Open-access Acne fulminans e isotretinoína: relato de caso

Resumos

A acne fulminans é afecção rara e a forma mais grave de todo o espectro clínico da acne. Caracterizase pelo aparecimento súbito de nódulos inflamatórios dolorosos que ulceram, concomitantemente, a manifestações sistêmicas. Pode ser induzida pela isotretinoína e alguns autores acreditam que a ocorrência do quadro seja dose dependente. O tratamento é controverso, não havendo padronização até o momento. Apresenta-se caso desta rara doença, desenvolvida durante o uso de isotretinoína em baixas doses.

Acne vulgar; Retinóides; Terapêutica


Acne fulminans (AF) is a rare disorder, the most severe form of the entire clinical spectrum of acne. It is characterized by emergence of painful inflammatory nodules that turn into ulcers, concomitant with systemic manifestations. It can be induced by isotretinoin and some authors believe that the occurrence of this condition is dose dependent. The treatment is controversial and there is no consensus up to this time. A case of this rare disease, developed during use of isotretinoin in low doses, is presented.

Acne vulgaris; Retinoids; Therapeutics


CASO CLÍNICO

Acne fulminans e isotretinoína - relato de caso*

Mayra Falcao PereiraI; Eduardo Mendes RoncadaI; Cláudia Macedo de OliveiraI; Rodrigo MonteiroI; Marilda Aparecida Milanez Morgado de AbreuII; Luciena Cegato OrtigosaIII

IPós-graduando (a) - médico (a) residente do Serviço de Dermatologia de Presidente Prudente (HRPP) - São Paulo (SP), Brasil

IIDoutoranda - Coordenadora do Serviço de Dermatologia de Presidente Prudente (HRPP) - São Paulo (SP), Brasil

IIIDoutoranda - Professora do Serviço de Dermatologia de Presidente Prudente (HRPP) - São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Endereço para Correspondência: Mayra Falcão Pereira Rua Nazaré, 690, Jardim Satélite CEP: 12230-670 São José dos Campos - SP Tel: 12 81706751 E-mail: mayrafalcao@hotmail.com

RESUMO

A acne fulminans é afecção rara e a forma mais grave de todo o espectro clínico da acne. Caracterizase pelo aparecimento súbito de nódulos inflamatórios dolorosos que ulceram, concomitantemente, a manifestações sistêmicas. Pode ser induzida pela isotretinoína e alguns autores acreditam que a ocorrência do quadro seja dose dependente. O tratamento é controverso, não havendo padronização até o momento. Apresenta-se caso desta rara doença, desenvolvida durante o uso de isotretinoína em baixas doses.

Palavras-chave: Acne vulgar; Retinóides; Terapêutica

INTRODUÇÃO

Descrita pela primeira vez, em 1959, por Burns & Colville, a acne fulminans (AF) é uma afecção rara e a forma mais grave de acne cística.1-4 Acomete, principalmente, adultos jovens, do sexo masculino, entre 13 a 22 anos, com história prévia de acne vulgar.3 Estimase que ocorre em menos de 1% da totalidade dos casos de acne.5 Caracteriza-se por aparecimento de nódulos inflamatórios dolorosos, nas áreas habituais de acometimento da acne, nas quais ulceram e se recobrem por crostas hemorrágicas.3 Concomitantemente, as manifestações sistêmicas, tais como: febre, artralgia, mialgia, astenia, emagrecimento e, eventualmente, eritema nodoso, artrite, miosite e alterações ósseas podem ser vistas. Laboratorialmente, pode existir anemia, leucocitose com neutrofilia, aumento da velocidade de hemossedimentação e hematúria microscópica.3,4 O tratamento é controverso, não havendo padronização até o momento. Dependendo da gravidade do quadro, pode-se utilizar glicocorticoides tópicos, intralesionais ou orais e isotretinoína oral.3,6 Os antibióticos não alteram a evolução da doença e não previnem novas crises.3 Apresenta-se um caso desta doença rara, desenvolvida após oito semanas do início do uso de isotretinoína 0,3 mg/kg/dia e com 12 semanas de evolução dos sintomas.

