RESUMO
Racional: A gastrectomia vertical ampliada é uma variação da técnica da gastrectomia vertical, necessitando de estudos a fim de elucidar a segurança em relação ao refluxo gastroesofágico.
Objetivo: Analisar comparativamente gastrectomia vertical (GV) e gastrectomia vertical ampliada (GVA) em ratos com obesidade induzida por dieta cafeteria em relação à presença de esofagite de refluxo, perda de peso e alterações macroscópicas relacionadas aos procedimentos.
Método: Trinta ratos Wistar foram randomizados em três grupos, e após período de indução de obesidade por meio de dieta cafeteria de 28 dias, foram submetidos a operação simulada (grupo controle GC), gastrectomia vertical (grupo GV) e gastrectomia vertical ampliada (grupo GVA). Os animais foram acompanhados por 28 dias no pós-operatório e, após a eutanásia, foi realizada a pesquisa de esofagite de refluxo através de avaliação histopatológica. Peso e avaliação macroscópica foram as outras variáveis de estudo, sendo o peso aferido semanalmente e a avaliação macroscópica no momento da eutanásia.
Resultados: Todos os animais apresentaram algum grau de inflamação e a presença de ao menos um critério de inflamação, porém, não houve diferença estatisticamente significante na análise entre os grupos. Em relação à perda de peso, os animais do GC apresentaram aumento gradativo durante todo experimento evoluindo para super-obesidade ao término do estudo, enquanto os dos grupos GV e GVA tiveram reganho de peso após a primeira semana do pós-operatório, porém, reganho menos acentuado se comparável ao GC, tanto para GV quanto para GVA.
Conclusões: Não há diferença em relação à esofagite de refluxo entre GV e GVA, bem como em relação às alterações macroscópicas. Ambas as técnicas têm capacidade de controlar a evolução do peso no pós-operatório em relação ao grupo controle.
DESCRITORES: Gastrectomia; Refluxo gastroesofágico; Ratos; Cirurgia bariátrica
ABSTRACT
Background: Extended vertical gastrectomy is a variation of the vertical gastrectomy technique requiring studies to elucidate safety in relation to gastroesophageal reflux.
Aim: To analyze comparatively vertical gastrectomy (VG) and extended vertical gastrectomy (EVG) in rats with obesity induced by cafeteria diet in relation to the presence of reflux esophagitis, weight loss and macroscopic changes related to the procedures.
Methods: Thirty Wistar rats were randomized into three groups, and after the obesity induction period by means of a 28-day cafeteria diet, underwent a simulated surgery (CG), VG and VGA. The animals were followed up for 28 days in the post-operative period, and after euthanasia, the reflux esophagitis evaluation was histopathologically performed. Weight and macroscopy were the other variables; weight was measured weekly and the macroscopic evaluation was performed during euthanasia.
Results: All animals presented some degree of inflammation and the presence of at least one inflammation criterion; however, there was no statistically significant difference in the analysis among the groups. In relation to weight loss, the animals in CG showed a gradual increase during the whole experiment, evolving to super-obesity at the end of the study, while the ones with VG and EVG had weight regain after the first post-operative period; however, a less marked regain compared to CG, both for VG and EVG.
Conclusion: There is no difference in relation to reflux esophagitis VG and EVG, as well as macroscopic alterations, and both techniques have the ability to control the evolution of weight during postoperative period in relation to CG.
HEADINGS: Gastrectomy; Gastroesophageal reflux; Rats; Bariatric surgery
INTRODUÇÃO
A gastrectomia vertical (GV) ainda não teve sua técnica cirúrgica uniformizada por completoA,B. O procedimento consiste na retirada de extensa parte da grande curvatura do estômago, parte do corpo e de todo o fundo gástrico, confeccionando um reservatório de menor volume e de formato tubular29. Porém, ainda não existe padronização quanto à extensão da ressecção da região antropilórica, que é mantida em maior ou menor proporção, e ao volume final do reservatório gástrico15.
