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Automonitorização com ou sem Telemonitorização: Seria a Nova Era do Diagnóstico e Conduta da Hipertensão?

Palavras-chave
Doenças Cardiovasculares; Telemedicina; Hipertensão/prevenção e Controle; Hipertensão do Jaleco Branco; Hipertensão Mascarada; automonitorização da Hipertensão

De acordo com as diretrizes do American College of Cardiology (ACC)/American Heart Association (AHA) de 2017, sobre a prevenção, detecção, avaliação e conduta na hipertensão arterial (HA) em adultos, 46% dos adultos americanos são hipertensos.11 Whelton PK, Carey RM, Aronow WS, Casey DE, Collins KJ, Dennison Himmelfarb C, et al. 2017 ACC/AHA/AAPA/ABC/ACPM/AGS/APhA/ASH/ASPC/NMA/PCNA Guideline for the Prevention, Detection, Evaluation, and Management of High Blood Pressure in Adults: Executive Summary: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Hypertension. 2018;71(6):1269-1324. No Brasil, como os níveis de pressão arterial (PA) sistólica e diastólica que definem a hipertensão22 Malachias MVB, Rodrigues CI Júnior, Muxfeldt E, Salles GF, Moreno H Júnior, Gus M. 7th Brazilian Guideline of Arterial Hypertension: Chapter 13 - Resistant Arterial Hypertension. Arq Bras Cardiol. 2016;107 (3 Supl 3):75-8. diferem da Diretriz ACC/AHA, este percentual é de cerca de 25%, de acordo com o VIGITEL.33 Brasil. Ministério da Saúde. VIGITEL - Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. [Internet]. [citado 09 out. 2019]; 2019. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/julho/25/vigitel-brasil-2018.pdf.
https://portalarquivos2.saude.gov.br/ima...

A hipertensão é importante questão de saúde pública e o principal fator de risco para doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral e doença renal crônica. As doenças cardíacas e o acidente vascular cerebral estão entre os problemas de saúde mais prevalentes e onerosos do mundo, sendo que o controle da PA é a intervenção mais eficaz para salvar vidas, prevenindo comorbidades deletérias, mas apenas aproximadamente metade dos indivíduos apresentam controle pressórico mesmo nos países em desenvolvimento.11 Whelton PK, Carey RM, Aronow WS, Casey DE, Collins KJ, Dennison Himmelfarb C, et al. 2017 ACC/AHA/AAPA/ABC/ACPM/AGS/APhA/ASH/ASPC/NMA/PCNA Guideline for the Prevention, Detection, Evaluation, and Management of High Blood Pressure in Adults: Executive Summary: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Hypertension. 2018;71(6):1269-1324.,22 Malachias MVB, Rodrigues CI Júnior, Muxfeldt E, Salles GF, Moreno H Júnior, Gus M. 7th Brazilian Guideline of Arterial Hypertension: Chapter 13 - Resistant Arterial Hypertension. Arq Bras Cardiol. 2016;107 (3 Supl 3):75-8.,44 Merai R, Siegel C, Rakotz M, Basch P, Wright J, Wong B; et al. CDC Grand Rounds: A Public Health Approach to Detect and Control Hypertension (MMWR). Weekly. 2016;65(45):1261-4.

