Resumo
Fundamento:
A terapia de ressincronização cardíaca (TRC) é um tratamento recomendado pelas principais diretrizes mundiais. Entretanto, 30%-40% dos pacientes selecionados não respondem ao tratamento.
Objetivo:
Elaborar um modelo ecocardiográfico preditor de risco de óbito cardíaco ou transplante (Tx) após 1 ano da TRC.
Método:
Estudo observacional, prospectivo, com inclusão de 116 pacientes, sendo 69,8% do sexo masculino, com idade de 64,89 ± 11,18 anos, CF III (68,1%) e IV ambulatorial (31,9%), bloqueio de ramo esquerdo em 71,55%, e mediana da fração de ejeção (FE) de 29%. Avaliações foram feitas no período pré-implante e 6-12 meses após, e correlacionadas com mortalidade cardíaca/Tx no final do seguimento. Foram realizadas análises de regressão de Cox e logística, com a curva ROC e de sobrevida de Kaplan-Meier. O modelo foi validado internamente pelo “bootstrapping”.
Resultados:
Ocorreram 29 (25%) óbitos/Tx durante o seguimento de 34,09 ± 17,9 meses. A mortalidade cardíaca/Tx foi de 16,3 %. No modelo multivariado de Cox, as variáveis FE < 30%, disfunção diastólica grau III/IV e regurgitação mitral grau III, aferidas com 6-12 meses, relacionaram-se independentemente a aumento de mortalidade cardíaca ou Tx, com razões de risco de 3,1, 4,63 e 7,11, respectivamente. A área sob a curva ROC foi de 0,78.
Conclusão:
FE menor que 30%, disfunção diastólica grave e regurgitação mitral severa indicam pior prognóstico após 1 ano da TRC, devendo ser consideradas outras opções terapêuticas na presença da combinação de duas dessas variáveis.
Palavras-chave:
Insuficiência Cardíaca / mortalidade; Ecocardiografia; Marca-Passo Artificial; Terapia de Ressincronização Cardíaca; Fatores de Risco
Abstract
Background:
Cardiac resynchronization therapy (CRT) is the recommended treatment by leading global guidelines. However, 30%-40% of selected patients are non-responders.
Objective:
To develop an echocardiographic model to predict cardiac death or transplantation (Tx) 1 year after CRT.
Method:
Observational, prospective study, with the inclusion of 116 patients, aged 64.89 ± 11.18 years, 69.8% male, 68,1% in NYHA FC III and 31,9% in FC IV, 71.55% with left bundle-branch block, and median ejection fraction (EF) of 29%. Evaluations were made in the pre‑implantation period and 6-12 months after that, and correlated with cardiac mortality/Tx at the end of follow-up. Cox and logistic regression analyses were performed with ROC and Kaplan-Meier curves. The model was internally validated by bootstrapping.
Results:
There were 29 (25%) deaths/Tx during follow-up of 34.09 ± 17.9 months. Cardiac mortality/Tx was 16.3%. In the multivariate Cox model, EF < 30%, grade III/IV diastolic dysfunction and grade III mitral regurgitation at 6‑12 months were independently related to increased cardiac mortality or Tx, with hazard ratios of 3.1, 4.63 and 7.11, respectively. The area under the ROC curve was 0.78.
Conclusion:
EF lower than 30%, severe diastolic dysfunction and severe mitral regurgitation indicate poor prognosis 1 year after CRT. The combination of two of those variables indicate the need for other treatment options.
