Open-access AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA DA ACALÁSIA DO ESÔFAGO: DOS SINTOMAS À CLASSIFICAÇÃO DE CHICAGO

RESUMO

Introdução:   O diagnóstico da acalásia pode ser sugerido pelo quadro clínico; porém, completa investigação se faz necessária não apenas para confirmar o diagnóstico, mas, também, para estratificar a doença quanto à gravidade ou sub-tipo clínico.

Objetivo:   Revisar os atuais métodos diagnósticos da acalásia do esôfago e sua correta interpretação.

Método:   Revisão da literatura realizada nas bases de dados Medline/Pubmed, SciELO e Lilacs, cruzando-se os descritores “acalásia esofágica”, “transtornos de deglutição”, “técnicas de diagnóstico do sistema digestório”, “endoscopia do sistema digestório” e “manometria”.

Resultados:   O diagnóstico da acalásia é sugerido pelo quadro clínico, o qual, no entanto, é insuficiente para diferenciar esta doença de outras afecções esofágicas. O diagnóstico deve ser confirmado por endoscopia digestiva, estudo radiológico contrastado e manometria. Recentes avanços nos métodos diagnósticos, incluindo a manometria de alta resolução, podem também auxiliar no estabelecimento do prognóstico da doença ou na escolha da melhor modalidade de tratamento a ser realizada.

Conclusão:   Estudo detalhado e sistemático dos pacientes portadores de acalásia permite não apenas diagnóstico correto, mas também contribui na escolha da melhor opção terapêutica e estabelecimento do prognóstico destes indivíduos.

DESCRITORES: Transtornos de deglutição; Técnicas de diagnóstico do sistema digestório; Endoscopia do sistema digestório; Manometria.

ABSTRACT

Introduction:   The diagnosis of achalasia may be suggested by clinical features but a complete work-up is required not only to confirm the diagnosis but also to grade the disease by severity or clinical subtype.

Objective:   To review the current evaluation of esophageal achalasia and its correct comprehension.

Method:   The literature review was based on papers published on Medline/Pubmed, SciELO and Lilacs, crossing the following headings: “esophageal achalasia”; “deglutition disorders”; “diagnostic techniques”, “digestive system”; “endoscopy, digestive system”; “manometry”.

Results:   The diagnosis of achalasia is suggested by clinical features but is not sufficient to distinguish this from other esophageal disease. It must be confirmed by further diagnostic tests, such as esophagogastroduodenoscopy, barium swallow and manometry. Recent advances in diagnostic methods, including high resolution manometry might even help predicting outcome or selected more appropriate procedures to treat the disease.

Conclusion:   A detailed and systematic study of achalasia patients allows not only a correct diagnosis but also contributes to therapeutic decision making and prognosis.

HEADINGS: Esophageal achalasia; Deglutition disorders; Endoscopy, Digestive system; Manometry.

INTRODUÇÃO

Afecção primária da motilidade do esôfago pouco comum, a acalásia ocorre com igual distribuição quanto ao gênero e raça, mas com incidência que aumenta com a idade e prevalência variável nos diferentes continentes1. Embora a causa normalmente não possa ser definida, a fisiopatologia, diagnóstico e tratamento são relativamente bem compreendidos18. Ela é predominantemente doença idiopática, secundária à perda seletiva da função dos neurônios inibitórios dos plexos mioentéricos, provavelmente devido a fenômeno autoimmune em resposta a antígenos desconhecidos14. Quadro clínico semelhante, no entanto, pode ocorrer em pacientes com pseudoacalásia (5% dos pacientes com suspeita de acalásia) que ocorre devido à obstução neoplásica4 ou operações na junção esofagogástrica20. A acalásia pode ocorrer também devido à doença de Chagas, que é caracterizada pela degeneração dos plexos mioentéricos pela ação do Trypanosoma cruzi6.

O seu diagnóstico é sugerido pelo quadro clínico e confirmado por exames diagnósticos específicos, como endoscopia digestiva alta(EDA), estudo radiológico contrastado de esôfago, estômago e duodeno e manometria esofágica4. Estes exames são usados não apenas para estabelecer o diagnóstico, mas também para classificar a doença quanto à gravidade ou subtipo clínico. Os avanços recentes nos métodos diagnósticos, incluindo a manometria de alta resolução (MAR), auxiliam também no estabelecimento do prognóstico da doença23,25 e na escolha do melhor método para o seu tratamento10. O diagnóstico é muitas vezes demorado e confundido com a doença do refluxo gastroesofágico devido à baixa suspeita clínica e ao uso pouco regular da manometria esofágica15.

Este estudo teve por objetivo revisar os atuais métodos diagnósticos da acalásia do esôfago e sua correta interpretação.