A gastrectomia vertical ampliada (GVA) é uma variação técnica da GV proposta por Nassif et al3. Nesta técnica, os primeiros grampeamentos feitos são paralelos ao maior eixo do piloro, estreitando a região antropilórica. A dissecção evolui guiada por sonda calibre 32F, permitindo a confecção de um estômago tubular, de volume padronizado, evitando-se assim estenoses. A dissecção termina removendo a maior porção do corpo e todo o fundo gástrico. Assim sendo, o aspecto final do órgão é mais delgado e uniforme.
A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é possível complicação da GV, sendo que ela parece aumentar a incidência de DRGE e/ou piorar o refluxo preexistente14. Estudos utilizando impedâncio-pHmetria de 24 h para avaliar a presença do refluxo gastroesofágico nos pacientes submetidos à GV concluíram que 50% dos estudados passaram a apresentar DRGE e que houve piora dela em 80% dos que já possuíam a doença8. A presença de DRGE foi apontada como contraindicação para GV por 57% dos especialistas durante a International Sleeve Gastrectomy Expert Panel Consensus Statement, em 201224. Contudo, o assunto permanece controverso, não havendo ainda consenso na literatura diante do tema1,3,5,20, 21,31,32, 35,36.
Neste contexto, estudos experimentais com o objetivo de elucidar a relação entre GV e DRGE são de grande importância, uma vez que os aspectos que tangem esta modalidade de tratamento cirúrgico para obesidade e DRGE são divergentes na literatura e devem ser aprofundados através de pesquisas.
Assim, em relação à DRGE o objetivo desta pesquisa foi comparar as técnicas de VG e EVG em um único estudo experimental, desde que elas são tratamentos cirúrgicos para a obesidade.
MÉTODO
A pesquisa foi executada após aprovação da Comissão de Ética no Uso de Animais da Universidade Federal do Maranhão (Protocolo 23115.012273/2015-08; Registro da CEUA: 35/15).
Animais e ambiente de experimentação
A amostra foi constituída de 30 ratos machos adultos da espécie Ratus novergicus albinus, linhagem Wistar, com peso médio de 250 g provenientes do Biotério da Universidade Federal do Maranhão. Durante todo o experimento estiveram sob controle de ruídos e temperatura (23±1° C), sendo mantido ciclo claro/escuro de 12 h e condições de higiene garantidas com troca sempre que necessária da Xilana® utilizada como forro para as gaiolas.
Alimentação e água
Os animais passaram por um período de adaptação de sete dias, em que receberam ração padrão Purilab® e água filtrada ad libitum. Em seguida, foi introduzida a dieta hipercalórica do tipo cafeteria, que foi mantida desde o início da fase de engorda até o momento da última etapa experimental com a eutanásia dos animais, exceto nas 8 h que antecederam os procedimentos cirúrgicos em que permaneceram em jejum e no pós-operatório imediato (primeira 24 h), no qual não receberam dieta sólida, apenas líquida.
Delineamento experimental
Todos animais receberam o tratamento cirúrgico por meio do mesmo pesquisador e auxiliar e no mesmo período de estudo. O período de indução de obesidade foi de 28 dias, e o acompanhamento pós-operatório também foi de 28 dias, quando foram submetidos à eutanásia (Figura 1).
Os ratos foram randomizados e subdivididos em função da técnica cirúrgica a qual seriam submetidos, dando origem a três grupos: grupo controle (GC) com 10 animais, grupo gastrectomia vertical (GV) com 10 animais e grupo gastrectomia vertical ampliada (GVA) com 10 animais. Nos animais do Grupo GC foi realizada apenas operação simulada por meio de manipulação bidigital do estômago; no GV uma gastrectomia vertical e no grupo GVA uma gastrectomia vertical ampliada.
O experimento foi realizado no centro cirúrgico experimental do Laboratório de Cirurgia Experimental da Universidade Federal do Maranhão, São Luis, MA, Brasil. Após o período de adaptação, os animais foram pesados e distribuídos de forma randomizada para compor os três grupos de estudo de acordo com a técnica cirúrgica a ser empregada e iniciou-se o período de indução de obesidade por meio de dieta hipercalórica do tipo cafeteria.