Keywords:
Heart Failure/ mortality; Echocardiography; Pacemaker, Artificial; Cardiac Resynchronization Therapy; Risk Factors
Introdução
As evidências científicas colocam a terapia de ressincronização cardíaca (TRC) como classe I nas principais diretrizes de marca-passo e insuficiência cardíaca congestiva (ICC) para os pacientes em tratamento clínico otimizado, em ICC classe funcional (CF) II, III ou IV ambulatorial da New York Heart Association (NYHA), com fração de ejeção (FE) ≤35% e distúrbio de condução intraventricular, principalmente no ramo esquerdo11 Bochi EA, Braga FG, Ferreira SM, Rohde LE, Oliveira WA, Almeida DR, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. III Brazilian Guideline on chronic heart failure. Arq Bras Cardiol. 2009;93(1 Suppl 1):3-70.,22 Tracy CM, Epstein AE, Darbar D, Dimarco JP, Dunbar SB, Estes NA 3rd, et al. 2012 ACCF/AHA/HRS focused update of the 2008 guidelines for device-based therapy of cardiac rhythm abnormalities: a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2012;60(14):1297-313..
Entretanto, 30%-40% dos casos de TRC podem não apresentar resultados favoráveis, ou seja, pacientes submetidos a tratamento cirúrgico, com riscos e custos altos, sem benefícios clínicos, hemodinâmicos ou de sobrevida33 Saxon LA, Ellenbogen KA. Resynchronization therapy for the treatment of heart failure. Circulation. 2003;108(9):1044-8.,44 Bax JJ, Bleeker GB, Marwick TH, Molhoek SG, Boersma E, Steendijk P, et al. Left ventricular dyssynchrony predicts response and prognosis after cardiac resynchronization therapy. J Am Coll Cardiol. 2004;44(9):1834-40..
Diversos estudos procuraram identificar critérios preditores de resposta à TRC, mas com diferentes padrões de definição de resposta, sendo utilizadas, predominantemente, comparações com o volume sistólico final (VSF) e melhora na CF55 Yu CM, Bleeker GB, Fung JW, Schalij MJ, Zhang Q, van der Wall EE, et al. Left ventricular reverse remodeling but not clinical improvement predicts long-term survival after cardiac resynchronization therapy. Circulation. 2005;112(11):1580-6.. Entretanto, os pacientes tidos como respondedores pelas análises dos volumes ventriculares não mantêm correlação frequente com a melhora clínica observada, teste de caminhada ou qualidade de vida. Essa discordância não é surpresa, considerando que a TRC atua por diversas vias hemodinâmicas e neuro-humorais66 Cleland JG, Ghio S. The determinants of clinical outcome and clinical response to CRT are not the same. Heart Fail Rev. 2012;17(6):755-66..
Os efeitos da TRC envolvem modificações no grau de regurgitação mitral, seja sistólica ou diastólica, no grau de disfunção diastólica, na função sistólica e no dissincronismo. Portanto, uma avaliação prognóstica ou definição de resposta que utilize apenas uma variável, como o VSF do ventrículo esquerdo (VE), é pouco precisa.
Assim, existe necessidade de criação de índices multifatoriais ou escores77 Foley PW, Leyva F, Frenneaux MP. What is treatment success in cardiac resynchronization therapy? Europace. 2009;11(Suppl 5):v58-65. para tentar, com maior acurácia, identificar os preditores de melhor sobrevida e para designar os verdadeiros respondedores. Esses índices devem envolver um maior número de variáveis, com maiores taxas de sensibilidade e especificidade.
O objetivo deste estudo foi elaborar um modelo ecocardiográfico após a TRC, preditor de risco de óbito cardíaco ou transplante (Tx) durante a evolução.
Métodos
Trata-se de estudo observacional, prospectivo, analisando 116 pacientes com marca-passo multi-sítio implantado em hospital terciário universitário. As avaliações foram feitas pré-implante (1º tempo de análise) e com 1 ano (2º tempo de análise). As características da população do estudo são apresentadas na Tabela 1.
Os eletrodos do ventrículo direito (VD) foram posicionados preferencialmente em região apical (84%), tendo-se procurado manter maior distância entre os eletrodos de VE e VD. Os modelos utilizados foram da St. Jude Medical em 92 pacientes, da Biotronik, em 12, da Medtronic, em 10, e da Guidant, em 2. Dois pacientes receberam implantes por mini-toracotomia. O número de pacientes selecionados foi baseado em estudos prévios com desfechos semelhantes.
