Open-access Ecocardiografia sob estresse físico e eventos cardíacos maiores em pacientes com ergometria normal

Resumos

FUNDAMENTO: O teste ergométrico (TE), inicialmente indicado para diagnóstico e estratificação de risco da doença arterial coronariana (DAC), apresenta baixa sensibilidade, o que pode implicar em falha na detecção de pacientes com risco aumentado de eventos adversos. OBJETIVO: Avaliar a ecocardiografia sob estresse físico (EEF) na predição de eventos cardíacos maiores (ECM) e óbitos por todas as causas em pacientes com probabilidade pré-teste intermediária de DAC e TE normal. MÉTODO: Trata-se de estudo retrospectivo em que foram estudados 397 pacientes, com probabilidade pré-teste intermediária de DAC pelo método de Morise e TE normal, submetidos à EEF. Dividiu-se em dois grupos: EEF negativo (G1) ou positivo (G2) para isquemia miocárdica. Os desfechos avaliados foram mortalidade por qualquer causa e ECM, definidos como óbito cardíaco e infarto agudo do miocárdio (IAM) não fatal. RESULTADOS: O grupo G1 constituiu-se de 329 (82,8%) pacientes. A idade média foi de 57,37 ± 11 anos e 44,1% eram do gênero masculino. Durante o seguimento médio de 75,94 ± 17,24 meses, ocorreram 13 óbitos, dentre eles três por causas cardíacas (IAM), além de 13 IAM não fatais. Isquemia miocárdica permaneceu como preditor independente de ECM (RR 2,49; [IC] 95% 1,74-3,58). As variáveis preditoras de mortalidade por qualquer causa foram gênero masculino (RR 9,83; [IC] 95% 2,15-44,97) e idade > 60 anos (RR 4,57; [IC] 95% 1,39-15,23). CONCLUSÃO: A EEF positiva é preditora de ECM na amostra estudada, o que auxilia na identificação de um subgrupo de pacientes sob maior risco de eventos adversos, apesar de apresentarem TE normal.

Doença da Artéria Coronariana; Teste de Esforço; Ecocardiografia sob Estresse


BACKGROUND: Exercise test (ET) is the preferred initial noninvasive test for the diagnosis and risk stratification of coronary artery disease (CAD), however, its lower sensitivity may fail to identify patients at greater risk of adverse events. OBJECTIVE: To assess the value of stress echocardiography (SE) for predicting all-cause mortality and major cardiac events (MACE) in patients with intermediate pretest probability of CAD and a normal ET. METHODS: 397 patients with intermediate CAD pretest probability , estimated by the Morise score, and normal ET who underwent SE were studied. The patients were divided into two groups according to the absence (G1) or presence (G2) of myocardial ischemia on SE .End points evaluated were all-cause mortality and MACE, defined as cardiac death and nonfatal acute myocardial infarction (AMI). RESULTS: G1 group was comprised of 329 (82.8%) patients. The mean age of the patients was 57.37 ± 11 years and 44.1% were male. During a mean follow-up of 75.94 ± 17.24 months, 13 patients died, three of them due to cardiac causes, and 13 patients suffered nonfatal AMI. Myocardial ischemia remained an independent predictor of MACE (HR 2.49; [CI] 95% 1.74-3.58). The independent predictors for all-cause mortality were male gender (HR 9.83; [CI] 95% 2.15-44.97) and age over 60 years (HR 4.57; [CI] 95% 1.39-15.23). CONCLUSION: Positive SE for myocardial ischemia is a predictor of MACE in the studied sample, which helps to identify a subgroup of patients at higher risk of events despite having normal ET.

