Open-access Associação da quimioterapia pré-operatória e a prevalência de esteatose hepática em hepatectomias por metástase de câncer colorretal

Resumos

RACIONAL:  Alguns estudos sugerem que a quimioterapia pré-operatória para metástases hepáticas do câncer colorretal pode causar dano celular e aumentar morbidade e mortalidade.

OBJETIVO:  Analisar a prevalência de esteatose hepática em fígados de pacientes expostos à quimioterapia pré-operatória por metástase de câncer colorretal.

MÉTODOS:  O delineamento do estudo foi observacional de coorte retrospectivo, no qual 166 pacientes foram submetidos a 185 hepactectomias por metástase de câncer colorretal, com e sem quimioterapia pré-operatória, no período de 2004 a 2011. Os dados foram extraídos da revisão dos prontuários e da análise do laudo anatomopatológico da parte não tumoral da peça cirúrgica. A amostra foi dividida em grupo exposto e não-exposto à quimioterapia. Os dados foram analisados por programa estatístico Stata 11.2, e aplicado o teste exato de Fischer para análise bivariada, e a regressão de Poisson, para análise multivariada; valores p< 0,05 foram considerados como significativos.

RESULTADOS:  Das hepatectomias, 136 casos (73,5%) receberam quimioterapia pré-operatória, e o regime mais utilizado (62,5%) foi 5-fluorouracila+leucovorin. No grupo exposto, a lesão hepatocelular esteve presente em 62% dos casos e correspondeu a risco de 40% em relação ao grupo não-exposto. O padrão histológico da lesão hepatocelular predominante foi a esteatose, em 51% de casos do grupo exposto. A exposição à quimioterapia aumentou em 2,2 vezes a possibilidade de esteatose. Entretanto, quando foram controlados os fatores de risco, somente a hepatopatia prévia esteve associada à presença de esteatose após quimioterapia com risco relativo de 4 (2,7-5,9).

CONCLUSÕES:  Pacientes expostos à quimioterapia têm risco 2,2 maior de desenvolver esteatose, e sua prevalência está associada à presença de fatores predisponentes, como risco de hepatopatia prévia.

Hepatectomia; Quimioterapia; Lesão hepática induzida por drogas; Neoplasias colorretais


BACKGROUND:  Some studies have suggested that preoperative chemotherapy for hepatic colorectal metastases may cause hepatic injury and increase perioperative morbidity and mortality.

AIM:  To evaluate the prevalence of hepatic steatosis in patients undergoing preoperative chemotherapy for metastatic colorectal cancer.

METHODS:  Observational retrospective cohort study in which 166 patients underwent 185 hepatectomies for metastatic colorectal cancer with or without associated preoperative chemotherapy from 2004 to 2011. The data were obtained from a review of the medical records and an analysis of the anatomopathological report on the non-tumor portion of the surgical specimen. The study sample was divided into two groups: those who were exposed and those who were unexposed to chemotherapy.

RESULTS:  From the hepatectomies, 136 cases (73.5%) underwent preoperative chemotherapy, with most (62.5%) using a regimen of 5-fluorouracil + leucovorin. A 40% greater risk of cell damage was detected in 62% of the exposed group. The predominant histological pattern of the cell damage was steatosis, which was detected in 51% of the exposed cases. Exposure to chemotherapy increased the risk of steatosis by 2.2 fold. However, when the risk factors were controlled, only the presence of risk of hepatopathy was associated with steatosis, with a relative risk of 4 (2.7-5.9).

CONCLUSION:  Patients exposed to chemotherapy have 2.2 times the risk of developing hepatic steatosis, and its occurrence is associated with the presence of predisposing factors such as diabetes mellitus and hepatopathy.

Hepatectomy; Chemotherapy; Drug-induced liver injury; Colorectal cancer


INTRODUÇÃO

As ressecções hepáticas das metástases do câncer colorretal são a única modalidade de tratamento com potencial sobrevida a longo prazo e possibilidade de cura 25.

Até meados dos anos 90, 5-fluorouracila era a única droga disponível para tratamento das metástases hepáticas do câncer colorretal. Com índice de sobrevida abaixo de 20% e sem nenhuma vantagem na sobrevida, era indicada como terapia adjuvante e com recidivas que ocorriam entre 60-70% dos casos 17 , 18.