A PA é um dos parâmetros de monitorização mais importantes na clínica médica. A medida adequada da PA é ponto crucial no diagnóstico e na conduta da hipertensão arterial na prática clínica, em consultórios ou fora deles.55 Muntner P, Shimbo CD, Carey RM, Charleston JB, Gaillard T, Misra S, et al. Measurement of blood pressure in humans: a scientific statement from the American Heart Association. Hypertension. 2019;73:e35-e66. A monitorização residencial da PA com dispositivos automáticos validados torna-se uma alternativa à monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA), recomendada como o método preferencial de medida da PA fora do consultório na maioria das diretrizes11 Whelton PK, Carey RM, Aronow WS, Casey DE, Collins KJ, Dennison Himmelfarb C, et al. 2017 ACC/AHA/AAPA/ABC/ACPM/AGS/APhA/ASH/ASPC/NMA/PCNA Guideline for the Prevention, Detection, Evaluation, and Management of High Blood Pressure in Adults: Executive Summary: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Hypertension. 2018;71(6):1269-1324.,22 Malachias MVB, Rodrigues CI Júnior, Muxfeldt E, Salles GF, Moreno H Júnior, Gus M. 7th Brazilian Guideline of Arterial Hypertension: Chapter 13 - Resistant Arterial Hypertension. Arq Bras Cardiol. 2016;107 (3 Supl 3):75-8.,55 Muntner P, Shimbo CD, Carey RM, Charleston JB, Gaillard T, Misra S, et al. Measurement of blood pressure in humans: a scientific statement from the American Heart Association. Hypertension. 2019;73:e35-e66.,66 Nobre F, Mion Jr D, Gomes MAM, Barbosa ECD, Rodrigues CIS, Neves MFT, et al. 6ª Diretrizes de Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial e 4ª Diretrizes de Monitorização Residencial da Pressão Arterial. Arq Bras Cardiol. 2018;110(5 Supl 1):1-29. devido à sua maior precisão, capacidade ímpar de medir a PA noturna, identificando hipertensos non-dippers e risers (reverse dipping), detecta a variabilidade circadiana e parece correlacionar-se melhor com prognóstico. Em contraste com a MAPA, a monitorização residencial da pressão arterial (MRPA) é bem tolerada, mais facilmente disponível, de menor custo, apresentando também uma associação mais forte com o risco renal e cardiovascular, em comparação com a pressão medida no consultório. Além disso, a MRPA pode conferir maior autonomia ao paciente, além de um papel mais ativo no tratamento de sua doença crônica, sendo útil para monitorar a eficácia do tratamento anti-hipertensivo, melhorando assim o controle da PA, diminuindo a inércia terapêutica. No entanto, as evidências científicas atuais demonstraram que a MRPA, embora seja custo efetiva e se constitua em boa abordagem, é subutilizada nos Estados Unidos e em outros países,77 Magid DJ, Green BB. Home blood pressure monitoring: take it to the bank. JAMA. 2013;310(1):40-1. estando disponíveis alguns poucos ensaios clínicos bem elaborados.

O estudo TASMINH4,88 McManus RJ, Mant J, Franssen M, Nickless A, Schwartz C, Hodgkinson J, et al. Efficacy of self-monitored blood pressure, with or without telemonitoring, for titration of antihypertensive medication (TASMINH4): an unmasked randomised controlled trial. Lancet. 2018;391(10124):949-59. realizado pelo National Institute for Health Research do Reino Unido, recentemente publicado na Lancet, constatou que a automonitorização, com ou sem telemonitorização, quando utilizada por médicos clínicos na atenção básica para prescrever medicamentos anti-hipertensivos para indivíduos com PA não controlada, encontrou níveis de PA sistólica significativamente menores no grupo de intervenção em comparação com a prescrição pautada por medidas feitas no consultório. Os resultados mostraram que a automonitorização com ou sem telemonitorização auxilia a conduta da hipertensão na atenção básica.

O Telescot99 Hanley J, Pinnock H, Paterson M, McKinstry B. Implementing telemonitoring in primary care: learning from a large qualitative dataset gathered during a series of studies. BMC Fam Pract. 2018;19(1):118. é um ensaio clínico escocês que incluiu sete estudos sobre a implementação da telemonitorização no contexto da atenção primária para a conduta de longo prazo da hipertensão, diabetes e outras doenças crônicas. Os resultados mostraram alto índice de aprovação por parte dos pacientes, que consideraram a utilidade desta nova estratégia em conferir-lhes autonomia. Os médicos também consideraram a telemonitorização algo encorajador; no entanto, alguns expressaram críticas às características do software, o que pode denotar obstáculos à ampla implementação da telemonitorização na rotina de cuidados diários.

