Open-access TAVI na América Latina – Chegaremos Lá!

Palavras-chave Estenose da Valva Aórtica; Valva Aórtica/anormalidades; Substituição da Valva Aórtica; Transcateter/métodos; Intervenção Coronária Percutânea/métodos

A exemplo da intervenção coronária percutânea, o Implante Transcateter de Válvula Aórtica (TAVI) caminha a passos largos na direção de superar a abordagem cirúrgica e se tornar o procedimento predominante no tratamento da estenose aórtica. Desde o primeiro implante percutâneo feito pela equipe do Dr. Alain Cribier, que completa 2 décadas este ano, o TAVI vem demonstrando, estudo após estudo, robustas evidências da sua eficácia e segurança.1 Em cada etapa desta jornada, os desafios foram sendo sucessivamente superados tanto pelo aperfeiçoamento dos dispositivos como pelos aprendizados adquiridos pelos operadores, o que permitiu avançar de forma consistente do cenário do risco cirúrgico proibitivo até o de baixo risco em pouco mais de 15 anos.2-7 E a evolução é ininterrupta8-10 – estudos em andamento investigam a expansão do TAVI para populações de pacientes jovens, valva aórtica bicúspide, assintomáticos e mesmo na insuficiência aórtica pura.

Hoje a pergunta de 1 milhão de dólares é sobre a durabilidade dos dispositivos que, em parte, começa a ser respondida. Em 2019, Thyregod et al.,11 publicaram o resultado de 5 anos do estudo NOTION (The Nordic Aortic Valve Intervention Trial) mostrando não haver diferenças tanto no objetivo primário composto de morte por qualquer causa, AVC ou infarto (TAVR 38% x SAVR 36%; p=0,86) como nos eventos individuais. Mais recentemente, no congresso do American College of Cardiology (ACC 2022), Michael Reardon apresentou os resultados de 5 anos combinando os estudos CoreValve US Pivotal e SURTAVI mostrando que em pacientes de risco intermediário ou alto a taxa de deterioração estrutural da válvula foi significativamente menor no grupo TAVI comparado ao grupo cirúrgico (2,57% x 4,38%; p=0,0095). Mas esses dados ainda são insuficientes para responder se o TAVI será o Padrão Ouro no tratamento das doenças da valva aórtica, independentemente de etiologia, idade ou tipo de disfunção.

Aspecto também importante é o financiamento da tecnologia. Sempre que surge um avanço tecnológico com segurança e eficácia comprovadas por estudos clínicos, ocorre um choque entre evidência e custo da tecnologia, gerando um debate que acaba consumindo tempo entre a consolidação das evidências e a incorporação da tecnologia aos sistemas de saúde do mundo todo. Contudo, nos países em desenvolvimento, esse embate é ainda mais alongado, criando um paradoxo no qual a tecnologia está presente na prática médica, mas inacessível à maior parte da população por anos. Tal descompasso estabelece um distanciamento entre as realidades dos países desenvolvidos e em desenvolvimento no que tange ao volume de procedimentos, número de centros capacitados, expertise dos operadores e a disponibilidade de diferentes dispositivos.

Com olhar voltado para o tema, nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Bernardini et al.,12 buscaram como objetivo primário comparar a prática da TAVI entre centros latino-americanos e do resto do mundo a partir de dados da pesquisa WRITTEN 2015 que abarcou 250 centros no mundo todo, sendo 29 na América Latina (AL), aqui representados como LATAM 15, e 221 nos demais países e continentes (WORLD 15). A pesquisa consistiu num questionário composto por 59 perguntas abrangendo diferentes domínios do TAVI que foi enviado para diversos centros no mundo todo, cuja decisão de participação foi espontânea e voluntária. Como objetivo secundário os autores buscaram avaliar também a evolução na prática da TAVI na AL após 5 anos através de uma nova rodada do questionário no continente em 2020 (LATAM 20).

Os resultados não surpreendem quando comparados ao resto do mundo, sendo observado que na AL a experiência cumulativa e o volume anual de procedimentos foram muito menores (mediana 34 vs. 200; p<0,001) refletindo o hiato existente entre países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento. Entretanto, há um lado positivo observado neste estudo que mostra uma aproximação das práticas dos centros LATAM 20 com os centros WORLD 15. Vale destacar o crescimento, mesmo sem atingir diferença estatística, de quase duas vezes no volume de procedimentos dos centros LATAM 20 comparado aos LATAM 15 (mediana 62 vs. 34; p=0,08), o aumento significativo na proporção de pacientes de risco cirúrgico intermediário e baixo (15,2% vs. 21,2% e 2,2% vs. 6,4%, respectivamente, p=0,04) e o aumento significativo no número de centros realizando procedimentos transfemorais com sedação consciente/anestesia local (LATAM 15 4% x LATAM 20 11%; p<0,001). A aproximação das práticas também aparece nas condutas peri e pós-procedimento e de seguimento, as quais nos centros LATAM 20 estão em compasso com aquelas observadas nos centros WORLD 15.