RELATO DO CASO

Paciente, do sexo masculino, 15 anos, 73 kg (peso inicial), estudante, natural e procedente de Presidente Prudente - SP, apresentava acne vulgar desde os 11 anos de idade, tendo realizado vários tratamentos tópicos e sistêmicos que foram pouco efetivos, e iniciado o tratamento com isotretinoína oral (Roacutam®), 20 mg/dia, há cinco meses em outro serviço. Referia que, após o 2º mês de tratamento, surgiram as lesões inflamadas e dolorosas no tórax e no dorso. Não havia antecedentes familiares de acne grave e nem do uso de isotretinoína por outras pessoas da família. No exame dermatológico de entrada, apresentava numerosos nódulos eritematosos de 0,5 a 2 cm de diâmetro, dolorosos à palpação, drenando secreção pio-sanguinolenta e exulcerações recobertas por crostas, na porção superior do dorso e do tórax (Figura 1). Apresentava, ainda, emagrecimento, com perda de 10 kg, em cinco meses, artralgia e linfonodomegalia na cadeia cervical e na axilar. Os exames laboratoriais realizados durante a internação mostraram leucocitose, aumento da velocidade de hemossedimentação, hematúria microscópica importante, proteinúria e crescimento de S. aureus e S. pyogenes, na cultura da secreção, colhida do dorso. O tratamento foi feito com oxacilina 2g/dia, prednisona 30mg/dia, mantendo-se a isotretinoína oral na mesma dose de 20 mg/dia. O paciente evoluiu com diminuição das lesões cutâneas, sobre as quais se formou o tecido de granulação recoberto por crostas hemorrágicas, sem a formação de abscessos. Houve melhora, também, dos sinais e sintomas sistêmicos. No tecido de granulação, foi aplicado o ácido tricloroacético a 50%, com resultado satisfatório (Figura 2). O paciente, desde o primeiro atendimento até o presente, mostrou equilíbrio psíquicoemocional e colaborou no tratamento. Está programada a correção das cicatrizes, após completar um ano do término do tratamento com a isotretinoína.



DISCUSSÃO

A AF permanece com sua etiopatogênese obscura, com prováveis mecanismos inflamatórios e imunológicos, envolvidos no desencadeamento do quadro.5,6 Estes são revelados por hipergamaglobulinemia, depleção do sistema complemento e presença de complexos imunecirculantes. Reações de hipersensibilidade celular retardada ao Propionibacterium acnes estão aumentadas durante o curso da acne inflamatória grave e podem também estar envolvidas na sua patogênese. Os altos níveis de testosterona durante a puberdade podem ser uma importante causa da doença e explica porque esta acomete, quase exclusivamente, os adolescentes do sexo masculino, como no caso relatado.6,7

AF também pode ser induzida pela isotretinoína.5 As doses e os intervalos entre a medicação e as manifestações agudas variam, mas, geralmente, as lesões surgem entre a quarta e a oitava semana do início do tratamento, o que está de acordo com o presente caso, onde se iniciaram, na oitava semana.6,8

AF, associada ao uso de isotretinoína, deve ser diferenciada da acne tétrade e da pseudoacne fulminans.1,3,6 A acne tétrade ou tétrade de oclusão folicular é constituída pela acne conglobata, hidroadenite supurativa, cisto pilonidal e foliculite abscedante.9 Na pseudoacne fulminans, ocorrem as ulcerações tegumentares, com crostas hemorrágicas, em áreas seborreicas, sem acometimento sistêmico, e se deve à capacidade da droga em determinar alterações nos desmossomos, no colágeno e na proliferação vascular.3 No entanto, esta última, é um efeito adverso raro do tratamento com a isotretinoína, não havendo muitos relatos sobre o assunto, precisando ser mais bem elucidado.6

Alguns autores acreditam que a ocorrência das lesões seja dose-dependente, outros, não.10,11,12 Embora não haja um consenso, foi evidenciado que os relatos existentes, na literatura, de pacientes que desenvolveram AF no curso de isotretinoína via oral, estavam usando doses plenas e até altas (maiores que 1mg/kg/dia), enquanto que, no presente caso, apesar do uso pelo paciente de uma subdose, ainda assim, este desenvolveu o quadro.8

As hemoculturas dos doentes com AF, geralmente, não evidenciam crescimento bacteriano, afastando, assim, a possibilidade de se tratar de um quadro séptico.3 Nas culturas de pele, predomina o isolamento de Staphylococcus epidermidis e de Propionibacterium acnes, e, mais raramente, de Pseudomonas, Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes; tendo sido os dois últimos, os agentes isolados, neste paciente. No entanto, a relação direta com a erupção cutânea parece pouco provável.5

O tratamento da acne fulminans é, até hoje, um desafio, pois é desconhecida uma droga eficaz no controle e na prevenção das crises. Atualmente, os medicamentos utilizados só atuam sob o uso prolongado, desencadeando inúmeros efeitos colaterais.3 Os antibióticos orais produzem resposta discreta no quadro cutâneo e nos sintomas sistêmicos.13 As terapêuticas disponíveis são: os glicocorticoides, a isotretinoína e o levamisol.1,3

Os glicocorticoides sistêmicos melhoram, rapidamente, as lesões da pele e os sintomas sistêmicos, embora tendam a recidivar quando sua dosagem é diminuída. Devem, portanto, ser mantidos numa dose mais elevada por período variável, de dois a quatro meses e, em seguida, lentamente reduzidos.6 Já foi observada que a associação com Dapsona permite um melhor controle das recidivas do quadro.3 Outra medicação, que vem sendo muito estudada no manuseio da AF, é a isotretinoína, mas, provavelmente, não é o tratamento de escolha e deve ser iniciada após o uso do corticoide.5 Ela age como potente anti-inflamatório em adição a sua conhecida função sebostática e efeito no padrão de queratinização folicular.6 Entretanto, o tratamento com a isotretinoína oral pode induzir a múltiplas lesões hiperproliferativas, com tecido de granulação semelhante à granuloma piogênico.5,8 Na presença desse tipo de lesões, aconselham-se a redução da dose de isotretinoína, as infiltrações intralesionais de corticosteroides, cauterização com ácido tricloroacético (ATA) ou mesmo laser.5 Neste caso, a combinação de glicocorticoide e Isotretinoína, por via oral, e a aplicação tópica de ATA 50% foi benéfica, com melhora rápida e acentuada do quadro clínico geral e cutâneo, sem recidivas, num período de oito meses, e sem formação de hipergranulações, o que corrobora a experiência de alguns autores os quais afirmam que a terapêutica mais eficaz é a associação de corticoides com isotretinoína oral.5

Embora o prognóstico após o tratamento seja satisfatório, as lesões cutâneas, geralmente, deixam cicatrizes e milia.6 Por ser doença de início e evolução rápidos, deve-se enfatizar a importância do diagnóstico e tratamento precoces, o que pode diminuir sua morbidade significativamente.

Recebido em 19.06.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 05.08.2010.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

Referências bibliográficas

  • 1. Hartmann RR, Plewig G. Acne fulminans: Tratamento de 11 pacientes com o ácido 13-cis-retinóico. An Bras Dermatol. 1983;58:3-10.
  • 2. Jansen T, Grabbe S, Plewig G. Clinical variants of acne. Hautarzt. 2005;56:1018-26.
  • 3. Neves CRS, Lacet IG, Santos JB, Cunha MMS, Silva VB. Acne fulminans: relato de um caso. An Bras Dermatol. 1990;66:15-7.
  • 4. Sampaio SAP, Rivitti EA. Foliculoses. In: Sampaio SAP, Rivitti EA. Dermatologia. São Paulo: Artes Médicas; 2008. p. 383-92.
  • 5. Romiti R, Jansen T, Plewig G. Acne fulminans. An Bras Dermatol. 2000;75:611-7.
  • 6. Sousa AES, Lócio LMVM, Palma SLL, França ER, Azevedo CMC, Cavalcanti SMM. Acne fulminans: relato de dois casos clínicos. An Bras Dermatol. 2001;76:291-5.
  • 7. Traupe H, Von Muhlendhal KE, Bramswig J, Happle R. Acne of the fulminans type following testosterone therapy in three excessively tall boys. Arch Dermatol. 1988;124:414-7.
  • 8. Azulay DR, Abulafia LA, Costa JAN, Sodre CT. Tecido de granulação exuberante. Efeito colateral da terapêutica com isotretinoína. An Bras Dermatol. 1985;60:179-82.
  • 9. Obadia DL, Daxbacher ELR, Jeunon T, Gripp AC. Hidroadenite supurativa tratada com infliximabe. An Bras Dermatol. 2009;84:695-7.
  • 10. Spear KL, Muller SA. Nonhealing erosions with granulation tissue in the treatment of acne lesions during isotretinoin therapy. Arch Dermatol. 1984;120:1142.
  • 11. Orfanos CE, Falco OB, Farber EM, Grupper CH, Polano MK. Retinoids. 1st ed. Berlin: Verlag Springer; 1981. p. 151.
  • 12. Campbell JP, Grekin RC, Ellis CN, Matsuda-John SS, Swanson NA, Voorhees JJ. Retinoid therapy is associated with excess granulation tissue responses. J Am Acad Dermatol. 1983;9:708-13.
  • 13. Seukeran DC, Cunliffe WJ. The treatment of acne fulminans: a review of 25 cases. Br J Dermatol. 1999;141:307-9.
  • Endereço para Correspondência:
    Mayra Falcão Pereira
    Rua Nazaré, 690, Jardim Satélite
    CEP: 12230-670 São José dos Campos - SP
    Tel: 12 81706751
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital Regional de Presidente Prudente (HRPP) - São Paulo (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011

    Histórico

    • Recebido
      19 Jun 2010
    • Aceito
      05 Ago 2010
    location_on
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br
    rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
    Acessibilidade / Reportar erro