Resumos
FUNDAMENTO: Anemia está associada à pior evolução nos pacientes com insuficiência cardíaca (IC). Entretanto, há poucos estudos sobre a anemia nos pacientes com IC avançada. OBJETIVO: Avaliar as características da anemia na IC em fase avançada. MÉTODOS: Foram incluídos 99 pacientes hospitalizados para compensação de IC (CF IV/NYHA), com idade > 18 anos e FEVE < 45%. Foram considerados anêmicos os pacientes com hemoglobina (Hb) < 12 g/dl. Dados foram comparados entre anêmicos e não anêmicos. Empregaram-se os testes t de Student, Qui-quadrado e Fisher. O risco relativo (IC 95%) foi calculado pela regressão de Cox. RESULTADOS: O acompanhamento médio foi de 10,8 meses (8,9), e 34,3% dos pacientes com IC apresentaram anemia. Pacientes anêmicos, comparados com não anêmicos, apresentaram maior idade média (64,1±15,6 vs 54,8±12,9 anos, p = 0,004), creatinina mais elevada (1,9 ± 1 vs 1,5 + 0,5 mg/dl, p = 0,018) e BNP mais elevado (2.077,4 ± 1.979,4 vs 1.212,56 ± 1.080,6 pg/ml, p = 0,026). Anemia ferropriva esteve presente em 38,24 % dos anêmicos. Após melhora da congestão, apenas 25% dos pacientes que apresentavam anemia receberam alta com Hb > 12 g/dl. A anemia foi marcador independente de mau prognóstico na análise multivariada (mortalidade 47% vs 24,6%, p = 0,016, risco relativo 2,54). CONCLUSÃO: Anemia acomete, aproximadamente, 1/3 dos pacientes com IC avançada, e a deficiência de ferro é uma importante etiologia. Pacientes anêmicos são mais idosos e apresentaram função renal mais deteriorada. A melhora da congestão não foi suficiente para melhorar a anemia na maioria dos casos. Nos pacientes com IC avançada, a anemia é marcador independente de mau prognóstico.
Anemia; insuficiência cardíaca; comorbidade; anemia ferropriva
BACKGROUND: Anemia is linked with worsening of progress in patients with heart failure (HF). However, there are few studies of anemia in patients with advanced HF. OBJECTIVE: To evaluate the characteristics of anemia in HF at an advanced stage. METHODS: The study included 99 patients, aged > 18 and LVEF < 45%, who were hospitalized for HF compensation (FC IV/NYHA). Patients with hemoglobin (Hb) levels < 12 g/dl were considered anemic. Data on anemic and nonanemic patients were compared. The Student's t-test, Chi-square test and Fisher test were used. The relative risk (HF 95%) was calculated by the Cox regression. RESULTS: On average, the patients were monitored for 10.8 months (8.9), and 34.3% of patients with HF had anemia. On average, in comparison with nonanemic patients, anemic patients were older (64.1 ± 15.6 versus 54.8 ± 12.9 years old, p = 0.004), their creatinine level was higher (1.9 ± 1 versus 1.5 + 0.5 mg/dl, p = 0.018) and their BNP level was also higher (2,077.4 ± 1,979.4 versus 1,212.56 ± 1,080.6 pg/ml, p = 0.026). 38.24% of the anemic patients had iron deficiency anemia. After there was an improvement in the congestion, only 25% of patients with anemia were discharged with Hb > 12 g/dl. Anemia was an independent marker of poor prognosis in the multivariate analysis (mortality of 47% vs 24.6%, p = 0.016, relative risk of 2.54). CONCLUSION: Anemia affects approximately one third of patients with advanced HF, and iron deficiency is an important etiology. Anemic patients are older their renal function was more deteriorated. The improvement in the congestion was not enough to improve the anemia in most cases. In patients with advanced HF, anemia is an independent marker of poor prognosis.