No estudo “Prevalence of Masked and White-Coat Hypertension in Pre-Hypertensive and Stage 1 Hypertensive Patients with the Use of TeleMRPA” [Prevalência de Hipertensão Mascarada e do Avental Branco em Pré-Hipertensos e Hipertensos Estágio 1 com o uso da TeleMRPA] desta edição, Barroso WKS et al.1010 Barroso WKS, Feitosa ADM, Barbosa ECD, Miranda RD, Brandão AA, Vitorino PVO, et al. Prevalence of Masked and White-Coat Hypertension in Pre-Hypertensive and Stage 1 Hypertensive patients with the use of TeleMRPA. Arq Bras Cardiol. 2019; 113(5):970-975. utilizaram a estratégia da MRPA associada à telemedicina (plataforma TeleMRPA). A amostra foi composta por 1.273 participantes, dos quais 58,1% eram mulheres, com idade média de 52,4 ± 14,9 anos, índice de massa corporal médio de 28,4 ± 5,1 kg/m22 Malachias MVB, Rodrigues CI Júnior, Muxfeldt E, Salles GF, Moreno H Júnior, Gus M. 7th Brazilian Guideline of Arterial Hypertension: Chapter 13 - Resistant Arterial Hypertension. Arq Bras Cardiol. 2016;107 (3 Supl 3):75-8.. A PA casual medida no consultório foi maior que a MRPA (+7,6 mmHg para pressão sistólica e +5,2 mmHg para pressão diastólica (p < 0,001). Os autores encontraram 558 (43,8%) indivíduos normotensos; 291 (22,9%) com hipertensão sustentada; 145 (11,4%) com hipertensão mascarada (HM) e 279 (21,9%) com hipertensão do avental branco (HAB), com erro diagnóstico por PA casual na amostra total em 424 (33,3%) pacientes. Em hipertensos estágio 1, a prevalência de HAB foi de 48,9%; em pacientes pré-hipertensos, a prevalência de HM foi de 20,6%. Concluiu-se que a HM e a HAB têm alta prevalência na população adulta, particularmente em pacientes pré-hipertensos e hipertensos estágio 1, recomendando-se a obtenção da medida da PA fora do consultório nesses pacientes, para evitar erros de diagnóstico. De fato, trata-se de um resultado importante, pois a pré-hipertensão é um sinal de alerta para o desenvolvimento de hipertensão de longo prazo seja neste estágio, e mais ainda na hipertensão estágio 1, estando ambas associadas alesões de órgãos-alvo, aumentando o risco de doença cardiovascular e doença renal.1111 Booth JN 3rd, Li J, Zhang L, Chen L, Muntner P, Egan B. Trends in Prehypertension and Hypertension Risk Factors in US Adults: 1999-2012. Hypertension. 2017;70(2):275-84.

Como descrito acima, a telemonitorização vem sendo usada com sucesso na atenção básica em todo o mundo, e temos que considerar essa estratégia como uma possibilidade de realizar nossa tarefa no Brasil em termos de diagnóstico e conduta da hipertensão. A MRPA com ou sem a telemonitorização pode ser usada sistematicamente na prática diária, assim como a MAPA na identificação de pacientes com hipertensão do avental branco; hipertensão mascarada; hipertensão sustentada controlada, não controlada, resistente ou refratária, conforme encontrado pelos autores no artigo analisado.11 Whelton PK, Carey RM, Aronow WS, Casey DE, Collins KJ, Dennison Himmelfarb C, et al. 2017 ACC/AHA/AAPA/ABC/ACPM/AGS/APhA/ASH/ASPC/NMA/PCNA Guideline for the Prevention, Detection, Evaluation, and Management of High Blood Pressure in Adults: Executive Summary: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Hypertension. 2018;71(6):1269-1324.,22 Malachias MVB, Rodrigues CI Júnior, Muxfeldt E, Salles GF, Moreno H Júnior, Gus M. 7th Brazilian Guideline of Arterial Hypertension: Chapter 13 - Resistant Arterial Hypertension. Arq Bras Cardiol. 2016;107 (3 Supl 3):75-8.,55 Muntner P, Shimbo CD, Carey RM, Charleston JB, Gaillard T, Misra S, et al. Measurement of blood pressure in humans: a scientific statement from the American Heart Association. Hypertension. 2019;73:e35-e66.,66 Nobre F, Mion Jr D, Gomes MAM, Barbosa ECD, Rodrigues CIS, Neves MFT, et al. 6ª Diretrizes de Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial e 4ª Diretrizes de Monitorização Residencial da Pressão Arterial. Arq Bras Cardiol. 2018;110(5 Supl 1):1-29.

No entanto, é importante considerar algumas limitações. Trata-se de um estudo retrospectivo não cego, capaz de identificar um problema de viabilidade, mas não especificamente projetado para extrair dados. A maioria dos registros foi proveniente de pacientes residentes no Nordeste do Brasil, sendo este possível viés admitido pelos autores. Não sabemos como os pacientes mediram a pressão arterial nos quase 30 centros diferentes de nove estados das regiões geográficas brasileiras. É um esforço enorme treinar todos os pacientes e manter os dispositivos bem calibrados e verificados quanto à precisão periodicamente, usando um método padrão, com manguitos de tamanho adequado e corretamente posicionados. Outra barreira associada ao paciente é que a MRPA exige certo nível de letramento para que os indivíduos sejam capazes de aplicar uma medida padrão da PA utilizando os mesmos dispositivos oscilométricos automáticos calibrados. É obrigatório o treinamento dos profissionais de saúde e dos pacientes em todos os centros, o que certamente dispende muito tempo.55 Muntner P, Shimbo CD, Carey RM, Charleston JB, Gaillard T, Misra S, et al. Measurement of blood pressure in humans: a scientific statement from the American Heart Association. Hypertension. 2019;73:e35-e66. Por fim, temos outras variáveis a considerar, como a presença de sinais de artefato causados por movimentos ou arritmia cardíaca.

