Open-access Prescrição de Exercício Aeróbio na Reabilitação Cardíaca Baseada na Frequência Cardíaca dos Estágios do Teste da Fala e do Teste de Caminhada de 6 Minutos

Resumo

Fundamento  Embora o Teste da Fala (TF) seja um teste confiável e de baixo custo, seu uso para prescrição de exercício aeróbio ainda é limitado.

Objetivo  Analisar a frequência cardíaca (FC) dos estágios do TF e no pico do teste de caminhada de 6 minutos (TC6min) como parâmetro para a prescrição de exercício aeróbio comparando com a FC no primeiro e segundo limiares ventilatórios (LV1 e LV2) do teste cardiopulmonar de exercício (TCPE).

Métodos  Pacientes com doença cardiovascular compareceram a 3 dias de avaliação: 1) anamnese e TCPE; 2) TC6min; e 3) TF. Foram usados ANOVA unidirecional de medidas repetidas ou teste de Friedman para comparar a FC no LV1 e LV2 com a FC nos estágios do TF: último positivo (TF+), primeiro equívoco (TF±) e negativo (TF−) e no pico do TC6min. O teste de Pearson ou Spearman avaliou se há correlação entre FC em LVs, estágios do TF e TC6min. A significância estatística foi fixada em 5%.

Resultados  O estudo incluiu 22 pacientes cardíacos (13 homens, 61 ± 8 anos). A FC no LV1 foi semelhante à FC no TF+ (p = 0,987) e TF± (p = 0,154), e moderadamente correlacionada com o TF+ (r = 0,479, p = 0,024). A FC no LV2 foi semelhante ao TF− (p = 0,383), com forte correlação (r = 0,757, p < 0,001). A FC no pico do TC6min foi significativamente diferente da FC no TF+, TF± e LV1 (p = 0,001, p = 0,005 e p < 0,001, respectivamente), mas semelhante ao TF− (p = 0,68).

Conclusões  A FC no TF+ e TF− reflete a FC no LV1 e LV2, respectivamente, diferentemente do TC6min, que foi semelhante apenas ao LV2. O TF pode ser um teste objetivo para auxiliar a prescrição de exercício aeróbio na reabilitação cardíaca.

Reabilitação Cardiovascular; Exercício Físico; Teste da Fala

Abstract

Background  Although the Talk Test (TT) is a reliable and low-cost test, its use for aerobic exercise prescription is still limited.

Objective  To analyze the heart rate (HR) in the stages of the TT and at the peak of the 6-minute walk test (6MWT) as a parameter to prescribe aerobic exercise compared with HR at the first and second ventilatory thresholds (VT1 and VT2) of cardiopulmonary exercise test (CPET).

Methods  Individuals with cardiovascular disease attended three assessment days: 1) anamnesis and CPET; 2) 6MWT; and 3) TT. One-way repeated measures ANOVA or Friedman’s test were used to compare HR at VT1 and VT2 with HR at TT stages: last positive (TT+), first equivocal (TT±), and negative (TT−), and at the peak of the 6MWT. Pearson’s or Spearman’s test assessed correlations between HR at VTs, TT stages, and 6MWT. Statistical significance was set at 5%.

Results  The study included 22 cardiac patients (13 men, 61 ± 8 years). HR at VT1 was similar to HR at TT+ (p = 0.987) and TT± (p = 0.154), and moderately correlated with TT+ (r = 0.479, p = 0.024). HR at VT2 was similar to TT− (p = 0.383), with a strong correlation (r = 0.757, p < 0.001). HR at the peak of the 6MWT was significantly different from HR at TT+, TT±, and VT1 (p = 0.001, p = 0.005, and p < 0.001, respectively) but similar to TT− (p = 0.68).

Conclusions  HR at TT+ and TT− reflect HR at VT1 and VT2, respectively, differently from 6MWT, which was similar only to VT2. TT may be an objective test to assist aerobic exercise prescription in cardiac rehabilitation.

