Resumos
INTRODUÇÃO: O jejum noturno praticado antes de operações eletivas foi instituído para prevenir complicações pulmonares, vômitos, regurgitação e aspiração do conteúdo gástrico. No ano de 2005 foi desenvolvido o projeto de Aceleração da Recuperação Total Pós-operatória, denominado ACERTO. O projeto é composto por uma equipe multidisciplinar que visa à recuperação do paciente cirúrgico administrando de duas a seis horas antes da operação uma bebida rica em carboidratos (12,5% de dextrinomaltose). A equipe multidisciplinar é composta por anestesistas, cirurgiões, nutricionistas, enfermeiros e fisioterapeutas. OBJETIVO: Frente aos novos métodos de controle no pré-operatório verificar a qual a necessidade de jejum antes de procedimentos cirúrgicos. MÉTODOS: Revisão sobre jejum pré-operatório realizada nos meses de setembro e outubro de 2011, nos sites de busca Scielo e PubMed. Foram selecionados 24 artigos. CONCLUSÃO: Reduzir o tempo de jejum pré-operatório com solução rica em carboidratos até duas horas antes da operação, tal como alimentação precoce no pós-operatório, trazem inúmeros benefícios ao paciente. O projeto ACERTO tem demonstrado bons resultados e estas novas condutas devem ser encorajadas, diminuindo assim o tempo de recuperação do paciente cirúrgico.
Cuidados pré-operatórios; Cuidados pós-operatórios; Terapia nutricional
INTRODUCTION: Fasting in the night before elective surgery has been established to prevent pulmonary complications, vomiting, regurgitation and aspiration of gastric contents. The year of 2005 was developed the project ACERTO. It consists in a multidisciplinary team that aims to recover the surgical patient by administering two our six hours before surgery, a carbohydrate-rich beverage (12.5% dextrinomaltose). The multidisciplinary team consists of anesthesiologists, surgeons, nutritionists, nurses and physiotherapists. METHODS: Literature review of preoperative fasting conducted during September and October of 2011 in Scielo and PubMed. CONCLUSION: Reducing the time of preoperative fasting with high carbohydrate solution until two hours before the operation as early feeding postoperatively, bring numerous benefits to the patient. The ACERTO project has shown good results and these new behaviors should be encouraged, thereby reducing the recovery time of the surgical patient.
Preoperative care; Postoperative care; Nutritional therapy
ARTIGO DE REVISÃO
Menor tempo de jejum pré-operatório e alimentação precoce no pós-operatório são seguros?
Raquele Brinckmann Ludwig; Juliana Paludo; Daieni Fernandes; Fernanda Scherer
Centro Universitário UNIVATES, Lajeado, RS, Brasil
Correspondência Correspondência: Raquele Brinckmann Ludwig, email: raquele@universo.univates.br
RESUMO
INTRODUÇÃO: O jejum noturno praticado antes de operações eletivas foi instituído para prevenir complicações pulmonares, vômitos, regurgitação e aspiração do conteúdo gástrico. No ano de 2005 foi desenvolvido o projeto de Aceleração da Recuperação Total Pós-operatória, denominado ACERTO. O projeto é composto por uma equipe multidisciplinar que visa à recuperação do paciente cirúrgico administrando de duas a seis horas antes da operação uma bebida rica em carboidratos (12,5% de dextrinomaltose). A equipe multidisciplinar é composta por anestesistas, cirurgiões, nutricionistas, enfermeiros e fisioterapeutas.
OBJETIVO: Frente aos novos métodos de controle no pré-operatório verificar a qual a necessidade de jejum antes de procedimentos cirúrgicos.
MÉTODOS: Revisão sobre jejum pré-operatório realizada nos meses de setembro e outubro de 2011, nos sites de busca Scielo e PubMed. Foram selecionados 24 artigos.