Espera-se que, no futuro, com o aumento do uso da medicina digital, teremos novas tecnologias, como dispositivos de monitorização de PA de última geração, incluindo smartphones e telemonitorização habilitada para Bluetooth, usando sistemas de monitorização contínua da PA, sem o uso de manguitos, que serão capazes de fornecer novas soluções com precisão e validação para o contexto clínico, melhorando os desfechos de pacientes hipertensos.1212 Pellegrini D, Parati G. Communication technology for the management of hypertension: benefits and pitfalls. E-Journal Cardiol Practice. [Internet]. [citado 19 out. 2019]; 2019;17(9). Disponível em: https://www.escardio.org/Journals/E-Journal-of-Cardiology-Practice/Volume-17/communication-technology-for-the-management-of-hypertension-benefits-and-pitfalls.
https://www.escardio.org/Journals/E-Jour...
,1313 Kitt J, Fox R, Tucker KL, McManus RJ. New approaches in hypertension management: a review of current and developing technologies and their potential impact on hypertension care. Curr Hypertens Rep. 2019;21(6):44. Talvez, no futuro, até mesmo a MAPA será algo do passado.

Um exemplo dessa nova tecnologia é o protótipo experimental do tipo relógio proposto por Woo et al.,1414 Woo SH, Choi YY, Kim DJ, Bien F, Kim JJ. Tissue-informative mechanism for wearable non-invasive continuous blood pressure monitoring. Sci Rep. 2014 Oct 21;4:6618. composto por um dispositivo do tipo wearable com um sensor de pressão próximo à artéria radial, possibilitando a medida contínua e precisa da PA em smartphones de uso pessoal.

Por outro lado, os dados transmitidos a partir desses equipamentos domésticos e dispositivos pessoais criarão expectativas de tomada de decisão terapêutica, se necessário. Outro ponto a se considerar é que são essenciais melhores níveis de privacidade e segurança física, integridade e segurança técnica de dados sensíveis, pois podem ocorrer falhas no compartilhamento de dados entre pacientes e os profissionais de saúde. Em muitos países, como no Brasil, não temos normas regulatórias técnicas, legais e éticas claras para intervenções eletrônicas em saúde, sendo que essas ferramentas são importantes para orientar médicos em seus contextos clínicos em uma era de crescente uso da inteligência artificial.

O estudo de Barroso et al.,1010 Barroso WKS, Feitosa ADM, Barbosa ECD, Miranda RD, Brandão AA, Vitorino PVO, et al. Prevalence of Masked and White-Coat Hypertension in Pre-Hypertensive and Stage 1 Hypertensive patients with the use of TeleMRPA. Arq Bras Cardiol. 2019; 113(5):970-975. nos traz como resultado que a monitorização da PA fora do consultório na prática profissional brasileira é um complemento importante das medidas de triagem da hipertensão no consultório e espera-se que um processo mais rigoroso de telemonitorização possa romper algumas barreiras.

Concluindo, a telemonitorização da MRPA parece ser uma abordagem promissora para a conduta de pacientes, particularmente aqueles de alto risco, produzindo dados precisos e confiáveis, mas necessitando de outros ensaios clínicos randomizados prospectivos controlados de automonitorização da PA com e sem telemonitorização, em comparação com os cuidados usuais e com a MAPA, com maior tamanho de amostra e maior tempo de seguimento para confirmar os resultados da literatura sobre os efeitos clínicos no diagnóstico, controle e impacto na morbimortalidade dos pacientes hipertensos. A relação custo-benefício de cada estratégia em comparação com a outra, os impactos na utilização dos serviços, a aceitação por parte dos profissionais e por parte dos pacientes também são essenciais para permitir recomendações científicas sobre o emprego dessas novas ferramentas no cuidado diário para o diagnóstico e a conduta da hipertensão.

  • Minieditorial referente ao artigo: Prevalência de Hipertensão Mascarada e do Avental Branco em Pre-Hipertensos e Hipertensos Estágio 1 com o uso da TeleMRPA

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Nov 2019
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