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Uso de adesivos teciduais em cirurgia digestiva

Tissue adhesives in digestive surgery

Resumos

INTRODUÇÃO: Apesar dos refinamentos em cirurgia gastrointestinal, vazamentos anastomóticos persistem como grave problema, associados à morbidade e mortalidade elevadas e constituem a complicação mais temida. Na tentativa de prevenir e reduzir estas complicações, diversidade de técnicas de reforço anastomótico tem sido investigada e diversas medidas auxiliares têm sido desenvolvidas. OBJETIVO: Revisar os dados associados a aplicação de adesivos em cirurgia digestiva. MÉTODO: Revisão bibliográfica de artigos disponíveis no Medline/Pubmed utilizando-se os descritores: adesivo, trato gastrointestinal, anastomose cirúrgica e fístula. Foram selecionados os artigos mais atualizados sobre o assunto os quais utilizaram adesivos como estratégia para reduzir a morbidade e mortalidade relacionada à cirurgia digestiva. CONCLUSÃO: Adesivos teciduais parecem seguros na prática clínica e têm sido utilizados com crescente frequência em várias especialidades cirúrgicas em decorrência de suas propriedades hemostáticas e selante, ganhando cada vez maior aceitação por parte dos cirurgiões. Estudos sugerem que adesivos cirúrgicos podem reforçar e melhorar a cicatrização de anastomoses intestinais, elevando a pressão de ruptura e aumentando a força tênsil. Os potenciais efeitos deletérios teciduais destas substâncias podem limitar sua utilização. Em decorrência da heterogeneidade dos estudos e falta de evidência forte, novas pesquisas deverão ser desenvolvidas.

Adesivo; Trato gastrointestinal; Anastomose cirúrgica; Fístula


BACKGROUND: Despite refinements in the field of gastrointestinal surgery, anastomotic leakage still remains a serious problem associated with substantial morbidity and mortality and is the fearest life threatening complication in digestive surgery. To prevent or reduce these complications, a diversity of line reinforcement techniques have been investigated and several adjunctive measures have been developed. AIM: To review the data associated with the application of adhesives in digestive surgery procedures. METHOD: Review of papers available at Medline/Pubmed database using the follow headings: adhesive, gastrointestinal tract, surgical anastomosis, fistula. It was chosen recent articles on the subject which showed adhesives as strategy to reduce morbidity and mortality related to digestive surgery. CONCLUSION: Tissue adhesives appears to be safe in the clinical setting and are been used with increasing frequency in a variety of surgical field for its unique hemostatic and adhesive abilities, gaining increasing acceptance among surgeons. Studies suggest that surgical adhesive can be useful to reinforce and improve intestinal anastomotic healing, increase anastomotic bursting pressures and tensile strength. The potentially harmful tissue effects of the preparations might compromise the use of these substances. Because of the heterogeneity and lack of high level evidence, new studies have to be performed.

Adhesive; Gastrointestinal tract; Surgical anastomosis; Fistula


ARTIGO DE REVISÃO

Uso de adesivos teciduais em cirurgia digestiva

Tissue adhesives in digestive surgery

Cleber Soares-Júnior; Camila Couto Gomes; Rodrigo de Oliveira Peixoto; Carlos Augusto Gomes; Claudio de Souza

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

Correspondência Correspondência: Cleber Soares Júnior e-mail: cleberdoc@ig.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Apesar dos refinamentos em cirurgia gastrointestinal, vazamentos anastomóticos persistem como grave problema, associados à morbidade e mortalidade elevadas e constituem a complicação mais temida. Na tentativa de prevenir e reduzir estas complicações, diversidade de técnicas de reforço anastomótico tem sido investigada e diversas medidas auxiliares têm sido desenvolvidas.

OBJETIVO: Revisar os dados associados a aplicação de adesivos em cirurgia digestiva.

MÉTODO: Revisão bibliográfica de artigos disponíveis no Medline/Pubmed utilizando-se os descritores: adesivo, trato gastrointestinal, anastomose cirúrgica e fístula. Foram selecionados os artigos mais atualizados sobre o assunto os quais utilizaram adesivos como estratégia para reduzir a morbidade e mortalidade relacionada à cirurgia digestiva.

CONCLUSÃO: Adesivos teciduais parecem seguros na prática clínica e têm sido utilizados com crescente frequência em várias especialidades cirúrgicas em decorrência de suas propriedades hemostáticas e selante, ganhando cada vez maior aceitação por parte dos cirurgiões. Estudos sugerem que adesivos cirúrgicos podem reforçar e melhorar a cicatrização de anastomoses intestinais, elevando a pressão de ruptura e aumentando a força tênsil. Os potenciais efeitos deletérios teciduais destas substâncias podem limitar sua utilização. Em decorrência da heterogeneidade dos estudos e falta de evidência forte, novas pesquisas deverão ser desenvolvidas.

Descritores: Adesivo. Trato gastrointestinal. Anastomose cirúrgica. Fístula.

ABSTRACT

BACKGROUND: Despite refinements in the field of gastrointestinal surgery, anastomotic leakage still remains a serious problem associated with substantial morbidity and mortality and is the fearest life threatening complication in digestive surgery. To prevent or reduce these complications, a diversity of line reinforcement techniques have been investigated and several adjunctive measures have been developed.

AIM: To review the data associated with the application of adhesives in digestive surgery procedures.

METHOD: Review of papers available at Medline/Pubmed database using the follow headings: adhesive, gastrointestinal tract, surgical anastomosis, fistula. It was chosen recent articles on the subject which showed adhesives as strategy to reduce morbidity and mortality related to digestive surgery.

CONCLUSION: Tissue adhesives appears to be safe in the clinical setting and are been used with increasing frequency in a variety of surgical field for its unique hemostatic and adhesive abilities, gaining increasing acceptance among surgeons. Studies suggest that surgical adhesive can be useful to reinforce and improve intestinal anastomotic healing, increase anastomotic bursting pressures and tensile strength. The potentially harmful tissue effects of the preparations might compromise the use of these substances. Because of the heterogeneity and lack of high level evidence, new studies have to be performed.

Headings: Adhesive. Gastrointestinal tract. Surgical anastomosis. Fistula.

INTRODUÇÃO

A busca por uma anastomose impermeável tem sido fato constante nas operações gastrointestinais. Deiscência anastomótica representa a complicação mais temida a que está sujeito o paciente submetido à cirurgia do aparelho digestório7,8. O risco é maior nas anastomoses com o pâncreas, esôfago, cólon e reto extraperitoneal, mas pode ocorrer em qualquer tipo de anastomose1,4.

A pesquisa de um método seguro para anastomoses tem ocorrido nos últimos dois séculos, com desenvolvimento de técnicas e materiais, e melhor entendimento do processo cicatricial4,26. Entre os fatores que agregam risco às anastomoses, está o grau de contaminação da víscera empregada (este fator interfere ativamente no balanço entre a síntese e deposição de colágeno); a presença do conteúdo intraluminal promove forças de cisalhamento que interferem no processo; a distensão local pelo conteúdo também pode desencadear isquemia na área suturada.

O avanço científico e tecnológico promoveu, além do aperfeiçoamento dos tipos de fios e das técnicas de sutura, também o desenvolvimento de laser, grampeadores mecânicos, protetores intraluminais da linha de sutura e adesivos teciduais naturais e sintéticos1,4,8,20.

A utilização de adesivos em cirurgia

Segundo Fontes, foi um artista circense de nome Gamba Curta, o primeiro a utilizar um composto para colar tecido biológico, no século XIX. Ele retirava fragmentos da própria pele e depois a colava11. A utilização de adesivos teciduais em cirurgia foi proposta por Young & Medawar em 1940; somente a partir de 1960 iniciaram-se estudos sistemáticos na aplicação destes materiais26,27.

No início do século, começaram as pesquisas com adesivos derivados de coágulos solidificados de fibrina, inclusive com aplicação sobre suturas intestinais. A partir da década de 70, o adesivo de fibrina adquiriu importância em virtude de sua propriedade selante e hemostática. A era moderna da utilização deste tipo de substância em cirurgia, tem início com os trabalhos de Helene Matras, que usou fibrina em anastomoses intestinais em 197711.

Na década de 1950 determinaram-se as características dos acrilatos. Suas propriedades adesivas e seu rápido enrijecimento foram descritas, sugerindo sua utilização em cirurgia. Diversos autores a partir da década de 60 estudaram as formulações disponíveis dos acrilatos no trato gastrointestinal, inclusive com aplicação em seres humanos11,23.

Fundamentos sobre adesivos teciduais

Adesivos teciduais são definidos como substâncias com propriedades químicas de polimerização, e que formam precipitado sólido. Têm sido cada vez mais utilizados em diversas especialidades inclusive cirurgia digestiva3,5,7,13,17,23. Sua indicação pode ser dividida em quatro categorias: 1) hemostasia, 2) selante, 3) como meio de transporte de substâncias exógenas (medicamentos, quimioterápicos, fatores de crescimento) a determinadas regiões e órgãos e 4) como agente na prevenção de aderências14,17,23.

Estes compostos mantêm os tecidos em posição para permitir a cicatrização de áreas cruentas contíguas e servem de barreira aos extravasamentos23,26. A velocidade e a forma de solidificação dependem da substância em questão e da superfície em que é aplicada, podendo ser influenciados pelo pH, umidade e luminosidade27.

A adesão induzida é obtida por meio de ligações químicas tipo iônica (primária), covalente e metálica; e/ou física tipo van der Waals. As ligações primárias são capazes de promover adesão eficiente em tecidos vivos. Grupos amino, hidroxil e carboxil, encontrados em colágeno, têm potencial de reação capaz de levar à adesividade. Estes radicais estabelecem ligações iônicas com os radicais do adesivo promovendo união27.

Os adesivos podem ser classificados em sintéticos e naturais. Os primeiros incluem o cianoacrilato e a associação albumina-resorcinol-formaldeído-glutaraldeído (GRF). Entre os biológicos incluem-se os adesivos a base de fibrina, o colágeno associado à trombina e polímeros de polietilenoglicol (hidrogel). Estes compostos naturais se utilizam das mesmas propriedades que os tecidos vivos para causar hemostasia e adesão, são menos tóxicos e induzem menor reação inflamatória13,16,17,23,26,27.

Um adesivo de características ótimas, ainda não disponível, deve ser seguro, agir apenas localmente, não interferir com o processo natural de restitutio ad integrum do tecido e somente se degradar após o tempo completo de cicatrização5,23,26,27. Além disso, atributos desejáveis do composto incluem facilidade de manuseio e conservação, insolubilidade em água, solidificação rápida, ausência de efeito carcinogênico, tóxico ou alergênico27.

Adesivos de fibrina

Selantes a base de fibrina são uma combinação de cálcio, trombina, fibrinogênio (70-110 mg/mL), fator XIII (10 a 50 UI), e um antifibrinolítico, como a aprotinina (inibidor de protease) ou acido tranexâmico. Têm sido descritos como adesivos fisiológicos ideais17. O adesivo evita hematomas por meio da oclusão de pequenos vasos, facilitando a união das bordas. A presença de fator XIII no composto estimula a migração de fibroblastos. A fibrina e fibronectina formam arcabouço para neoformação vascular e fibroplasia.

Embora inicialmente utilizados com intenção hemostática, posteriormente coágulos de fibrina foram utilizados para promover aderência entre estruturas. Suas propriedades hemostática, oclusiva, adesiva, promotora da cicatrização (estímulo ao crescimento dos fibroblastos) e antisséptica conferem-lhe uma gama de aplicações clínicas6,17.

Existem diversos estudos, prospectivos e padronizados, com adesivos de fibrina. Aplicações em cirurgia gastroenterológica incluem: prevenção de aderências peritoneais, cirurgia esplênica, hepatectomias, prevenção e tratamento de fístulas pancreáticas, enterocutâneas e anais2,10,11,14,23.

Em geral, são usados pela sua segurança e pelo risco mínimo de transmissão de infecções23. A possibilidade de obtenção de fibrinogênio de apenas um doador ou do próprio paciente diminuiu o risco de transmissão viral e ampliou o uso clínico da fibrina. Este aspecto é importante conquanto exista relação direta entre a força tênsil e o conteúdo de fibrinogênio da mistura27.

Mesmo com ótima formação do precipitado, estes são produtos biológicos, e por isso são degradados em período variável de tempo, dependendo da preparação, volume e local de aplicação. A força de coesão depende, em última instância, da interação molecular com o tecido vivo.

O uso isolado de adesivos de fibrina em anastomoses tem ocorrido apenas em modelos experimentais17,28, de outra forma sua utilização em humanos tem se restringido ao reforço das suturas do trato gastrointestinal e aplicação em áreas cruentas3,4,17. Sua aplicação propicia cicatrização mais rápida, com incidência de vazamentos inferior ao do grupo controle, inclusive considerando anastomoses esofágicas, esofagojejunais e colônicas15. Sua utilização concomitante com grampeadores mecânicos trouxe benefícios no que diz respeito à prevenção de vazamentos e velocidade de cicatrização4.

Pesquisas em outras áreas também parecem promissoras como fechamento de fístula traqueoesofágica e fechamento de fístulas digestivas simples e complexas3,29. A associação com hormônio do crescimento parece mostrar efeito sinérgico na cicatrização anastomótica. Entretanto, autores atribuem os benefícios à presença da fibrina e não do hormônio, conquanto a utilização isolada do adesivo comparada à utilização isolada do hormônio do crescimento é superior, apresentando maiores pressões de ruptura, neoangiogênese, deposição de colágeno e conteúdo anastomótico de hidroxiprolina, além de menores dosagens de mieloperoxidase tecidual30. Estudos têm evidenciado que anastomoses intestinais com adesivos de fibrina mostram melhor cicatrização, seja no que diz respeito aos aspectos micro e macroscópicos, seja na maior resistência a pressão de rotura17.

Adesivos de fibrina têm sido utilizados com frequência na redução (profilaxia) de fístulas biliares e sangramento de área cruenta pós-ressecção hepática. Trabalhos mostram menor intensidade de aderências quando a fibrina é aplicada. Os escores histopatológicos também foram melhores quando comparados com a sutura convencional6.

Têm sido utilizados em complicações de anastomoses pancreáticas com resultados satisfatórios. Entretanto, metanálise sobre o uso destes adesivos em cirurgia pancreática mostraram-se inconclusivos em decorrência da heterogeneidade e falta de evidência à sua utilização10,16.

Sua aplicação sobre anastomoses colônicas mostrou resultados favoráveis quanto às pressões e forças de ruptura1. De outra forma, a utilização rotineira de adesivos de fibrina no tratamento de fístulas anais ainda mostra resultados desanimadores e carece de maiores estudos18.

Adesivo de albumina-resorcinol-formaldeído-glutaraldeído (GRF)

A associação de albumina com resorcinol permite ao composto similaridades com o tecido conjuntivo. Ele aumenta a resistência da mistura, em virtude da capacidade de se condensar na presença de formaldeído, no entanto, a velocidade e a totalidade da reação são dependentes do pH. Ambos (resorcinol e formaldeído) têm poder germicida, apresentam irritação local na dependência das concentrações, mesmo sendo desprovidos de toxicidade sistêmica27.

Assim como o adesivo de fibrina, o GRF é biodegradável e pode ser usado com intenção hemostática e na prevenção de extravasamentos. Entre suas vantagens está a possibilidade de ser aplicado em superfícies úmidas e não representar barreira à cicatrização27. Tem vida-média de 30 dias23.

O GRF foi utilizado experimentalmente em diversos tecidos, inclusive anastomoses gastrointestinais23,27.

Comparados com adesivos de fibrina, mostraram pior integração tecidual, maior quantidade de aderências e deslocamentos, e maior reação tipo corpo estranho. O adesivo de albumina associado à glutaraldeído mostrou boa força adesiva, mas baixa biocompatibilidade.

Apesar de resultados desanimadores no passado, recentemente este tipo de adesivo tem sido estudado como forma de evitar vazamentos e fístulas em anastomoses gastrointestinais, inclusive esofagorrafias. Uso experimental de adesivo de albumina/glutaraldeído sobre anastomose com grampeador mecânico parece determinar reforço das anastomoses que se traduziu como uma maior resistência à pressão de ruptura, sua utilização em anastomoses intactas e defectivas7.

Lämsä comparou seis tipos de adesivos em anastomoses pancreaticojejunais. Todos os compostos (dois a base de fibrina, três tipos de cianoacrilatos, um adesivo de albumina∕glutaraldeído) induziram alterações histológicas no pâncreas. Os efeitos foram piores com os cianoacrilatos, mas os adesivos de fibrina apresentaram menor força tênsil. O GRF apresentou resultados intermediários entre as outras duas classes de adesivos16.

Adesivos de hidrogel

Hidrogel (polímeros de polietilenoglicol) são agentes solúveis em água, ativados pela luz (fotopolimerização) e absorvidos em período de três meses. Apresentam processo de aplicação complicado, mas têm grande potencial para utilização. As vantagens de sua aplicação incluem: compostos sintéticos (risco reduzido de transmissão de doenças), biodegradação, polimerização rápida e sem liberação de calor, ausência de toxicidade local, boa adesão tecidual e promoção de angiogênese19.

No que diz respeito à cirurgia do aparelho digestório, foram utilizados experimentalmente para reduzir a exposição intestinal ao líquido amniótico em animais com gastrosquise com bons resultados12.

Adesivos de colágeno

Adesivos a base de colágeno são combinação de colágeno e trombina bovinos. Funcionam promovendo uma matriz para o coágulo e fornecendo fibrinogênio para o local. Têm grande utilidade em cirurgia, sendo de baixo custo23.

Erdogan et al compararam experimentalmente o uso de fibrina líquida com "patch" de colágeno coberto com fibrinogênio em ressecções hepáticas. Os resultados mostraram maior resistência ao aumento da pressão do sistema biliar no grupo em que se utilizou colágeno permitindo sua utilização na superfície cruenta hepática9.

Entretanto, a análise comparativa entre o uso de "patch" de colágeno associado a adesivo de fibrina e sutura sem o acréscimo do composto, em anastomoses gastrointestinais, não mostrou diferença no que se refere à histologia, pressão de ruptura e o grau de estenose21.

Adesivos de cianoacrilatos

O cianoacrilato constitui grupo de adesivos de polimerização rápida, não biodegradáveis, que têm sido cada vez mais utilizados desde a década de 1960 São utilizados principalmente como agentes anastomóticos e hemostáticos, mesmo com sua aparente toxicidade13,26.

São sintetizados a partir de reação entre formaldeído e cianoacetato, resultando em pré-polímero que, por meio do calor, se despolimeriza em monômeros sob a forma líquida. O monômero pode ser modificado alterando-se o grupamento alquil (-COOR), obtendo-se substâncias com cadeias de tamanhos diferentes. O contato com íons hidroxila após sua aplicação em tecidos vivos, promove uma reação de hidroxilação exotérmica que polimeriza (polimerização aniônica) o composto e o endurece27.

A causa da toxicidade dos compostos é atribuída aos produtos de degradação, cianoacetato, formaldeído e hidroperóxidos que ativam a síntese de prostaglandinas e tromboxanos (participantes da oxidação e lise da membrana celular). A concentração local destes produtos é proporcional ao ritmo de degradação da substância polimerizada. Os compostos de éster com cadeia lateral longa (radical álcool), se degradam mais lentamente, consequentemente apresentam aderência mais forte, sendo menos reativos2,13,25. De outra forma, os cianoacrilatos apresentam propriedades antimicrobianas contra organismos gram-positivos e alguns gram-negativos. Sabe-se que este efeito antimicrobiano aumenta com a diminuição da cadeia do grupo alquil, e que esta propriedade parece estar relacionada com a polimerização do adesivo, mas não apresenta duração longa27.

O uso dos cianoacrilatos mostrou-se insatisfatório no trato gastrointestinal em diversos estudos, com importante histotoxicidade local, abundância de tecido cicatricial, retração da mucosa, processo inflamatório crônico, infiltração granulomatosa, retardo histológico da cicatrização além de considerações sobre carcinogênese22,26. Anastomoses intestinais, utilizando os cianoacrilatos, têm sido estudadas desde a década de 60. Frequência de vazamento entre 30% e 60%, além da formação de processo inflamatório e reação tipo corpo estranho, levou ao abandono parcial destas substâncias no que se refere ao aparelho digestório15. De fato, Nordkild et ali, em trabalho de revisão, concluíram que o uso dos cianoacrilatos em anastomoses do trato gastrointestinal induzia mortalidade de 60%, em contraposição a 22% do grupo controle, no qual não foi utilizado. Seu uso exclusivo determinou mortalidade de 97%27.

Entretanto, apesar das vantagens inerentes a sua formulação e tempo de aplicação, os resultados de sua aplicação em cirurgia gastroenterológica foram desfavoráveis em virtude da intensa reação inflamatória que propiciava. Trabalhos experimentais recentes mostraram que o uso de n-butil-cianoacrilato em fístulas de anastomoses jejunojejunais de alto débito é satisfatório em termos de tolerância à pressão de rotura, apesar do aumento do número de aderências intestinais8.

O n-butil cianoacrilato tem sido considerado tratamento de escolha para varizes gástricas sangrantes em muitos países. Nos Estados Unidos, onde não estão autorizados para utilização em seres humanos, o octil-2 cianoacrilato tem sido usado como substituto24.

O polímero octil-2 cianoacrilato apresenta flexibilidade maior, melhor adaptação aos tecidos corporais, tempo mais longo de permanência e menor rompimento da estrutura tridimensional. A este respeito pode-se afirmar que a ultra-estrutura tridimensional do octil-2 cianoacrilato é três vezes mais resistente que a do butil-2 cianoacrilato, e se assemelha àquela da sutura com monofilamento 5.02,13,25.

Metanálise feita por Singer et al25. identificou 35 estudos com octil-2 cianoacrilato. Todos os trabalhos avaliados referiram-se à tratamento de lesões cutâneas: lacerações, incisões cirúrgicas - cirurgia geral, dermatologia, ginecologia e ortopedia - e experimentos em animais. Não há menção à utilização do composto no trato digestório. Sua utilização cutânea está bem estabelecida na clínica diária, embasada fortemente em estudos experimentais25.

Em relação ao trato gastrointestinal, Bahten comparou sua utilização com fio de poliglecaprone no tratamento de lesões traumáticas esplênicas. O octil-2 cianoacrilato provocou menos aderências macroscópicas e não induziu reação tipo corpo estranho2.

Novos estudos procuraram estabelecer riscos e benefícios deste composto nas suturas colônicas, mas os resultados ainda são conflitantes, com importante estímulo a formação de processo inflamatório15,22,26.

O octil-2 cianoacrilato tem sido utilizado no tratamento de varizes gástricas de forma eficaz e segura. Entretanto, Rickman et ali descreveu o caso de embolização sistêmica desta substância após injeção endoscópica24.

CONCLUSÃO

Adesivos teciduais têm sido cada vez mais utilizados em vários ramos da cirurgia em virtude de suas propriedades hemostáticas, selante, indutora da cicatrização e antimicrobiana. Estudos sugerem que alguns adesivos podem melhorar a cicatrização de anastomoses intestinais, reduzindo a incidência e tratando as deiscências das anastomoses. Efeitos adversos de sua aplicação inviabilizam sua utilização rotineira em alguns tecidos e merecem maiores estudos. Novas pesquisas deverão ser desenvolvidas para elucidar os limites da aplicabilidade dos diversos tipos de adesivos disponíveis no momento.

Recebido para publicação: 31/05/2010

Aceito para publicação: 15/05/2010

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

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  • Correspondência:

    Cleber Soares Júnior
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Recebido
      31 Maio 2010
    • Aceito
      15 Maio 2010
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