Anemia; heart failure; comorbidity; anemia; iron-deficiency
FUNDAMENTO: Anemia está asociada a peor evolución en los pacientes con insuficiencia cardíaca (IC). Mientras tanto, hay pocos estudios sobre la anemia en los pacientes con IC avanzada. OBJETIVO: Evaluar las características de la anemia en la IC en fase avanzada. MÉTODOS: Fueron incluidos 99 pacientes hospitalizados para compensación de IC (CF IV/NYHA), con edad > 18 años y FEVI < 45%. Fueron considerados anémicos los pacientes con hemoglobina (Hb) < 12 g/dl. Datos fueron comparados entre anémicos y no anémicos. Se emplearon los test t de Student, Qui-cuadrado y Fisher. El riesgo relativo (IC 95%) fue calculado por la regresión de Cox. RESULTADOS: El control medio fue de 10,8 meses (8,9), y 34,3% de los pacientes con IC presentaron anemia. Pacientes anémicos, comparados con no anémicos, presentaron mayor edad media (64,1 ± 15,6 vs 54,8 ± 12,9 años, p = 0,004), creatinina más elevada (1,9 ± 1 vs 1,5 + 0,5 mg/dl, p = 0,018) y BNP más elevado (2.077,4±1.979,4 vs 1.212,56 ± 1.080,6 pg/ml, p = 0,026). Anemia ferropénica estuvo presente en 38,24% de los anémicos. Después de mejora de la congestión, apenas 25% de los pacientes que presentaban anemia recibieron alta con Hb > 12 g/dl. La anemia fue marcador independiente de mal pronóstico en el análisis multivariado (mortalidad 47% vs 24,6%, p = 0,016, riesgo relativo 2,54). CONCLUSIÓN: Anemia afecta, aproximadamente, 1/3 de los pacientes con IC avanzada, y la deficiencia de hierro es una importante etiología. Pacientes anémicos son más añosos y presentaron función renal más deteriorada. La mejora de la congestión no fue suficiente para mejorar la anemia en la mayoría de los casos. En los pacientes con IC avanzada, la anemia es marcador independiente de mal pronóstico.
Anemia; insuficiencia cardíaca; comorbilidad; anemia ferropénica
ARTIGO ORIGINAL
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
Anemia nos pacientes com insuficiência cardíaca avançada
Juliano Cardoso; Michel Ibrahim Brito; Marcelo Eidi Ochiai; Milena Novaes; Fabrício Berganin; Tatiana Thicon; Elaine C Ferreira; Kelly Regina; Cristina Martins dos Reis; Antonio Carlos Pereira Barretto
Hospital Cotoxó - InCor-FMUSP, São Paulo, SP - Brasil
Correspondência Correspondência: Juliano Cardoso Rua Joaquin Ferreira 147, apto 161 bloco Perdizes - Água Branca 05033-080 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: julianonc@cardiol.br, juliano.cardoso@incor.usp.br
RESUMO
FUNDAMENTO: Anemia está associada à pior evolução nos pacientes com insuficiência cardíaca (IC). Entretanto, há poucos estudos sobre a anemia nos pacientes com IC avançada.
OBJETIVO: Avaliar as características da anemia na IC em fase avançada.
MÉTODOS: Foram incluídos 99 pacientes hospitalizados para compensação de IC (CF IV/NYHA), com idade > 18 anos e FEVE < 45%. Foram considerados anêmicos os pacientes com hemoglobina (Hb) < 12 g/dl. Dados foram comparados entre anêmicos e não anêmicos. Empregaram-se os testes t de Student, Qui-quadrado e Fisher. O risco relativo (IC 95%) foi calculado pela regressão de Cox.
RESULTADOS: O acompanhamento médio foi de 10,8 meses (8,9), e 34,3% dos pacientes com IC apresentaram anemia. Pacientes anêmicos, comparados com não anêmicos, apresentaram maior idade média (64,1±15,6 vs 54,8±12,9 anos, p = 0,004), creatinina mais elevada (1,9 ± 1 vs 1,5 + 0,5 mg/dl, p = 0,018) e BNP mais elevado (2.077,4 ± 1.979,4 vs 1.212,56 ± 1.080,6 pg/ml, p = 0,026). Anemia ferropriva esteve presente em 38,24 % dos anêmicos. Após melhora da congestão, apenas 25% dos pacientes que apresentavam anemia receberam alta com Hb > 12 g/dl. A anemia foi marcador independente de mau prognóstico na análise multivariada (mortalidade 47% vs 24,6%, p = 0,016, risco relativo 2,54).