As doses dos medicamentos foram modificadas durante o acompanhamento, conforme julgamento dos médicos assistentes (3 profissionais especialistas em estimulação cardíaca da mesma equipe), os mesmos que realizaram todos os procedimentos clínicos e cirúrgicos. Seis variáveis ecocardiográficas consideradas de fácil aquisição na prática diária e de grande utilidade clínica foram selecionadas para análise.
Parâmetros Ecocardiográficos
Foram seguidas as normas das diretrizes brasileira88 Camarozano A, Rabischoffsky A, Maciel BC, Brindeiro Filho D, Horowitz ES, Pena JL, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretrizes das indicações da ecocardiografia. Arq Bras Cardiol. 2009;93(6 supl. 3):e265-e302. e americana de ecocardiografia para análise dos diversos parâmetros ecocardiográficos99 Gottdiener JS, Bednarz J, Devereux R, Gardin J, Klein A, Manning WJ, et al. American Society of Echocardiography recommendations for use of echocardiography in clinical trials. J Am Soc Echocardiogr. 2004;17(10):1086-119.. Os exames ecocardiográficos foram realizados por três ecocardiografistas experientes, sendo 70% dos exames realizados pelo mesmo ecocardiografista. Foi utilizado o aparelho da GE, modelo Vivid 7, com transdutor 3.5-MHz. Os médicos realizadores dos exames estavam blindados em relação aos achados clínicos e ecocardiográficos prévios dos pacientes e tinham experiência na avaliação de pacientes, como os incluídos no estudo.
A análise da função sistólica foi realizada pelo método de Simpson, no modo bidimensional duas e quatro câmaras, seguido pela média. Os diâmetros ventriculares foram obtidos no modo M, segundo padronizações das diretrizes99 Gottdiener JS, Bednarz J, Devereux R, Gardin J, Klein A, Manning WJ, et al. American Society of Echocardiography recommendations for use of echocardiography in clinical trials. J Am Soc Echocardiogr. 2004;17(10):1086-119..
A função diastólica foi avaliada pelo fluxo mitral (em repouso e após manobra de Valsalva), pelo Doppler tecidual e pela velocidade de propagação do fluxo pelo modo-M em cores, sendo quatro os graus de disfunção diastólica: I = leve; II = moderado ou pseudonormal; III = acentuado ou padrão restritivo; IV = grave ou padrão restritivo irreversível1010 Nagueh SF, Appleton CP, Gillebert TC, Marino PN, Oh JK, Smiseth OA, et al. Recommendations for the evaluation of left ventricular diastolic function by echocardiography. Eur J Echocardiogr. 2009;10(2):165-93..
O grau de regurgitação mitral foi avaliado através do Doppler colorido, conforme o percentual de preenchimento do átrio esquerdo. No refluxo leve, o percentual era menor que 20%, no moderado entre 20% e 40%, sendo valores acima desse percentual considerados importantes. Nesse contexto prático, o efeito Coanda foi interpretado como refluxo moderado quando restrito à parede lateral do átrio, e acentuado quando se estendia pelo polo superior do átrio esquerdo.
Realizou-se a aplicação do consentimento livre e esclarecido para todos os pacientes e o estudo foi aprovado pela comissão de ética do hospital.
Análise Estatística
Realizou-se o teste de normalidade de Shapiro-Wilk para classificação das variáveis normais. As variáveis FE e diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo (DDVE) não tiveram distribuição normal.
As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências e porcentagens, e as variáveis contínuas, como médias e desvio-padrão ou medianas. As variáveis categóricas foram comparadas pelo teste de Mac-Nemar, Stuart-Maxwell ou qui-quadrado. O teste t de Student foi utilizado para comparar distribuições de variáveis contínuas, aproximadamente normais, e o teste de Wilcoxon/Mann-Whitney, para comparações de variáveis contínuas, não normais. Distribuições foram consideradas significativamente diferentes quando o valor p foi menor que 0,05.
