SÍNDROME EM QUESTÃO
Você conhece esta síndrome?* * Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da Santa Casa de Belo Horizonte.
Paula de Rezende SalomãoI; Gustavo Carneiro NogueiraII; Maria Ester Massara CaféI
IMédica Assistente e Preceptora do Ambulatório de Dermatologia Pediátrica da Santa Casa de Belo Horizonte - Minas Gerais (MG)
IIEspecialista em Dermatologia
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Paula de Rezende Salomão Rua Minas Nova, 215 / 301 - Cruzeiro 30310-090 - Belo Horizonte - MG
RELATO DO CASO
Criança de cinco anos, do sexo masculino, leucoderma, natural e residente em Contagem, MG. Nasceu a termo, de gravidez sem intercorrências, com peso e estatura adequados para a idade gestacional, de pais não consangüíneos. História familiar negativa para anomalias congênitas ou doenças genéticas.
Os pais relataram que, desde o nascimento, o paciente apresentava no dorso das mãos manchas cujo tamanho aumentou com o passar do tempo e que, posteriormente, apareceram no tronco.
Também apresentava rosto afinado e deformidades nas mãos, tórax e membros inferiores. Negaram fotossensibilidade, hematomas e ulcerações nas áreas expostas.
Ao exame físico foram encontradas as seguintes alterações:
pele: máculas hipocrômicas e hipercrômicas reticuladas e atróficas associadas a telangiectasias no dorso das mãos e dos pés, nos joelhos, nos cotovelos, na face lateral do tronco e nos flancos bilateralmente;
face: nariz de ponta afilada, discreto hipertelorismo, micrognatismo e desproporção craniofacial;
tronco: tórax piriforme;
membros: deformidade em flexão das articulações metacarpofalangeanas e geno valgo.
Não apresentava lesões orais nem de pêlos ou de unhas. Peso, estatura e desenvolvimento neuropsicomotor adequados para a idade.
A biópsia de pele na região lateral E do tronco mostrou ortoqueratose e epiderme sinuosa. A derme estava levemente atrófica, com discreto infiltrado inflamatório crônico perivascular superficial e vasos ectasiados. Na coloração para fibras elásticas, as mesmas se mostraram diminuídas e fragmentadas.
As radiografias simples mostraram vários tipos de alterações: desproporção craniofacial, alargamento de suturas sagital, coronal e lambdóide; grau mínimo de micrognatismo, hipertelorismo e saliência nas regiões parietotemporais; tórax piriforme, adelgaçamento de clavículas bilateralmente com porose de sua extremidade distal; leve alteração do eixo anatômico femorotibial com deformidade em valgo; absorção das falanges distais mais pronunciada nos dedos indicadores; lesões focais líticas, múltiplas, de paredes finas e escleróticas, localizadas em ambas as metáfises femorais distais.
QUE SÍNDROME É ESTA?
Acrogéria (Síndrome de Gottron)
Os achados clínicos e a histopatologia das lesões de pele associados às alterações osteoarticulares foram compatíveis com o diagnóstico de acrogéria.
A acrogéria é uma das síndromes de envelhecimento precoce congênitas clássicas que são: pangéria (síndrome de Werner), progéria (síndrome de Hutchinson-Gilford) e acrogéria (síndrome de Gottron). Além dessas, há várias outras doenças que cursam com envelhecimento precoce, como síndrome de Cockayne, síndrome de Bloom, ataxia telangiectásica (síndrome de Louis-Bar), síndrome Kindler, trissomia 21 (síndrome de Down).1 São doenças genéticas raras, associadas à aceleração do processo de envelhecimento da pele e de outros tecidos.2
A acrogéria foi originalmente descrita por Gottron em 1941, quando ele observou envelhecimento precoce cutâneo localizado em mãos e pés, presentes desde o nascimento em dois irmãos.3 Desde então, vários casos foram publicados, a maioria na literatura européia, predominantemente em mulheres. A maioria dos pacientes tem baixa estatura, apesar de alguns apresentarem estatura normal. Micrognatia é um achado freqüente, e a maioria dos casos descritos apresenta atrofia da pele da ponta do nariz, o que dá um aspecto de escultura. A marca registrada da condição é a pele fina (atrófica) e enrugada, com hipercromia, telangiectasias e veias proeminentes no tronco superior, dorso das mãos e dos pés. As unhas podem ser distróficas ou espessadas, mas usualmente são normais.4-6
Na histopatologia da pele, há atrofia da derme e subcutâneo. As fibras colágenas são frouxas e esparsas, e as fibras elásticas sempre fragmentadas. A epiderme é poupada.