CONCLUSÃO: Reduzir o tempo de jejum pré-operatório com solução rica em carboidratos até duas horas antes da operação, tal como alimentação precoce no pós-operatório, trazem inúmeros benefícios ao paciente. O projeto ACERTO tem demonstrado bons resultados e estas novas condutas devem ser encorajadas, diminuindo assim o tempo de recuperação do paciente cirúrgico.
DESCRITORES - Cuidados pré-operatórios. Cuidados pós-operatórios. Terapia nutricional.
INTRODUÇÃO
Anualmente são realizados aproximadamente 234 milhões de procedimentos cirúrgicos por ano no mundo. Apesar de avanços generalizados nos cuidados médicos, a cirurgia continua a ser uma opção de tratamento comum e eficaz para diversificada série de doenças. Além disso, ela é mais frequentemente considerada opção viável para pacientes idosos e aqueles com comorbidades ou doença avançada. As complicações pós-operatórias decorrentes de operações de grande porte continuam a ser uma das principais causas da morbidade e mortalidade dos procedimentos15.
O jejum pré-operatório foi instituído há muitos anos, no início das práticas anestésicas, para garantir o esvaziamento do conteúdo gástrico, evitar broncoaspiração, vômitos8,18, regurgitação, administração de várias drogas para reduzir a acidez gástrica e volume16. A broncoaspiração atualmente é pouco frequente, mas exige cuidados especiais para sua prevenção. Protocolos de jejum pré-operatório sugerem períodos menores de jejum, principalmente para líquidos, permitindo mais conforto aos pacientes e menor risco de hipoglicemia e desidratação, sem aumentar a incidência de aspiração pulmonar perioperatória17.
As novas diretrizes baseadas em evidências que foram publicadas nos últimos anos por países como Estados Unidos, Canadá e Europa recomendam diminuição do tempo de jejum pré-operatório com líquidos claros e bebidas ricas em carboidrato até poucas horas antes de operação eletiva ou outros procedimentos que requerem anestesia para melhorar a qualidade ao atendimento, segurança e saúde do paciente. Recomendam ainda que os profissionais da saúde abandonem as ultrapassadas políticas de longos períodos de jejum pelas novas evidências para orientação das práticas pré-anestésicas14.
Outro aspecto negativo do jejum pré-operatório que deve ser considerado é que os pacientes permanecem muito mais tempo de jejum que o estabelecido, por várias razões como, atraso nas operações, transferência de horário ou local de realização do procedimento7,8,13,18,21. Baseado nestas evidências e nos estudos realizados pelos grupos Enhanced Recovery After Surgery ERAS (Europeu) e American Society of Anaesthesiologists ASA (Americano) ocorreu à implantação do protocolo de Aceleração da Recuperação Total Pós-Operatória, denominado ACERTO, onde o tempo de jejum para sólidos foi mantido, mas os pacientes passaram a tomar duas horas antes do procedimento cirúrgico uma bebida com volume de 200 ml acrescida de maltodextrina a 12%8.
O protocolo europeu foi criado com o objetivo de atenuar a resposta ao estresse da operação e permitir recuperação rápida24 durante a internação hospitalar23. O grupo europeu permite líquidos claros (água, chá e sucos sem resíduos) até duas horas antes do procedimento cirúrgico8. A ASA ainda inclui no seu protocolo para líquidos sem resíduos bebidas carbonadas e sucos de frutas sem polpa. A torrada é considera refeição ligeira, sendo permitida até seis horas antes da operação. Já alimentos mais consistentes como carnes e preparações ricas em gordura exigem jejum maior18.
Do ponto de vista metabólico, o jejum prolongado acarreta diminuição dos níveis de insulina, aumento de glucagon e aumento da resistência à insulina, o que pode alongar-se pelo período de até três semanas após a operação8,16,19. A resistência à insulina que é um fenômeno transitório se assemelha ao estado metabólico do diabete melito tipo 2, ou seja, a captação de glicose pelas células está diminuída devido à incapacidade do transportador GLUT-4 causando consequentemente, menor produção de glicogênio13,21. Simultaneamente, a neoglicogênese está ativada aumentando a produção endógena de glicose, causando elevados índices de glicemia sanguínea13.