Avaliou-se a relação univariada entre as variáveis ecocardiográficas e óbito por doenças cardíacas ou Tx através de curva de sobrevida de Kaplan-Meier, teste de log-rank e regressão de Cox. As variáveis contínuas foram exploradas pela regressão de Cox na busca de um ponto de corte.
Um modelo de regressão múltipla de Cox foi desenvolvido no primeiro ano após a TRC para avaliar a contribuição independente de cada uma das variáveis ecocardiográficas previamente selecionadas com significância no modelo univariado de Cox. As variáveis com valor de p < 10% foram consideradas potenciais confundidoras. Cada uma das variáveis foi incluída no modelo multivariado pela ordem decrescente do hazard, sendo excluídas quando o valor p foi maior ou igual a 5%.
Foram realizadas análises de regressão logística, utilizando-se hazard1111 Boidol J, Sredniawa B, Kowalski O, Szulik M, Mazurek M, Sokal A, et al. Many response criteria are poor predictors of outcomes after cardiac resynchronization therapy: validation using data from the randomized trial. Europace. 2013;15(6):835-44. como variável independente para medida de risco, e óbito cardíaco/Tx como variável dependente. A acurácia dos modelos foi testada pela curva ROC, com suas sensibilidade e especificidade. O modelo foi elaborado pelas pontuações do hazard, dividido em categorias de risco de acordo com o número de variáveis presentes e classificadas em baixo, médio e alto risco, respectivamente classes A, B e C. Para elaboração das pontuações, o hazard das variáveis individuais foi dividido pelo maior valor do hazard do modelo, multiplicado por 100 e arredondado para o algoritmo superior mais próximo.
Para avaliar a proporcionalidade dos riscos associados com os fatores preditores, utilizou-se o teste de Schoenfeld. Para validação interna do modelo, utilizou-se o método de bootstraping, sendo obtido um intervalo de confiança para os hazard estimados, gerando-se 10 mil amostras de tamanho 60, aleatórias, sem reposição do conjunto de dados original. Para cada 10 mil amostras artificiais foram estimados os hazard correspondentes a cada covariável. Ordenaram-se os valores para cada covariável, sendo observado o intervalo de confiança de 95%.
Os dados foram analisados pelo programa de computação Stata/SE, versão 12.1, (StataCorp LP, College Station, TX, EUA) e pelo programa “R” (R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria).
Resultados
Ocorreram 29 óbitos durante o seguimento (25% de mortalidade total) em 34,09 ± 17,9 meses. A taxa de mortalidade cardíaca e Tx foi de 16,3% (19 pacientes), sendo que 6 desses pacientes foram transplantados durante o tempo do estudo, 5 devido a ICC refratária e 1 devido a tempestade arrítmica. Dos 6 pacientes transplantados, 3 faleceram devido ao estágio avançado da doença quando submetido ao Tx.
No modelo multivariado de Cox, as variáveis FE < 30%, disfunção diastólica e regurgitação mitral relacionaram-se independentemente a aumento de mortalidade cardíaca/Tx, com razões de risco de 3,1; 4,63 e 7,11, respectivamente (Tabela 2).
As variáveis significativas no modelo multivariado também se mostraram significativas isoladamente no modelo de Kaplan-Meier, quando comparadas pelo teste de log-rank (p < 0,001) (Figuras 1-3). A análise do modelo pela curva ROC demonstrou uma área sob a curva (AUC) de 0,785, com sensibilidade de 56,2%, especificidade de 94,1% e acurácia de 88,2%.
Curva de Kaplan-Meier para a variável fração de ejeção (FE), dicotomizada entre > 30% e ≤30% no 2º tempo (1º ano) da análise exclusivamente com as variáveis ecocardiográficas, com p < 0,001, comparada pelo teste de log-rank.