Coronary Artery Disease; Exercise Test; Echocardiography; Stress


Ecocardiografia sob estresse físico e eventos cardíacos maiores em pacientes com ergometria normal

Flávia Ricci CalasansI; Bruno Fernandes de Oliveira SantosI; Débora Consuelo Rocha SilveiraI; Ana Carla Pereira de AraújoI; Luiza Dantas MeloI; José Augusto Barreto-FilhoI; Antônio Carlos Sobral SousaI,II; Joselina Luzia Menezes OliveiraI,II

IUniversidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE

IILaboratório de Ecocardiografia da Clínica e Hospital São Lucas - ECOLAB, Aracaju, SE - Brasil

Correspondência Correspondência: Luzia Menezes Oliveira Praça Graccho Cardoso, 76/402, São José CEP 49015-180, Aracaju, SE - Brasil E-mail: jlobelem@cardiol.br, joselinasergipe@ig.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: O teste ergométrico (TE), inicialmente indicado para diagnóstico e estratificação de risco da doença arterial coronariana (DAC), apresenta baixa sensibilidade, o que pode implicar em falha na detecção de pacientes com risco aumentado de eventos adversos.

OBJETIVO: Avaliar a ecocardiografia sob estresse físico (EEF) na predição de eventos cardíacos maiores (ECM) e óbitos por todas as causas em pacientes com probabilidade pré-teste intermediária de DAC e TE normal.

MÉTODO: Trata-se de estudo retrospectivo em que foram estudados 397 pacientes, com probabilidade pré-teste intermediária de DAC pelo método de Morise e TE normal, submetidos à EEF. Dividiu-se em dois grupos: EEF negativo (G1) ou positivo (G2) para isquemia miocárdica. Os desfechos avaliados foram mortalidade por qualquer causa e ECM, definidos como óbito cardíaco e infarto agudo do miocárdio (IAM) não fatal.

RESULTADOS: O grupo G1 constituiu-se de 329 (82,8%) pacientes. A idade média foi de 57,37 ± 11 anos e 44,1% eram do gênero masculino. Durante o seguimento médio de 75,94 ± 17,24 meses, ocorreram 13 óbitos, dentre eles três por causas cardíacas (IAM), além de 13 IAM não fatais. Isquemia miocárdica permaneceu como preditor independente de ECM (RR 2,49; [IC] 95% 1,74-3,58). As variáveis preditoras de mortalidade por qualquer causa foram gênero masculino (RR 9,83; [IC] 95% 2,15-44,97) e idade > 60 anos (RR 4,57; [IC] 95% 1,39-15,23).

CONCLUSÃO: A EEF positiva é preditora de ECM na amostra estudada, o que auxilia na identificação de um subgrupo de pacientes sob maior risco de eventos adversos, apesar de apresentarem TE normal.

Palavras-chave: Doença da Artéria Coronariana , Teste de Esforço, Ecocardiografia sob Estresse.

Introdução

A doença arterial coronariana (DAC) é a causa mais comum de morbimortalidade nos países ocidentais1. A disponibilidade de opções terapêuticas eficazes do ponto medicamentoso, intervencionista, assim como cirúrgico, torna importante a identificação de pacientes sob risco aumentado de eventos cardiovasculares2. Dessa forma, a avaliação do prognóstico é essencial para selecionar o manejo apropriado dos pacientes com DAC conhecida ou suspeita3. Apesar de o padrão-ouro para o diagnóstico de DAC ser a angiografia coronária, técnicas não invasivas desempenham um importante papel no direcionamento para procedimentos diagnósticos e terapêuticos invasivos, além de estarem associadas à menor morbidade e custo4.

O teste ergométrico (TE) desempenha um importante papel no diagnóstico e estratificação de risco dos pacientes com DAC conhecida ou suspeita5-8. Dos exames não invasivos, continua como método mais utilizado para avaliação diagnóstica e prognóstica de DAC, com valor reconhecido principalmente nos pacientes com probabilidade pré-teste intermediária9. Entretanto, está estabelecido na literatura que as alterações da motilidade segmentar do ventrículo esquerdo, detectadas a partir da ecocardiografia sob estresse físico (EEF), aparecem mais precocemente na cascata isquêmica do que a angina ou alterações do segmento ST10.

Tem sido bem documentado que a isquemia decorrente de obstrução coronariana pode ocorrer sem sinais clinicamente reconhecíveis, como mudanças eletrocardiográficas ou sintomas como angina11,12, o que orienta a necessidade de reconhecimento e tratamento precoces com o objetivo de reduzir o risco subsequente13,14. Pacientes que não desenvolvem angina ou anormalidades eletrocardiográficas durante o TE podem apresentar um risco baixo para eventos cardíacos e óbitos, entretanto, a menor sensibilidade desse exame na detecção de DAC obstrutiva pode implicar potencialmente uma falha na identificação de pacientes de maior risco15.

