COVID-2019; Betacoronavirus; Doença Catastrófica; Pneumonia Viral; Pandemias; Infecções por Coronavirus; Complicações Cardiovasculares; Trombofilia; Anticoagulantes/uso terapêutico
O novo coronavírus, designado como vírus da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2, sigla em inglês), é o responsável pelo surto da pneumonia viral que foi identificada pela primeira vez na cidade chinesa de Wuhan ao final de 2019 e que rapidamente se espalhou acometendo 184 países. A experiência adquirida nos últimos meses descreve diferentes apresentações clínicas com gravidade variável, desde infecção assintomática até óbito por disfunção orgânica múltipla. Recentemente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu o complexo processo de adoecimento por esse vírus como doença causada pelo coronavírus 2019 (COVID-19, sigla em inglês).
A COVID-19, cuja notificação é crescente em diferentes países, atualmente afeta mais de um milhão de pessoas, segundo a OMS, que a caracterizou como pandemia.11. Organização Mundial da Saúde. Relatórios de situação da doença coronavírus 2019 (COVID-2019).[Acesso em 29 de abril 2020] Disponível em: <https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports>
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No Brasil, até o dia 29 de abril de 2020, foram confirmados 73.235 casos da infecção e 5.083 óbitos, com taxa de letalidade de 6,9%.22. Brasil.Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico Especial 08 – COE Coronavírus – 09 de abril de 2020. [Acesso em 29 de abril de 2020] Disponível em: < https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/09/be-covid-08-final-2.pdf >.
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A hospitalização é necessária em até 20% dos pacientes infectados por SARS-CoV-2, e 5% a 10% deles terão indicação de internação em terapia intensiva por necessidade de suporte hemodinâmico e/ou ventilatório.33. Huang C, Wang Y, Li X, Ren L, Zhao J, Hu Y, et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020;395(10223):497-506.
4. Liu K, Fang YY, Deng Y, Liu W, Wang MF, Ma JP, et al. Clinical characteristics of novel coronavirus cases in tertiary hospitals in Hubei Province. Chin Med J (Engl). 2020 Feb 07, (online ahead of print)10.1097/CM9.0000000000000744.
5. Guan WJ, Ni ZY, Hu Y, Liang WH, Ou CQ, He JX, et al. Clinical Characteristics of Coronavirus Disease 2019 in China. N Engl J Med. 2020 Feb 28; NEJM 0a2002032
6. Livingston E, Bucher K. Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) in Italy. JAMA. 2020 Mar 17(online ahead of print).-77. Grasselli G, Pesenti A, Cecconi M. Critical Care Utilization for the COVID-19 Outbreak in Lombardy, Italy: Early Experience and Forecast During an Emergency Response. JAMA. 2020 Mar 13 (online ahead of print). A taxa de mortalidade varia de 0,8% a 12% de acordo com o país, possivelmente como consequência de múltiplos fatores, dos quais se destaca a estrutura do sistema de saúde.88. Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and Important Lessons from the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China: Summary of a Report of 72 314 Cases from the Chinese Center for Disease Control and Prevention. JAMA. 2020 Feb 24 (online ahead of print).
9. Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatório da Missão Conjunta OMS-China sobre a Doença de Coronavírus 2019 (COVID-2019). [Acesso em 04 abr 2020] Disponível em: http://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-china-joint-mission-on-covid-19-final-report.pdf>.
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10. Onder G, Rezza G, Brusaferro S. Case-Fatality Rate and Characteristics of Patients Dying in Relation to COVID-19 in Italy. JAMA. 2020 May 23 (online ahead of print).-1111. Korea Centers for Disease Control and Preservation. (KCDC)Atualizações sobre o COVID-19 na Coréia. [Acesso em 04 abr 2020] Disponível em: <https://www.cdc.go.kr/board/board.es?mid=a30402000000&bid=0030>
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Os pacientes que desenvolvem as formas moderada e grave da doença apresentam manifestações predominantemente decorrentes de acometimento do sistema respiratório, com quadro clínico variando de pneumonia leve a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).77. Grasselli G, Pesenti A, Cecconi M. Critical Care Utilization for the COVID-19 Outbreak in Lombardy, Italy: Early Experience and Forecast During an Emergency Response. JAMA. 2020 Mar 13 (online ahead of print).,1111. Korea Centers for Disease Control and Preservation. (KCDC)Atualizações sobre o COVID-19 na Coréia. [Acesso em 04 abr 2020] Disponível em: <https://www.cdc.go.kr/board/board.es?mid=a30402000000&bid=0030>
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12. Yang X, Yu Y, Xu J, Shu H, Xia J, Liu H, et al. Clinical course and outcomes of critically ill patients with SARS-CoV-2 pneumonia in Wuhan, China: a single-centered, retrospective, observational study. Lancet Respir Med. 2020. https://doi.org/10.10116/S2213-2600(20)30079-5
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-1313. Estimativas preliminares da prevalência de doenças subjacentes selecionadas em pacientes com doença de coronavírus 2019. E.U.A. [Acesso em 04 abr 2020] Disponível em: <https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/69/wr/mm6913e2.htm>.