Posteriormente, surgiram duas potentes drogas citotóxicas: irinotecano e oxaliplatino. A primeira aumentou o índice de resposta para 39%, e a segunda, para 51%, quando comparadas com 5-fluorouracila isoladamente. Também houve melhora de sobrevida livre de doença de cerca de 7-8% em três anos e melhora da sobrevida global, mas com perfis diferentes de citotoxicidade 11 , 20.

Benefícios adicionais ocorreram com advento da terapia molecular de alvo através do emprego de anticorpos monoclonais, como bevacizumabe, cetuximabe e panitumumabe. Desde então, têm sido descritos índices de resposta de 66 a 85%, índice de ressecção de 75%, sobrevida em cinco anos de 34% e tempo de vida média de 42 a 47 meses, semelhantes aos resultados das ressecções primárias 21 , 25.

Entretanto, os estudos têm mostrado a associação entre o emprego de 5-fluorouracila e esteatose, irinotecano e esteato-hepatite e oxaliplatino e dilatação sinusoidal. Os dados sugerem que 5-fluorouracila induz à esteatose, mas não à progressão para esteato-hepatite, ao contrário das duas outras que afetam a progressão, mas não a indução 1 , 22.

A esteatose é o fenótipo mais comum de resposta do parênquima hepático à injúria celular. A consciência do efeito nocivo da esteatose nas ressecções hepáticas resulta das observações sobre sua associação com a disfunção primária de fígados transplantados. Supõe-se que, para cada acréscimo de 1% de infiltração gordurosa, haja decréscimo de 1% na massa hepática funcional 12 , 13 , 24.

Fígados gordurosos mostram maior suscetibilidade às injúrias de reperfusão após exclusões vasculares. Entre estas está a manobra de Pringle, empregada em ressecções hepáticas maiores para controle de sangramento 8 , 24.

O fígado com esteatose é mais macio e friável, dificultando a hemostasia do parênquima e favorecendo o sangramento transoperatório. Sua presença compele ressecções mais limitadas que as previamente planejadas, aumenta o risco de ressecções com margens comprometidas e a recidiva local. Os relatos, ainda, citam regeneração hepática retardada, risco relativo entre 1,24 a 3,84 de complicações pós-operatórias, estada maior na unidade de terapia intensiva e risco relativo de mortalidade 2,79 maior 3 , 8 , 13 , 14 , 24.

Contudo, a associação da hepatotoxicidade induzida por quimioterapia é inferencial e com muitos potenciais fatores de confusão. A literatura tem mostrado resultados conflitantes sobre essa associação e que resultam da heterogeneidade dos estudos 9 , 15 , 26.

Em virtude dessa controvérsia, os autores estudam a prevalência da lesão hepatocelular na parte não-tumoral de segmentos hepáticos ressecados por metástases de câncer colorretal e que tenham sido submetidos, ou não, à quimioterapia com objetivo de avaliar a força de associação entre a exposição à quimioterapia e a prevalência de esteatose em fígados ressecados por metástase de câncer colorretal.

MÉTODO

O delineamento do estudo foi observacional de coorte retrospectiva. Analisou-se o grupo de pacientes consecutivos submetidos à hepactectomia por metástase de câncer colorretal com e sem quimioterapia pré-operatória no período de março de 2004 a março 2011, no Serviço de Cirurgia Oncológica Hepato-Biliar do Hospital Santa Rita, do Complexo Hospitalar da Irmandade Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

A estratégia consistiu na pesquisa digital através dos seguintes termos de busca: "hepatectomia", "ressecção hepática", "lobectomia hepática", "nodulectomia hepática", "segmentectomia hepática", "bissegmentectomia hepática" e "trissegmentectomia hepática", utilizando-se os recursos do Departamento de Tecnologia da Informação da instituição hospitalar.

Uma vez composta a nominata, os respectivos prontuários foram revisados de acordo com os critérios de inclusão e exclusão para compor a amostra do estudo.

Os critérios de inclusão foram: a) pacientes submetidos à hepatectomia por metástase de câncer colorretal; b) exposição ou não à quimioterapia nos 12 meses precedentes com as drogas 5-fluorouracila, irinotecano e oxaliplatino.

Foram excluídos os pacientes: a) com metástase hepática de origem não-colônica; b) submetidos à quimioterapia com esquemas sem drogas hepatotóxicas; c) os pacientes portadores de metástase de origem colônica ou retal não-ressecáveis.

Os dados dos prontuários selecionados foram extraídos por um único investigador, registrados em planilha impressa e, posteriormente, arquivados em planilha eletrônica do Excel (Microsoft Office Home and Student 2010, Microsoft Corporation, Redmond, WA 98052 USA). Cada hepatectomia foi registrada como um novo caso, de modo que um paciente poderia ter mais de uma entrada na planilha. Após concluída a construção do banco de dados, estes foram organizados, classificados, filtrados e checados e, em caso de conflito ou discordância, os respectivos prontuários foram novamente revistos manualmente.

Os dados obtidos foram transformados em variáveis categóricas dicotômicas, ordinais e nominais, e essas duas últimas, para análise de associação, também em dicotômicas. Posteriormente, eles foram analisados pelo programa estatístico STATA 11.2 (Copyright 1985-2009 Stata Corp LP, Texas 77845 USA). As variáveis preditoras e de desfecho foram alocadas numa estrutura hierárquica do modelo teórico, conforme Figura 1.

FIGURA 1
Estrutura hierárquica das variáveis para o modelo teórico da análise multivariada considerando p<0,2

A análise de associação foi obtida pelo Teste exato de Fischer, e a análise multivariada foi realizada pelo teste regressão de Poisson; foram consideradas somente as variáveis com p<0,2 dentro do modelo hierárquico da Figura 1. O teste t de Student foi aplicado para comparar a média das idades. Os resultados com p<0,05 foram considerados significativos.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Irmandade Santa Casa de Porto Alegre, conforme protocolo de n° 3498/11 de 11/03/2011.

As variáveis preditoras referentes ao paciente foram: idade, gênero, obesidade, presença de comorbidades.

Entre as comorbidades, a variável Diabetes incluiu os dois tipos de diabete melito. A variável Cardiopatia correspondeu às várias cardiopatias, como hipertensiva, isquêmica e congestiva, que foram os tipos identificados. A variável Pneumopatia correspondeu aos casos de fumantes regulares, referência a alterações clínicas ou radiológicas ou uso de medicação. As variáveis Nefropatia e Vasculopatia incluíram qualquer referência às doenças associadas. A variável Desnutrição foi extraída da avaliação nutricional no momento da admissão hospitalar para a ressecção hepática. A variável Hepatopatia correspondeu aos pacientes propensos à hepatopatia e incluiu qualquer referência nos prontuários sugestiva de exposição, como consumo regular de álcool, medicações hepatotóxicas (exceto quimioterapia) e hepatite B ou C5.

As variáveis relacionadas à quimioterapia e à hepatotoxicidade foram exposição, protocolo empregado, presença de lesão hepatocular e tipo de lesão. Os dados da variável tipo de lesão foram extraídos do laudo original da descrição histológica da parte não-tumoral do exame anátomo-patológico da peça cirúrgica. Os achados foram categorizados em quatro variáveis nominais: esteatose, vascular, ambas ou normal. Os níveis de gravidade do dano celular não puderam ser quantificados. Como variável Esteatose, foram incluídos os achados de esteatose macro e microvacuolar e mista. Como variável Vascular, foram incluídos os achados de ectasia sinusoidal, congestão e focos de hiperplasia regenerativa descritos no laudo. A variável Ambas correspondia aos achados concomitantes de ambas as categorias acima, e a variável Normal, quando não havia descrição de dano celular ou havia citação de normal ou sem alterações.

Foram considerados fatores de risco para os eventos adversos as seguintes variáveis com seus respectivos pontos de corte: idade igual ou acima de 60 anos, gênero masculino, obesidade e presença de comorbidades.

RESULTADOS

A busca eletrônica identificou 178 pacientes que foram submetidos à hepatectomia por metástase de câncer colorretal. Doze prontuários com dados incompletos foram excluídos, resultando em 166 pacientes submetidos a um total de 185 ressecções hepáticas. Das ressecções hepáticas analisadas, houve missing em três casos da variável obesidade.

A Tabela 1 mostra as características dos pacientes no momento de hepatectomia. A idade média era de 57,6+ 1,1 anos, e 57,3% eram homens. Cerca de 20% dessa amostra apresentava obesidade, e o Índice de Massa Corporal (IMC) médio foi 26 kg/m2. Em três casos não foi possível a identificação do peso e ou altura no prontuário. Não foram identificados dislipidemia, síndrome metabólica e nem consumo de antioxidantes, como alfa-tocoferol.

