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Caso 2/2016 - Sinal de Cimitarra em Drenagem de Veias Pulmonares Direitas no Átrio Direito

Palavras-chave
Síndrome de Cimitarra / cirurgia; Veias Pulmonares / anormalidades; Radiografia Torácica; Cateterismo Cardíaco

Dados clínicos: descoberto de rotina por radiografia de tórax os sinais característicos da síndrome da cimitarra com hipoplasia pulmonar direita, em vigência de dengue, em paciente assintomático.

No exame físico, estava em bom estado geral, eupnéico, corado, com pulsos normais. Peso de 54 kg, altura de 155 cm, pressão arterial de 100/60 mmHg, frequência cardíaca de 88 bpm.

Aorta não era palpada na fúrcula. No precórdio, havia impulsões discretas na borda esternal direita e esquerda, e o ictus não era palpado. As bulhas eram normofonéticas, e a segunda bulha, desdobrada constante com sopro sistólico de ejeção, discreto e rude, na área pulmonar.

O fígado não era palpado e, nos pulmões, o murmúrio vesicular era menos audível no terço pulmonar inferior direito.

Exames complementares

Eletrocardiograma salientava ritmo sinusal e sinais de distúrbio final de condução pelo ramo direito com complexo rSr' em V1. Não havia sinais de sobrecarga cavitária. AP: +70º, AQRS: +80º, AT: +10º (Figura 1).

Figura 1
Radiografia de tórax mostra coração dextroposto por hipoplasia do pulmão direito e o sinal de cimitarra (setas) da veia pulmonar direita dilatada e anômala. Eletrocardiograma com os sinais clássicos da sobrecarga de volume do ventrículo direito com complexo rSR'em V1.

Radiografia de tórax mostra a hipoplasia do pulmão direito, o coração dextroposto em decorrência e o sinal clássico da drenagem anômala de veias pulmonares à direita, com aspecto de cimitarra. A trama vascular pulmonar à esquerda era ligeiramente mais proeminente (Figura 1)

Ecocardiograma mostrava aumento das cavidades cardíacas direitas, das artérias pulmonares e drenagem da veia pulmonar direita no átrio direito em sua porção inferior, próximo à veia cava inferior.

Angiotomografia salientou o mesmo aspecto, além da evidente circulação colateral sistêmico-pulmonar, partindo da aorta descendente em direção ao lobo pulmonar inferior direito (Figura 2).

Figura 2
Angiotomografia em A mostra a veia pulmonar direita (VPD, seta) drenando no átrio direito (AD); angiografia salienta o sinal da cimitarra (setas) da VPD em B e drenando no AD em C; vaso colateral sistêmico-pulmonar emerge da aorta descendente em direção ao lobo inferior direito (sequestro pulmonar) em D e após embolização do mesmo em E.

Diagnóstico: síndrome da cimitarra com drenagem de veias pulmonares direitas no átrio direito com repercussão moderada e sequestro pulmonar em circulação sistêmico-pulmonar da aorta descendente em lobo inferior direito.

Raciocínio clínico: a síndrome da cimitarra, em decorrência da drenagem anômala das veias pulmonares direitas, expressa-se clinicamente como se fosse uma comunicação interatrial simples, com os sinais clássicos descritos, com poucos sintomas, sopro de ejeção na área pulmonar, segunda bulha desdobrada e sobrecarga diastólica de ventrículo direito no eletrocardiograma. O sinal da cimitarra, na radiografia de tórax, caracteriza facilmente o diagnóstico da síndrome, como aliás esse diagnóstico havia sido estabelecido no caso presente. Daí a importância desse exame radiográfico complementar, simples e definitivo, para a conclusão diagnóstica deste defeito.

Diagnóstico diferencial: a síndrome de cimitarra não encontra dificuldades diagnósticas em relação a outros defeitos, por ser um sinal radiográfico característico e singular.