Cardiac Rehabilitation; Exercise; Talk Test

Introdução

O principal objetivo da reabilitação cardiovascular é melhorar a aptidão cardiorrespiratória por meio do exercício aeróbio (EA).1 A recomendação geral para a prática de exercício físico, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, é de 150 minutos semanais divididos em 3 a 5 sessões semanais. A prática adequada de exercício físico visa reduzir a pressão arterial, o risco de eventos cardiovasculares e o risco de mortalidade em pacientes cardiovasculares.1,2

O teste cardiopulmonar de exercício (TCPE) é o teste de referência para avaliar a função cardiorrespiratória e prescrever a intensidade do EA.1 A análise do TCPE permite a identificação das variáveis mais adequadas e recomendadas, como consumo máximo de oxigênio, carga de trabalho, frequência cardíaca (FC) máxima, FC de reserva e limiares ventilatórios (LVs).3-5 No entanto, esse teste ainda tem acesso limitado, principalmente em países em desenvolvimento, devido aos altos custos, à necessidade de profissionais altamente capacitados e às análises complexas.4,5

Nesse sentido, métodos alternativos ao TCPE têm sido utilizados, como equações para predizer a FC máxima e escalas relacionadas à percepção subjetiva de esforço.6 Outros métodos utilizam valores de FC absolutos ou relativos obtidos durante testes submáximos, como o teste de caminhada de 6 minutos (TC6min)7-9 e o teste da fala (TF).10,11 O TF é um teste validado e acessível, baseado em um protocolo de carga incremental e utiliza a percepção do conforto de fala como marcador da intensidade do exercício.12,13 Recentemente, o TF tem sido recomendado para avaliar a capacidade funcional e prescrever EA por diretrizes nacionais e internacionais de prevenção e reabilitação cardiovascular.1,2

O TF pode ser aplicado em cicloergômetro ou esteira, comumente de forma semelhante ao protocolo do TCPE. Ao final de cada estágio, o paciente tem seu conforto de fala questionado, geralmente lendo um parágrafo padrão e respondendo à pergunta “Está confortável para falar?”. Existem 3 alternativas de resposta: “sim”, a fala continua confortável durante o exercício (TF positivo, TF+); “talvez”, o paciente percebe desconforto na fala (TF incerto ou equívoco, TF±); e “não”, o paciente não consegue ler o parágrafo confortavelmente (TF negativo, TF−). O último estágio (TF−) é considerado um critério para interrupção do teste.12,14-16 No entanto, estudos utilizando TF para prescrever EA são escassos, mesmo em pessoas saudáveis.

Não se sabe se a FC alcançada nos estágios do TF é uma medida válida para prescrever a intensidade do EA e se esses estágios podem ser comparados com a FC no pico do TC6min e nos LVs do TCPE. Acreditamos que a FC nos estágios do TF esteja associada ao padrão de referência, aos valores dos LVs, bem como com a frequência cardíaca pico (FCpico) alcançada em um TC6min. Compreender as semelhanças e as associações entre essas 3 diferentes ferramentas de prescrição pode facilitar a prática clínica, fornecendo informações sobre uma ferramenta adicional para prescrever EA, que pode fornecer um parâmetro de intensidade independente, individualizado e confiável. Portanto, objetivamos analisar e comparar a FC nos estágios do TF e na FCpico no TC6min, bem como compará-las com a FC nos LVs do TCPE.

Métodos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina (número 96032818.4.0000.0118) e conduzido de acordo com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e a Declaração de Helsinque. Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Participantes

Uma amostra intencional e não probabilística de pacientes de ambos os sexos, com idade entre 40 e 80 anos, diagnosticados com doença cardiovascular crônica clinicamente estável (sem história de internação hospitalar ou mudança de medicação nas 4 semanas anteriores ao estudo) foi recrutada no Núcleo de Cardio-oncologia e Medicina do Exercício da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Os critérios de inclusão foram alfabetização para compreender suficientemente o TF e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Os critérios de exclusão foram alterações de fala ou musculoesqueléticas, acuidade visual comprometida que impedisse o paciente de ler o parágrafo, dor intensa inespecífica ou angina durante os testes, doença neurológica diagnosticada por meio de teste cognitivo ou doenças respiratórias.