Indução de obesidade por dieta hipercalórica tipo cafeteria
Para produzir obesidade utilizou-se a dieta cafeteria, assim denominada por conter alimentos hiperenergéticos, constituída de uma parte sólida associada à ração padrão compondo dieta hipercalórica; ela produzida de maneira artesanal, através da mistura de alimentos triturados, contendo 500 g de bacon, 1 kg de amendoim torrado, 1 kg de biscoito de maisena, 500 g de chocolate ao leite e uma parte líquida de água filtrada e refrigerante Guaraná Jesus®, líquido hipercalórico. Todos os alimentos, tanto a alimentação padrão quanto a dieta cafeteria, foram oferecidas ad libitum durante todo o experimento.
Este protocolo de dieta hipercalórica foi analisado pelo Laboratório de Fisiologia da Universidade Federal do Maranhão, sendo determinado que ele possuía 506,2 kcal/100 g, e valor nutricional constituído de 35,3% de carboidratos, 34,5% de lipídios e 15,4% de proteínas. Segundo o fabricante, o refrigerante Guaraná Jesus® possuía 53,1 kcal/100 ml e continha 12 g/100 ml de carboidratos.
O peso dos animais foi aferido semanalmente durante todo o experimento, sendo considerados ratos obesos aqueles que aumentaram em 30% o peso de antes do início da dieta hipercalórica.
Procedimento cirúrgico e manuseio das amostras
Os animais foram submetidos a jejum de 8 h antes da realização do procedimento cirúrgico sob anestesia feita com associação de cloridrato de quetamina 10% na dose de 100 mg/kg e cloridrato de xilazina 2% na dose de 10 mg/kg, aplicada intraperitoneal, por meio de seringa e agulha de insulina, após o animal ser sido contido manualmente. A seguir, foram colocados em decúbito dorsal em uma prancha de madeira de 15x15 cm e fixados com esparadrapo, epilados na região da incisão, feita antissepsia com polivinilpilorridona iodo em solução alcoólica a 10% e colocado um campo cirúrgico estéril fenestrado sobre o animal.
O acesso à cavidade abdominal foi laparotômico, por meio de diérese por planos até a abertura da cavidade peritoneal, de aproximadamente 5 cm a partir do apêndice xifoide através da linha mediana do abdome, utilizando-se bisturi frio descartável com lâmina 15.
Nos 10 animais do GC, após o acesso à cavidade abdominal, foi realizada canulação orogástrica por meio de sonda de nelaton n0 8, para identificação do estômago e realizada manipulação bidigital das paredes ventral e dorsal do corpo gástrico. A seguir, procedeu-se o fechamento da parede abdominal por meio de sutura contínua com fio 4.0 de poliglactina e fechamento da pele por meio de sutura contínua intradérmica com o mesmo fio.
Nos 10 animais do GV, também após canulação orogástrica por meio de mesma para identificação do estômago, marcou-se para referência anatômica um ponto proximal situado no fundo gástrico justaesofágico e outro distal situado a 15 mm do piloro. O plano de excisão gástrica foi demarcado por meio de uma pinça hemostática tipo Crile, realizando-se a seguir a diérese e exérese do fundo gástrico, parte do corpo e antro na grande curvatura do estômago, com posterior fechamento da linha de diérese com sutura contínua extramucosa com fio 5.0 de poliglactina. A seguir, procedeu-se o fechamento da parede abdominal do mesmo modo já descrito e fechamento da pele por meio de sutura contínua intradérmica com fio 4.0 de poliglactina.
Nos 10 animais do grupo GVA, após o acesso à cavidade abdominal, foi realizado o mesmo procedimento para identificação do estômago. Utilizou-se como referência anatômica um ponto proximal situado no fundo gástrico justaesofágico e outro distal situado a 5 mm do piloro. O plano de excisão gástrica foi demarcado por meio de duas pinças hemostáticas, realizando-se a seguir a diérese e exérese do fundo gástrico, parte do corpo e antro na grande curvatura do estômago, com posterior fechamento da linha de diérese com sutura contínua extramucosa com fio 5.0 de poliglactina. A seguir, procedeu-se o fechamento da parede abdominal e pele como já descrito no GV.