Conduta: programada a confirmação diagnóstica por cateterismo cardíaco, além da intervenção de embolização do vaso sistêmico-pulmonar para, em seguida, realizar-se a correção cirúrgica da drenagem anômala das veias pulmonares direitas. O estudo hemodinâmico revelou pressões normais nas cavidades cardíacas e vasos arteriais (AD = 8, VD = 25/8, TP = 25/15-20, Ao = 98/58-70 mmHg). A saturação arterial era de 100% na aorta. A angiografia revelou grande vaso venoso pulmonar à direita, bastante dilatado, que drenava no átrio direito baixo. Injeção de contraste na aorta descendente evidenciou um vaso arterial, que se dirigia para o lobo inferior direito após discreta estenose no terço proximal. A colocação de três molas o ocluiu totalmente (Figura 2).

Na cirurgia cardíaca, após entrada em circulação extracorpórea, foi ressecado parcialmente o septo interatrial e feito o redirecionamento do fluxo da veia pulmonar direita para o átrio esquerdo com remendo de pericárdio bovino.

A evolução pós-operatória transcorreu sem intercorrências, com desaparecimento do sopro cardíaco.

Comentários: na síndrome da cimitarra clássica, sabe-se que a drenagem das veias pulmonares anômalas do pulmão direito em forma de cimitarra (espada curva turca) se dirige para a veia cava inferior, em maior ou menor grau de hipoplasia do pulmão direito, com ou sem sequestro pulmonar por vaso sistêmico-pulmonar da aorta ao lobo inferior direito, além da dextroposição cardíaca.11 Vida VL, Padalino MA, Boccuzzo G, Tarja E, Berggren H, Carrel T, et al. Scimitar syndrome: a European Congenital Heart Surgeons Association (ECHSA) multicentric study. Circulation. 2010;122(12):1159-66.,22 Midyat L, Demir E, Askin M, Gülen F, Ulger Z, Tanaç R, et al. Eponym. Scimitar syndrome. Eur J Pediatr. 2010;169(10):1171-7. A maioria não é associada a outros defeitos (75%) e se distinguem nessa síndrome dois tipos, o infantil (com repercussão dinâmica) e o adulto (de menor repercussão da sobrecarga de volume, relacionada ao grau da hipoplasia pulmonar direita). No entanto, a drenagem em átrio direito das veias pulmonares direitas com manutenção da forma de cimitarra é pouco conhecida. Na procura da literatura, aliás, desde 1966, não foi encontrado nenhum caso semelhante a este descrito, com drenagem da veia anômala diretamente no átrio direito e com sinal clássico de cimitarra. Essa particularidade da forma de cimitarra persiste pela proximidade da drenagem no átrio direito inferior, próximo da veia cava inferior. Nesse contexto, há casos descritos do sinal de cimitarra mas com drenagem normal da veia pulmonar direita no próprio átrio esquerdo.33 Holt PD, Berdon WE, Marans Z, Griffiths S, Hsu D. Scimitar vein draining to the left atrium and a historical review of the scimitar syndrome. Pediatr Radiol. 2004;34(5):409-13. Daí que conhece-se hoje a "síndrome característica de cimitarra" e o "sinal de cimitarra" - este não associado à drenagem anômala de veia pulmonar ou ainda associado à drenagem anômala em outro sítio, como no átrio direito, por exemplo.

References

  • 1
    Vida VL, Padalino MA, Boccuzzo G, Tarja E, Berggren H, Carrel T, et al. Scimitar syndrome: a European Congenital Heart Surgeons Association (ECHSA) multicentric study. Circulation. 2010;122(12):1159-66.
  • 2
    Midyat L, Demir E, Askin M, Gülen F, Ulger Z, Tanaç R, et al. Eponym. Scimitar syndrome. Eur J Pediatr. 2010;169(10):1171-7.
  • 3
    Holt PD, Berdon WE, Marans Z, Griffiths S, Hsu D. Scimitar vein draining to the left atrium and a historical review of the scimitar syndrome. Pediatr Radiol. 2004;34(5):409-13.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2016

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2015
  • Revisado
    16 Set 2015
  • Aceito
    16 Set 2015
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