DESCRITORES: Doenças dos ductos biliares; Doença de Caroli; Cisto do colédoco; Imunoterapia adotiva
INTRODUÇÃO
Dilatações císticas congênitas do ducto biliar são pouco frequentes, afetando os ductos biliares intra e/ou extra-hepáticos 3-4. Vater foi quem primeiro descreveu uma dilatação congênita do ducto biliar extra-hepático, mas foi a descrição de Douglas em 1852 que deu pleno conhecimento sobre esse raro aspecto17-19. Por outro lado, Jacques Caroli descreveu em 1958 a dilatação cística congênita do ducto biliar intra-hepático como causa pouco frequente de colestase intra-hepática9,10,12. Essas dilatações são caracterizadas por seu polimorfismo, pois elas podem afetar qualquer parte do ducto biliar. O conhecimento dessa doença fez com que a maioria dos estudos fosse relato de caso e a importância de seu conhecimento residindo no fato de que o tratamento pode estar errado.
O objetivo da presente comunicação é apresentar oito casos e revisar a literatura com a intenção de avaliar se houve alterações nas sugestões terapêuticas nos últimos anos e sugerir a agregação de dois subtipos na classificação clássica.
MÉTODOS
Estudo descritivo de uma série de casos, onde foram coletados dados de pacientes com dilatação cística congênita do ducto biliar entre 1997 e 2020 (23 anos). Para sua classificação, utilizou-se aquela proposta por Alonso Lej com a modificação de Todanis1,13. Para classificá-los foram usados exames colangiográficos no pré, intra e pós-operatório, associados aos resultados da anatomia patológica no caso de ressecção. Também foram associados à confirmação diagnóstica os sinais indiretos, como afinamento da parede da dilatação, vesícula biliar hipoplásica e o aspecto vascular duodenopancreático, entre outros. Foi investigada a presença da anomalia proposta por Babbit2 e posteriormente reclassificada pela Associação Francesa de Cirurgia com base na de Komi et al7,11 (Figura 1). Nos pacientes com doença de Caroli, foi especificado se era difusa (bilobar) ou unilobar; se a dilatação era sacular ou tubular; e se havia litíase intra-hepática. A síndrome de Caroli foi considerada quando houve associação de fibrose hepática congênita e/ou doença renal policística.
RELATO DOS CASOS
Na Tabela 1, são apresentados os principais dados de oito pacientes, três com doença de Caroli e os outros cinco com cistos de colédoco, quatro do tipo I e um do tipo VI A. Em dois pacientes com cisto de colédoco do tipo I, nos quais o ducto biliar foi ressecado, houve alterações anatômicas associadas a essa doença, tanto na vesícula biliar hipoplásica quanto no aspecto vascular duodenopancreático aumentado. Em um paciente com um cisto do tipo 1 e no tipo VI A, verificou-se a existência de uma junção pancreático anômala. Como os dados dos pacientes foram adquiridos em 23 anos, existem diferentes modalidades de estudo entre eles. Em dois, o tratamento cirúrgico foi realizado sem o conhecimento pré-operatório do diagnóstico correto e esses pacientes foram inicialmente abordados para resolver a doença litiásica do ducto biliar. Os métodos de imagem foram de pouca ajuda no pré-operatório do paciente com o cisto de colédoco tipo VI A, operado com uma forte suspeição de colangite. Da mesma forma foi o que ocorreu com o paciente em que foi realizada papilotomia transduodenal e, mais tarde, foi proposta a ressecção da bolsa cística. O uso do ácido ursodesoxicólico foi de grande ajuda no paciente com fratura de quadril abordado pela equipe de traumatismo, assim como na paciente chilena que já tinha sido operada, mas apresentava metrorragia persistente de origem miomatosa. Nas Figuras 2 a 5, são apresentadas algumas das imagens de casos mais representativas.
DISCUSSÃO
As dilatações císticas congênitas do ducto biliar em adultos são raras; a a do ducto biliar extra-hepático (CHD) referida por Valayer16 ocorre em 1:2 milhões de nascimentos; outros autores ocidentais relatam incidência de 1: 100.000-190.000 nascidos vivos4-15; a incidência no Oriente seria muito maior, sendo relatada como 1:1.000 nascimentos em algumas populações asiáticas3,4,19. O gênero feminino é mais afetado na dilatação cística do ducto biliar extra-hepático com relação de 4:1, enquanto na DC a distribuição por gênero é igual4. A maioria dos pacientes com dilatação extra-hepática é apresentada na infância16. Yamaguchi19, em 1433, relata que aproximadamente 51% dos pacientes estavam na primeira década de vida e esse número saltou para quase 70% nas duas primeiras décadas de vida, sendo muito menos frequente em adultos. Em comparação, a doença de Caroli é geralmente diagnosticada em adultos.