No pós-operatório imediato (primeiras 24 h), os animais permaneceram sob jejum a sólidos, com acesso a água com glicose (duas ampolas a 50% em 500 ml de água) ad libitum. A partir do segundo dia foi reintroduzida toda a dieta, ou seja, ração padrão e água filtrada e dieta cafeteria sólida e líquida. Foi realizada analgesia pós-operatória nas primeiras 72 h após o procedimento, por meio de paracetamol via oral na dose de uma gota (10 mg) para cada 25 ml de água.
A eutanásia foi realizada por meio de superdosagem de anestésico, aplicando-se quatro vezes a dose utilizada para realização da anestesia. Imediatamente após a eutanásia e constatada a morte, foi realizada laparotomia exploradora com a avaliação de secreções e aderências dentro da cavidade abdominal, seguindo os parâmetros de Nair et al16. Após a avaliação macroscópica e classificação das aderências foi feita a retirada do estômago juntamente com o terço distal do esôfago em peça única para a realização do estudo anatomopatológico e avaliação da presença de esofagite distal como forma de identificar a presença de refluxo gastroesofágico.
A presença de esofagite foi pesquisada através da inflamação encontrada durante a análise, sendo classificada em leve, moderada e acentuada, recebendo assim o score grau 1 para leve, 2 para moderada e 3 para acentuada. A pesquisa de esofagite também foi realizada por meio dos critérios histopatológicos de inflamação: alongamento da papila, hiperqueratose, hipergranulose, atrofia da muscular da mucosa, exocitose, congestão vascular e neovascularização, seguindo o modelo proposto por Gaia et al7.
Análise estatística
Os dados foram avaliados pelo programa NCSS 11 (2016). Para avaliar o efeito dos três grupos e das semanas em relação a variável dependente peso foi feito inicialmente o teste de normalidade de Shapiro Wilk; como todas as medidas apresentaram distribuição normal (p >0,05) aplicou-se o teste de análise de variância (ANOVA) e o post-hoc de Tukey, para comparação dos grupos dois a dois e a comparação das semanas duas a duas. A avaliação do efeito dos grupos nas variáveis dependentes ordinais, como a classificação de NAIR e da inflamação, foi feita através do teste não paramétrico de Kruskall-Wallis. Posteriormente, avaliou-se as variáveis categóricas (alongamento da papila, hiperqueratose, hipergranulose, atrofia da muscular da mucosa, exocitose, congestão vascular e neovascularização) através do teste não paramétrico de qui-quadrado de independência (χ2). Considerou-se como estatisticamente significante valor de p <0,05.
RESULTADOS
Alteração do peso corporal no período de indução da obesidade
O peso médio dos animais antes do início da indução foi de 274,7 g no GC, 257,8 g no GV e 253,4 no GVA. Após 28 dias de alimentação com a dieta hipercalórica do tipo cafeteria, os animais atingiram peso médio de 371 g (GC), 384 g (GV), 382,1 g (GVA). O ganho de peso semanal foi equivalente em todos os grupos, não havendo assim diferença relevante na comparação intergrupos (Figura 2).
Evolução do peso corporal durante o período de indução de obesidade nos grupos controle (GC), gastrectomia vertical (GV) e gastrectomia vertical ampliada (GVA)
Alteração do peso corporal no período pós-operatório
O GC manteve o ganho de peso mesmo na primeira semana pós-operatória, mantendo padrão de ganho linear durante todo o período de acompanhamento, evoluindo para superobesidade ao longo das oito semanas de experimento.
