Acessibilidade / Reportar erro

Correspondência

CORRESPONDÊNCIA

Objetivo e método: uma relação delicada

João Luiz Dornelles BastosI; Rodrigo Pereira DuquiaII

IDentista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC - Florianópolis (SC). Mestrando em Epidemiologia pelo Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas - UFPel - Pelotas (RS), Brasil

IIDermatologista, preceptor do Serviço de Residência da Santa Casa de Porto Alegre - Porto Alegre (RS). Mestrando em Epidemiologia pelo Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas - UFPel - Pelotas (RS), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência João Luiz Dornelles Bastos Avenida do Antão, 353 - Morro da Cruz 88025-150 – Florianópolis – SC Telefone: (48) 3028-1345 E-mail: joao@pilotis.com.br

Prezado Editor,

De um ponto de vista estritamente metodológico, gostaríamos de comentar o artigo publicado nos Anais Brasileiros de Dermatologia por Miot et al.1

Aparentemente, a necessidade de responder simultaneamente a dois problemas de pesquisa causou confusão nos autores, uma vez que os diferentes questionamentos exigem métodos distintos para sua elucidação. O primeiro objetivo do trabalho abordou a validade de um teste diagnóstico, de maneira a atender dúvida implicitamente colocada na introdução: "podem alguns achados dermatológicos contribuir para a estratificação do risco cardíaco?". Essa pergunta foi parcialmente contemplada, já que foi relatada a sensibilidade do teste. Entretanto, sua especificidade de 83,3% foi omitida, limitando avaliação mais abrangente de sua validade. Quanto aos valores preditivos (VPs), faltou citar o VP negativo (41,7%) e, além disso, considerar que tais VPs só se aplicam a populações cuja prevalência de doentes se aproxima da verificada no estudo (72,7%), de acordo com o teorema de Bayes.2

O segundo objetivo considerou a relação entre doença arterial coronariana (DAC) e pregas auriculares ("Há associação entre DAC e determinadas pregas?"). Nesse sentido, afirma-se no tópico Casuística que o delineamento escolhido foi o de caso controle (CC). Concordamos que tal delineamento seja o apropriado, desde que a seleção dos controles independa da exposição de interesse e reflita a base populacional que originou os casos.3,4 Assim, a leitura do trabalho sugere que o desenho efetivamente empregado não tenha sido esse, colocando em xeque os resultados das análises multivariáveis apresentados.4 Isso porque estudos de CC partem da identificação dos casos, seguida da composição do grupo controle.3 O simples fato de um estudo conter casos e controles não o caracteriza como estudo do tipo CC. Curiosa também é a relação de 2,5 casos para um controle, algo raramente visto na literatura e que, provavelmente, revela falta de adequação metodológica para o cumprimento do segundo questionamento.

Em suma, a definição clara de objetivos, a escolha de métodos compatíveis e sua descrição pormenorizada competem para maior qualidade na execução e divulgação dos resultados de pesquisas científicas.

Estando à disposição para o aprofundamento do debate, subscrevemo-nos.

REFERÊNCIAS

1. Miot HA, Medeiros LM, Siqueira CRS, Cardoso LC, Gumieiro JH, Pandini Filho MA, et al. Associação entre doença arterial coronariana e as pregas lobular diagonal e anterotragal em homens. An Bras Dermatol. 2006;81:29-33.

2. Kirkwood BR, Sterne JAC. Essential medical statistics. 2nd. Oxford: Blackwell Science; 2003. p. 429-46.

3. Kelsey JL, Whittemore AS, Evans AS, Thompson WD. Methods in observational epidemiology. New York: Oxford University Press; 1996. p. 188-213.

4. Grimes DA, Schulz KF. Compared to what? Finding controls for case-control studies. Lancet. 2005;365:1429-33.

Resposta dos autores à correspondência: "Objetivo e método: uma relação delicada"

Hélio Amante Miot

Professor Assistente Doutor do Departamento de Dermatologia da FMB - Unesp - Botucatu (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Departamento de Dermatologia da FMB - Unesp, SN. Campus Universitário de Rubião Jr. 18618-000 - Botucatu - SP Tel./Fax: (14) 3882-4922 E-mail: heliomiot@fmb.unesp.br

Prezado Editor,

Os autores se propuseram a estudar a prevalência de certos achados dermatológicos em pacientes submetidos à cineangiocoronariografia e não a eficiência de um teste diagnóstico.