Coleta de dados

Os dados foram coletados em 3 dias. O primeiro dia consistiu em uma entrevista estruturada e medidas antropométricas, incluindo índice de massa corporal, avaliação cognitiva (mini exame do estado mental) e avaliação do TCPE. No segundo dia, foram realizados dois TC6min com intervalo de 30 minutos entre eles. O TF foi realizado no terceiro dia. Todos os pacientes foram avaliados dentro de 48 e 72 horas entre os testes e no mesmo período do dia.

Mini exame do estado mental

O mini exame do estado mental foi utilizado como critério de inclusão. Este exame foi aplicado com uma pontuação de 0 a 30 com pontos de corte de acordo com o nível de educação: analfabeto (20 pontos), 1 a 4 anos de estudo (25 pontos), 5 a 8 anos de estudo (26,5 pontos), 9 a 11 anos de estudo (28 pontos) e > 11 anos de estudo (29 pontos).17

Teste cardiopulmonar de exercício

O TCPE foi realizado em esteira (ATL, Inbramed, Porto Alegre, RS, Brasil) utilizando um protocolo de rampa individualizado. A velocidade e a inclinação variaram a cada minuto para permitir que o teste durasse entre 8 e 12 minutos. Os pacientes realizaram recuperação ativa após o protocolo (1 minuto usando a velocidade inicial).

Utilizamos um circuito aberto computadorizado (Quark CPET, COSMED, Itália) para analisar os gases expiratórios e a ventilação, enquanto um frequencímetro de pulso (Polar® RS800 CX, Kempele, Finlândia) avaliou a FC durante o teste. O primeiro (LV1) e o segundo (LV2) LV foram identificados usando os métodos V-slope e PetO2-PetCO2 (Quark CPET, COSMED, Itália).

Para a segurança dos pacientes, foram adotados os seguintes critérios de interrupção do teste: sinais ou sintomas de intolerância ao exercício (dor ou desconforto torácico, dispneia exacerbada, tontura ou confusão, ataxia, palidez, sudorese excessiva, cianose, claudicação ou cãibras), resposta cardiovascular inadequada (pressão arterial e/ou FC), ou solicitação de interrupção pelo participante.

Teste de caminhada de 6 minutos

O TC6min foi aplicado de acordo com as diretrizes atuais.18 Duas repetições do TC6min foram realizadas em uma pista de 30 metros de extensão, e os pacientes foram solicitados a caminhar a maior distância possível em 6 minutos.18

A FC (Polar® RS800 CX, Kempele, Finlândia), a pressão arterial (Aneroid Calibra®, MDF Instruments, Porto Rico, EUA), a saturação de pulso de oxigênio (AT101C, Bioland, Taiwan) e o esforço percebido (escala Borg CR10)19 foram avaliados antes, imediatamente após e 2 minutos após os testes. A FC e a saturação de pulso de oxigênio também foram avaliadas a cada minuto durante os testes.18 Para análise, utilizamos a FCpico apresentada durante o teste com a maior distância percorrida. Os critérios para interrupção do TC6min foram semelhantes aos do TCPE.

Teste da fala

O TF foi realizado em esteira (Embreex 570 Pro, Brusque, SC, Brasil) usando um protocolo incremental independente e individualizado de acordo com a distância predita do TC6min. A FC, pressão arterial, saturação de pulso de oxigênio e esforço percebido foram avaliados antes, imediatamente após e 2 minutos após o TF. Também monitoramos a FC e a saturação de pulso de oxigênio durante o teste, enquanto o esforço percebido foi questionado apenas ao final de cada estágio.

A carga foi aumentada a cada 2 minutos durante o teste (estágios). Nos últimos 30 segundos de cada estágio, solicitamos aos pacientes que recitassem o seguinte parágrafo de 36 palavras:

“Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. É um direito fundamental, que deve ser assegurado sem distinção de raça, religião ou condição social.”