O fato de os achados estarem lastreados em informações retrospectivas, fornecidas por meio de questionários facultativos e não compulsórios, fragilizam a extrapolação das interpretações. Mas não enfraquecem a visão de que o descompasso entre a AL e o resto do mundo existe e precisa ser considerado pelas autoridades de saúde pública desses países. Os autores também reforçam a importância do trabalho de educação continuada desenvolvido pelas sociedades médicas em parceria com a indústria para o crescimento e aperfeiçoamento consistente da técnica no nosso meio.

  • Minieditorial referente ao artigo: Evolução e Estado Atual das Práticas de Implante Transcateter de Válvula Aórtica na América Latina – estudo WRITTEN LATAM

Referências

  • 1 Cribier A. Commemorating the 15-year anniversary of TAVI: insights into the early stages of development, from concept to human application, and perspectives. EuroIntervention. 2017;13(1):29-37. doi: 10.4244/EIJV13I1A3.
    » https://doi.org/10.4244/EIJV13I1A3
  • 2 Adams DH, Popma JJ, Reardon MJ, Yakubov SJ, Coselli JS, Deeb GM, et al. Transcatheter aortic-valve replacement with a self-expanding prosthesis. N Engl J Med. 2014;370(19):1790-8. doi: 10.1056/NEJMoa1400590.
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  • 3 Leon MB, Smith CR, Mack M, Miller DC, Moses JW, Svensson LG, et al. Transcatheter aortic-valve implantation for aortic stenosis in patients who cannot undergo surgery. N Engl J Med. 2010;363(17):1597-607. doi: 10.1056/NEJMoa1008232.
    » https://doi.org/10.1056/NEJMoa1008232
  • 4 Mack MJ, Leon MB, Thourani VH, Makkar R, Kodali SK, Russo M, et al. Transcatheter Aortic-Valve Replacement with a Balloon-Expandable Valve in Low-Risk Patients. N Engl J Med. 2019;380(18):1695-705. doi: 10.1056/NEJMoa1814052
    » https://doi.org/10.1056/NEJMoa1814052
  • 5 Melo P, Modolo R. The Role of Inflammation in Post-TAVI Outcomes. Arq Bras Cardiol 2021;117(5):1028-9. doi: 10.36660/abc.20210809.
    » https://doi.org/10.36660/abc.20210809
  • 6 Popma JJ, Deeb GM, Yakubov SJ, Mumtaz M, Gada H, O’Hair D, et al. Transcatheter Aortic-Valve Replacement with a Self-Expanding Valve in Low-Risk Patients. N Engl J Med 2019;380(18):1706-15. doi: 10.1056/NEJMoa1816885.
    » https://doi.org/10.1056/NEJMoa1816885
  • 7 Soeiro AM, Cardozo FA, Guimaraes PO, Pereira MP, Souza PVR, Boros GAB, et al. Patient in Cardiorespiratory Arrest - Is it Possible to Perform Transcatheter Aortic Valve Implantation (TAVI) in this Scenario? Arq Bras Cardiol 2021;117(2):404-6. doi: 10.36660/abc.20201097.
    » https://doi.org/10.36660/abc.20201097
  • 8 Bourantas CV, Modolo R, Baumbach A, Sondergaard L, Prendergast BD, Ozkor M, et al. The evolution of device technology in transcatheter aortic valve implantation. EuroIntervention. 2019;14(18):e1826-e1833. doi: 10.4244/EIJ-D-18-01048.
    » https://doi.org/10.4244/EIJ-D-18-01048
  • 9 Serruys PW, Kawashima H, Chang CC, Modolo R, Wang R, de Winter RJ, et al. Chronic haemodynamic performance of a biorestorative transcatheter heart valve in an ovine model. EuroIntervention. 2021;17(12):e1009-e1018. doi: 10.4244/EIJ-D-21-00386.
    » https://doi.org/10.4244/EIJ-D-21-00386
  • 10 Modolo R, Chang CC, Abdelghani M, Kawashima H, Ono M, Tateishi H, et al. Quantitative Assessment of Acute Regurgitation Following TAVR: A Multicenter Pooled Analysis of 2,258 Valves. JACC Cardiovasc Interv 2020;13(11):1303-11. doi: 10.1016/j.jcin.2020.03.002.
    » https://doi.org/10.1016/j.jcin.2020.03.002
  • 11 Thyregod HGH, Ihlemann N, Jorgensen TH, Nissen H, Kjeldsen BJ, Petursson P, et al. Five-Year Clinical and Echocardiographic Outcomes from the Nordic Aortic Valve Intervention (NOTION) Randomized Clinical Trial in Lower Surgical Risk Patients. Circulation. 2019 Feb 1. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.118.036606.
    » https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.118.036606
  • 12 Bernardi FLM, Ribeiro HB, Nombela-Franco L, Cerrato E, Maluenda G, Nazif T, et al. Evolução e Estado Atual das Práticas de Implante Transcateter de Válvula Aórtica na América Latina – estudo WRITTEN LATAM. Arq Bras Cardiol. 2022; 118(6):1085-1096.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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