Além disso, ocorre depleção dos níveis de glicogênio o que intensifica o estresse metabólico do paciente pós-cirúrgico7. A resposta orgânica ao estresse é fenômeno fisiológico, onde múltiplos estímulos atingem o hipotálamo e estimulam o sistema nervoso simpático e a medula supra-renal a liberarem substâncias desencadeadoras da resposta, com intuito de manter a homeostase corporal. Estes estímulos prolongados e de grande intensidade, tornam a resposta ao estresse orgânico exacerbada, além disso, a produção de citoquinas, principalmente interleucina 1, interleucina 6 e fator de necrose tumoral (FNT), desencadeados pela lesão tecidual, provocam alterações metabólicas importantes e parecem estar associados ao aumento da resistência periférica à insulina13,24.
Portanto, é objetivo dessa revisão apresentar as novas evidências sobre jejum pré-operatório na melhora da recuperação dos pacientes cirúrgicos.
MÉTODOS
Revisão sobre o jejum pré-operatório realizada nos meses de setembro e outubro de 2011, nos sites de busca Scielo e PubMed. Foram selecionados 24 artigos dos últimos dez anos pelo período de 2001 a 2011 com as palavras-chave: carboidrato, jejum pré-operatório, pós-operatório, projeto ACERTO.
Alimentação no pré-operatório
Estudos comparando jejum pré-operatório convencional (nada pela via oral após a meia noite) com a ingestão de líquidos de duas a três horas antes do procedimento pré-operatório mostraram que a ingestão de líquidos é segura e não interfere no risco de aspiração, regurgitação e mortalidade8. Outro estudo caso-controle não-randomizado com pacientes adultos submetidos a procedimentos cirúrgicos eletivos verificou que o grupo pré-operatório de jejum reduzido permitindo sólidos e líquidos de 6 h e 2 h antes da anestesia, respectivamente, encontrou redução significativa de sintomas quando comparado ao grupo jejum tradicional da meia-noite. Não ocorreu em nenhum dos dois grupos aspiração intra-operatória20.
Complicações pré-operatórias e de bem-estar nos pacientes adultos (incluindo regurgitação, aspiração e morbidade, sede, fome, dor, náusea, vômitos, ansiedade) foram analisadas em trabalho com 38 estudos randomizados. Verificou que houve baixa morbidade, aspiração ou regurgitação. Não houve nenhuma evidência de que o volume ou pH do conteúdo gástrico dos participantes diferiram significativamente, dependendo se os grupos foram autorizados ao jejum pré-operatório ou ao padrão. Os fluidos avaliados foram água, café, suco de frutas, líquidos claros e outras bebidas (bebida isotônica ou de carboidratos). Os participantes que receberam um copo de água no pré-operatório tinham volume significativamente menor de conteúdo gástrico do que os com regime de jejum habitual. Ainda, poucos estudos investigaram regurgitação, aspiração e morbidade no jejum pré-operatório de pacientes considerados de maior risco durante a anestesia10,15.
Estudos realizados com crianças que ingeriram líquidos sem resíduos em volumes variáveis, concluíram que a ingestão deles sem limite de volume, pode ser permitida, com segurança até duas horas ou mais antes da operação. Observou-se ainda diminuição do pH gástrico devido ao aumento da duração do jejum pré-operatório. A ansiedade é estímulo emocional que pode aumentar a produção de ácido clorídrico de forma similar à fase cefálica da secreção gástrica, o que explica o aumento do volume e a diminuição do pH gástrico após jejum prolongado. O aumento do pH gástrico dos pacientes que receberam líquidos duas a três horas antes da intervenção cirúrgica pode ser resultado da diluição das secreções ácidas e/ou decréscimo na sua produção pela diminuição dos níveis de ansiedade e fome20. Estudo semelhante ao anterior envolvendo 2543 crianças encontrou apenas uma caso de aspiração e regurgitação. As crianças que ingeriram líquidos tinham menos sede e fome, se sentiram mais confortáveis e mais comportadas que as que estavam em jejum11.
