CARTA AO EDITOR
Cisto de colédoco como achado incidental ultrassonográfico: relato de caso e revisão da literatura
An incidental choledochal cyst found on ultrasonography: a case report and review of literature
Solon Cavalcanti Guerra, Uirá Fernandes Teixeira
Endereço para correspondência Correspondência: Uirá Fernandes Teixeira, e-mail: uiraft@yahoo.com.br
INTRODUÇÃO
O cisto de colédoco é doença rara dos ductos biliares que consiste na presença de uma ou mais dilatações que podem acometer qualquer local da árvore biliar. Trata-se de doença que é diagnosticada, na maior parte dos casos, nos primeiros anos de vida, em crianças e recém-nascidos que se apresentam com sintomas da síndrome de icterícia obstrutiva2. Entretanto, cerca de 20- 30% dos casos manifestam-se na idade adulta, com sinais e sintomas muitas vezes inespecíficos9.
Existem algumas teorias para explicar o surgimento da doença. A mais aceita é que exista junção anômala entre a via biliar comum e o ducto pancreático principal, fazendo com que as enzimas pancreáticas atinjam o colédoco e provoquem danos à sua parede. Alguns estudos relataram a presença dessa junção anormal em cerca de 90% de pacientes portadores de cistos de colédoco7.
A importância do diagnóstico dessa doença decorre da necessidade de se fazer o tratamento adequado em virtude da possibilidade de surgimento de graves complicações, dentre as quais estão a colangite, pancreatite, a ruptura do cisto e a possibilidade de degeneração maligna com surgimento de colangiocarcinoma6. O tratamento de eleição é cirúrgico, com a completa excisão do cisto e restauração da drenagem da bile através de uma derivação bileodigestiva, quando possível.
RELATO DO CASO
Mulher de 42 anos compareceu ao ambulatório de cirurgia geral do Hospital Santo Antônio / Obras Sociais Irmã Dulce, trazendo exame ultrassonográfico de abdome total. Ela não apresentava queixa alguma; negava dor abdominal, perda de peso, icterícia ou outros sintomas colestáticos. Ao exame físico não apresentava nenhuma alteração; encontrava-se em bom estado geral, anictérica, afebril, com abdome flácido e indolor, sem massas palpáveis. Em sua história pregressa referia passado de neoplasia de colo uterino tratada por quimio e radioterapia há 10 anos, sendo acompanhada desde então. Ao ser solicitada nova ultrassografia para seguimento que foi descoberto o cisto de colédoco, medindo 4,4 x 3,7 x 3,4 cm sem outros achados neste exame inicial. Foram solicitados exames laboratoriais marcadores de colestase (que foram normais) e uma colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER) que mostrou uma formação cística em hepatocolédoco de 4 x 5 cm, com colédoco distal medindo 0,4 cm, vesícula biliar opacificada e vias biliares sem outras alterações (Figura 1).
Foi então discutido o caso com a paciente e decidido em conjunto pelo tratamento cirúrgico. No intra-operatório, após a abertura da cavidade peritoneal, visualizava-se uma formação cística que acometia a via biliar extra-hepática, medindo cerca de 5 cm de diâmetro. A vesícula biliar encontrava-se em sua posição habitual, mas o ducto cístico drenava para o cisto (cisto de tipo Ia de Todani). Foi feito o isolamento cuidadoso do hepatocolédoco desde a junção dos hepáticos até a porção supra-pancreática. O cisto foi então ressecado e retirado juntamente com a vesícula, com sepultamento do colédoco distal e reconstrução da drenagem biliar através de uma hepaticojejunostomia em Y-de-Roux. Um dreno sentinela foi posicionado próximo à anastomose. A operação transcorreu sem intercorrências.
No primeiro dia de pós-operatório encontrava-se anictérica, afebril, com pouca dor ao redor da ferida operatória. O dreno sentinela havia produzido 100 ml de secreção serohemática. A ferida operatória encontrava-se limpa e seca. A dieta líquida foi introduzida e evoluída conforme aceitação desde então, sem complicações. Ela evoluiu bem no pós-operatório, com fístula biliar de baixo débito drenada e com marcadores de colestase normais; teve o dreno retirado no 11º dia e recebeu alta hospitalar três dias depois. O laudo da anatomia patológica não mostrou degeneração maligna.
DISCUSSÃO
O acesso crescente da população aos exames de imagem vem permitindo o diagnóstico de doenças raras, muitas vezes de forma incidental. É o caso da paciente em questão que, após uma ultrassonografia de abdome total, teve detectado um cisto de colédoco, mesmo encontrando-se assintomática aos 42 anos de idade, fato incomum na história natural desta doença5.
Alonso-Lej et al., modificado por Todani el al., elaboraram a classificação mais utilizada atualmente para os cistos de colédoco, dividindo-os em cinco tipos8. O tipo I é o mais comum, representando cerca de 80% dos casos segundo relatos7. A apresentação clínica é mais exuberante nas crianças e recém-nascidos. Em adultos os sintomas são variáveis, com um espectro variando desde dor abdominal inespecífica até casos graves de colangite ou pancreatite aguda.
O surgimento de colangiocarcinoma é complicação sombria dos cistos de colédoco, presente em até 19% dos casos à época do diagnóstico, muito maior do que a incidência na população geral1. Tal fato faz da ressecção cirúrgica completa o melhor tratamento para estes pacientes, factível em muitos casos de cistos tipo I e II1.
A aceitação, por parte de paciente assintomático, em submeter-se a operação que pode apresentar grandes complicações como hepaticojejunostomia em Y-de-Roux, pode representar desafio para o cirurgião. Acredita-se que boa relação médico-paciente faz-se necessária, com a exposição adequada da história desta doença e suas potenciais complicações por parte do médico, tornando esse processo mais fácil e garantindo o melhor tratamento para o paciente.
Fonte de financiamento: não há
Conflito de interesses: não há
Recebido para publicação: 12/12//2010
Aceito para publicação: 17/01/2012
Trabalho realizado no Hospital Santo Antônio, Associação Obras Sociais Irmã Dulce, Salvador, BA, Brasil.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
01 Fev 2013 -
Data do Fascículo
Jun 2012