Por sua vez GV e GVA apresentaram perda ponderal na primeira semana pós-operatória, sendo esta perda equivalente nos dois grupos, não havendo diferença estatística na comparação entre GV e GVA. A partir da segunda semana pós-operatória, ambos GV e GVA passaram a apresentar reganho de peso, mantendo-o até o final do experimento, chegando ao fim com média ponderal equivalente ao momento em que foram realizadas as operações.
Assim, foi observado que na evolução do peso após a primeira semana teve diferença significativa (p=0,05) após GV e GVA, sendo que ambas diferiram do GC. Contudo, não foi observado diferença significativa (p >0,05) entre GV e GVA. A evolução ponderal dos três grupos encontra-se de maneira comparativa apresetnada na Figura 3.
Avaliação macroscópica
Todos os animais apresentaram boa cicatrização com reconstituição anatômica da pele e da parede abdominal. Os do GC apresentavam estômago anatomicamente íntegro. Nos do GV e GVA, a linha de sutura do estômago não apresentou sinais de deiscência ou de infecção local.
Ocorreram aderências com órgãos adjacentes em todos os grupos. O principal local foi entre a sutura do estômago de GV e GVA com o fígado, intestino delgado e parede abdominal. Na análise pelo score de Nair não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos (Tabela 1).
Todos animais de cada grupo tiveram a inflamação encontrada na junção esofagogástrica classificada como leve, moderada e acentuada, recebendo, respectivamente score grau 1, 2 e 3 (Figuras 4 e 5). A análise estatística comparativa entre os três grupos concluiu que não houve diferença significativa (p >0,05) na classificação da inflamação (Tabela 2).
A) Inflamação leve - grau 1; B) inflamação moderada - grau 2; C) inflamação acentuada - grau 3 (40x, H&E)
Para pesquisa de esofagite realizada por meio dos critérios histopatológicos de inflamação (alongamento da papila, hiperqueratose, hipergranulose, atrofia da muscular da mucosa, exocitose, congestão vascular e neovascularização) atribuiu-se positivo e negativo em relação a presença ou não dos critérios a serem avaliados (Figuras 5 A, B e C). A análise estatística comparativa entre os grupos em relação aos critérios considerados, concluiu haver diferença significativa apenas em relação na exocitose entre os três grupos do estudo (p <0,05).
A) Hiperqueratose (a), hipergranulose (b) e alongamento de papila (c); B) atrofia da muscular da mucosa (a) e exocitose (b); C) neovascularização e congestão vascular(40x, H&E)
DISCUSSÃO
O protocolo adaptado pelo Laboratório de Cirurgia Experimental da Universidade Federal do Maranhão foi utilizado neste experimento como meio de indução de obesidade por dieta cafeteria com o objetivo de melhor mimetizar os hábitos que levam a obesidade humana, sendo constituído de uma parte sólida e uma líquida por meio de refrigerante25,23. Esta dieta oferece, além de variedade maior de alimentos, alimentos mais palatáveis induzindo aumento da ingestão alimentar e, como consequência, ganho de peso corporal e obesidade, por meio de aumento de gordura visceral abdominal e maior acúmulo lipídico nos adipócitos, se comparada com modelos que o acréscimo é feito apenas através de sobrecarga de gordura27. O protocolo empregado é considerado hipercalórico em comparação à ração padrão, sendo o aumento energético da dieta atribuído, sobretudo, ao aumento na proporção de lipídios na dieta (34,5% de lipídios na cafeteria vs. 4% na ração padrão). Outro aspecto de grande importância neste protocolo é o componente líquido da dieta, por meio do refrigerante Guaraná Jesus®, que aumentou de maneira significativa o aporte energético da dieta (53,1 kcal/100 ml).
Desta forma, o modelo empregado se mostrou eficaz na indução da obesidade na pesquisa, sendo que após o período de 28 dias todos os animais desenvolveram obesidade e estavam aptos ao experimento, ou seja, houve eficácia de 100% na indução.