Curva de Kaplan-Meier para a variável disfunção diastólica (grau I e II comparado com grau III e IV) no 2º tempo de análise (1º ano), com p < 0,001, comparada pelo teste de log-rank.
Curva de Kaplan-Meier para a variável regurgitação mitral (RM), sendo comparados os graus leve, moderado e severo no 2º tempo de análise (1º ano), com p < 0,001, pelo teste de log-rank.
Para os modelos propostos, foram testadas todas as variáveis quanto aos cumprimentos dos pressupostos de proporcionalidade dos riscos pelo teste de Schoenfeld (Tabela 3), com resultados que confirmaram o ajuste do modelo para as variáveis propostas. O intervalo de confiança de 95% foi obtido e confirmou a significância estatística das estimativas das proporções. O modelo foi, portanto, validado pelo método de bootstraping e não mostrou ausência de ajuste ou exagerada sensibilidade dos dados.
A partir das combinações dessas variáveis, conseguimos elaborar um modelo e escore com 3 classes, sendo a classe A, de baixo risco de óbito cardíaco/Tx, composta pela ausência das variáveis significativas na análise multivariada, implicando em uma taxa livre de eventos (TLE) de 97,5% em 30 meses. A presença de 1 variável (classe B) implicou em uma TLE de 83,1% em 30 meses, tendo a combinação de 2 ou 3 variáveis (classe C) implicado em TLE de 38,5% em 30 meses (Figura 4 e Tabela 4).
Modelo com as variáveis ecocardiográficas no 1º ano: Classe A – Nenhuma variável (baixo risco de óbito cardíaco ou transplante); Classe B – Presença de uma variável (médio risco); Classe C (alto risco) – presença de 2 ou 3 variáveis (fração de ejeção < 30%, disfunção diastólica grau III e IV contra grau I e II, e regurgitação mitral grau III contra grau II e I). A Classe A implica em uma taxa livre de eventos (TLE) de 97,5% em 30 meses, a Classe B implica em TLE de 83,1%, e a Classe C implica em TLE de 38,5% em 30 meses.
Discussão
Três importantes variáveis ecocardiográficas (regurgitação mitral grau III1212 Vidal B, Delgado V, Mont L, Poyatos S, Silva E, Angeles Castel M, et al. Decreased likelihood of response to cardiac resynchronization in patients with severe heart failure. Eur J Heart Fail. 2010;12(3):283-7., disfunção diastólica grau III/IV1313 Aksoy H, Okutucu S, Kaya EB, Deveci OS, Evranos B, Aytemir K, et al. Clinical and echocardiographic correlates of improvement in left ventricular diastolic function after cardiac resynchronization therapy. Europace. 2010;12(9):1256-61. e FE ≤30%), quando presentes 1 ano após a TRC, mostraram-se preditoras de óbito cardíaco ou Tx neste modelo ecocardiográfico.
O modelo foi obtido dentro de uma população considerada de alto risco, pois apresentava mediana da FE de 29%, DDVE de 70 mm, disfunção diastólica grave em 42% da amostra, regurgitação mitral moderada ou severa em 45,6%, e internação por ICC no último ano em 64%.
A taxa de mortalidade geral do estudo foi de 25% (29/116) em 34 ± 17 meses, enquanto no trabalho de Yu e cols.55 Yu CM, Bleeker GB, Fung JW, Schalij MJ, Zhang Q, van der Wall EE, et al. Left ventricular reverse remodeling but not clinical improvement predicts long-term survival after cardiac resynchronization therapy. Circulation. 2005;112(11):1580-6. foi de 15,6% em 24 meses, sendo incluídos nesse estudo pacientes com FE de 40% e em CF II, portanto, uma população de menor risco. No estudo CARE-HF, a mortalidade foi de 30% no grupo sem intervenção, contra 20% no grupo submetido à TRC em seguimento de 29,4 meses1414 Cleland JG, Daubert JC, Erdmann E, Freemantle N, Gras D, Kappenberger L, et al. The effect of cardiac resynchronization on morbidity and mortality in heart failure. N Engl J Med. 2005;352(15):1539-49.. No estudo COMPANION, a taxa de óbito foi de 21% (131/617) no grupo CRT, contra 25% (77/308) no grupo controle em seguimento de 24 meses1515 Bristow MR, Saxon LA, Boehmer J, Krueger S, Kass DA, De Marco T, et al. Cardiac-resynchronization therapy with or without an implantable defibrillator in advanced chronic heart failure. N Engl J Med. 2004;350(21):2140-50.. Portanto, os dados de mortalidade do nosso estudo estão dentro da faixa descrita nos grandes trabalhos.
