Open-access UMA NOVA OPÇÃO PARA O TRATAMENTO DA DOENÇA HEMORROIDÁRIA: DESARTERIALIZAÇÃO E MUCOPEXIA SELETIVA SEM O ULTRASSOM DOPPLER

RESUMO

Racional:   O tratamento da doença hemorroidária pela técnica de THD (Transanal Hemorrhoidal Dearterialization) é minimamente invasivo e tem se mostrado seguro e eficiente. No entanto, dados sobre a recorrência e complicações (dor e tenesmo) no pós-operatório são muito variáveis.

Objetivo:   Avaliar se a desarterialização e mucopexia seletiva, sem o uso de Doppler, é suficiente para o controle de sintomas e se a morbidade pós-operatória é menor com esta técnica.

Métodos:   Vinte pacientes foram tratados com essa técnica e avaliados sobre controle de sintomas, morbidade pós-operatória e recorrência.

Resultados:   Controle do prolapso e sangramento foi observado em todos pacientes (n=20). Complicações pós-operatórias foram: tenesmo (n=2), trombose hemorroidária externa (n=2), retenção urinária (n=2). Após um seguimento médio de 13 meses, nenhuma recorrência foi detectada.

Conclusões:   O procedimento de desarterialização e mucopexias seletivas é seguro e eficiente em termos de controle do prolapso e sangramento. Esta técnica resulta em menor morbidade cirúrgica, uma vez que diminui o número de suturas no canal anal, resultando em menos dor e tenesmo pós-operatório. Para este procedimento o uso de ultrassom Doppler é desnecessário, o que diminui custos e o torna mais atrativo do ponto de vista econômico.

DESCRITORES: Desarterialização hemorroidária transanal; Hemorroidas; Mucopexia; Complicações, Técnica cirúrgica

ABSTRACT

Background:   Transanal hemorrhoidal dearterialization (THD) is safe and effective minimally invasive treatment for hemorrhoidal disease, but reports regarding recurrence and postoperative complications (pain and tenesmus) vary significantly.

Aim:   To evaluate if selective dearterialization and mucopexy at the symptomatic hemorrhoid only, without Doppler guidance, achieves adequate control of the prolapse and bleeding and if postoperative morbidity is reduced with this technique.

Methods:   Twenty consecutive patients with grade II and III hemorrhoids were treated with this new approach and were evaluated for postoperative complications and recurrence.

Results:   Control of prolapse and bleeding was achieved in all patients (n=20). Postoperative complications were tenesmus (n=2), external hemorrhoidal thrombosis (n=2) and urinary retention (n=2). After a mean follow-up of 13 months no recurrences were diagnosed.

Conclusion:   Selective dearterialization and mucopexy is safe and achieves adequate control of prolapse and bleeding and, by minimizing sutures in the anal canal, postoperative morbidity is diminished. Doppler probe is unnecessary for this procedure, which makes it also more interesting from an economic perspective.

HEADINGS: Transanal minimally invasive surgery; Transanal hemorrhoidal dearterialization; Hemorrhoids; Mucopexy, Surgical technique

O procedimento
cirúrgico: três desarterializações e três mucopexias


INTRODUÇÃO

A doença hemorroidária é altamente prevalente em nosso meio e atualmente existem diversas formas de tratamento disponíveis. A ressecção do mamilo hemorroidário é considerada por muitos cirurgiões o padrão-ouro de tratamento; no entanto, está associada a dor pós-operatória intensa10. Por esse motivo, diversas novas técnicas minimamente invasivas foram desenvolvidas nos últimos anos e tiveram grande aceitação tanto por parte dos cirurgiões como dos pacientes.

Em 1995, Morinaga et al.3 descreveram o procedimento de ligadura da artéria hemorroidária (Hemorroidal Artery Ligation - HAL), que consiste na ligadura dos ramos terminais da artéria retal superior, atualmente conhecido como desarterialização hemorroidária transanal (THD). Mais recentemente, outros autores propuseram modificações técnicas no procedimento inicial, como a adição da mucopexia para controle do prolapso2 e desarterialização distal por Doppler (DDD)4, este último buscava atingir de modo mais preciso os ramos distais da artéria hemorroidária.