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As complicações, em geral, ocorrem entre o 7º e o 12º dia da doença.33. Huang C, Wang Y, Li X, Ren L, Zhao J, Hu Y, et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020;395(10223):497-506.,1414. Wang D, Hu B, Hu C, Zhu F, Liu X, Zhang J, et al. Clinical Characteristics of 138 Hospitalized Patients With 2019 Novel Coronavirus-Infected Pneumonia in Wuhan, China. JAMA. 2020 Feb 07 (online ahead of print]. A SDRA é a manifestação clínica mais grave e caracteriza-se por hipoxemia, infiltrado pulmonar bilateral e fenótipos variáveis de apresentação, como o perfil de complacência pulmonar normal e baixo potencial de recrutamento pulmonar até o perfil de baixa complacência pulmonar e alto potencial de recrutamento pulmonar. De 20% a 30% dos pacientes terão complicações cardiovasculares, como isquemia miocárdica, síndrome coronária aguda, miocardite, arritmias, insuficiência cardíaca e choque. Insuficiência renal ocorre em aproximadamente 30-50% dos pacientes críticos infectados pelo SARS-CoV-2 e 30% deles necessitarão de terapia de substituição renal.1414. Wang D, Hu B, Hu C, Zhu F, Liu X, Zhang J, et al. Clinical Characteristics of 138 Hospitalized Patients With 2019 Novel Coronavirus-Infected Pneumonia in Wuhan, China. JAMA. 2020 Feb 07 (online ahead of print].
15. Chen T, Wu D, Chen H, Yan W, Yang D, Chen G, et al. Clinical characteristics of 113 deceased patients with coronavirus disease 2019: retrospective study. BMJ. 2020;368:m1295. Epub 2020 Mar 26.
16. Arentz M, Yim E, Klaff L, Lokhandwala S, Riedo FX, Chong M, et al. Characteristics and Outcomes of 21 Critically Ill Patients With COVID-19 in Washington State. JAMA. 2020 Mar 19;2204326.-1717. Zhang T, Sun LX, Feng RE. Comparison of clinical and pathological features between severe acute respiratory syndrome and coronavirus disease 2019. Zhonghua Jie He He Hu Xi Za Zhi. 2020 Apr 3;43(0):E040.
O SARS-CoV-2 entra nas células via receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2), que está presente nos alvéolos. A forma grave da infecção é caracterizada por uma resposta inflamatória imunológica intensa, evidenciada pela presença de neutrófilos, linfócitos, monócitos e macrófagos.1818. Chen G, WU D, Guo W,Li X, Sun Y, Li J, et al. J Clinical and immunologic features in severe and moderate Coronavirus Disease 2019. J Clin Invest. 2020. https://doi.org/10.1172/JCI137244.
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Necrópsias minimamente invasivas revelam dano alveolar difuso, formação de membrana hialina e infiltrado inflamatório intersticial mononuclear, com trombose em microcirculação.1717. Zhang T, Sun LX, Feng RE. Comparison of clinical and pathological features between severe acute respiratory syndrome and coronavirus disease 2019. Zhonghua Jie He He Hu Xi Za Zhi. 2020 Apr 3;43(0):E040. Foram relatados nesses pacientes níveis elevados de citocinas pró-inflamatórias (interleucinas 1 e 6, fator de necrose tumoral e interferon-g) no sangue, uma condição denominada “tempestade de citocinas”.