Tabela 1
Características dos pacientes incluídos no momento da hepatectomia (n=185)

As comorbidades estavam presentes em 35,7%, sendo a cardiopatia a mais prevalente, em 45,9% dos casos. A hepatopatia esteve presente em 21,1%, e o único caso de cirrose foi excluído da amostra por outros dados incompletos, estando entre os 12 prontuários rejeitados.

A quimioterapia pré-operatória foi aplicada em 73,5% dos casos, e o regime mais empregado foi à base de 5-fluorouracila+leucovorina em 62,5%, seguido pelo regime 5-fluorouracila+leucovorina+oxaliplatino em 28,7%.

Pela análise dos prontuários, não foi possível diferenciar a quimioterapia neoadjuvante daquela de conversão ou resgate, como também não foi possível identificar número de ciclos e período de descanso entre a aplicação da quimioterapia e a ressecção cirúrgica.

A lesão hepatocelular foi observada em 57,8% dos casos. Entre aqueles com lesão, 38,3% apresentavam somente esteatose, e 42,9% exibiam somente lesão vascular. No total, com dano celular, 61 casos (57%) mostraram esteatose.

Houve 19 casos de reepatectomias, e em seis, com parênquima normal na 1ª ressecção. Na segunda ressecção, foi verificada esteatose em dois casos, e lesão vascular em quatro. Entre os 61 casos com esteatose, 8,2% apresentaram recidiva e foram submetidos à reepatectomia, enquanto entre os 124 casos que não apresentavam esteatose, 11,3% apresentaram recidiva (p=0,6). A média do IMC dos casos de reepactectomia foi 26,5 e, dos casos sem recidiva, foi 26,8 (p=0,8).

A análise da Tabela 2 mostra a associação das variáveis estudadas e o uso de quimioterapia como fator de risco. O emprego da quimioterapia pré-operatória foi mais frequente nos pacientes com menos de 60 anos. A média etária do grupo exposto foi quatro anos inferior à do grupo não exposto.

Tabela 2
Perfil dos pacientes submetidos, ou não, à quimioterapia pré-operatória no momento da hepatectomia por metástase do câncer colorretal (n=185)

A lesão hepatocelular e a presença de esteatose foram mais prevalentes no grupo exposto cujos riscos relativos foram 1,4 (1-1,9) e 2,2 (1,2-4,2), respectivamente. Não se observou associação do emprego da quimioterapia pré-operatória e as demais variáveis do nível 1.

A Tabela 3 mostra a análise da associação com a presença de esteatose. Observou-se que os pacientes com menos de 60 anos apresentaram maior prevalência de esteatose. Diabetes melito, hepatopatia e exposição à quimioterapia foram fatores de risco para esteatose.

Tabela 3
Análise da associação com esteatose (n=61)

A Tabela 4 mostra a análise de regressão e evidencia que somente a presença de hepatopatia é fator de risco para esteatose, quando as outras duas variáveis foram controladas.

Tabela 4
Análise multivariada dos fatores de risco para esteatose (n= 185)

DISCUSSÃO

Os avanços da quimioterapia pré-operatória têm melhorado significativamente os resultados das ressecções hepáticas 2 , 18.

Vários argumentos fundamentam essa estratégia, como redução do volume das lesões, preservando maior porção de fígado não tumoral e diminuindo a magnitude da ressecção e os índices de margens comprometidas, controle das micrometástases à distância não detectadas pelos métodos de imagem, e a melhora da sobrevida livre de progressão da doença, entre outras 2 , 4 , 9 , 20.

Entretanto, essa abordagem pode se acompanhar de hepatotoxicidade associada à quimioterapia, criando um paradoxo clínico: por um lado, transforma um paciente irressecável em ressecável e, por outro, pode determinar nível de severidade do dano celular que impede a própria ressecção. Contrabalançar as estratégias agressivas de ressecção com as agressivas de quimioterapia são dilemas da equipe multidisciplinar1.

A hepatotoxicidade associada à quimioterapia apresenta dois padrões histológicos distintos: a doença hepática gordurosa não-alcoólica, com seu espectro esteatose e esteato-hepatite, e a lesão vascular 24.

Neste estudo, a prevalência da lesão hepatocelular foi de 62% no grupo exposto à quimioterapia, contra 44% no grupo não-exposto, corroborando os dados de Pessaux e col. 23.

A prevalência média de esteatose hepática na população geral é de 20%, variando entre 6,3 a 33%, conforme o método de avaliação e a região estudada. É a resposta mais comum do fígado à injúria celular, e estima-se que está presente em mais de 20% dos paciente candidatos à ressecção hepática6 , 24. No contexto da quimioterapia pré-operatória, esta pesquisa mostrou prevalência de esteatose de 51% no grupo exposto e 23% no grupo não exposto, indo ao encontro da revisão de Pilgrim e col. 24 que referem risco, pelo menos, duas vezes maior de esteatose no grupo exposto em relação ao não-exposto.

Os fatores de risco independentes de esteatose na população geral são a obesidade, diabetes melito tipo 2, dislipidemia, idade e gênero masculino6. Neste estudo, na análise bivariada, somente a exposição à quimioterapia, diabetes melito e a presença de hepatopatia foram os fatores de risco para esteatose. Os pacientes com idade de 60 anos ou mais apresentaram menor prevalência de esteatose. A maior exposição do grupo com menos de 60 anos à quimioterapia talvez pudesse explicar essa discordância. Pawlik e col. 22, Spelt e col. 27 e Cook e col. 10 também mostraram, nos seus relatos, o maior emprego de quimioterapia em pacientes mais jovens. Em pacientes expostos à quimioterapia, Wolf e col. 29 relataram 12% de diabetes melito e 48% de cardiopatia, semelhantes aos dados deste trabalho com percentuais de 14,6% e 45,9%, respectivamente. A prevalência de hepatopatia prévia, no presente estudo, foi de 21,1%, semelhante aos dados de Brouquet e col 5 que relataram, em 2009, índice de 28,7%; não se identificou nenhum caso de dislipidemia.

A exposição à quimioterapia pré-operatória ocorreu em 73,5% dos casos e vai ao encontro da tendência atual de manejo das metástases hepáticas do câncer colorretal. Viganò e col. 28, em 2012, ao analisarem sua série de 376 pacientes, agruparam-na em três períodos: de 1985 a 1994; de 1995 a 2000, e de 2001 a 2005. A quimioterapia pré-operatória não foi oferecida no 1º grupo e foi indicada em 19,1% do segundo grupo e, em 43,8%, do último. Na casuística de Wolf e col. 29, o percentual foi de 65% tratados, e na de Pawlik e col.22, de 72,2%, similares a este estudo.

A associação do emprego de 5-fluorouracila+leucovorina com a esteatose e de oxaliplatino e lesão vascular tem sido relatada por alguns autores1 , 9. Os regimes mais empregados nesta pesquisa foram: 5-fluorouracila+leucovorina em 62,5% dos casos e 5-fluorouracila+leucovorina+oxaliplatino em 28,7% dos casos. Chan e col. 7 mostraram o emprego de 5-fluorouracila+leucovorina em 54% dos casos antes de 2003, e o regime 5-fluorouracila+leucovorina+oxaliplatino em 23,8% dos casos após 2003. Na casuística de Spelt e col.27, a oxaliplatino foi empregada em 73,7%, seguindo a tendência atual para os tratamentos de 1ª linha em casos avançados.

O desenho aqui adotado não diferenciou o grupo exposto à quimioterapia pré-operatória daquele exposto aos regimes de adjuvância à ressecção do tumor colorretal primário. Estes, quando em estágios II e III, têm indicação de regimes à base de 5-fluorouracila+leucovorina por seis meses19, explicando a predominância desse protocolo e da esteatose como padrão histológico da injúria.

Identificaram-se neste estudo 19 casos de reepactectomia. Neste subgrupo, constatou-se que 1/3 apresentava histologia normal na 1ª ressecção e dano celular na segunda. Em dois casos surgiram esteatose e, em quatro lesões vasculares, possivelmente porque houve a adição de oxaliplatino 19.

Nessa casuística, a presença de esteatose não aumentou o risco de recidiva local, contrariando os dados de Hamady e col.14 ao relatarem que a esteatose é fator de risco independente de recidiva local após ressecções de metástases hepáticas do câncer colorretal.

A prevalência da injúria hepática foi 40% maior no grupo exposto, e o padrão histológico predominante foi esteatose com índice de 51%, correspondendo a um risco 2,2 maior em relação ao grupo não-exposto.