Estudos prévios têm indicado claramente o papel da EEF na predição de eventos cardiovasculares e mortalidade em variados contextos clínicos16-23, porém, não existem na literatura trabalhos que abordem o valor prognóstico da EEF em pacientes com probabilidade pré-teste intermediária de DAC e TE normal. O objetivo do presente trabalho é avaliar o valor da EEF na predição de eventos cardíacos e óbitos por todas as causas nesse subgrupo de pacientes.

Métodos

Pacientes

Foram incluídos 397 pacientes consecutivos portadores de DAC suspeita com TE normal e probabilidade pré-teste intermediária de DAC, estimada de acordo com o escore de Morise24,25. Esses pacientes foram encaminhados ao Laboratório de Ecocardiografia da Clínica e Hospital São Lucas (Aracaju, Sergipe) para serem submetidos à realização de EEF, no período compreendido entre janeiro de 2001 a dezembro de 2005. Foram definidos como critérios de exclusão: a) baixa ou alta probabilidade pré-teste de DAC; b) diagnóstico prévio de DAC; c) TE positivo para isquemia miocárdica d) presença de bloqueio de ramo esquerdo (BRE) do feixe de His; e) recusa em participar da pesquisa; f) impossibilidade de estabelecer contato telefônico durante o follow-up. Os princípios éticos que regem a experimentação humana foram cuidadosamente seguidos e todos os pacientes assinaram termo de consentimento informado. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe (CAAE 1818.0.000.107-06).

O protocolo consistiu na realização de investigação clínica completa, na qual foi registrada a ocorrência de sintomas prévios, como dor torácica ou dispneia, e de fatores de risco para doença cardiovascular, seguida de eletrocardiograma (ECG) de doze derivações e ecocardiograma de repouso. Em seguida, realizou-se o esforço físico em esteira rolante e, logo após, procedeu-se novamente à aquisição das imagens ecocardiográficas. Os dados clínicos e demográficos, assim como os resultados dos testes de esforço, foram registrados no nosso banco de dados.

Teste ergométrico

Os pacientes foram examinados em período pós-prandial de refeição leve e mantiveram-se afastados de qualquer atividade física excessiva no dia em que foi realizado o exame. A investigação foi conduzida com o indivíduo em respiração espontânea em ar atmosférico, em sala com temperatura constante (20ºC a 24ºC). O protocolo de Bruce foi utilizado para a realização do TE. Durante o teste, os indivíduos foram monitorizados continuamente mediante o ECG de três derivações, sendo encorajados a alcançar o seu pico máximo de esforço físico.

O TE foi considerado positivo para isquemia miocárdica quando se constatava supradesnivelamento do segmento ST ou infradesnivelamento horizontal ou descendente igual ou superior a um milímetro por pelo menos 60 a 80 milissegundos do ponto J9.

Ecocardiografia sob estresse físico

O ecocardiograma foi realizado com equipamento Hewlett Packard/Phillips SONOS 5500, observando-se os aspectos técnicos classicamente descritos por Schiller e cols.26. As imagens ecocardiográficas bidimensionais foram obtidas nas janelas acústicas paraesternais e apicais, durante o repouso e imediatamente após o esforço, com o paciente em decúbito lateral esquerdo e registro eletrocardiográfico simultâneo. As imagens foram gravadas em videocassete ou Display Video Digital.