Trombose e danos a órgãos extrapulmonares também são observados sem a presença comprovada do vírus nos locais, postulando-se que a infecção pelo SARS-CoV-2 envolva intensa resposta inflamatória, com estado de hipercoagulabilidade e isquemia, agravados por hipoxemia.1717. Zhang T, Sun LX, Feng RE. Comparison of clinical and pathological features between severe acute respiratory syndrome and coronavirus disease 2019. Zhonghua Jie He He Hu Xi Za Zhi. 2020 Apr 3;43(0):E040.,1919. Yao Xiaohong, Li Tingyuan, He Zhicheng, Coronavirus disease pneumonia 2019 (COVID-19): 3 cases of puncture histopathology in several locations. Chin J Pathol. 2020,49.,2020. Luo W, Yu H, Gou J, Li X, Sun Y, Li J, et al. Clinical Pathology of Critical Patient with Novel Coronavirus Pneumonia (COVID-19). Preprints. 2020, 2020020407. No Brasil, achados preliminares de autópsias minimamente invasivas realizadas por pesquisadores da Faculdade de Medicina de São Paulo mostraram resultados semelhantes aos encontrados na China.2121. Agência Fapesp. Autópsia em mortos por COVID-19 ajuda no tratamento de casos graves da doença. [Acesso em 04 abr 2020] Disponível em: <http://agencia.fapesp.br/autopsia-em-mortos-por-covid-19-ajuda-no-tratamento-de-casos-graves-da-doenca/32882/>
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O dímero-D, um produto da degradação da fibrina, quando elevado, tem sido associado a maior taxa de mortalidade.2222. Chen N, Zhou M, Dong X, Qu J, Gong F, Han Y, Qiu Y, Wang J, Liu Y, Wei Y, Xia J, Yu T, Zhang X, Zhang L. Epidemiological and clinical characteristics of 99 cases of 2019 novel coronavirus pneumonia in Wuhan, China: a descriptive study. Lancet. 2020;395(10223):507. Epub 2020 Jan 30. A opinião de especialistas, baseada em experiência clínica e análise de poucos estudos descritivos, destaca o papel do estado de hipercoagulabilidade na fisiopatologia da COVID-19, uma vez que o nível de dímero-D aumenta progressivamente com a exacerbação da infecção. A fase da doença em que ocorre o desenvolvimento de SDRA e a piora do padrão radiológico é marcada pela elevação expressiva de dímero-D, observando-se nos casos mais graves injúria miocárdica e coagulação intravascular disseminada (CIVD).2323. Zhang Y, Cao W, Xiao M, Li YJ, Yang Y, Zhao J, Zhou X, Jiang W, Zhao YQ, Zhang SY, Li TS. Clinical and coagulation characteristics of 7 patients with critical COVID-2019 pneumonia and acro-ischemia. Zhonghua Xue Ye Xue Za Zhi. 2020 Mar 28;41(0):E006.,2424. Taisheng Li, Hongzhou Lu, Wenhong Zhang. Clinical observation and management of COVID-19 patients. Emerg Microbes Infect. 2020 Dec;9(1):687-90.
A resposta inflamatória sistêmica em pacientes com infecção pode resultar em lesão endotelial com consequente aumento na geração de trombina e redução da fibrinólise endógena.2525. Levi M, van der Poll T. Coagulation and sepsis. Thromb Res. 2017; 149:38–44.,2626. Schmitt FCF, Manolov V, Morgenstern J, Fleming T, Heitmeier S, Ubile F, et al.Acute fibrinolysis shutdown occurs early in septic shock and is associated with increased morbidity and mortality: results of an observational pilot study. Ann Intensive Care. 2019; 9(1):19. Esse estado pró-trombótico é denominado coagulopatia induzida pela sepse (SIC, sigla em inglês) e precede a CIVD.2727. Iba T, Levy JH, Warkentin TE, Tachill J, van der Poll T. Diagnosis and management of sepsis-induced coagulopathy and disseminated intravascular coagulation. J Thromb Haemost. 2019; 17(11):1989–94.,2828. Iba T, Nisio MD, Levy JH, Kitamura N, Thachil J. New criteria for sepsis-induced coagulopathy (SIC) following the revised sepsis definition: a retrospective analysis of a nationwide survey. BMJ Open. 2017; 7(9):e017046. Os diversos mecanismos envolvidos na SIC agem simultaneamente, culminando em um estado pró-hemostático. Aparentemente, os fatores mais importantes que medeiam esse distúrbio do sistema de coagulação durante a sepse são as citocinas inflamatórias.