Esses achados coincidem com os relatos de Kooby e col. 16 que publicaram sua série com 485 pacientes submetidos a um regime de quimioterapia similar e risco relativo de 1,7 (p<0,01). Pawlik e col. 22, em 2007, mostraram sua casuística com delineamento de pesquisa semelhante a esta série e razão de chances de 5 (I.C.95%=1,5-23,8) de esteatose no grupo exposto. Concluíram que a quimioterapia pré-operatória seria fator preditivo independente de esteatose.

Em contrapartida, Robinson e col. 26, em 2012, publicaram uma metanálise e revisão sistemática com 13 estudos e não encontraram associação entre a presença de esteatose e o emprego de quimioterapia pré-operatória. Os autores, entretanto, verificaram marcada heterogeneidade nos estudos (de I2=19% a I2=74%), e discrepância na avaliação dos patologistas.

O delineamento aqui adotado não permitiu diferenciar os casos de esteatose daqueles de esteato-hepatite. Como o emprego de irinotecano ocorreu apenas em 3,7% dos casos, supõe-se que essa limitação não tenha comprometido os resultados e as conclusões.

O segundo padrão de hepatotoxicidade associado à quimioterapia são as lesões vasculares, que, na presente casuística, também foram mais prevalentes no grupo exposto, porém não foi possível estabelecer uma associação significativa com o emprego de oxaliplatino.

Robinson e col 26 mostraram risco de 4,36 (I.C.95%=1,36-13,97, p<0,01 e I2=77%) de lesões vasculares no grupo exposto a regimes à base de oxiliplatino. Os autores, entretanto, constataram forte heterogeneidade em decorrência da variabilidade dos protocolos.

Wolf e col. 29 relataram que o dano celular só seria significativamente maior no grupo exposto, quando outros fatores de risco para esteatose estivessem presentes, como sobrepeso ou diabetes melito, corroborando com os dados do presente estudo, em que a associação entre a exposição à quimioterapia e esteatose desapareceu quando as variáveis diabetes melito e, especialmente, hepatopatia prévia foram controladas.

Essa constatação fundamenta a hipótese de que o dano celular ocorre a partir de mecanismo estagiado em dois insultos moleculares consecutivos. O primeiro, seria a presença de um dos fatores de risco como obesidade, diabetes melito ou hepatopatia prévia que determinaria excesso de ácidos graxos no hepatócito e aumento de espécies reativas de oxigênio. O estresse oxidativo comprometeria a ação da mitocôndria e susceptibilizaria a célula hepática à segunda fase da injúria (segundo insulto), que seria a exposição à citotoxicidade dos quimioterápicos, com produção adicional de radicais livres 9.

Assim, poder-se-ia concluir, através da rede de causalidade, que a ação da quimioterapia pré-operatória seria a causa necessária para desenvolver o dano celular, mas não é a causa suficiente, que seriam as alterações histológicas prévias assentadas no parênquima decorrentes da primeira fase do insulto 24 , 29.

Este estudo apresentou algumas limitações que são próprias do delineamento retrospectivo. Entre elas, a falta de controle sobre a natureza e a qualidade das variáveis. A extração dos dados a partir dos laudos da patologia não seguiu protocolo de pesquisa específica.

Da mesma forma, dados referentes ao regime de quimioterapia, doses, número de ciclos, tempo de exposição e tempo de repouso, uma vez estratificados, poderiam auxiliar a interpretação do efeito da quimioterapia pré-operatória sobre o parênquima hepático, mas não foi possível extraí-los. Entretanto, apesar das dificuldades e limitações na coleta de dados, os resultados deste estudo foram muito semelhantes à literatura com o mesmo delineamento 22.

CONCLUSÃO

O real efeito da quimioterapia pré-operatória à base de drogas citotóxicas sobre o fígado é polêmico e inferencial, e os relatos, como neste trabalho, em geral mostram forças de associação fracas e de pouca consistência. Neste estudo, a lesão hepatocelular associada à quimioterapia pré-operatória só ocorreu quando o parênquima hepático já está exposto ao primeiro insulto. Reconhecer a força de efeitos e a interação de causas permitirá melhor conhecimento do impacto da quimioterapia pré-operatória nos padrões de hepatotoxicidade e a melhor orientação da estratégia terapêutica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2013
  • Aceito
    11 Mar 2014
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