A motilidade segmentar foi avaliada por ecocardiografistas experientes, com nível III, conforme preconizado pela Sociedade Americana de Ecocardiografia. O espessamento parietal segmentar do VE (ventrículo esquerdo) foi avaliado quantitativamente no repouso e, após o esforço através da utilização do modelo de 16 segmentos, graduado em: 1, normal; 2, hipocinético; 3, acinético; e 4, discinético. O índice de escore da motilidade do ventrículo esquerdo (IEMVE) foi calculado no repouso e durante o exercício como a soma dos escores conferidos a cada um dos 16 segmentos dividido pelo número de segmentos avaliados no dado momento. O IEMVE igual a um corresponde à normalidade, de 1,1 a 1,6 representa disfunção leve, de 1,61 a 2, disfunção moderada. Valores maiores que 2 representam disfunção importante26. A diferença entre o IEMVE de esforço e de repouso é chamada de ΔIEMVE. O desenvolvimento de nova alteração na motilidade parietal ou piora de dissinergia existente (ΔIEMVE ≠ 0) foi considerado indicativo de isquemia miocárdica.

Seguimento e desfechos

O seguimento dos pacientes foi feito através de entrevistas estruturadas obtidas por contato telefônico. Também foram realizados contato com médico assistente e revisão de registros médicos. Foram considerados como desfechos do estudo óbitos por todas as causas e eventos cardíacos maiores (ECM), definidos como óbito cardíaco e infarto agudo do miocárdio não fatal.

Análise estatística

As variáveis categóricas foram apresentadas como porcentagens e analisadas através do teste de qui-quadrado ou teste exato de Fisher. As variáveis contínuas foram representadas através de média +/- DP, e comparadas com auxílio do teste t não pareado de Student ou teste de Mann-Whitney U, conforme apropriado. As curvas cumulativas de eventos foram estimadas pelo método de Kaplan-Meier e comparadas pelo teste de long-rank. Pacientes foram censurados no momento da revascularização miocárdica para a análise dos eventos cardíacos maiores, mas não para mortalidade geral.

Para avaliar os fatores de risco para ECM e óbitos por todas as causas foi utilizada regressão de Cox de forma univariada e multivariada. As variáveis incluídas no modelo multivariado foram todas aquelas com p < 0,1 na análise univariada. Problemas de multicolinearilidade foram resolvidos antes da inserção das variáves no modelo. Foi utilizado o método forward de seleção de variáveis. As variáveis que permaneceram no modelo foram testadas em busca de possíveis interações. O pressuposto de proporcionalidade de risco foi testado através dos resíduos de Schoenfield para cada uma das variáveis que permaneceram no modelo final. Foram considerados significativos os valores de p < 0,05. As análises estatísticas foram processadas por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 17.0 (Chicago, IL).

Resultados

Características clínicas da população estudada

Dentre os 397 pacientes com probabilidade pré-teste intermediária de DAC e TE normal submetidos à EEF, 175 (44,1%) eram do gênero masculino e a idade média foi de 57,4 ± 11 anos. O grupo G1 foi composto por 329 (82,8%) pacientes com resultado negativo e o grupo G2, de 68 (17,2%) pacientes com resultado positivo para isquemia miocárdica à EEF. O grupo G2 apresentava maior idade média, porém não houve diferença entre os grupos em relação a gênero e presença de precordialgia. Os dois grupos (G1 e G2) apresentaram frequências semelhantes de comorbidades, como dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, além de história familiar de DAC (Tabela 1).

Parâmetros hemodinâmicos e ecocardiográficos

Os pacientes com isquemia à EEF apresentaram média de duplo produto ao esforço mais baixa quando comparados ao grupo sem isquemia. Além disso, as médias do índice cronotrópico e da frequência cardíaca de pico foram também inferiores no grupo G2. Ao se considerar a média da fração de ejeção, observou-se diferença entre os grupos com valores menores encontrados no grupo G2 (0,62 ± 0,07) em relação ao grupo G1 (0,67 ± 0,05). Foi observado que os pacientes do grupo G2 foram mais propensos ao desenvolvimento de arritmias (Tabela 2).