Logo após a leitura, foi perguntado aos pacientes “Está confortável para falar?”, e as respostas possíveis eram “sim” (TF+); “mais ou menos” (TF±); ou “não” (TF−). O TF− foi considerado um critério para interromper o TF. Outros critérios para interrupção do teste foram semelhantes ao TCPE e TC6min.

Protocolo do TF baseado no TC6min

Um protocolo incremental contínuo foi conduzido com incrementos de velocidade ou inclinação no início de cada estágio. Foi usada uma equação para calcular a distância predita do TC6min (TC6minpred).20

TC6minpred = 890 , 46 ( 6 , 11 × idade ) + ( 0 , 0345 × idade 2 ) + ( 48 , 87 × sexo ) ( 4.87 × índice de massa corporal )

Conhecendo o TC6minpred, a velocidade média foi estimada da forma seguinte: TFvelocidade (km/h)=( TC6minpred [m]×10[ min])/1000; equivalente a 100% da velocidade média estimada durante o TC6min. Também calculamos os percentuais correspondentes a cada estágio do TF, iniciando em 70% e aumentando 10 pontos percentuais a cada 2 minutos até 110% da TFvelocidade. A inclinação da esteira foi mantida em 2% até o primeiro estágio em 110% da velocidade. A partir daí, foram aumentados 2 pontos percentuais a cada estágio até o final do protocolo (Figura 1S, Material Suplementar).

Análise estatística

Os dados foram analisados usando o software Statistical Package for the Social Sciences, versão 20.0 (SPSS, IBM Corporation, Armonk, EUA). As variáveis contínuas foram descritas como média e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartílico, de acordo com a normalidade dos dados. A normalidade da distribuição dos dados foi verificada com o teste de Shapiro-Wilk.

As variáveis com distribuição normal foram comparadas por meio da ANOVA de medidas repetidas, seguida do post-hoc de Bonferroni, enquanto o teste de Friedman foi usado para variáveis com distribuição não normal. O coeficiente de correlação de Pearson ou Spearman avaliou a associação entre as variáveis. O nível de significância adotado na análise estatística foi de 5%.

Cálculo do tamanho da amostra

O tamanho da amostra foi calculado usando o GPower 3.1 em um estudo piloto com 5 participantes, considerando nível de significância bidirecional (α) de 5% e poder de 80% (β = 0,20). Com base na correlação entre FC durante os estágios do TF (TF+ e TF±) e LV1 (TF+: r = 0,95; TF±: r = 0,96) e FCpico no TC6min (TF+: r = 0,56; TF±: r = 0,57), o tamanho amostral mínimo estimado foi de 20 pacientes.

Resultados

Avaliamos 30 pacientes, dos quais 8 foram excluídos devido a alterações musculoesqueléticas (n = 3), erro de medida (n = 3), angina (n = 1) e dor periumbilical (n = 1). Dos 22 pacientes incluídos, 13 eram do sexo masculino (59,1%) (Tabela 1).

Tabela 1
– Características descritivas dos sujeitos

Conforme demonstrado na Tabela 1, não foi encontrada diferença significativa entre a FC de repouso antes do TCPE, TF e TC6min (p = 1,0).

A Figura 1 apresenta a comparação entre a FC nos LVs, TF+, TF±, TF− e FCpico no TC6min. Encontramos uma diferença significativa entre a FCpico no TC6min e a FC no LV1, TF+ e TF± (p < 0,001, p = 0,001 e p = 0,005, respectivamente). Não foi observada diferença entre a FC no LV1 e TF+ (p = 0,987) e TF± (p = 0,154) (Figura 1A) ou entre LV2 e TF− (p = 0,383). A FCpico no TC6min foi semelhante à FC no TF− (p = 0,68) e LV2 (p = 0,92) (Figura 1B).