CONCLUSÃO: Anemia acomete, aproximadamente, 1/3 dos pacientes com IC avançada, e a deficiência de ferro é uma importante etiologia. Pacientes anêmicos são mais idosos e apresentaram função renal mais deteriorada. A melhora da congestão não foi suficiente para melhorar a anemia na maioria dos casos. Nos pacientes com IC avançada, a anemia é marcador independente de mau prognóstico. (Arq Bras Cardiol. 2010; [online]. ahead print, PP.0-0)
Palavras-chave: Anemia/complicações, insuficiência cardíaca/etiologia, comorbidade, anemia ferropriva.
Introdução
A insuficiência cardíaca (IC) é uma causa frequente de internação hospitalar e, a despeito de novas terapêuticas, ainda apresenta alta taxa de mortalidade, principalmente em fase avançada. Estudos mostram que a anemia é uma comorbidade prevalente nos pacientes com insuficiência cardíaca e, quando presente, piora a evolução e aumenta a mortalidade1-3. O conhecimento de que a anemia agrava a IC não é recente, mas, nos últimos anos, a magnitude da anemia associada à piora da IC tem ficado mais evidente.
Antigamente, apenas hemoglobina abaixo de 9,0 mg/dl era valorizada, mas, nos dias de hoje, sabemos que qualquer grau de anemia pode piorar a evolução do doente portador de IC. A análise conjunta de vários estudos documenta que a diminuição de 1 g/dl de hemoglobina (Hb) aumenta a mortalidade em 15,8%. Identificar os pacientes que apresentam anemia entre os portadores de IC, assim como a etiologia do processo anêmico e adotar terapêutica específica adequada, podem modificar a evolução dos pacientes com IC. No entanto, em uma meta-análise, Groonweld e cols.4 não identificaram o real efeito da correção da anemia na redução de mortalidade e sugeriram que novos estudos são necessários4-6.
A anemia pode ser a causa da IC, mas frequentemente ocorre como consequência. A fisiopatologia da anemia nos pacientes com IC é complexa e tem sido motivo de diversos estudos. Entre os mecanismos envolvidos em sua gênese, estão: deficiência na produção de eritropoetina ou resistência a eritropoetina, hemodiluição, ativação neuro-humoral, estado pró-inflamatório (produção de citoninas - IL 1,6 e 18) e deficiência de ferro. Alguns fármacos utilizados no tratamento da IC podem também causar anemia, como os inibidores da enzima de conversora de angiotensina, os bloqueadores dos receptores de angiotensina I e o carvedilol, pois provocam inibição da produção de eritropoietina6-7. Estudos revelam que disfunção renal, diminuição do índice de massa corporal, idade avançada, sexo feminino e disfunção ventricular são fatores que estão relacionados com maior incidência da anemia7.
A prevalência da anemia depende da população estudada e do estágio da IC, conforme estudos que mostram a incidência de 9,0 % a 79,1%6-13, sendo mais frequente nos subgrupos de pacientes negros e idosos. A Organização Mundial de Saúde define anemia nos homens como valores de hemoglobina < 13,0 g/dl e nas mulheres < 12g/dl. Porém, até o momento, não há dados que permitam indicar o valor de hemoglobina para os pacientes com IC. Em um estudo que envolveu 1.061 pacientes, Horowich e cols11. documentaram que, quanto menor o índice de Hb, maior é a mortalidade. Nesse estudo, observou-se que, para as faixas de hemoglobina < 12,5 g/dl, entre 12,3 e 13,6 g/dl, entre 13,7 e 14,8 g/dl e > 14,8 g/dl, a mortalidade é, respectivamente, 44,4%, 36,1% 28,6% e 25,6%11.
A anemia na IC vem sendo estudada por vários pesquisadores que avaliaram a prevalência e o impacto no prognóstico, no entanto, poucos estudos avaliaram a etiologia. A anemia ferropriva ocorre por diminuição da síntese da heme pela deficiência de ferro e acomete 2/3 da população mundial, sendo a principal causa de anemia no Brasil14,15. Portanto, seja por disponibilidade insuficiente de ferro, por baixa utilização das próprias reservas ou por aporte insuficiente de ferro, a anemia ferropriva é uma entidade que desperta interesse nesse tipo de paciente. O diagnóstico de deficiência de ferro é feito quando a concentração sérica de ferritina for menor que 100 ng/ml e a saturação de transferrina for menor que 20%15.
Procuramos neste estudo avaliar a presença de anemia em portadores de IC avançada hospitalizados para compensação. Foram comparadas as características clínicas dos pacientes com anemia e sem anemia, e procurou-se determinar a incidência de anemia ferropriva no grupo de pacientes anêmicos.
Material e métodos
Foram selecionados, de forma prospectiva e consecutiva, pacientes com IC avançada, classe funcional IV e que foram hospitalizados para compensação da insuficiência cardíaca.
São internados no Hospital os pacientes com IC que não compensaram ou não melhoraram com o tratamento administrado no Pronto Socorro do Instituto do Coração, havendo, dessa forma, uma seleção dos pacientes mais graves. Todos os pacientes foram avaliados clinicamente e submetidos à avaliação laboratorial que incluía hemograma, hematócrito, dosagem de ureia, creatinina, sódio, potássio e BNP. Na caracterização da presença de congestão, utilizamos os seguintes critérios, sendo necessária a presença de, pelos menos, dois deles: estase jugular, estertores pulmonares, edema em região sacral, edema de membros inferiores ou hepatomegalia.
Foram incluídos no estudo pacientes maiores de 18 anos e com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) < 45%. A anemia foi definida como valores de hemoglobina < 12 g/dl para ambos os sexos. Para os pacientes que apresentavam anemia, foram solicitados exames laboratoriais para avaliar a etiologia da anemia (dosagem de ferro sérico, ferritina, saturação de ferro e capacidade de ligação do ferro). Classificamos como portadores de anemia ferropriva os seguintes perfis: concentração de ferritina sérica menor que 100 ng/ml e saturação de transferrina menor que 20%.
Foram excluídos pacientes com causa evidente de sangramento, portadores de outras doenças neoplásicas, inflamatórias e infecciosas crônicas, pacientes submetidos à cirurgia que fizeram uso de ferro ou receberam transfusão sanguínea nos últimos três meses.
Compararam-se os dados clínicos e laboratoriais e os da evolução dos pacientes com e sem anemia.
Para a identificação da etiologia da insuficiência cardíaca, utilizamos os seguintes critérios:
1. Isquêmica - área inativa no eletrocardiograma, história de revascularização do miocárdio ou obstrução coronariana demonstrada por cineangiocoronariografia.
2. Chagásica - sorologia reagente pelo método de ELISA ou imunofluorescência indireta.
3. Hipertensiva - história de hipertensão arterial sistêmica que afaste outras causas para miocardiopatia.
4. Valvopatia - alteração valvar primária precedendo a miocardiopatia e afastando outras causas.
5. Alcoólica - pacientes que relataram ingestão de bebida alcoólica em grande quantidade por mais de dez anos e excluíram outras causas.
Para a análise estatística, foram utilizados os testes t de Student, exato de Fisher, Qui-quadrado e o programa SPSS. Foi considerado significante p < 0,05. As curvas de sobrevivência foram feitas com o modelo de Kaplan-Meiere comparadas pelo método de Log-Rank. O risco relativo (IC 95%) foi calculado pela regressão de Cox.
Resultados
Foram incluídos 99 pacientes com IC avançada no período de junho a outubro de 2007. A idade média (DP) da população estudada foi de 58 anos (14,5), 61 pacientes (61,6%) eram do sexo masculino, e a FEVE média foi de 25,6% (8,8). Os pacientes que receberam alta foram acompanhados por um período médio de 10,8 meses8,9. Na Tabela 1, apresentamos as principais características clínicas e laboratoriais da população estudada.