MÉTODOS

A revisão da literatura foi realizada nas bases de dados Medline/Pubmed, SciELO e Lilacs, cruzando-se os descritores “acalásia esofágica”, “transtornos de deglutição”, “técnicas de diagnóstico do sistema digestório”, “endoscopia do sistema digestório” e “manometria”.

RESULTADOS

Quadro Clínico

Os sintomas mais comuns são a disfagia e a regurgitação. A primeira pode ser sentida inicialmente apenas para alimentos sólidos, embora a maioria dos pacientes (70-97%) já apresentem desde o início do quadro disfagia tanto para sólidos quanto para líquidos. A regurgitação de alimentos não digeridos é observada em aproximadamente 75% destes pacientes27.

Observa-se também outros sintomas como dor torácica, sentida por 40% dos pacientes com acalásia, que deve ser diferenciada das anginas de origem cardíaca. Aproximadamente 60% dos pacientes apresentam algum grau de emagrecimento quando se faz o diagnóstico, devido ao esvaziamento ineficaz do esôfago e ingestão de menor quantidade de alimentos27.

As complicações respiratórias são as manifestações extraesofágicas mais comuns da acalásia. Anomalias pulmonares ocorrem em mais da metade dos pacientes, e pode acontecer devido à microaspiração crônica ou compressão traqueal pelo esôfago dilatado4. A doença de Chagas acomete com frequência outros órgãos alvo, como o coração e intestino grosso6.

Existem diferentes escores para quantificar a frequência e intensidade dos sintomas da acalásia. O escore de Eckart é o sistema de avaliação de sintomas mais usado internacionalmente para analisar gravidade da doença e eficácia do tratamento, atribuindo 0 a 3 pontos para os quatro principais sintomas da acalásia (disfagia, regurgitação, dor torácica e perda de peso), variando os resultados de 0 a 12. Os escores de 0-1 correspondem ao estágio clínico 0; 2-3 ao estágio I; 4-6 ao estágio II; e um escore >6 ao estágio III5 (Tabela 1).

TABELA 1
Escore de Eckardt para avaliação dos sintomas na acalásia5

Apenas o quadro clínico, no entanto, não é suficiente para fazer o diagnóstico da acalásia de forma confiável, uma vez que os sintomas são muito semelhantes aos de outras afecções do esôfago, particularmente os da doença do refluxo gastroesofágico. Além disto, a presença e severidade dos sintomas não apresenta boa correlação com os achados manométricos, grau de dilatação do órgão ou prognóstico da doença. Investigação diagnóstica inicial completa é fundamental nestes pacientes, não apenas para realizar diagnóstico correto, mas também para antever o prognóstico e estabelecer a melhor abordagem terapêutica para esta doença.

Endoscopia digestiva alta

Embora ela possa sugerir o diagnóstico da acalásia, trata-se de exame diagnóstico de baixa acurácia. Nos estágios mais avançados, o corpo esofágico pode se apresentar dilatado, atônico e frequentemente tortuoso. Alguma resistência pode ser sentida ao se tentar transpassar a cárdia com o endoscópio. A mucosa esofágica pode se apresentar normal na endoscopia digestiva alta, porém esofagite com mucosa friável, espessada, e mesmo erosões podem ser evidenciadas, ocorrendo devido especialmente à estase crônica27.

Apesar de sua baixa acurácia, no entanto, a endoscopia deve ser realizada em todo paciente com disfagia e suspeita de acalásia. A principal razão para a realização deste procedimento é afastar a presença de câncer no esôfago, ou o desenvolvimento de lesões pré-malignas ou malignas em decorrência da estase crônica. A pseudoacalásia é resultado de tumores da junção esôfago gástrica e simula a acalásia clássica, embora diferenças clínicas, como idade mais avançada, maior perda de peso e duração mais curta do quadro sejam notadas nestes casos. Tais tumores podem não ser observados ao exame endoscópico em mais de 60% dos pacientes com pseudoacalásia, devido à sua progressão submucosa. A ecoendoscopia e tomografia têm se mostrado úteis nos pacientes com endoscopias inconclusivas e alto grau de suspeita clínica de pseudoacalásia, embora não sejam exames recomendados rotineiramente no diagnóstico da acalásia26,28. A acalásia trata-se de importante fator de risco para aparecimento de neoplasias no esôfago com incidência maior que 9% de desenvolvimento de câncer em séries compostas por doentes com a doença8, o que representa 10-50 vezes mais que a população em geral2.