Apesar dos inúmeros avanços e da maior disseminação dos métodos minimamente invasivos, ainda não há padronização técnica do THD, sobretudo em relação ao número de desarterializações e mucopexias que devem ser realizados em cada paciente. Tais dados são frequentemente omitidos de trabalhos científicos, o que dificulta a interpretação dos seus resultados. Essa pode ser uma das razões que justifique a heterogeneidade de resultados em termos de recorrência pós-operatória e morbidade cirúrgica.

Nesse artigo original de técnica cirúrgica, nós propomos uma estandardização na técnica de THD que melhoraram nossos resultados cirúrgicos. A impressão é que minimizar o número de suturas no canal anal, fazendo desarterializações e mucopexias apenas nos mamilos sintomáticos com prolapso, atinge os mesmos bons resultados da técnica original, e minimiza a morbidade pós-operatória, em especial a dor e o tenesmo. Esta modificação técnica pode ser mais um passo em direção a tornar esta técnica minimamente invasiva mais aceita universalmente por médicos e pacientes.

MÉTODOS

Entre julho de 2018 e dezembro de 2019, 20 pacientes foram recrutados para THD. Em todos foi realizado desarterialização e mucopexia seletivas, apenas nos mamilos hemorroidários sintomáticos com prolapso, sem o auxílio do ultrassom Doppler. Todas as operações foram realizadas pelo mesmo cirurgião (CWS).

Técnica operatória

Para a THD, o paciente é colocado em posição de litotomia e o procedimento pode ser realizado tanto sob anestesia geral ou raquianestesia. Ciprofloxacino é administrado endovenoso em dose única como profilaxia. Após a lubrificação com lidocaína, é realizada anuscopia para avaliação do canal anal e da doença hemorroidária. Nossa preferência é realizar este procedimento com anuscópio reutilizável que contém um pivô central e permite o apoio do porta-agulha para calibrar a profundidade do ponto na parede do reto (Figura 1). Por ser reutilizável isso diminuí os custos do procedimento.

FIGURA 1
Proctoscópio com pivô central reutilizável

Após a identificação da hemorróida interna, é realizado uma sutura longitudinal começando 4-5 cm acima da borda anal até o ápice do mamilo hemorroidário - que pode ou não ser incluído na sutura, a depender do grau de prolapso. De rotina utiliza-se fio absorvível ácido poliglicólico 2-0 com agulha 5/8. A profundidade da sutura é calibrada de maneira a incluir a mucosa e a submucosa da parede do reto, guiado pelo anuscópio. A distância entre cada passagem da agulha não deve exceder 5 mm, para que a sutura não fique muito tensa. Ao final da sutura é feito um nó de maneira que o mamilo hemorroidário seja tracionado cranialmente em direção ao reto distal, corrigindo o prolapso hemorroidário, como representado na Figura 2. O resultado pós-operatório de um dos pacientes operados está demonstrado na Figura 3.

FIGURA 2
Desenho esquemático da sutura de desarterialização e mucopexia seletiva do THD

FIGURA 3
Foto do pré e pós-operatório de paciente com doença hemorroidária tratado pela técnica de desarterialização e mucopexia seletivas (três desarterializações e três mucopexias)

A inclusão do mamilo hemorroidário na linha de sutura depende do tamanho do prolapso. Caso se trate de prolapso volumoso em que o cirurgião antevê que uma sutura até o ápice do mamilo não vai ser suficiente para correção completa do prolapso, então a sutura deve prosseguir de maneira a incluir parcialmente o mamilo hemorroidário para que se atinja a correta reposição anatômica do prolapso. Isso ocorre com maior frequência nas hemorroidas mistas. É imperativo que a sutura sempre termine acima da linha pectínea, de maneira que o paciente apresente menos dor e desconforto no pós-operatório.

RESULTADOS

As características demográficas dos pacientes estão sumarizadas na Tabela 1.

TABELA 1
Características demográficas.

Controle do sangramento e prolapso foi atingido em todos os pacientes. Não foram detectadas recorrências após seguimento médio de 13 meses. Os números de desarterializações e mucopexias foram quatro (n=13), três (n=6) e dois (n=1). Foram necessários procedimentos associados em três pacientes, ressecção de plicoma sentinela (n=2) e papila hipertrófica (n=1).