Evidências demonstram uma interação cruzada entre inflamação e coagulação, com a inflamação induzindo a ativação da coagulação e a coagulação acentuando a atividade inflamatória (Figura 1).2929. Levi AM, van der Poll HR.. Buller, The bidirectional relationship between coagulation and inflammation, Circulation.2004;109(22):2698-704.
30. Zimmerman BGA, McIntyre TM, Prescott SM, Stafforini S. The platelet-activating factor signaling system and its regulators in syndromes of inflammation and thrombosis. Crit Care Med. 2002; 30(Suppl):S294-S301.
31. Shebuski CRJ, Kilgore KS. Role of inflammatory mediators in thrombogenesis. J Pharmacol Exp Ther. 2002;300(3):729-35.-3232. Levi DM, van der Poll T. Coagulation in patients with severe sepsis. Semin. Thromb. Hemost.2015;41(1):9-15. As plaquetas têm um papel central no desenvolvimento das anormalidades da coagulação na sepse e podem ser ativadas diretamente por mediadores pró-inflamatórios, como o fator ativador de plaquetas, bem como por meio da trombina gerada. A ativação de plaquetas também pode estimular a formação de fibrina por mecanismo alternativo. A expressão de P-selectina na membrana plaquetária não apenas medeia a adesão de plaquetas a leucócitos e células endoteliais, mas também aumenta a expressão do fator tecidual nos monócitos. Em circunstâncias normais, a ativação da coagulação é controlada por três importantes vias anticoagulantes fisiológicas: o sistema antitrombina, o sistema ativado da proteína C e o inibidor da via do fator tecidual. Na sepse, todas as três vias sofrem disfunção. Em meio a todo esse desbalanço do sistema de coagulação, a fibrinólise endógena é amplamente reduzida.
– O novo coronavírus, SARS-CoV-2, ativa o processo inflamatório e trombótico, e a infecção por ele causada está relacionada a aumento de citocinas inflamatórias (tempestade de citocinas) e distúrbios da coagulação, com predisposição a formação de trombos. As células mononucleares interagem com as plaquetas ativadas e a cascata da coagulação, que ativam as células inflamatórias por meio da ligação da trombina e do fator tecidual com receptores específicos ativados por protease e da ligação da fibrina ao receptor Toll-like 4. A ativação das células inflamatórias resulta na liberação de citocinas pró-inflamatórias, que levam a comprometimento das vias normais da coagulação e interrupção da fibrinólise. PAR: receptor ativado por protease; TLR4: receptor Toll-like 4; Ttpa: tempo de tromboplastina parcial ativada; TP: tempo de protrombina; IL: interleucina; TNFα; fator de necrose tumoral-α. Figura adaptada de: Levi M, van der Poll T.25
De acordo com critérios estabelecidos pela Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia (ISTH, sigla em inglês), é possível identificar melhores desfechos clínicos nos pacientes com SIC recebendo terapia anticoagulante.2727. Iba T, Levy JH, Warkentin TE, Tachill J, van der Poll T. Diagnosis and management of sepsis-induced coagulopathy and disseminated intravascular coagulation. J Thromb Haemost. 2019; 17(11):1989–94.,2828. Iba T, Nisio MD, Levy JH, Kitamura N, Thachil J. New criteria for sepsis-induced coagulopathy (SIC) following the revised sepsis definition: a retrospective analysis of a nationwide survey. BMJ Open. 2017; 7(9):e017046.O uso de anticoagulantes, sobretudo nos pacientes em estado crítico, não é isento de riscos e pode estar relacionado a complicações hemorrágicas graves. Portanto, a indicação dessa modalidade terapêutica deve ser personalizada, respeitando os perfis de risco trombótico e hemorrágico.