Estudo radiológico contrastado

Trata-se de exame diagnóstico importante para definir a morfologia do esôfago (diâmetro e eixo), assim como evidenciar condições associadas à doença, como divertículos ou câncer. Os achados clássicos da acalásia neste tipo de exame são o esôfago distal afunilado com configuração de “bico de pássaro”, dilatação proximal do órgão, algumas vezes com níveis hidroaéreos, e ausência da bolha gástrica. Em casos mais avançados dilatação intensa do órgão, com estase alimentar e aparência de sigmóide podem ocorrer14 (Figura 1). A dilatação do esôfago pode, contudo, estar ausente e o órgão ter aparência normal, em especial durante suas fases mais iniciais1,14. Em nosso meio é bastante comum o uso da classificação de Rezende que leva em consideração o grau de dilatação do esôfago no estudo contrastado na doença de Chagas21 (Tabela 2).

FIGURA 1
Estudo contrastado na acalásia: esôfago dilatado e afunilamento distal (seta)

TABELA 2
Classificação de Rezende de acordo com a dilatação do esôfago no estudo radiológico contrastado21

O tempo de esvaziamento esofágico (timed barium swallow) pode ser realizado através da medida da altura da coluna baritada no esôfago 5 min após a ingestão do contraste diluído3.

Manometria

O diagnóstico da acalásia é realizado com elevado grau de certeza mesmo nos estágios iniciais da doença pela manometria esofágica. O quadro manométrico clássico é caracterizado pela incapacidade do esfíncter inferior do esôfago (EIE) em relaxar durante a deglutição e aperistalse18.

A manometria convencional apresenta algumas limitações técnicas, as quais tornam possível medidas das pressões de relaxamento do EIE baseadas apenas na pressão do nadir durante a deglutição. Diante disto, 70-80% dos pacientes apresentam relaxamento incompleto ou ausente do EIE, durante deglutição úmida, enquanto os demais terão pressão no nadir dentro dos limites da normalidade, mas com menor duração do tempo de relaxamento (<6 s). A aperistalse é usualmente observada como contrações espelhadas e simultâneas com perda completa da sua propagação (Figura 2). Em casos avançados, pressurização do esôfago devido ao esvaziamento incompleto de ar e resíduos alimentares pode ser vista. EIE hipertônico é considerado critério diagnóstico para a acalásia, embora seja encontrado apenas em metade dos pacientes acometidos pela doença. Existe ainda parcela de doentes que apresentam ondas simultâneas de amplitude alta, que são definidos como portadores de “acalásia vigorosa”27,22.

FIGURA 2
Manometria convencional na acalásia

A introdução da MAR aumentou a possibilidade de se realizar o diagnóstico da acalasia, assim como tornou possível a identificação de novas variantes da doença. Parâmetros mais apurados foram criados baseados nesta evolução tecnológica12. O relaxamento do EIE passou a ser medido com mais precisão pela Integral da Pressão de Relaxamento, que corresponde à pressão média de 4 s no momento de maior relaxamento após a deglutição, no intervalo de 10 s desde o início da deglutição13. A análise do corpo do esôfago permitiu a classificação da acalásia em três subgrupos ou variantes pela classificação de Chicago24, atualmente em sua versão 3.09 (Tabela 3). Estes grupos são caracterizados pela presença ou não de pressurização no corpo do esôfago e pela presença de contrações espásticas (Figura 3).

TABELA 3
Classificação manométrica de Chicago para acalásia

FIGURA 3
Subtipos da acalásia na manometria alta resolução (MAR)

A classificação de Chicago trouxe também grandes avanços para o estabelecimento do prognóstico da acalásia. Os subgrupos de doentes criados por ela apresentam diferentes evoluções após a realização das diferentes modalidades de tratamento, observando-se respostas positivas em 96% dos casos no tipo II, 56% no tipo I e apenas 29% naqueles classificados como tipo III17. Metanálise recente que incluiu nove estudos com aproximadamente 730 pacientes16, observou diferença no prognóstico com diferentes tipos de tratamento como dilatação pneumática e miotomia cirúrgica. O mesmo padrão foi observado após injeção de toxina botulínica17.

A escolha do melhor abordagem inicial para ela também parece ser influenciada pelos subgrupos da classificação de Chicago. Enquanto nos tipos I e II, tratamentos mais conservadores como dilatação pneumática e miotomias cirúrgicas são boas opções, o tipo III parece ser melhor tratado através da miotomia endoscópica per oral, provavelmente porque tal método permite a realização de miotomias mais amplas7,11.

CONCLUSÃO

Os indivíduos com quadro clínico suspeito de acalásia devem passar por completa investigação diagnóstica, uma vez que os sintomas por si só não são suficientes para diferenciar esta de outras doenças do esôfago. Além disto, investigação detalhada e sistemática permite não apenas diagnóstico correto e rápido mas também contribui para melhor escolha do tratamento e prognóstico destes pacientes.

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  • Fonte de financiamento:
    não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2018
  • Aceito
    27 Mar 2018
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