Em um subestudo do CARE-HF1616 Cleland J, Freemantle N, Ghio S, Fruhwald F, Shankar A, Marijanowski M, et al. Predicting the long-term effects of cardiac resynchronization therapy on mortality from baseline variables and the early response a report from the CARE-HF (Cardiac Resynchronization in Heart Failure) Trial. J Am Coll Cardiol. 2008;52(6):438-45., a regurgitação mitral severa com 3 meses foi preditora de mortalidade total, e no estudo de Cabrera-Bueno e cols., foi preditora de pior evolução clínica e de menor remodelamento reverso1717 Cabrera-Bueno F, Molina-Mora MJ, Alzueta J, Pena-Hernandez J, Jimenez-Navarro M, Fernandez-Pastor J, et al. Persistence of secondary mitral regurgitation and response to cardiac resynchronization therapy. Eur J Echocardiogr. 2010;11(2):131-7.. Um subestudo do Insync ICD não confirmou tais achados para regurgitação mitral moderada1818 Boriani G, Gasparini M, Landolina M, Lunati M, Biffi M, Santini M, et al. Impact of mitral regurgitation on the outcome of patients treated with CRT-D: data from the InSync ICD Italian Registry. Pacing Clin Electrophysiol. 2012;35(2):146-54.. Verheart e cols.1919 Verhaert D, Popovic Z, De S, Puntawangkoon C, Wolski K, Wilkoff B, et al. Impact of mitral regurgitation on reverse remodeling and outcome in patients undergoing cardiac resynchronization therapy. Circ Cardiovasc Imaging. 2012;5(1):21., em um estudo com 266 pacientes, relataram remodelamento ventricular importante mais precoce no grupo com regurgitação mitral moderada a severa. Na nossa população, 46% apresentavam regurgitação mitral moderada a severa pré-implante, contra 28,5% no primeiro ano (p < 0,008), demonstrando efeito benéfico da TRC na redução da regurgitação mitral e elevado risco da presença de regurgitação mitral severa após 1 ano da TRC.
O papel da disfunção diastólica na TRC tem sido demonstrado, entretanto sem valor como variável preditora independente de resposta na maioria dos estudos. Sabe-se que um dos mecanismos fisiopatológicos relacionados a melhora clínica e melhor evolução desses pacientes está relacionado à redução no grau de disfunção diastólica2020 Verbrugge FH, Verhaert D, Grieten L, Dupont M, Rivero-Ayerza M, De Vusser P, et al. Revisiting diastolic filling time as mechanistic insight for response to cardiac resynchronization therapy. Europace. 2013;15(12):1747-56.. Nesse estudo, 41,5% dos pacientes tinham disfunção diastólica grave (grau III e IV), enquanto no primeiro ano, apenas 13,5%, e no segundo ano, 21,4%. Isso pode explicar a melhora clínica de alguns pacientes sem correlação com remodelamento ou com aumento na FE2121 Agacdiken A, Vural A, Ural D, Sahin T, Kozdag G, Kahraman G, et al. Effect of cardiac resynchronization therapy on left ventricular diastolic filling pattern in responder and nonresponder patients. Pacing Clin Electrophysiol. 2005;28(7):654-60.. No nosso estudo, 41,5% dos pacientes apresentavam disfunção diastólica grau III/IV, contra 13,5% na evolução (p < 0,001), diferentemente do estudo de Salukhe e cols.2222 Salukhe TV, Francis DP, Clague JR, Sutton R, Poole-Wilson P, Henein MY. Chronic heart failure patients with restrictive LV filling pattern have significantly less benefit from cardiac resynchronization therapy than patients with late LV filling pattern. Int J Cardiol. 2005;100(1):5-12., que não demonstraram melhora clínica ou remodelamento nos pacientes com padrão de disfunção diastólica grave.