Follow up e Desfechos

Durante o tempo de seguimento médio de 75,94 ± 17,24 meses, ocorreram 13 óbitos (9 no grupo G1 e 4 no G2), dentre eles, três por causas cardíacas (IAM), além de 13 IAM não fatais. Dos 16 ECM, 11 ocorreram no grupo G1 e cinco, no G2. Na análise univariada, as variáveis gênero masculino, idade, duplo produto ao esforço e EEF positiva para isquemia miocárdica apresentaram associação com mortalidade. As variáveis associadas ao desenvolvimento de ECM na análise univariada foram idade, duplo produto ao esforço, anormalidades de motilidade segmentar ao repouso, EEF positiva para isquemia miocárdica e o ΔIEMVE (Tabela 3). No modelo final da análise multivariada, apenas o ΔIEMVE manteve significância como preditor independente de ECM (RR 2,49; [IC] 95% 1,74-3,58). As variáveis preditoras de mortalidade por qualquer causa foram gênero masculino (RR 9,83; [IC] 95% 2,15-44,97) e idade maior ou igual a 60 anos (RR 4,57; [IC] 95% 1,39-15,23) (Tabela 4). As curvas de Kaplan-Meier dos óbitos por todas as causas e de ECM estão representadas nas Figuras 1 e 2, respectivamente.



Discussão

Este estudo mostra que uma proporção significativa de pacientes com probabilidade pré-teste intermediária de DAC e TE normal apresenta isquemia miocárdica detectada pela EEF. Foi demonstrado que um em cada seis pacientes apresentou alterações indicativas de isquemia miocárdica à EEF. Os resultados refletem as limitações do valor preditivo negativo do TE quando comparado à EEF na população em que o TE tem seu valor principalmente reconhecido, a de probabilidade pré-teste intermediária de DAC.

Para o diagnóstico de isquemia miocárdica, na interpretação do resultado do TE, deve-se levar em consideração a probabilidade pré-teste de DAC, uma vez que os valores preditivos são relacionados à prevalência da doença na população considerada. O valor clínico do TE é reconhecido principalmente nos pacientes com probabilidade pré-teste intermediária de DAC. Isso se deve ao fato de serem esperados muitos resultados falsos positivos em grupos assintomáticos e de já ser esperada uma alta taxa de futuros eventos cardíacos em pacientes com alta probabilidade pré-teste de DAC, independentemente do resultado do TE9.

A variabilidade da acurácia diagnóstica do TE foi previamente estudada por duas metanálises27,28. Naqueles estudos, onde os pacientes foram submetidos aos dois procedimentos, TE e angiografia coronária, a sensibilidade e especificidade aproximadas do infradesnivelamento retificado ou descendente do segmento ST > 1,0 mm foi de 50% e 90%, respectivamente29-31. A EEF apresenta boa acurácia para detecção de DAC, com maior sensibilidade e especificidade para o seu diagnóstico em relação ao eletrocardiograma, ao TE e ao ecocardiograma em repouso, além de apresentar valor adicional na localização e quantificação da isquemia miocárdica32.

Além disso, a extensão da isquemia e a severidade das alterações de motilidade das paredes do miocárdio, medidas no pico do esforço do protocolo da EEF, são consideradas preditores independentes e cumulativos do prognóstico de pacientes com DAC conhecida ou suspeita, fornecendo informação prognóstica adicional ao TE padrão19. Estudos demonstram que a extensão e/ou severidade da isquemia induzida pelo exercício são fortes preditores de IAM e óbitos cardíacos18,33,34, o que corrobora os resultados deste estudo, no qual a isquemia miocárdica, estimada pelo ΔIEMVE, foi preditora de eventos cardíacos adversos.

Percebe-se, portanto, que variáveis ecocardiográficas que refletem a extensão e severidade de DAC são superiores para avaliação do risco de eventos subsequentes, conforme observado por Arruda e colegas. Em uma coorte de 5.798 pacientes com DAC conhecida ou suspeita, o IEMVE apresentou valor prognóstico significativo para ECM e foi mais fidedigno que a variável isquemia, definida no estudo como o desenvolvimento de nova alteração na motilidade parietal, ou piora de dissinergia existente.