As complicações pós-operatórias foram tenesmo (n=2), retenção urinária (n=2) e trombose hemorroidária externa (n=2). Nenhum paciente precisou de opióide ou derivados para controle de dor pós-operatória. Complicações graves como estenose anal, incontinência fecal ou abscesso não ocorreram nesta casuística. A maioria dos pacientes ficou “muito satisfeito com o procedimento” (n=18), um dos pacientes “satisfeito” (n=1) e outro paciente “indiferente” - ambos que tiveram trombose hemorroidária no pós-operatório. O retorno as atividades ocorreu até o sétimo dia de pós-operatório para 18 (90%) pacientes.

DISCUSSÃO

O tratamento da doença hemorroidária é motivo de preocupação para muitos pacientes, que frequentemente associam a operação à dor de forte intensidade no pós-operatório. Em 1995, Morinaga et al3 descreveram a técnica minimamente invasiva guiada por Doppler (THD) e atingiram controle do prolapso em 72% dos pacientes. Em uma tentativa de diminuir a recidiva, Dal Monte et al2 descreveram a associação do procedimento mucopexia a desarterialização, e atingiram controle do prolapso em 92% dos pacientes.

A ligadura de ramos terminais da artéria retal superior com consequente diminuição do fluxo arterial nos mamilos hemorroidários é considerado um dos principais pilares da técnica THD. No entanto, estudos anatômicos do canal anal mostraram grande variabilidade do curso dos ramos arteriais responsáveis pela vascularização das hemorroidas, e questionaram se os bons resultados desta técnica realmente derivam da ligadura de alguma artéria específica1,6.

Ratto et al.4 sugeriram que a desarterialização deveria ser feita mais distalmente no reto, de maneira a incluir os ramos terminais da artéria retal superior, na porção aonde eles são mais superficiais em relação a camada mucosa, e nomearam isso como desarterialização distal guiada por Doppler (DDD).

Estudo multicêntrico brasileiro com 705 pacientes demonstrou controle do sangramento e prolapso em 97,9% e 93,6% respectivamente, mas 21,4% apresentaram tenesmo pós-operatório e 7,2% necessitaram de opióides para controle da dor9. Outro estudo conduzido pelo nosso grupo comparou mucopexia total (ligadura de seis artérias identificadas pelo Doppler) com a parcial (menos de seis ligaduras arteriais) e concluiu que a parcial está relacionada com menos dor pós-operatória, tenesmo e impactacão fecal. É razoável considerar que número menor de suturas no canal anal gerem menos incômodo pós-operatório e menos complicações cirúrgicas, provavelmente por gerar menos lesão tecidual, edema e isquemia local.

Em algumas sérias publicadas, o número de desarterializações necessárias para silenciar todos os sons do aparelho de Doppler variou entre 2-10 suturas, sugerindo grande variação da anatomia local. Estudos randomizados que compararam a técnica com e sem o auxílio do ultrassom Doppler concluíram que os resultados são similares, sugerindo que determinar com precisão o local da artéria no reto distal talvez seja desnecessário7. Estudos com cadáveres, encontraram em média oito ramos distais da artéria retal superior no reto distal, e com localização diferente do que é tradicionalmente aceito, às 3,7 e 11 h6.

Atualmente preconiza-se desarterialização e mucopexia apenas nos mamilos hemorroidários com prolapso, o que é basicamente adaptar o conceito da hemorroidectomia convencional para o THD - em que apenas os mamilos hemorroidários sintomáticos eram tratados -, não havendo necessidade de realizar desarterialização e mucopexia em todos os seis pontos do canal anal (1, 3, 5, 7 ,9 e 11 h) ou em todos os pontos identificados pelo Doppler.

No presente estudo, nenhum dos pacientes necessitou de opióide para controle de dor e apenas 10% relatou tenesmo no pós-operatório, demonstrando melhora substancial com relação aos nossos resultados prévios. Quando realizam-se desarterialização e mucopexia guiadas por Doppler em seis locais no canal anal, verifica-se que 26% dos pacientes relataram tenesmo e 14% necessitou de opióide para controle de dor8.

Resultados em longo prazo com casuísticas maiores são necessários, para confirmar nossos achados.

CONCLUSÃO

A técnica minimamente invasiva do THD deve ser realizada com desarterializações e mucopexias seletivas, apenas nos mamilos hemorroidários com prolapso. Com menor número de suturas no canal anal, a dor e o tenesmo pós-operatório também são menos frequentes. Esta padronização técnica pode ser realizada sem o ultrassom Doppler, com um anuscópio reutilizável, o que a torna ainda mais interessante do ponto de vista econômico.