O valor da FE ≤30% após 1 ano da TRC implicou em aumento de risco de 3,1 vezes de óbito cardíaco/Tx. No estudo MIRACLE2323 St John Sutton MG, Plappert T, Abraham WT, Smith AL, DeLurgio DB, Leon AR, et al. Effect of cardiac resynchronization therapy on left ventricular size and function in chronic heart failure. Circulation. 2003;107(15):1985-90., houve aumento total em 6 meses de 5,9% na FE e, no estudo CARE-HF2424 Cleland JG, Daubert J-C, Erdmann E, Freemantle N, Gras D, Kappenberger L, et al. Longer-term effects of cardiac resynchronization therapy on mortality in heart failure [the CArdiac REsynchronization-Heart Failure (CARE-HF) trial extension phase]. Eur Heart J. 2006;27(16):1928-32., de 6,9% em 18 meses, enquanto no nosso estudo a mediana da FE era de 29% pré-implante, 33% com 1 ano e 35 % com 2 anos após o implante. Linde e cols.2525 Linde C, Daubert C, Abraham WT, St John Sutton M, Ghio S, Hassager C, et al; REsynchronization reVErses Remodeling in Systolic left vEntricular dysfunction (REVERSE) Study Group. Impact of ejection fraction on the clinical response to cardiac resynchronization therapy in mild heart failure. Circ Heart Fail. 2013;6(6):1180-9., em subanálise do estudo REVERSE, mostraram que a FE basal < 30%, comparada com valores de 30%-40%, estava relacionada favoravelmente com a sobrevida após a TRC, através de um índice composto por variáveis clínicas e ecocardiográficas, enquanto Kronborg e cols.2626 Kronborg MB, Mortensen PT, Kirkfeldt RE, Nielsen JC. Very long term follow-up of cardiac resynchronization therapy: clinical outcome and predictors of mortality. Eur J Heart Fail. 2008;10(8):796-801.demonstraram que a FE basal < 22,5% determinou aumento de mortalidade após TRC. Em estudo prévio, observamos que a FE basal < 25% teve correlação com pior evolução cardíaca, entretanto não mantida com 1 ano de evolução quando avaliada em conjunto com outras variáveis clínicas2727 Rocha EA, Pereira FT, Abreu JS, Lima JW, Monteiro MP, Rocha Neto AC, et al. Development and validation of predictive models of cardiac mortality and transplantation in resynchronization therapy. Arq Bras Cardiol. 2015; in press..
Em estudo2828 Pereira FT, Rocha EA, Monteiro MP, Rocha Neto AC, Daher EF, Rodrigues Sobrinho CR, et al. Long-term follow-up of patients with chronic Chagas disease and implantable cardioverter-defibrillator. Pacing Clin Electrophysiol. 2014;37(6):751-6. com 65 pacientes chagásicos com desfibriladores internos automáticos, em seguimento de 40 ± 26,8 meses, observamos mortalidade anual de 6,1% e ausência de morte súbita. Na análise multivariada, a FE <30% e baixo nível educacional foram preditores de pior prognóstico2828 Pereira FT, Rocha EA, Monteiro MP, Rocha Neto AC, Daher EF, Rodrigues Sobrinho CR, et al. Long-term follow-up of patients with chronic Chagas disease and implantable cardioverter-defibrillator. Pacing Clin Electrophysiol. 2014;37(6):751-6.. No presente estudo, 11,2% eram chagásicos. Em outro estudo nosso, a doença de Chagas esteve relacionada a aumento de risco de óbito apenas na análise univariada, provavelmente suplantada pela disfunção de VD, variável não analisada neste estudo2727 Rocha EA, Pereira FT, Abreu JS, Lima JW, Monteiro MP, Rocha Neto AC, et al. Development and validation of predictive models of cardiac mortality and transplantation in resynchronization therapy. Arq Bras Cardiol. 2015; in press..