A anemia esteve presente em 34 pacientes (34,3%). Os anêmicos eram mais idosos (64,1 ± 15,6 anos vs 54,8 ± 12,9 anos p = 0,004), tinham a função renal mais comprometida (creatinina sérica 1,9 ± 1 mg/dl vs 1,5 + 0,5 mg/dl p = 0,018) e níveis de BNP mais elevados (2.077,4 ± 1.979,4 pg/ml vs 1.212,56 ± 1.080,6 pg/ml p = 0,026) que os não anêmicos. Na Tabela 2, apresentamos as características clínicas e laboratoriais dos pacientes de acordo com a presença ou não da anemia.
No estudo da etiologia da anemia, 38,24 % apresentavam deficiência de ferro e foram diagnosticados como portadores de anemia ferropriva. A presença de congestão ocorreu em 88% do total de pacientes internados, mas 97% dos pacientes anêmicos eram hipervolêmicos (Tabela 2). Entre os pacientes anêmicos com hipervolemia no início da internação e que receberam alta com melhora da congestão, apenas 25% apresentaram melhora da anemia (nível de hemoglobina3 12g/dl). Para esses pacientes, não houve diferença significativa entre o nível de hemoglobina (Hb inicial 10,9 g/dl ± 1 vs Hb final 10,8 g/dl ± 1,2 p=0,82) e hematócritos inicial e final (34,6 g/dl ± 3 vs 34,5g/dl ±4, respectivamente, p=0,91)
Foi realizada análise multivariada com as seguintes variáveis: BNP, idade, etiologia, função renal, FEVE e presença ou não de anemia. Essa análise revelou que a anemia foi o único marcador independente de mau prognóstico no grupo estudado. A mortalidade (Gráfico 1), ao longo do acompanhamento total dos pacientes anêmicos, foi de 47% vs 24,6% dos não anêmicos, risco relativo de 2,54, p=0,016 e IC 95% (1,19 - 5,44).
Discussão
Nossos achados revelam que a prevalência da anemia nos pacientes portadores de IC avançada é alta. O grupo estudado apresentava características compatíveis com pacientes portadores de IC avançada. Todos estavam em classe funcional IV, possuíam FEVE muito rebaixada, a maioria necessitava de droga vasoativa para compensação, e o BNP médio era muito elevado. Na comparação entre as características clínicas dos anêmicos com os não anêmicos, pudemos verificar que os pacientes anêmicos eram mais idosos, tinham a função renal mais deteriorada e os níveis de BNP plasmático mais elevados.
Quanto à incidência, constatamos anemia em 34,3% dos pacientes graves internados para compensação de IC. Esse número é maior do que os descritos nos estudos que avaliam populações ambulatoriais ou nos grandes ensaios clínicos que mostram incidência média em torno de 15%4,7. No entanto, a incidência é semelhante à dos registros e coortes de pacientes hospitalizados. Silva e cols.16 relataram anemia em 32% dos casos internados para compensação. Young e cols.17 no Registro OPTIMIZE-HF estudaram 49.612 pacientes e revelaram anemia em 50% dos casos. No estudo STAMINA-HF, com 1.076 pacientes incluídos, houve prevalência de anemia em 34% dos casos18. Em uma meta-análise com 153.180 pacientes hospitalizados para compensação, foi evidenciado que 37,2% dos pacientes eram anêmicos4. Sales e cols.10, no Rio de Janeiro, no estudo EPICA, encontraram anemia em 62,6% dos pacientes hospitalizados. A maior incidência de anemia nos pacientes hospitalizados, pacientes mais graves do que os avaliados em ambulatório, está de acordo com a ideia de que a anemia seja um marcador de doença mais grave.
Quanto às características clínicas dos pacientes com anemia, nossos dados não diferem muito dos descritos na literatura. A relação entre disfunção renal e anemia é encontrada em quase todos os estudos, bem como o encontro de que a idade é fator de risco para o aparecimento da anemia. A manifestação clínica mais acentuada é também um achado usual nos estudos. Nossos dados estão também de acordo com os dados publicados que mostram que a evolução dos pacientes anêmicos é pior do que nos não anêmicos.