Após a realização da GV e da GVA ocorreu perda ponderal apenas na primeira semana de pós-operatório, ao passo que a partir da segunda eles iniciam o reganho de peso, chegando ao final de oito semanas com peso semelhante ao momento da operação. Fato relevante a ser destacado é a manutenção da dieta cafeteria em todo o experimento permitindo grande aporte calórico mesmo com o componente restritivo da operação. Outro aspecto de grande relevância é comparação de GV e GVA em relação ao GC. Os animais deste grupo apresentaram ganho linear de peso e evoluíram para a superobesidade em comparação a GV e GVA, ao passo que não houve diferença na análise entre GV e GVA.
Desta forma, este estudo diverge de diversos outros encontrados na literatura que demonstraram perda de peso após a realização de gastrectomia vertical, tanto os realizados sem grampeador intestinal10,13,30,34,, quanto os realizados com ele22,26. Destaque se dá à comparação com a pesquisa realizada por Valentí et al34 que mostraram a capacidade de perda de peso com e sem a manutenção de dieta cafeteria em ratos submetidos à GV. O ponto chave que diferencia os dois estudos é a presença do líquido hipercalórico no protocolo da dieta cafeteria utilizado nesta pesquisa, o que permite explicar a divergência dos resultados encontrados.
Os resultados aqui obtidos em relação a GV e GVA corroboram aos encontrados por Bielohuby et al2, no qual foi demonstrado que dieta hipercalórica rica em carboidratos é capaz de levar ao reganho de peso em ratos submetidos a GV.
Assim sendo, o reganho encontrado em todos animais submetidos a GV e GVA desta pesquisa serve como estímulo à linha de pesquisa, abrindo ensejo para busca dos efeitos metabólicos da gastrectomia, sobretudo de forma independente da perda de peso, uma vez que o papel metabólico deste procedimento tem sido objeto de diversos estudos encontrados na literatura4,9,12,13.
O presente estudo não demonstrou diferença significativa entre o grau de aderências na análise entre os grupos, podendo inferir, de forma indireta, a não existência de maiores complicações comparativamente. Estes dados corroboram com os encontrados por pesquisadores que estudaram o processo de cicatrização e o efeito de fitoterápicos em gastrorrafias em ratos28.
O estudo anatomopatológico revelou algum grau de inflamação em todos os animais de todos os grupos (GC, GV e GVA), porém não houve diferença estatística na comparação entre os grupos. A pesquisa de esofagite realizada por meio dos critérios histopatológicos de inflamação também revelou a presença destes critérios em todos os grupos, sendo todos os animais acometidos com alguma esofagite; contudo, da mesma forma, não houve diferença estatística significativa na comparação deste critério entre os grupos, exceto em relação à exocitose. Desta forma, os resultados demonstram que a GV e A GVA não são operações que levam ao refluxo gastroesofágico.
Na literatura, não há estudos acerca de esofagite de refluxo após GV em ratos, sendo esta pesquisa pioneira no assunto, bem como em relação à VGA, feita pela primeira vez em ratos de forma experimental. Pesquisas em ratos, relacionando obesidade e refluxo gastroesofágico também são carentes na literatura. Assim sendo, os resultados obtidos nesta pesquisa apontam para o fato de a GVA não confere riscos maiores para esofagite de refluxo em relação à GV, e permite ainda inferir a relação da obesidade com a DRGE, uma vez que todos os animais, inclusive os do GC, apresentaram alguma evidência de esofagite de refluxo; contudo e adicionalmente, a GV e a GVA controlaram a evolução do peso em relação ao GC; todos os animais apresentavam obesidade ao término do experimento no momento da eutanásia.
Estudos7,11,19 demonstraram por meio de análise histopatológica a presença de esofagite de refluxo induzida de forma experimental em ratos. Portanto, os resultados encontrados em relação à presença de esofagite de refluxo neste estudo corroboram os obtidos na literatura.
Os estudos em humanos analisando GV e DRGE ainda divergem em relação aos resultados e sugerem a necessidade de mais pesquisas envolvendo o assunto. Nassif et al18, realizaram revisão bibliográfica com o objetivo de avaliar a indução de doença do refluxo gastroesofágico no pós-operatório de GV e bypass gástrico em Y-de-Roux e discorreram sobre as barreiras antirrefluxo; a principal delas é o fundo gástrico que é retirado na GV, fazendo com que a pressão do esfíncter inferior do esôfago seja a única barreira antirrefluxo que permanece. Ainda estes autores reforçam a hipótese levantada anteriormente por Nassif et al17 da variação técnica para a GVA, explicando que ao invés de manter o antro praticamente intacto, como habitualmente é feito, ao realizar tubulização completa do estômago, poder-se-ia obter menor volume cúbico na luz gástrica. Com isso, menor seria a pressão exercida ao esfíncter inferior do esôfago e quantidade de refluxo gastroesofágico poderia ser menor. Ao final do estudo, eles concluíram que a técnica GV apresenta maior comprometimento dos mecanismos antirrefluxo predispondo o aparecimento de DRGE, se comparada ao bypass gástrico em Y-de-Roux.
Em revisão sistemática, Chiu et al5 selecionaram um total de 11 artigos com dados de acompanhamento tanto pré quanto pós-operatórios de GV e a evolução da DRGE; dentre eles, quatro evidenciaram aumento da DRGE pós-operatória e sete concluíam diminuição dela.
As revisões de literatura envolvendo GV e DRGE continuam levantando discussões e ainda não levam a conclusões exatas. Melissas et al14, evidenciam que a GV pode melhorar, piorar ou até mesmo gerar DRGE, embora haja consenso entre os autores que a GV deve ser contraindicada em pacientes com refluxo severo ou esôfago de Barrett, podendo ser realizada GV de forma segura quando há indicação isolada para cirurgia bariátrica. Crawford et al6, ao examinarem os diferentes métodos de procedimentos antirrefluxo disponíveis antes e depois da GV apontam que há necessidade de mais estudos envolvendo as estratégias para conter o refluxo após GV, que ela deve ser contraindicada em pacientes com refluxo grave pré-existente, e que o único método comprovado para tratamento de refluxo de difícil controle é o bypass gástrico com Y-de-Roux. Oor et al20 concluíram que devido à heterogeneidade dos estudos que envolvem o tema que levam a resultados paradoxais, os cirurgiões devem avaliar cuidadosamente os sintomas de DRGE e indicar a técnica de cirurgia bariátrica mais apropriada.
Embora não se deva comparar resultados de pesquisas em espécies diferentes e aplicar resultados experimentais em animais na prática clínica de maneira imediata, estes estudos indicam necessidade ensaios clínicos para aperfeiçoamento da segurança em relação à técnica; os resultados obtidos nos experimentos desta pesquisa apontam a favor da aplicabilidade da GV e GVA por não evidenciarem diferença entres as técnicas e o grupo controle em relação à esofagite de refluxo. Todavia, pesquisas devem ser aprofundadas, no intuito de melhor avaliar a presença do refluxo gastroesofágico, e principalmente se há refluxo antes do procedimento cirúrgico.
CONCLUSÕES
Não houve diferença em relação à esofagite de refluxo entre as técnicas de GV e GVA em ratos obesos e ambas foram capazes de controlar o peso. As alterações macroscópicas também não foram diferentes.
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Fonte de financiamento:
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001
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Mensagem central
A gastrectomia vertical ampliada é uma variação técnica da gastrectomia vertical que visa diminuir a possibilidade de refluxo gastroesofágico e esofagite consequente a ela.
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Perspective
Para melhor contornar o refluxo gastroesofágico nova proposta cirúrgica de ampliar a gastrectomia vertical foi proposta. É feita através de grampeamentos paralelos ao eixo do piloro, estreitando a região antropilórica de modo uniforme. A dissecção guiada por sonda calibre 32F, permite confecção de um estômago tubular, de volume padronizado, evitando-se assim estenoses. A dissecção termina removendo a maior porção do corpo e todo o fundo gástrico. Assim sendo, o aspecto final do órgão é mais delgado e uniforme.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
24 Ago 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
10 Dez 2019 -
Aceito
26 Mar 2020