Hipertensão; Técnicas de Diagnóstico Cardiovascular; Análise de Onda de Pulso
Hipertensão arterial sistêmica (HAS) é a doença crônica não transmissível mais prevalente no Brasil, comumente agravada por distúrbios metabólicos, tais como diabetes mellitus, dislipidemia e obesidade.1 Devido ao seu curso silencioso, a pesquisa de lesões subclínicas em estágios iniciais é essencial para instituir medidas de prevenção de complicações cardiovasculares. A identificação de risco com marcadores sensíveis possibilita terapêutica precoce, reduzindo a morbimortalidade associada às doenças cardiovasculares.2
A velocidade de onda de pulso (VOP) é considerada o padrão-ouro para identificação de arteriosclerose. Há relação de dose-resposta entre o aumento da VOP e ocorrência de desfechos cardiovasculares maiores, como síndrome coronariana aguda, síndromes cerebrovasculares e morte.3
Apesar da importância da VOP, não há consenso sobre o melhor ponto de corte na identificação precoce de lesão de órgão alvo (LOA) em pacientes com HAS. O ponto de corte ideal sofre influência de diversos fatores como método de aferição, etnia, idade, comorbidades e grau de LOA instalado.4 As diretrizes europeia, japonesa e coreana recomendam um ponto de corte de 10 m/s para VOP carótido-femoral,5-7 enquanto a chinesa adota o valor de 12 m/s.8
No artigo desta edição, Inuzuka et al.9 propuseram-se identificar o melhor ponto de corte de VOP carótido-femoral para identificação de LOA em pacientes HAS na população brasileira. As LOA analisadas foram espessura médio-intimal carotídea (EMIC) ou placa ateromatosa na ultrassonografia de carótidas e hipertrofia ventricular esquerda (HVE) ao ecocardiograma.9
Os autores sugerem um ponto de corte de 8,2 m/s, porém com modestos valores de área sob curva (ASC) ROC: 0,678 para EMIC; 0,717 para HVE e 0,649 para placa carotídea. Não foi calculada a curva ROC para o modelo geral, ou seja, no qual a presença de qualquer das três LOAs fosse considerada.
A ASC é um dado amplamente utilizado em estudos diagnóstico e representa a acurácia do método: quanto maior (próximo a 1,0), melhor a capacidade discriminatória entre paciente com e sem LOA. Os valores da ASC podem ser classificados como ruim, moderado, bom ou excelente. Embora não haja consenso, a maioria dos autores classifica como excelente ASC com valores 0,90-1,00; bom entre 0,75-0,90; moderado entre 0,70-0,75 e ruim abaixo de 0,70.10
Uma importante limitação do estudo é a ausência do cálculo do intervalo de confiança (IC) 95%. Devido a imprevisibilidade inerente à estatística, o valor real de qualquer variável deve variar 95% das vezes entre dois extremos que chamamos IC. Por exemplo, para uma ASC de 0,70 e IC 95% entre 0,6-0,8 o valor real da ASC não é 0,70, mas sim um valor que pode estar entre 0,60 e 0,80. E, a diferença entre o valor superior e inferior desse intervalo é determinado pelo tamanho da amostra: quanto maior a amostra, menor o intervalo e mais precisa a aferição.
Devido à pequena amostra, é possível que o IC 95% das ASC apresentadas contenha o valor de 0,5 (ex: 0,6 [0,5-0,7]), o que significaria que na verdade não há poder discriminatório do método aplicado.