Referências bibliográficas

  • 1 Aigner F, Bodner G, Conrad F, Mbaka G, Kreczy A, Fritsch H. The superior rectal artery and its branching pattern with regard to its clinical influence on ligation techniques for internal hemorrhoids. Am J Surg. 2004;187(1):102-8.
  • 2 Dal Monte PP, Tagariello C, Giordano P, Cudazzo E, Shafi A, Sarago M, et al. Transanal haemorrhoidal dearterialisation: Nonexcisional surgery for the treatment of haemorrhoidal disease. Tech Coloproctol. 2007;11(4):333-9.
  • 3 Morinaga K, Hasuda K, Ikeda T. A Novel Therapy For Internal Hemorrhoids: Ligation of the Hemorrhoidal Artery With a Newly Devised Instrument (Moricorn) in Conjuction with a Doppler Flowmeter. Am J Gastroenterol. 1995;90(4):610-3.
  • 4 Ratto C, Donisi L, Parello A, Litta F, Zaccone G, De Simone V. "Distal Doppler-guided dearterialization" is highly effective in treating haemorrhoids by transanal haemorrhoidal dearterialization. Color Dis. 2012;14(11):786-9.
  • 5 Scheyer M, Antonietti E, Rollinger G, Mall H, Arnold S. Doppler-guided hemorrhoidal artery ligation. Am J Surg. 2006;191(1):89-93.
  • 6 Schuurman JP, Go PMNYH, Bleys RLAW. Anatomical branches of the superior rectal artery in the distal rectum. Color Dis. 2009;11(9):967-71.
  • 7 Schuurman JP, Rinkes IHMB, Go PMNYH. Hemorrhoidal artery ligation procedure with or without doppler transducer in grade II and III hemorrhoidal disease: A blinded randomized clinical trial. Ann Surg. 2012;255(5):840-5.
  • 8 Sobrado CW, Américo J, Hora B, Sobrado LF, Frugis O, Nahas SC, et al. Transanal hemorrhoidal dearterialization: Lessons learned from a personal series of 200 consecutive cases and a proposal for a tailor-made procedure. Ann Med Surg. 2020;55:207-11.
  • 9 Sobrado CW, Klajner S, Hora JAB, Mello A, Silva FML da, Frugis MO, et al. Transanal haemorrhoidal dearterialization with mucopexy (THD-M) for treatment of hemorrhoids: is it applicable in all grades? Brazilian multicenter study of 705 patients. Brazilian Arch Dig Surg. 2020;33(2):e1504.
  • 10 Tanus OAV, Santos CHMD, Dourado DM, Conde AL, Giuncanse F, Souza IF, Costa IO, Costa RL. Primary sphincteroplasty comparing two different stitches in anal fistula treatment: experimental study in rats. Arq Bras Cir Dig. 2019 Dec 9;32(3):e1459. doi: 10.1590/0102-672020190001e1459. PMID: 31826086; PMCID: PMC6902890.
    » https://doi.org/10.1590/0102-672020190001e1459
  • Financiamento:
    não há
  • Mensagem central
    Nós propomos variação técnica do procedimento de Desarterialização Hemorroidária Transanal (THD), realizado sem ultrassom Doppler, com suturas apenas nas hemorroidas sintomáticas com prolapso. Esta desarterialização e mucopexia seletivas reduzem as complicações pós-operatórias e os custos relacionados ao procedimento.
  • Perspectivas
    A Desarterialização Hemorroidária Transanal (THD) é procedimento minimamente invasivo indicado para o tratamento da doença hemorroidária. Nós propomos uma variação técnica, com ligaduras arteriais e mucopexias apenas nas hemorroidas sintomáticas com prolapso, sem o uso de ultrassom Doppler. A desarterialização e mucopexias seletivas minimizam as complicações pós-operatórias (dor e tenesmo) e os custos relacionados ao procedimento. Acreditamos que esta padronização cirúrgica representa o próximo passo desse atraente procedimento minimamente invasivo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2020
  • Aceito
    20 Out 2020
location_on
Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - 6° - Salas 10 e 11, 01318-901 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (11) 3288-8174/3289-0741 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaabcd@gmail.com
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro