INTRODUÇÃO
Carcinomas verrucosos são um tipo muito raro de carcinoma escamoso, de crescimento lento e encontrados na orofaringe, laringe, pênis, escroto, vulva, vagina, colo do útero, endométrio, bexiga, região anorretal e planta do pé. Acredita-se que estejam relacionados à irritação ou inflamação crônicas da mucosa, podendo ser relacionado a tabagismo, etilismo, acalásia, esofagite, ingestão de soda cáustica ou divertículo de esôfago.
A principal forma de apresentação é disfagia, associada à grande perda de peso. Os pacientes geralmente são admitidos em estado de desnutrição avançada, especialmente devido ao retardo no diagnóstico, levando a alto risco cirúrgico e mortalidade11. Agha FP, Weatherbee L, Sams JS. Verrucous carcinoma of the esophagus. Am J Gastroenterol. 1984;79(11):844-9.,22. Ahmed K, Timmerman G, Meyer R, Miller T, Mazurczak M, Tams K, et al. Verrucous carcinoma of the esophagus: a potential diagnostic dilemma. Case reports in gastroenterology. 2013;7(3):498-502.,44. Chu Q, Jaganmohan S, Kelly B, Hobley J. Verrucous carcinoma of the esophagus: a rare variant of squamous cell carcinoma for which a preoperative diagnosis can be a difficult one to make. The Journal of the Louisiana State Medical Society : official organ of the Louisiana State Medical Society. 2011;163(5):251-3.,55. Devlin S, Falck V, Urbanski SJ, Mitchell P, Romagnuolo J. Verrucous carcinoma of the esophagus eluding multiple sets of endoscopic biopsies and endoscopic ultrasound: a case report and review of the literature. Canadian journal of gastroenterology = Journal canadien de gastroenterologie. 2004;18(7):459-62.,66. Lagos AC, Marques IN, Reis JD, Neves BC. Verrucous carcinoma of the esophagus. Rev Esp Enferm Dig. 2012;104(8):443-5.,77. Macias-Garcia F, Martinez-Lesquereux L, Fernandez B, Parada P, Larino-Noia J, Sobrino-Faya M, et al. Verrucous carcinoma of the esophagus: a complex diagnosis. Endoscopy. 2010;42 Suppl 2:E137-8.,88. Minielly JA, Harrison EG, Jr., Fontana RS, Payne WS. Verrucous squamous cell carcinoma of the esophagus. Cancer. 1967;20(12):2078-87.,99. Ramani C, Shah N, Nathan RS. Verrucous carcinoma of the esophagus: A case report and literature review. World journal of clinical cases. 2014;2(7):284-8.,1010. Sweetser S, Jacobs NL, Wong Kee Song LM. Endoscopic diagnosis and treatment of esophageal verrucous squamous cell cancer. Dis Esophagus. 2014;27(5):452-6.,
RELATO DO CASO
Homem com 64 anos, tabagista por 44 anos, tendo parado há 16 anos. Iniciou quadro de disfagia, rapidamente progressiva de sólidos para líquido em quatro meses, associado com perda ponderal de 18 kg no período.
Inicialmente internado para investigação em outro serviço onde foi submetido à endoscopia digestiva alta que demonstrou placas esbranquiçadas em todo o esôfago e biópsias evidenciando monilíase. Foi tratado com antifúngicos endovenosos e permaneceu internado por 28 dias, mas não houve melhora da disfagia, ao contrário, ela progrediu até incapacidade de deglutir saliva. Uma nova endoscopia mostrou massa vegetante, em todo o esôfago e não foi possível passar o aparelho até o estômago. Neste momento foi passada sonda nasoenteral para alimentação. Novamente foram colhidas biópsias e o resultado não mostrou neoplasia.
Quando visto em nossa instituição, o paciente apresentava-se bastante emagrecido e foi realizada outra endoscopia que mostrou acometimento da mucosa logo abaixo do cricofaríngeo por lesões de aspecto papilomatoso, esbranquiçadas que, a partir do terço médio, aumentavam de tamanho tornando-se boceladas, friáveis e com aspecto verrucoso, estreitando a luz esofágica, impedindo a passagem do aparelho (Figura 1). Novas biópsias revelaram neoplasia esofágica constituída por epitélio escamoso papilomatóico, compatível com papiloma escamoso do esôfago, sem atipias.
- Aspecto endoscópico: a) esôfago proximal; b) esôfago médio; c) esôfago distal; e d) preservando o epitélio gástrico na cárdia
Foi realizada tomografia de tórax, evidenciando grande lesão esofágica com 15 cm de extensão, a partir do segmento médio, obstruindo completamente a luz esofágica. Paredes esofágicas espessadas também em segmento superior, mas com luz esofágica preservada.
Como as sucessivas biópsias não apontaram neoplasia, foi realizada discussão com equipe de patologia, apresentando os achados da endoscopia e tomografia. Devido ao alto índice de suspeição, o patologista aventou a hipótese de carcinoma verrucoso do esôfago no seu laudo e foi indicada a esofagectomia.
Iniciou-se o procedimento por videotoracoscopia, mas depois de longa e trabalhosa dissecação, não havia segurança em encontrar o plano entre a massa neoplásica e o átrio esquerdo e veias pulmonares.
Procedeu-se, então, a toracotomia com completa mobilização do esôfago e linfadenectomia. O paciente foi, então, colocado em decúbito dorsal e a operação foi completada por laparoscopia e cervicotomia, para reconstrução com tubo gástrico isoperistáltico de grande curvatura. A peça foi retirada, protegida, pelo abdome. Como pode ser visto na Figura 3, a margem de secção esofágica estava macroscopicamente acometida pela neoplasia, e mesmo ampliando a margem, ela persistia macroscopicamente acometida.
Como o paciente recusava faringolaringectomia, foi realizada anastomose manual 1-2 cm abaixo do cricofaríngeo com intenção de realizar ablação da mucosa residual posteriormente. O pós-operatório transcorreu sem anormalidades, sem fístula da anastomose cervical ou complicações pulmonares.
O laudo anatomopatológico evidenciou carcinoma de células escamosas (epidermóide), do tipo verrucoso, bem diferenciado, infiltrando até adventícia do esôfago, com 16 cm de extensão. Não havia invasão do epitélio gástrico na cárdia. A margem proximal apresentava o mesmo padrão celular de neoplasia papilar, mas restrita a mucosa. Não foi detectada invasão angiolinfática e perineural, lesão pT3pN0.
No seguimento pós-operatório foram realizadas duas sessões de ablação endoscópica com plasma de argônio, com bom resultado no momento da ablação, mas recidiva dos papilomas nos exames de controle.
Depois destas tentativas o paciente foi enviado à radioterapia adjuvante e avaliação endoscópica; após término da radioterapia evidenciou-se completo desaparecimento dos papilomas cervicais.
O paciente encontrava-se bem, sem sinais de doença em acompanhamento de 12 meses.
DISCUSSÃO
Carcinoma verrucoso é um tipo muito raro de carcinoma escamoso. Foi primeiramente descrito por Minilley et al. em 196711. Agha FP, Weatherbee L, Sams JS. Verrucous carcinoma of the esophagus. Am J Gastroenterol. 1984;79(11):844-9.. De etiologia desconhecida, pode ser relacionado ao tabagismo, etilismo, acalásia, esofagite, ingestão de soda cáustica ou divertículo de esôfago22. Ahmed K, Timmerman G, Meyer R, Miller T, Mazurczak M, Tams K, et al. Verrucous carcinoma of the esophagus: a potential diagnostic dilemma. Case reports in gastroenterology. 2013;7(3):498-502.,33. Behrens A. Endoscopic Imaging of Esophageal Verrucous Carcinoma. Video Journal and Encyclopedia of GI Endoscopy. 2013;1(1):33-4.,44. Chu Q, Jaganmohan S, Kelly B, Hobley J. Verrucous carcinoma of the esophagus: a rare variant of squamous cell carcinoma for which a preoperative diagnosis can be a difficult one to make. The Journal of the Louisiana State Medical Society : official organ of the Louisiana State Medical Society. 2011;163(5):251-3.,66. Lagos AC, Marques IN, Reis JD, Neves BC. Verrucous carcinoma of the esophagus. Rev Esp Enferm Dig. 2012;104(8):443-5.,77. Macias-Garcia F, Martinez-Lesquereux L, Fernandez B, Parada P, Larino-Noia J, Sobrino-Faya M, et al. Verrucous carcinoma of the esophagus: a complex diagnosis. Endoscopy. 2010;42 Suppl 2:E137-8.,99. Ramani C, Shah N, Nathan RS. Verrucous carcinoma of the esophagus: A case report and literature review. World journal of clinical cases. 2014;2(7):284-8..
Existem menos de 30 casos relatados em literatura e há forte ligação com o tabagismo e etilismo. O HPV também pode ter influência no desenvolvimento e progressão da neoplasia22. Ahmed K, Timmerman G, Meyer R, Miller T, Mazurczak M, Tams K, et al. Verrucous carcinoma of the esophagus: a potential diagnostic dilemma. Case reports in gastroenterology. 2013;7(3):498-502.,99. Ramani C, Shah N, Nathan RS. Verrucous carcinoma of the esophagus: A case report and literature review. World journal of clinical cases. 2014;2(7):284-8.,1010. Sweetser S, Jacobs NL, Wong Kee Song LM. Endoscopic diagnosis and treatment of esophageal verrucous squamous cell cancer. Dis Esophagus. 2014;27(5):452-6.. Este paciente havia sido tabagista por 44 anos, mas apesar das lesões papilomatosas, não foi evidenciado HPV.
A principal forma de apresentação é disfagia, associada a grande perda de peso33. Behrens A. Endoscopic Imaging of Esophageal Verrucous Carcinoma. Video Journal and Encyclopedia of GI Endoscopy. 2013;1(1):33-4.. Os pacientes geralmente são admitidos em estado de desnutrição avançada, especialmente devido ao retardo no diagnóstico, levando ao alto risco cirúrgico e mortalidade99. Ramani C, Shah N, Nathan RS. Verrucous carcinoma of the esophagus: A case report and literature review. World journal of clinical cases. 2014;2(7):284-8.. Endoscopicamente o aspecto é característico, com grandes massas exofíticas, não ulceradas, de aspecto verrucoso, multilobuladas. Neste paciente a lesão acometia todo o esôfago e respeitava, precisamente, o epitélio da cárdia.
Estudo recente com 11 casos de uma única instituição no período de 15 anos reúne as principais características deste tipo de carcinoma. Frequentemente (73%) havia infecção associada por Candida sp, o pode retardar o diagnóstico final. Em cinco dos 11 pacientes havia acometimento de toda a extensão do esôfago1010. Sweetser S, Jacobs NL, Wong Kee Song LM. Endoscopic diagnosis and treatment of esophageal verrucous squamous cell cancer. Dis Esophagus. 2014;27(5):452-6.. Apenas 6 casos foram tratados com cirurgia.
O diagnóstico conclusivo no pré-operatório de carcinoma verrucoso é difícil de ser feito. Biópsias superficiais da lesão mostram apenas acantose inespecífica, paraqueratose ou hiperqueratose, associados a inflamação aguda ou crônica. O diagnóstico deve ser feito baseado nas características avaliadas em conjunto. Aspecto endoscópico e de imagem, que pode ser tomografia ou ultrassonografia endoscópica, revelam o acometimento transmural da lesão. Ultrassonografia endoscópica pode dirigir biópsias mais profundas por punção aspirativa. Outro método que pode fornecer maior quantidade de tecido para avaliação histológica é a ressecção endoscópica da mucosa.
No presente caso o diagnóstico e a conduta foram desafiadores, uma vez que as biópsias endoscópicas, muito superficiais, não evidenciavam o diagnóstico que se concluiu somente com a peça anatômica. A esofagectomia pode ser curativa, entretanto tem alta morbimortalidade e no presente caso a natureza infiltrativa e endurecida da lesão tornou a ressecção cirúrgica muito difícil.
Uma peculiaridade deste caso, ainda não relatada na literatura, foi a resposta à terapia adjuvante, com desaparecimento das lesões na mucosa esofágica residual, o que pode servir de base para terapia neoadjuvante, afim de permitir ressecções mais conservadoras quando há acometimento do esôfago todo. Já existe relato na literatura de tratamento neoadjuvante, com boa resposta88. Minielly JA, Harrison EG, Jr., Fontana RS, Payne WS. Verrucous squamous cell carcinoma of the esophagus. Cancer. 1967;20(12):2078-87., mas não há consenso na literatura a este respeito.
REFERENCES
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1Agha FP, Weatherbee L, Sams JS. Verrucous carcinoma of the esophagus. Am J Gastroenterol. 1984;79(11):844-9.
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2Ahmed K, Timmerman G, Meyer R, Miller T, Mazurczak M, Tams K, et al. Verrucous carcinoma of the esophagus: a potential diagnostic dilemma. Case reports in gastroenterology. 2013;7(3):498-502.
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3Behrens A. Endoscopic Imaging of Esophageal Verrucous Carcinoma. Video Journal and Encyclopedia of GI Endoscopy. 2013;1(1):33-4.
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4Chu Q, Jaganmohan S, Kelly B, Hobley J. Verrucous carcinoma of the esophagus: a rare variant of squamous cell carcinoma for which a preoperative diagnosis can be a difficult one to make. The Journal of the Louisiana State Medical Society : official organ of the Louisiana State Medical Society. 2011;163(5):251-3.
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5Devlin S, Falck V, Urbanski SJ, Mitchell P, Romagnuolo J. Verrucous carcinoma of the esophagus eluding multiple sets of endoscopic biopsies and endoscopic ultrasound: a case report and review of the literature. Canadian journal of gastroenterology = Journal canadien de gastroenterologie. 2004;18(7):459-62.
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6Lagos AC, Marques IN, Reis JD, Neves BC. Verrucous carcinoma of the esophagus. Rev Esp Enferm Dig. 2012;104(8):443-5.
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7Macias-Garcia F, Martinez-Lesquereux L, Fernandez B, Parada P, Larino-Noia J, Sobrino-Faya M, et al. Verrucous carcinoma of the esophagus: a complex diagnosis. Endoscopy. 2010;42 Suppl 2:E137-8.
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8Minielly JA, Harrison EG, Jr., Fontana RS, Payne WS. Verrucous squamous cell carcinoma of the esophagus. Cancer. 1967;20(12):2078-87.
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9Ramani C, Shah N, Nathan RS. Verrucous carcinoma of the esophagus: A case report and literature review. World journal of clinical cases. 2014;2(7):284-8.
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10Sweetser S, Jacobs NL, Wong Kee Song LM. Endoscopic diagnosis and treatment of esophageal verrucous squamous cell cancer. Dis Esophagus. 2014;27(5):452-6.
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11Tonna J, Palefsky JM, Rabban J, Campos GM, Theodore P, Ladabaum U. Esophageal verrucous carcinoma arising from hyperkeratotic plaques associated with human papilloma virus type 51. Dis Esophagus. 2010;23(5):E17-20.
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Fonte de financiamento: não há
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Nov-Dec 2015
Histórico
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Recebido
30 Nov 2014 -
Aceito
22 Maio 2015