Apesar de os pacientes terem achados clínicos semelhantes aos da progéria e da metagéria, eles geralmente não apresentam aterosclerose generalizada grave e, portanto, não costumam ter doença miocárdica ou coronariana precoce, que são as principais causas de morte. A expectativa de vida parece ser normal, com o mesmo risco de aterosclerose da população geral.7
Pelo fato de ter sido dada pouca ênfase aos achados radiológicos na maioria dos casos publicados, a acrogéria é considerada afecção principalmente cutânea por alguns autores, mas as alterações ósseas estão bem descritas como parte da síndrome.8 Para pacientes que apresentam concomitantemente alterações típicas da acrogéria e da metagéria, foi proposto acrometagéria como termo único que englobaria um espectro mais amplo das síndromes de envelhecimento precoce. No entanto, esse conceito ainda não é amplamente aceito na literatura médica.9 Como são síndromes bastante raras que têm em comum o aspecto envelhecido da pele semelhante ao da progéria, são também às vezes chamadas de síndromes progeróides.10
A etiologia da acrogéria ainda não está bem elucidada, tendo sido considerada autossômica dominante e autossômica recessiva, embora a maioria dos casos relatados não tenha história familiar positiva. Mutações no gen COL3A1 foram identificadas em fenótipos variados, incluindo acrogéria e ruptura vascular na síndrome de Ehlers-Danlos.11,12 Na cultura de fibroblastos foi encontrada redução do RNA mensageiro no colágeno tipos I e III, e do tempo de vida dos fibroblastos, que apresentaram mais precocemente alterações morfológicas de envelhecimento, o que é perfeitamente compatível com o fenótipo envelhecido dos pacientes.13
Como não existe tratamento específico para nenhuma das chamadas síndromes progeróides, a maior importância em se fazer o diagnóstico diferencial entre elas está no prognóstico, que parece ser muito melhor na acrogéria, como foi mencionado. q
REFERÊNCIAS
1. Beauregard S, Giechrest BA. Syndromes of premature ageing. Dermatol Clin. 1987;5: 109-21.
2. Brown WT. Premature ageing syndromes. Curr Probl Dermatol. 1987;17: 152-65.
3. Gottron H. Familiare akrogerie. Arch Dermatol Syph. 1941;181: 571-83.
4. Calvert HT. Acrogeria (Gottron type). Br J Dermatol. 1957;69: 69.
5. Groot WP, Tafelkruyer J, Woerdeman MJ. Familial acrogeria (Gottron). Br J Dermatol.1970;103: 213.
6. Hjortshoj A, Heydernreich G. Acrogeria. A case report. Dermatologica. 1977;154: 355.
7. Lenane P, Krafchick B. Aging disorders. In: Schchner LA, Hansen RC, editors. Pediatric Dermatology. Mosby; 2003: 365-8.
8. Ho A, White SJ, Rasmussen JE. Skeletal abnormalities of acrogeria, a progeroid syndrome. Skeletal Radiol. 1987;16: 463-8.
9. Greally JM, Boone LY, Lenkey SG, Wenger SL, Steele MW. Acrometageria: a spectrum of "premature aging" syndromes. Am J Med Genet. 1992;44: 334-9.
10. Gilkes JJ, Sharvill DE, Wells RS. The premature ageing syndromes. Reports of eight cases and description of a new entity named metageria. Br J Dermatol. 1974;91: 243-62.
11. Pope FM, Narcisi P, Nicholls AC, Germaine D, Pals G, Richards AJ. COL3A! mutations cause variable clinical phenotypes including acrogeria and vascular rupture. Br J Dermatol. 1996;135: 163-81.
12. Jansen T, De Paepe A, Luytinck N, Plewig G. COL3A1 mutations leading to acrogeria (Gottron type). Br J Dermatol. 2000;142: 178-9.
13. Hashimoto C, Abe M, Onozawa N, Yokoyama Y, Ishikawa O. Acrogeria (Gottron type): a vascular disorder? Br J Dermatol. 2004;151: 497-501.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Jun 2005 -
Data do Fascículo
Abr 2005