Os modelos foram adequadamente aferidos por testes de proporcionalidade e validados internamente, o que aumenta o valor dos dados apresentados.
Pacientes com 2 ou mais variáveis (regurgitação mitral grau III, disfunção diastólica grau III/IV e FE ≤30%) relacionadas com pior prognóstico após 1 ano da TRC devem ser avaliados precocemente em busca de outras opções terapêuticas, como o implante de eletrodo em outra posição de VE, estimulação em múltiplos sítios de VE, cirurgia da válvula mitral, Tx cardíaco mais precoce ou coração artificial, considerando-se a elevada mortalidade cardíaca ou a necessidade de Tx de urgência desta população.
Limitações
O estudo foi unicêntrico, com uma amostra pequena e não foram realizadas análises de variabilidade intra- e inter-observador entre os médicos ecocardiografistas. Foram excluídas diversas variáveis ecocardiográficas importantes.
Conclusão
A FE menor que 30%, a disfunção diastólica grave e a regurgitação mitral severa após 1 ano da TRC indicam pior prognóstico, devendo-se considerar outras opções terapêuticas na presença da combinação de 2 dessas variáveis.
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Fontes de financiamentoO presente estudo foi financiado pela Capes e Funcap.
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Vinculação acadêmicaEste artigo é parte de tese de Doutorado de Eduardo Arrais Rocha pela Universidade de São Paulo e Universidade Federal do Ceará.
Agradecimentos
Somos gratos aos professores José Wellington O. Lima, Luis Gustavo Bastos Pinho e Juvêncio Santos Nobre pelas orientações estatísticas, e também ao Dr. Ítalo Martins pela coordenação do programa de pós-graduação do Dinter (doutorado interinstitucional).
References
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1Bochi EA, Braga FG, Ferreira SM, Rohde LE, Oliveira WA, Almeida DR, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. III Brazilian Guideline on chronic heart failure. Arq Bras Cardiol. 2009;93(1 Suppl 1):3-70.
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2Tracy CM, Epstein AE, Darbar D, Dimarco JP, Dunbar SB, Estes NA 3rd, et al. 2012 ACCF/AHA/HRS focused update of the 2008 guidelines for device-based therapy of cardiac rhythm abnormalities: a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2012;60(14):1297-313.
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3Saxon LA, Ellenbogen KA. Resynchronization therapy for the treatment of heart failure. Circulation. 2003;108(9):1044-8.
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4Bax JJ, Bleeker GB, Marwick TH, Molhoek SG, Boersma E, Steendijk P, et al. Left ventricular dyssynchrony predicts response and prognosis after cardiac resynchronization therapy. J Am Coll Cardiol. 2004;44(9):1834-40.
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5Yu CM, Bleeker GB, Fung JW, Schalij MJ, Zhang Q, van der Wall EE, et al. Left ventricular reverse remodeling but not clinical improvement predicts long-term survival after cardiac resynchronization therapy. Circulation. 2005;112(11):1580-6.
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6Cleland JG, Ghio S. The determinants of clinical outcome and clinical response to CRT are not the same. Heart Fail Rev. 2012;17(6):755-66.
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7Foley PW, Leyva F, Frenneaux MP. What is treatment success in cardiac resynchronization therapy? Europace. 2009;11(Suppl 5):v58-65.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Set 2015 -
Data do Fascículo
Dez 2015
Histórico
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Recebido
11 Maio 2015 -
Revisado
01 Jul 2015 -
Aceito
01 Jul 2015