Figura 1
– A: Comparação da FC entre LV1, estágiosTF+ e TF± e TC6min. B: Comparação da FC entre LV2, TF- e TC6min. Fonte: elaborada pelos autores. Nota: devido à distribuição não normal e normal, foi usado o teste de Friedman para as variáveis da Figura 1A e ANOVA de medidas repetidas para as variáveis da Figura 1B, respectivamente.

Uma correlação moderada foi verificada entre TF+ e LV1. No entanto, a FC no TF± não se correlacionou com a FC no LV e a FCpico no TC6min. A FC no TF− foi fortemente correlacionada com o LV2. A FCpico no TC6min não foi correlacionada com a FC no LV1, mas sim com a FC no VT2 e TF−. A Tabela 2 apresenta todas as correlações da FC nos estágios do TF, LV e FCpico no TC6min.

Tabela 2
– Correlações da FC nos estágios do TF, LV1 e FCpico no TC6min

Discussão

Este é o primeiro estudo que compara a FC avaliada nos LVs do TCPE com a FC nos estágios de um protocolo de TF independente e individualizado e durante um teste de campo (TC6min). A FC no TF+ e TF± foi semelhante à FC no LV1, enquanto a FC no TF− e a FCpico no TC6min foram semelhantes à FC no LV2. A FC no TF+ e TF− se correlacionou com a FC no VT1 e VT2, respectivamente. Não foi encontrada correlação entre a FCpico no TC6min e a FC nos estágios do TF.

Os métodos individualizados de prescrição de EA mais reconhecidos são o consumo máximo de oxigênio e os LVs identificados pelo TCPE.1,4 Se um TCPE não estiver disponível, o teste ergométrico pode ser usado para obter parâmetros cardiovasculares máximos. Na ausência desses testes, a avaliação funcional e a prescrição de EA geralmente são realizadas com base em um teste de campo, como o TC6min e o TF.8 Embora os estágios do TF estejam fisiologicamente relacionadas aos LVs, seu uso para prescrição de EA ainda é escasso, principalmente para pacientes cardíacos.

No presente estudo, investigamos um protocolo de TF e encontramos correlações entre a FC no LV1 e TF+ e TF±. O TF não possui um protocolo padronizado e pode ser realizado com diferentes equipamentos, progressões de carga e durações dos estágios, e a fala pode ser desafiada usando parágrafos ou contagem.16 Apesar de utilizarem métodos diferentes, estudos demonstraram semelhanças entre a FC e o consumo de oxigênio nos estágios do TF e LV em pacientes com doenças cardíacas, sugerindo que os estágios do TF podem ser usadas para prescrever EA.14,15,21,22

Nossos resultados foram semelhantes aos de Brawer et al. (2006), que aplicaram o TF em pacientes com doença arterial coronariana estável e demonstraram nenhuma diferença na estimativa do LV1 e na viabilidade da prescrição de EA pela FC de acordo com o TF.22 Além disso, foi encontrada uma forte correlação entre a FC no TF− e LV2. Embora haja escassez de estudos comparando a FC entre esses dois momentos em pacientes com doença cardiovascular, associações entre o consumo de oxigênio e a FC no TF− e LV2 foram encontradas em indivíduos saudáveis e atletas,23,24 sugerindo, portanto, que o TF− pode orientar a prescrição de EA e refletir a prescrição com base no LV2.

Outro método comumente utilizado em programas de reabilitação cardiovascular para prescrição da intensidade de EA é baseado no TC6min. Gremeaux et al. (2011) compararam os efeitos de 3 prescrições individualizadas de treinamento físico em indivíduos treinando em intensidade moderada. Encontraram valores semelhantes entre a FCpico no TC6min e a FC alvo recomendada. Outro estudo de Calegari et al. compararam a FC no LV1 durante os últimos 30 segundos do TC6min em pacientes com doença arterial coronariana em tratamento com betabloqueadores. Os autores encontraram concordância entre a FC avaliada ao final do TC6min e o LV1, sugerindo que a FC ao final do TC6min foi adequada para prescrever e monitorar o EA nessa população.25