Alonso Lej et al.1 fizeram a classificação mais utilizada e, posteriormente, sofreram várias modificações, sendo a de Flanigan em 19756 e a de Todani em 197713 as mais representativas. A última é mais utilizada e tem a particularidade de ter incorporado, como tipo V, a doença de Caroli. Em 2001, propusemos uma subdivisão do tipo V em dois subtipos em relação ao doença de Caroli ou Síndrome de Caroli10. Hoje, propomos uma subdivisão em três subtipos, como pode ser visto na Figura 5. Essa subdivisão visa padronizar os procedimentos terapêuticos que podem ser utilizados. Na dilatação cística do ducto biliar extra-hepático - aqueles classificados como tipo I - são os mais frequentes, seguidos pelo tipo IV, que coincide com nossos pacientes4,17.
Em relação à etiologia, recomenda-se algumas diferenças para não se falar em “dilatação cística do ducto biliar extra-hepático”, incluindo-as na chamada “família fibropolicística da doença hepática”, ou seja, uma constelação que inclui outras doenças9. Babbit2 propôs uma anomalia na junção biliopancreática com duas variações e com um ducto comum entre o colédoco e o ducto de Wirsung com mais de 10 mm de diâmetro ao redor da parede duodenal. Posteriormente, outros autores7,11 acrescentam uma terceira variedade mais complexa em “anse de seau” (Figura 1) e é a teoria etiológica mais comum com frequência de até 90% e que justifica basicamente a dilatação cística do ducto biliar extra-hepático tipo I e IV4,15. Essa teoria justifica o refluxo do líquido pancreático no interior do trato biliar com a consequente digestão e inflamação com dilatação posterior que justificaria os valores de amilase superior a 10000 U/l, geralmente encontrados na bile das dilatações8. Tanto a DC quanto a dilatação cística do ducto biliar extra-hepático tipo II e III têm sua causa nos distúrbios autossômicos recessivos que também justificariam a presença de doença renal policística e fibrose congênita no Síndrome de Caroli5,19,22.
Em relação à apresentação clínica, a tríade clássica de dor abdominal, icterícia e tumor palpável na dilatação cística do ducto biliar extra-hepático não está presente em todos os pacientes. Pode-se dizer que esses sintomas podem ocorrer associados a outros, como febre, colúria ou presença de litíase.
Nossa série tem 23 anos e alguns pacientes foram insuficientemente estudados. O colangiopancreatografia por ressonância magnética. é, sem dúvida, um elemento de grande valor para o diagnóstico, enquanto que durante a operação, o procedimento desenvolvido por Mirizzi também será de grande ajuda na tomada de decisões terapêuticas. As abordagens percutânea ou endoscópica não apenas poderão colaborar com o diagnóstico, mas também terão a capacidade de drenar o ducto biliar em pacientes com colangite ou distúrbios hepatocelulares devido à colestase.
Um dos pontos mais importantes é a malignização da dilatação, principalmente nos tipos I e IV, entre 2,5% e 17,5%3,4,8,10,17,18,19. Bruguera et al5 referem que a possibilidade de malignidade na DC varia entre 7-14%. Benjamin4 relata que a estase biliar favorece a formação de ácidos biliares secundários que teriam poder mutagênico. Em nossa série, tivemos apenas um paciente com câncer, e era da vesícula biliar; ele apresentava anormalidade da junção biliopancreática e essa anomalia também foi associada à gênese do câncer de vesícula biliar. O aumento do risco de desenvolver colangiocarcinoma faz do tratamento cirúrgico uma das primeiras opções de tratamento.
No que se refere à dilatação cística do ducto biliar extra-hepático, principalmente nos dois tipos mais frequentes, a ressecção da bolsa cística com a realização de hepaticojejunoanastomose em Y-de-Roux é o tratamento de escolha, embora alguns autores sugiram que a realização de hepaticoduodenostomia teria os mesmos resultados14; acreditamos que este último favorece episódios de refluxo de colangite pós-operatória. Ressecamos a dilatação em três pacientes com boa evolução subsequente e em dois realizamos tratamentos insuficientes, um deles com doença múltipla do ducto biliar que incluía câncer de vesícula biliar e o outro em que chegamos ao diagnóstico no pós-operatório e foi recusada a ressecção. Em relação às dilatações dos tipos II e III, o coledocele pode ser causa recorrente de pancreatite e essa é a principal indicação para ressecção, enquanto no divertículo coledociano a dor ou suas complicações seriam os motivos da ressecção13.
Em relação às dilatações do tipo V, propomos a subdivisão como: Va, segmentar ou lobar; Vb, doença de Caroli difuso; e Vc, Síndrome de Caroli.com fibrose. Essa classificação, em nossa opinião, ocorre porque existem diferentes abordagens terapêuticas em relação a cada subtipo. O tipo Va requer tratamento ressecional da parte afetada, com bons resultados em termos de controle dos sintomas9,10,22. O tipo Vb pode ser tratado com tratamento médico (ácido ursodesoxicólico, antibióticos, etc.) e papilotomia endoscópica9 e, nos casos em que o controle dos sintomas é difícil, o transplante de fígado será opção a ser pensada. O tipo Vc, associado à fibrose hepática, tem indicação para transplante de fígado, com expectativa de vida de até cinco anos em 72,4%12.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
14 Maio 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
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Recebido
10 Jul 2020 -
Aceito
21 Jul 2020