A presença de isquemia miocárdica detectada pela EEF foi previamente descrita como preditora de eventos cardíacos adversos e mortalidade por qualquer causa em pacientes com TE normal. No estudo de uma coorte espanhola que abrangeu 4004 pacientes, dentre os quais 16,7% apresentaram isquemia à EEF, o ΔIEMVE foi um preditor independente de ECM e mortalidade15. No presente estudo, o ΔIEMVE foi capaz de predizer o desenvolvimento de eventos cardíacos adversos, entretanto, não foi preditor de mortalidade por todas as causas. É importante ressaltar que na coorte espanhola foram incluídos pacientes de alto risco para DAC, os quais foram excluídos deste trabalho com o intuito de avaliar uma população que gera dúvida de abordagem diagnóstica.

A importância da EEF na predição de mortalidade e eventos cardíacos supera as limitações inerentes ao TE e pode inclusive ser observada em pacientes com teste inconclusivo, a exemplo dos portadores de BRE. No acompanhamento de 609 pacientes com BRE, durante seguimento médio de 4,6 ± 3,4 anos, foram observadas taxas de mortalidade e eventos cardíacos em cinco anos duas vezes maiores em pacientes que apresentaram isquemia à EEF35. Em estudo com população brasileira de portadores de BRE, a EEF também foi preditora de eventos cardíacos maiores36.

Neste estudo, foi observado que a EEF confere um bom prognóstico em pacientes com resultado normal ao ecocardiograma. Essa evidência foi inicialmente descrita por Sawada e cols.37, e confirmada posteriormente por outros estudos. Em uma coorte de 1.325 pacientes cujo status coronariano era desconhecido, o prognóstico após uma EEF normal foi considerado excelente. A taxa de sobrevida livre de eventos cardíacos em um, dois e três anos, foi de 99,2%, 97,8% e 97,4%, respectivamente, com prognóstico favorável mesmo nos pacientes com probabilidade pré-teste intermediária ou alta38. Segundo estudo envolvendo 437 pacientes com angina e sem história prévia de IAM ou revascularização miocárdica, pacientes com teste normal apresentam baixa taxa de ocorrência de eventos e podem ser dispensados de procedimentos invasivos durante os três anos que se seguem a um teste normal19.

As implicações prognósticas favoráveis da EEF negativa para isquemia miocárdica estão de acordo com recente meta-análise publicada, na qual o valor preditivo negativo da EEF para IAM e óbito cardíaco foi de 98,4% ([IC95%] 97,9 - 98,9) em 33 meses de seguimento, valor semelhante ao da cintilografia de perfusão miocárdica, 98,8% ([IC95%] 98,5 - 99,0), em 36 meses de seguimento39.

No que se refere às limitações do trabalho, destacamos aquela inerente a estudos observacionais, onde variáveis não mensuradas podem corroborar para a diferença de prognóstico entre os grupos.

Apesar de atualmente recomendado como exame inicial para avaliação de DAC, quando comparado à EEF, o TE apresenta limitações quanto a seu valor preditivo negativo. Através da EEF, foi possível identificar um subgrupo de pacientes de maior risco para o desenvolvimento de eventos cardíacos adversos, ainda que apresentassem TE normal. Entretanto, estudos adicionais de custo-efetividade são necessários para definir se o incremento no valor prognóstico fornecido pela EEF justifica sua utilização como exame inicial. Essa estratégia poderia implicar redução de potenciais custos a partir da seleção adequada de estratégias terapêuticas, além de permitir referência apropriada para indicação de angiografia coronária aos pacientes de maior risco.

Conclusão

A EEF positiva para isquemia miocárdica é preditora de ECM na amostra estudada, o que auxilia na identificação de um subgrupo de pacientes sob maior risco de eventos adversos, apesar de apresentar TE normal.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa, Obtenção de dados, Análise e interpretação dos dados, Análise estatística, Redação do manuscrito, Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Calasans FR, Santos BFO, Silveira DCR, Araújo ACP, Melo LD, Barreto-Filho JA, Sousa ACS, Oliveira JLM.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 13/04/12, revisado em 05/07/12; aceito em 17/12/12.

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  • Correspondência:
    Luzia Menezes Oliveira
    Praça Graccho Cardoso, 76/402, São José
    CEP 49015-180, Aracaju, SE - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jul 2013

    Histórico

    • Recebido
      13 Abr 2012
    • Aceito
      17 Dez 2012
    • Revisado
      05 Jul 2012
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