Recentemente, uma metanálise com dados individuais de 5836 pacientes dos estudos IDCARS e MONICA avaliou o ponto de corte ideal de VOP carótido-femoral para predizer mortalidade geral e eventos cardiovasculares fatais e não fatais. O ponto de corte de 9 m/s foi o melhor para predição dos desfechos, com ASC 0.691 (0.647–0.735) e 0.691 (0.647–0.735), respectivamente, para indivíduos do IDCARS e MONICA.4
A despeito das limitações, os resultados de Inuzuka et al.9 retratam dados nacionais e convergem com achados mais robustos para indicar a necessidade de redução dos pontos de corte tradicionalmente recomendados pelas diretrizes internacionais.9
Referências
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1 Oliveira IM, Araujo TA, Roediger MA, Zanetta DMT, Andrade FB. Factors Associated with Undiagnosed Hypertension Among Elderly Adults in Brazil - ELSI-Brazil. Cien Saude Colet. 2022;27(5):2001-10. doi: 10.1590/1413-81232022275.12512021.
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2 Barroso WKS, Rodrigues CIS, Bortolotto LA, Mota-Gomes MA, Brandão AA, Feitosa ADM, et al. Brazilian Guidelines of Hypertension - 2020. Arq Bras Cardiol. 2021;116(3):516-658. doi: 10.36660/abc.20201238.
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3 Valencia-Hernández CA, Lindbohm JV, Shipley MJ, Wilkinson IB, McEniery CM, Ahmadi-Abhari S, et al. Aortic Pulse Wave Velocity as Adjunct Risk Marker for Assessing Cardiovascular Disease Risk: Prospective Study. Hypertension. 2022;79(4):836-43. doi: 10.1161/HYPERTENSIONAHA.121.17589.
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4 An DW, Hansen TW, Aparicio LS, Chori B, Huang QF, Wei FF, et al. Derivation of an Outcome-Driven Threshold for Aortic Pulse Wave Velocity: An Individual-Participant Meta-Analysis. Hypertension. 2023;80(9):1949-59. doi: 10.1161/HYPERTENSIONAHA.123.21318.
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5 Mancia G, Fagard R, Narkiewicz K, Redón J, Zanchetti A, Böhm M, et al. 2013 ESH/ESC Guidelines for the Management of Arterial Hypertension: The Task Force for the Management of Arterial Hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and of the European Society of Cardiology (ESC). J Hypertens. 2013;31(7):1281-357. doi: 10.1097/01.hjh.0000431740.32696.cc.
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6 Kim HC, Ihm SH, Kim GH, Kim JH, Kim KI, Lee HY, et al. 2018 Korean Society of Hypertension Guidelines for the Management of Hypertension: Part I-Epidemiology of Hypertension. Clin Hypertens. 2019;25:16. doi: 10.1186/s40885-019-0121-0.
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7 Umemura S, Arima H, Arima S, Asayama K, Dohi Y, Hirooka Y, et al. The Japanese Society of Hypertension Guidelines for the Management of Hypertension (JSH 2019). Hypertens Res. 2019;42(9):1235-481. doi: 10.1038/s41440-019-0284-9.
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8 Joint Committee for Guideline Revision. 2018 Chinese Guidelines for Prevention and Treatment of Hypertension-A Report of the Revision Committee of Chinese Guidelines for Prevention and Treatment of Hypertension. J Geriatr Cardiol. 2019;16(3):182-241. doi: 10.11909/j.issn.1671-5411.2019.03.014.
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9 Inuzuka S, Vitorino PVO, Barroso AS, Magalhães FG, Sousa AC, Alves Filho RPP, et al. Pulse Wave Velocity of 8.2 m/s as a Threshold Associated with Cardiovascular Target Organ Damage. Arq Bras Cardiol. 2023; 120(10):e20220934. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20220934
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10 de Hond AAH, Steyerberg EW, van Calster B. Interpreting Area Under the Receiver Operating Characteristic Curve. Lancet Digit Health. 2022;4(12):e853-e855. doi: 10.1016/S2589-7500(22)00188-1.
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Minieditorial referente ao artigo: Velocidade de Onda de Pulso de 8,2m/s como Limiar Associado à Lesão de Órgão Alvo Cardiovascular
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
30 Out 2023 -
Data do Fascículo
Out 2023
Histórico
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Recebido
19 Set 2023 -
Revisado
04 Out 2023 -
Aceito
04 Out 2023