A síndrome hemofagocítica (SHF) é caracterizada por uma resposta inflamatória sistêmica desencadeada pela ativação e proliferação inapropriada dos linfócitos, que ativam macrófagos e histiócitos, que fagocitam células hematológicas. Essa síndrome é associada a grande produção de citocinas inflamatórias. O quadro clínico inicial da SHF é marcado pelos achados de síndrome de resposta inflamatória sistêmica e, na suspeição de sua evolução, podem-se observar quadro neurológico, alterações na função hepática, CIVD, hepatoesplenomegalia, pancitopenia e ferritina elevada. Esse quadro pode ser desencadeado por infecções, inclusive COVID-19, na qual alguns casos apresentam grande liberação de citocinas, principalmente interleucina 6, associada a resposta inflamatória sistêmica e CIVD. Deve-se pensar em tais condições de acordo com os achados clínicos e laboratoriais, devendo ser definida uma abordagem terapêutica precoce na tentativa de reversão do quadro.2828. Iba T, Nisio MD, Levy JH, Kitamura N, Thachil J. New criteria for sepsis-induced coagulopathy (SIC) following the revised sepsis definition: a retrospective analysis of a nationwide survey. BMJ Open. 2017; 7(9):e017046.
A infecção pelo SARS-CoV-2 em sua apresentação mais grave marcada por disfunção orgânica, como insuficiência respiratória aguda, atende aos critérios diagnósticos de sepse.3333. Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10. Estudos observacionais recentes correlacionam estado de hipercoagulabilidade à forma grave de COVID-19, onde SIC e/ou CIVD parecem estar presentes na maioria dos casos fatais.33. Huang C, Wang Y, Li X, Ren L, Zhao J, Hu Y, et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020;395(10223):497-506.,2121. Agência Fapesp. Autópsia em mortos por COVID-19 ajuda no tratamento de casos graves da doença. [Acesso em 04 abr 2020] Disponível em: <http://agencia.fapesp.br/autopsia-em-mortos-por-covid-19-ajuda-no-tratamento-de-casos-graves-da-doenca/32882/>
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22. Chen N, Zhou M, Dong X, Qu J, Gong F, Han Y, Qiu Y, Wang J, Liu Y, Wei Y, Xia J, Yu T, Zhang X, Zhang L. Epidemiological and clinical characteristics of 99 cases of 2019 novel coronavirus pneumonia in Wuhan, China: a descriptive study. Lancet. 2020;395(10223):507. Epub 2020 Jan 30.-2323. Zhang Y, Cao W, Xiao M, Li YJ, Yang Y, Zhao J, Zhou X, Jiang W, Zhao YQ, Zhang SY, Li TS. Clinical and coagulation characteristics of 7 patients with critical COVID-2019 pneumonia and acro-ischemia. Zhonghua Xue Ye Xue Za Zhi. 2020 Mar 28;41(0):E006.,3434. Tang N, Li D, Wang X, Sun Z. Abnormal coagulation parameters are associated with poor prognosis in patients with novel coronavirus pneumonia. J Thromb Haemost. 2020.18(4):844-7. A redução da pressão arterial de oxigênio encontrada nos pacientes críticos contribui direta e indiretamente para o desenvolvimento da síndrome isquêmica.3535. Gupta N, Zhao YY, Evans CE. The stimulation of thrombosis by hypoxia. Thromb Res.2019;181:77–83. De acordo com o exposto, é razoável alinhar a fisiopatologia pró-trombótica já descrita na sepse com aspectos intrínsecos do novo coronavírus e, portanto, analisar individualmente o potencial benefício do uso de anticoagulantes em grupos selecionados de pacientes. Um estudo retrospectivo realizado no hospital de Tongji (Wuhan, China) descreveu a ocorrência de menor taxa de mortalidade nos pacientes com COVID-19 grave que fizeram uso de anticoagulante, heparina não fracionada ou heparina de baixo peso molecular (HBPM), e apresentavam escore SIC ≥ 4 e/ou dímero-D muito elevado (> 6 vezes o limite superior da normalidade).3636. Tang N, Bai H, Chen X, Gong J, Li D, Sun Z. Anticoagulant treatment is associated with decreased mortality in severe coronavirus disease 2019 patients with coagulopathy.J Thromb Haemost. 2020 Mar 27 (online ahead of print). Accepted Author Manuscript. doi:10.1111/jth.14817.