Riscos de aspiração associada à anestesia não foram identificados nos estudos prospectivos e aleatórios realizados em pacientes que ingeriram bebida rica em carboidrato duas horas antes da operação18.
Oliveira et al.7 em seu estudo com 375 pacientes que foram submetidos a anestesia e receberam uma solução de 400 ml de dextrinomaltose 12,5%, seis horas antes, e de 200 ml duas horas antes não encontraram nenhum caso de regurgitação do conteúdo gástrico como também nenhuma outra intercorrência relacionada a qualquer complicação anestésica, não resultando em aumento do risco.
Estudo prospectivo não randomizado realizado nos Estados Unidos de maio de 2008 a dezembro de 2009 com 3179 pacientes que realizaram aproximadamente 12 mil procedimentos com uso de anestesia, mostrou que dos pacientes que receberam alimentos sólidos (duas horas) e líquidos (15 minutos) antes do procedimento, apenas 1,6% se queixaram de náuseas e 0,02% apresentaram vômitos. Nenhuma aspiração foi registrada16.
Estudo prospectivo brasileiro com 308 pacientes cirúrgicos comparou os resultados antes e após a implantação do protocolo ACERTO demonstrou melhora acentuada na recuperação dos pacientes com a aplicação do protocolo3.
A colecistectomia é uma das operações mais comumente realizadas no mundo inteiro4. Pacientes submetidos a ela foram divididos em dois grupos, denominados controle e carboidrato. Os do último grupo receberam a bebida de carboidrato duas horas antes da operação e não tiveram complicação anestésica; evoluíram com menor ocorrência de complicações gastrintestinais e um dia a menos de internação pós-operatória5. Em outro estudo clínico prospectivo randomizado com 60 pacientes que realizaram colecistectomia eletiva mostrou os mesmos resultados7. Por outro lado, quando o protocolo para restrição de fluídos não foi utilizado, os pacientes sem complicação evoluíram com necessidade de internação mais prolongada devido a náuseas, vômitos e sem vontade de ir para casa4.
A adição de soro da proteína a uma bebida de carboidrato não só reduz a resposta inflamatória, mas também diminui a resistência a insulina. O soro da proteína tem alto grau de digestibilidade e rápida absorção no intestino delgado. Perrone et al.19 observaram em estudo randomizado duplo-cego com 17 pacientes colecistectomizados que ingeriram de seis a três horas antes da operação uma bebida com 86% de carboidratos acrescida de 14% soro de proteína, encontraram diminuição nos níveis de resistência a insulina entre o grupo que recebeu suplemento e o grupo placebo (2,75 e 5,74 p=0,03 respectivamente) e também redução da resposta inflamatória. O grupo placebo apresentou maior alteração de resistência à insulina no pré e pós-operatório, também maior tendência à hiperglicemia. Não foram registradas complicações anestésicas. Estudo duplo-cego semelhante ao anterior com 15 pacientes submetidos à operação eletiva de quadril que ingeriram bebida rica em carboidratos a 12,5% verificou que a sensibilidade à insulina corporal diminui para 18% no grupo tratamento e somente 43% no grupo placebo e as concentrações de glicose aumentaram no grupo placebo no pós-operatório22.
Outro estudo com protocolo ACERTO comparou as informações dos prontuários de 5974 pacientes antes e após implantação do projeto. Verificou redução global de um dia de internação; redução de 1,5 vezes nas complicações cirúrgicas e diminuição das re-operações; duas vezes menos chances de infecção no local cirúrgico; diminuição de duas transfusões sanguíneas para uma9.
Operações sobre o cólon e reto em 53 pacientes foram estudadas prospectivamente, em dois períodos de tempo diferentes antes e após a implantação do protocolo ACERTO. O grupo de pacientes antes do ACERTO, passou pelo procedimento pré-operatório que inclui limpeza intestinal mecânica. O grupo após implantação recebeu cuidados pré-operatórios (bebida de carboidrato seis e duas horas antes da operação) de acordo com o preconizado pelo protocolo sem limpeza intestinal mecânica. Observou-se que no grupo ACERTO: 1) o tempo de jejum pré-operatório foi duas vezes menor que o tradicional; 2) a alimentação foi introduzida um dia antes; 3) recebeu 50% menos fluídos intravenosos; 4) o tempo de internação foi reduzido para 4,5 dias quando comparado ao tradicional. O grupo tradicional apresentou duas vezes mais complicações. A implantação do protocolo ACERTO levantou a possibilidade de realização de operações colorretais sem limpeza intestinal mecânica5. Outro estudo encontrou resultados semelhantes para 116 pacientes idosos que realizaram operações abdominais eletivas2.
Metanálise avaliou taxas de tempo de internação, complicação, reinternação e mortalidade de 452 pacientes submetidos à operações eletivas colorretais, os quais foram divididos em dois grupos, o de recuperação melhorada (protocolo ERAS) e outro cuidados peri-operatórios convencionais. Todos os indicadores estudados significativamente melhorados no grupo de recuperação melhorada. Não houve diferença estatisticamente significativa na reinternação e na mortalidade14.
Alimentação no pós-operatório
A alimentação oral no pós-operatório tradicionalmente é suspensa até o retorno da função intestinal, pois acredita-se que resultaria em graves vômitos, ileo paralítico, pneumonia por aspiração subsequente, deiscência da ferida operatória e da anastomose. O esvaziamento do conteúdo gástrico e pequenas absorções intestinais iniciam-se no primeiro dia do pós-operatório, as atividades do cólon retornam somente 48 horas após a operação, o estômago e o pâncreas secretam um a dois litros de líquidos por dia que são absorvidos no intestino delgado. Pode-se dizer então que mesmo o trato gastrointestinal não funcionando totalmente alguma coisa poderá ser absorvida. O aspecto psicológico também deve ser considerado, pois a alimentação precoce melhora o bem-estar do paciente e tem papel importante no processo de recuperação pós-operatória. A redução de custos é outro ponto a ser considerado, pois os pacientes que se alimentam precocemente tendem a ter tempo menor de internação12.
A Associação Médica Brasileira e o Conselho Federal de Medicina recomendam que a reintrodução da dieta no pós-operatório deve ser realizada precocemente (12-24h), na maioria dos procedimentos cirúrgicos. Inclusive para os pacientes eletivos submetidos a operações com ressecção parcial do estômago, intestino delgado ou grosso, recomenda-se a reintrodução da dieta por via oral ou enteral de 12-24 h após a operação21.
A recuperação pós-operatória de pacientes submetidos a operações do aparelho digestivo continua sendo grande desafio para o cirurgião. Foram estudados de modo prospectivo todos os pacientes (n=161) submetidos a operações abdominais eletivas antes e após da implantação do projeto ACERTO. O retorno da dieta deu-se com sucesso no 1º dia de pós-operatório. Também houve diminuição da infusão endovenosa de fluídos, sem que isso alterasse negativamente os resultados cirúrgicos e melhora na morbidade global23. O mesmo ocorreu em operações gerais outras, cesarianas12.
Estudos clínicos randomizados avaliaram a aceitação da alimentação precoce e tardia no pós-operatório de operações ginecológicas e abdominais onde a alimentação precoce ficou definida como a ingestão de alimentos e líquidos nas primeiras 24 horas após, independentemente da presença ou ausência dos sinais que indicassem o retorno da função intestinal. A alimentação tardia foi introduzida 24 horas após a operação, somente depois de sinais de retorno da função intestinal. Um destes estudos com 195 pacientes relacionou a alimentação precoce com o aumento de náuseas (1,79, intervalo de confiança 95%). Dois estudos com 301 pacientes não encontraram diferenças significativas relacionadas a aumento de vômito e alimentação precoce. Alguns estudos ainda encontraram menor tempo de internação hospitalar, retorno mais rápido da função intestinal, no caso, ruídos hidroaéreos12. Portanto, a alimentação precoce no pós-operatório nestas condições mostra-se segura com redução do tempo de internação, porém possui risco aumentado de náuseas.
A realimentação pós-operatória nas anastomoses somente é liberada após o retorno do peristaltismo1,6. Com isso, o jejum pós-operatório tende a se prolongar por um período de dois a cinco dias. Essa prática se baseia no pressuposto de que o repouso intestinal seria importante para garantir a cicatrização das anastomoses digestivas com menor risco. Porém este conceito vem sendo questionado após a implantação do protocolo ACERTO6 o qual comprova que a alimentação precoce no pós-operatório de pacientes com anastomose é segura e não se relaciona com deiscência e tempo de íleo paralítico menor. De acordo com o estudo de Aguillar1, prospectivo e randomizado envolvendo 43 pacientes que foram divididos em dois grupos: grupo precoce - alimentação oral após 24 horas - e grupo convencional, verificou-se que quase 90% dos pacientes toleraram a dieta oral no primeiro dia e não houve diferença nos dois grupos quanto à necessidade de passar sonda nasogástrica e interromper a alimentação. Outro benefício relacionado à realimentação precoce é o maior conforto e alívio dos pacientes por estarem recebendo e tolerando dieta por via oral mais rapidamente. Ainda, a alimentação precoce no pós-operatório é segura e favorece a cicatrização de anastomoses intestinais1,4,8,9,17,18,21.
Considerações finais
Com a implantação do projeto ACERTO, mais atenção foi dada ao assunto "jejum pré-operatório" e dessa maneira mais pacientes foram beneficiados. Além disso, o projeto conseguiu mostrar, através de evidências consistentes, que a nutrição adequada para o paciente cirúrgico é fundamental para boa evolução clínica, resultando em redução das complicações pós-operatórias7. Hoje sabe-se que reduzir o tempo de jejum pré-operatório com solução rica em carboidrato até duas horas antes da operação resulta em benefícios8 como: diminuição à resistência à insulina, rápida recuperação ao trauma, melhor bem-estar, diminuição da irritabilidade, principalmente em crianças17, menor incidência de vômitos, aumento de pH, melhor esvaziamento gástrico18, redução do tempo de internação hospitalar e redução de custos7,9.
Apesar de o projeto ACERTO demonstrar bons resultados, esta nova conduta ainda não é rotina na maioria dos hospitais brasileiros. Portanto, cabe à equipe multidisciplinar encorajar-se para ajustar-se aos novos protocolos de jejum pré-operatório e alimentação pós-operatória, proporcionando mais benefícios aos pacientes.
CONCLUSÃO
Reduzir o tempo de jejum pré-operatório com solução rica em carboidratos até duas horas antes da operação, tal como alimentação precoce no pós-operatório, trazem inúmeros benefícios ao paciente. O projeto ACERTO tem demonstrado bons resultados e estas novas condutas devem ser encorajadas, diminuindo assim o tempo de recuperação do paciente cirúrgico.
Recebido para publicação: 05/03/2012
Aceito para publicação: 02/10/2012
Fonte de financiamento: não há
Conflito de interesses: não há
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Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Maio 2013 -
Data do Fascículo
Mar 2013
Histórico
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Recebido
05 Mar 2012 -
Aceito
02 Out 2012