Esses achados corroboram a ideia de utilizar a FC no TC6min como método de prescrição da intensidade do exercício, a FC medida no TC6min sendo semelhante à FC avaliada no LV1. No entanto, encontramos diferenças entre a FCpico no TC6min e a FC no LV1 em nosso estudo, enquanto a FCpico no TC6min foi semelhante à FC no LV2 e no TF−. De acordo com as recomendações mais recentes, a prescrição de EA deve ser realizada entre o primeiro e o segundo VT;1 nossos dados sugerem que a FCpico no TC6min pode não ser adequada para prescrever o limite inferior de intensidade de EA em pacientes com doença cardiovascular crônica. Além disso, a FCpico no TC6min, como LV2 e TF−, pode representar o limite superior da prescrição de EA.

Essa semelhança nunca foi descrita na literatura e alguns aspectos do presente estudo podem ter influenciado esse resultado. Os pacientes faziam parte de um programa de reabilitação cardiovascular que realiza regularmente o TC6min. Além disso, em relação à distância percorrida, nossa amostra atingiu uma distância percorrida acima de 100% do previsto, demonstrando pouco comprometimento da capacidade funcional. Além disso, o TC6min foi realizado em campo aberto, enquanto o TCPE e o TF foram realizados em ambientes controlados. Adicionalmente, estudos anteriores utilizaram a FC do minuto final do TC6min em vez da FCpico durante o teste, que foi utilizada em nossas análises.

Embora comumente utilizado na reabilitação cardiovascular, o TC6min requer espaço físico devido à pista de 30 metros de extensão. Além disso, o teste é auto-cadenciado e apresenta variações inter e intraindividuais de velocidade e desempenho.18 Por outro lado, o TF requer menos espaço físico, pode ser realizado em cicloergômetro ou esteira, segue um protocolo de rampa incremental semelhante ao TCPE, e é de fácil aplicação e equivalente ao padrão de referência.

O presente estudo não está isento de limitações. Os pacientes faziam parte de um programa de reabilitação cardiovascular fase III e possivelmente apresentavam melhores condições físicas do que os pacientes nas fases iniciais da reabilitação. Além disso, a percepção da fala confortável é subjetiva e foram perdidos alguns dados devido a erro de mensuração.

As comparações entre o TF e o TCPE foram semelhantes à literatura, exceto entre o TF e TC6min. Acreditamos que o TF apresente parâmetros associados a variáveis fisiológicas e do TCPE (por exemplo, LVs). Nossos resultados também mostraram a aplicabilidade clínica do TF como uma ferramenta fácil, segura e individualizada para a prescrição de EA.

Conclusão

De acordo com o protocolo proposto, a FC no TF+ e TF− reflete a FC no LV1 e LV2, respectivamente, demonstrando que o TF é um teste objetivo e de baixo custo para auxiliar a prescrição de EA em pacientes com doenças cardiovasculares crônicas. Por outro lado, a prescrição de EA utilizando a FCpico no TC6min deve ser realizada com cautela, pois alguns estudos mostraram sua correlação com o LV1, diferentemente do que foi verificado em nosso estudo, no qual a FCpico no TC6min foi semelhante à FC no LV2 e TF−. Sugerimos futuros ensaios clínicos randomizados usando parâmetros do TF para prescrever EA em pacientes com doenças cardiovasculares.

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  • Vinculação acadêmica
    Este artigo é parte de dissertação de mestrado de Ariany Marques Vieira e Amanda Althoff pela Universidade do Estado de Santa Catarina.
  • Aprovação ética e consentimento informado
    Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade do Estado de Santa Catarina sob o número de protocolo 96032818.4.0000.0118. Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013. O consentimento informado foi obtido de todos os participantes incluídos no estudo.
  • *Material suplementar
    Para informação adicional, por favor, clique aqui.
  • Fontes de financiamento: O presente estudo foi parcialmente financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES - Brasil (PROAP/AUXPE) e Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade do Estado de Santa Catarina (PRO-BIC/UDESC, PIC2018030000146).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2023
  • Revisado
    12 Jun 2023
  • Aceito
    17 Jul 2023
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