A terapia anticoagulante em pacientes com COVID-19 grave e indícios de SIC e/ou com dímero-D muito elevado em associação a outros biomarcadores que denotam gravidade, na ausência de contraindicação à anticoagulação, pode ser considerada uma estratégia terapêutica fundamentada no consenso de especialistas e em poucos estudos retrospectivos. Adicionalmente, essa estratégia requer a utilização de protocolos institucionais rígidos que permitam a vigilância e a rápida intervenção frente a complicações. A Figura 2 apresenta o algoritmo de avaliação da trombogênese em pacientes com COVID-19, além de uma proposta de tratamento. Não existem, todavia, dados suficientes para determinar aspectos importantes à elaboração do plano terapêutico, como a escolha da melhor droga, sua dosagem e regime de administração e a duração do tratamento.
– O diagnóstico de COVID-19 deve ser confirmado conforme as recomendações da Organização Mundial de Saúde.37 Pacientes com critérios de gravidade8,38 em associação com escore de coagulopatia induzida pela sepse ≥ 4 ou coagulação intravascular disseminada e/ou valores de dímero-D > 6 vezes o limite superior da normalidade podem se beneficiar da terapia anticoagulante. RNI: razão de normatização internacional; SIC: coagulopatia induzida pela sepse; ISTH: International Society on Thrombosis and Hemostasis; SOFA: sequential organ failure assessment; CIVD: coagulação intravascular disseminada; LSN: limite superior da normalidade.
São necessários mais estudos, sobretudo prospectivos, para melhor fundamentar a indicação da terapia anticoagulante em pacientes críticos infectados pelo novo coronavírus. O possível benefício de se reduzir o estado de hipercoagulabilidade deve ser balanceado com o risco de sangramento. É possível que a terapêutica anticoagulante seja mais benéfica quando iniciada na fase pré-trombótica do que nos quadros avançados, quando o risco de sangramento é maior. Em se optando pela anticoagulação, parece razoável o uso de HBPM como fármaco de escolha em pacientes estáveis e com depuração normal de creatinina (dose de 1 mg/kg de 12/12h, subcutânea). Em caso de choque ou depuração de creatinina abaixo de 50 ml/min/m2, é preferível o uso de heparina intravenosa (18 UI/kg/h), tendo como alvo um tempo de tromboplastina parcial ativada entre 1,5 e 1,8. Entretanto, não há evidências que fundamentem a ampla utilização de heparina em dose terapêutica na COVID-19.
Em conclusão, a fisiopatologia da COVID-19 envolve ativação da resposta inflamatória e indução do sistema trombótico. No momento, consenso de especialistas sugere tratamento com anticoagulante para pacientes que tenham fenótipo pró-coagulante (dímero-D elevado, prolongamento de tempo de protrombina e aumento dos níveis plasmáticos de fragmentos da fibrina). Mais estudos são necessários para confirmar o real papel da anticoagulação na prevenção de complicações da COVID-19.
Referências
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2Brasil.Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico Especial 08 – COE Coronavírus – 09 de abril de 2020. [Acesso em 29 de abril de 2020] Disponível em: < https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/09/be-covid-08-final-2.pdf >.
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3Huang C, Wang Y, Li X, Ren L, Zhao J, Hu Y, et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020;395(10223):497-506.
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7Grasselli G, Pesenti A, Cecconi M. Critical Care Utilization for the COVID-19 Outbreak in Lombardy, Italy: Early Experience and Forecast During an Emergency Response. JAMA. 2020 Mar 13 (online ahead of print).
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9Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatório da Missão Conjunta OMS-China sobre a Doença de Coronavírus 2019 (COVID-2019). [Acesso em 04 abr 2020] Disponível em: http://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-china-joint-mission-on-covid-19-final-report.pdf>
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13Estimativas preliminares da prevalência de doenças subjacentes selecionadas em pacientes com doença de coronavírus 2019. E.U.A. [Acesso em 04 abr 2020] Disponível em: <https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/69/wr/mm6913e2.htm>
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Vinculação acadêmicaEste artigo é parte de dissertação de Jorge Henrique Paiter Nascimento Mestrado de pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Aprovação ética e consentimento informadoEste artigo não contém estudos com humanos ou animais realizados por nenhum dos autores.
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Fontes de financiamentoO presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
01 Jun 2020 -
Data do Fascículo
Maio 2020
Histórico
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Recebido
10 Abr 2020 -
Revisado
15 Abr 2020 -
Aceito
15 Abr 2020