arrolados para o TIAI apresentaram melhora no VO2 pico, no remodelamento do ventrículo esquerdo, reversão da disfunção endotelial e redução do peptídeo natriurético cerebral (BNP) quando comparados ao TCM. Ainda, uma metanálise composta de 160 pacientes mostrou que o treinamento intervalado (não necessariamente de alta intensidade) aumentou o VO2 pico em pacientes com ICFER.1111 Haykowsky MJ, Timmons MP, Kruger C, McNeely M, Taylor DA, Clark AM. Meta-analysis of aerobic interval training on exercise capacity and systolic function in patients with heart failure and reduced ejection fractions. Am J Cardiol. 2013;111(10):1466-9. Da mesma forma, em uma metanálise com 230 pacientes, Elliott et al.,1212 Elliot AD, Rajopadhyaya K, Bentley DJ, Beltrame JF, Aromataris EC. Interval training versus continuous exercise in patients with coronary artery disease: a meta-analysis. Hear Lung Circ. 2015;24(2):149-57. relataram que o treinamento intervalado parece promover aumento no VO2 pico em pacientes com doença arterial coronária estável.1212 Elliot AD, Rajopadhyaya K, Bentley DJ, Beltrame JF, Aromataris EC. Interval training versus continuous exercise in patients with coronary artery disease: a meta-analysis. Hear Lung Circ. 2015;24(2):149-57.

Ao longo dos últimos anos, diferentes estratégias emergiram como opções interessantes a serem utilizadas nos programas de reabilitação cardíaca pós-IAM recente, sendo o Tai Chi Chuan um exemplo1313 Nery RM, Zanini M, de Lima JB, Bühler RP, da Silveira AD, Stein R. Tai Chi Chuan improves functional capacity after myocardial infarction: a randomized clinical trial. Am Heart J. 2015;169(6):854-60. Em última análise, toda e qualquer intervenção deve ser usada para auxiliar o paciente em sua recuperação, reduzindo a morbidade, aumentando a funcionalidade e, quando possível, prolongado a sobrevida. Em relação à aplicabilidade do TIAI em pacientes estáveis no cenário pós-IAM recente, especula-se que o método seja capaz de melhorar o VO2 pico, um importante marcador prognóstico. Aliás, no mundo dos stents coronarianos e considerando que um número expressivo de pacientes cursa com miocárdio preservado pós-IAM, o TIAI parece ser uma estratégia de treinamento atraente para alguns indivíduos. Por outro lado, o corpo de informações científicas ainda não me parece robusto suficiente para que o TIAI seja consagrado como opção definitiva para pacientes pós-IAM recente. De qualquer forma, Winter et al.1010 Winter SCN, Macedo RM, Francisco JC, Santos PC, Lopes APS, Meira LF, et al. Impact of a High-intensity training on ventricular function in rats after acute myocardial infarction. Arq Bras Cardiol. 2018 Mar 12:0. doi: 10.5935/abc.20180036. Arq Bras Cardiol. 2018; 110(4):373-380.
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ao estudarem animais de laboratório, dão mais um passo importante na direção do que um dia possa constituir uma opção efetiva para programas de reabilitação cardíaca nessa população de seres humanos.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2018
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