A etiopatogenia da anemia é complexa, com vários fatores envolvidos. Neste estudo, pudemos verificar que a deficiência de ferro foi um fator frequente e que 38,24% dos pacientes com anemia apresentavam algum tipo de alteração nos depósitos de ferro. É interessante notar que, apesar de a maioria dos pacientes apresentar hipervolemia, não houve aumento dos níveis de hemoglobina e do hematócrito após a compensação, sugerindo que a hemodiluição não representou um fator principal na etiologia da anemia nesse grupo de pacientes. Portanto, o papel da hemodiluição precisa ser mais bem avaliado nesse tipo de paciente.
A causa da anemia é complexa com participação conjunta de vários fatores patogenéticos1-5,9,17,19-22. Destacam-se como elementos importantes a deficiência de ferro, o processo inflamatório sistêmico da IC e a disfunção renal, que participam com intensidade variável conforme a característica da população estudada. No estudo de Nanas e cols.23, em que foram excluídos pacientes com níveis de creatinina acima de 3,0 mg/dl, a principal causa de anemia foi a deficiência de ferro. Quando se excluíram os pacientes com insuficiência renal, a depleção de ferro e a deficiência de outros fatores relacionados com a produção de hemoglobina, como a vitamina B12 e o ácido fólico, surgem como fatores causais mais frequentes. No estudo realizado por Silva e cols.16, 1/3 dos pacientes com anemia tinham deficiência de fatores hematínicos (ferro, vitamina B12 e ácido fólico).
Outros autores não encontraram a mesma frequência de alterações hematínicas. Opasich e cols.24, em uma revisão sobre anemia na IC, chamam atenção para o bloqueio da eritropoetina, cujo elemento principal é o processo inflamatório sistêmico. Ezekowitz e cols.19 demonstraram que, em 58% dos casos de anemia, a anemia teve características de doença crônica. Como podemos verificar, a causa da anemia é bastante variável e dependente das características da população em que é analisada.
A etiopatogenia da anemia ganha importância quando se discute a terapêutica. Não sabemos se a anemia é somente um marcador de maior comprometimento da IC, se é responsável pela pior evolução ou ambos. A depleção de ferro encontrada em nossos pacientes decorre, provavelmente, de vários fatores encontrados nos portadores de IC: inapetência que reduz a ingestão de ferro; inflamação com elevação de TNF-alfa que inibe a absorção de ferro; perdas em decorrência do uso frequente de aspirina, no caso de cardiomiopatia isquêmica. A reposição de ferro provavelmente poderia reverter esse quadro. No trabalho de Okonko e cols.25 com reposição isolada de ferro, ocorreu um aumento médio de 0,5 g/dl de hemoglobina. No trabalho de Bolger e cols.26, o aumento na hemoglobina foi de 1,2 g/dl. Em ambos os estudos, documentou-se melhora da anemia com melhora sintomática e da capacidade física, mas sem impacto significante na mortalidade. É importante ressaltar que ambos tinham casuística pequena.
De maneira geral, devemos considerar, no momento da terapêutica, que a insuficiência renal é prevalente entre os pacientes com IC e que, em muitos casos, a reposição de ferro isolada pode não ser muito efetiva. Observa-se, na literatura, que os melhores resultados do tratamento têm sido obtidos com o emprego da eritropoetina e com a reposição de ferro, documentando-se redução nos sintomas, nas re-hospitalizações e na mortalidade16,20,21,24. É importante ressaltar que os estudos foram constituídos por pequeno número de casos e que um grande estudo é necessário para confirmar esses achados. Quanto ao papel da reposição de ferro, temos em andamento o estudo brasileiro IRON-HF, que poderá responder algumas das dúvidas quanto à sua eficácia.
Devemos considerar que, nos pacientes com IC, a anemia é um achado frequente que acentua as manifestações clínicas da IC e está associada com a piora do prognóstico. O tratamento da anemia ainda não é consensual, mas os pacientes sem anemia evoluem melhor do que os anêmicos. Crescem as evidências de que com a correção é possível modificar a evolução, mas ainda precisamos de evidências mais consistentes.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
Artigo recebido em 09/12/09; revisado recebido em 08/03/10; aceito em 25/03/10.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Set 2010 -
Data do Fascículo
Out 2010
Histórico
-
Aceito
25 Mar 2010 -
Revisado
08 Mar 2010 -
Recebido
09 Dez 2009