A falta de associação estatística, nessa população, entre coronariopatia e alopecia androgenética, bem como com pilificação torácica, inclinou a discussão dos resultados para a análise das pregas auriculares.

O trabalho em questão resulta na primeira tentativa de caracterização na população brasileira desses achados dermatológicos usando a cineangiocoronariografia, uma vez que um estudo prévio nacional comparou a presença da prega lobular diagonal em coronariopatas contra pacientes ambulatoriais com queixas não cardíacas, o que não estimou a ausência de coronariopatia nos controles.1

Apesar da precisão do método, a natureza invasiva da cineangiocoronariografia impede eticamente estudos em bases populacionais, restando como origem dos pacientes aqueles indicados para esse exame por queixas cardiológicas (fonte hospitalar). Essa característica, inerente à população estudada (exames realizados no período), disporia a proporção de um paciente com coronárias normais para cada 55 com coronárias acometidas.

Um estudo transversal de prevalência, sem seleção de casos e controles, apresentaria uma desproporção ainda maior do que a apresentada entre os acometidos e os não-acometidos. Por essa razão, os autores se esmeraram, inicialmente, na recuperação do maior número possível de pacientes "normais", entre todos os examinados.

Os autores não identificaram a implicação nos resultados da seleção dos controles ocorrer previamente à clássica seleção dos casos, tampouco observaram sua proibição metodológica, diante das limitações amostrais.

Outra questão que paira na literatura sobre a prevalência de pregas auriculares em coronariopatas é o aumento de sua prevalência com a idade, em paralelismo com o risco de aterosclerose, levando ao questionamento do papel da idade como variável de confusão na associação entre coronariopatia e tais marcas. Essa resposta exigiria uma análise estratificada da população ou um ajuste por regressão logística.

A opção pelo emparelhamento dos casos e controles foi até considerada, mas as contingências amostrais dos controles impediram que todas as variáveis independentes fossem contempladas, sendo realizada a forma condicional da regressão logística múltipla, por definição, mais rigorosa.2

Partindo do pressuposto de que os estudos tipo caso controle fossem adequados para detectar associação entre fatores de risco e doenças, foi utilizado esse desenho para analisar a associação entre as variáveis associadas ao risco, bem como sua magnitude, atendendo às exigências formais de que casos e controles emanem da mesma população, nesse caso, pacientes adultos submetidos à cineangiocoronariografia.2 Outros estudos de prevalência empregaram metodologia semelhante na seleção ou análise de pacientes, mas os autores concordam não ser adequada a estimativa de parâmetros de desempenho de teste nesse desenho.3,4

Não transitava entre as hipóteses dos autores a possibilidade de análise de causalidade entre as variáveis, como classicamente se propõem os estudos tipo caso controle. Tampouco foram evocados os critérios de Hill, pois teoriza-se que os achados dermatológicos (pregas auriculares) ocorram paralelamente à aterosclerose coronariana.

Outro elemento importante, com base em resultados de estudos prévios, foi estimada a necessidade de amostra mais modesta do que a empregada, em que se poderia, aliás, manter a relação 1:1 entre casos e controles. A escolha de um número maior de casos ocorreu na tentativa de aumentar a flexibilidade do modelo logístico e fortalecer a análise estatística diante da pequena disponibilidade de controles em relação aos casos.

É muito importante salientar que a generalização dos resultados seja limitada apenas à população estudada, no caso, pacientes de origem hospitalar com indicação de cineangiocoronariografia; porém, a validade interna dos resultados deve sempre ser priorizada em qualquer estudo, antes da extrapolação.

Classicamente, estudos que empregam controles hospitalares apresentam dificuldades inerentes à população selecionada de identificar fatores de risco para doenças, principalmente pela alta exposição dos controles a fatores de risco relacionados a outras doenças.

A interferência do viés relacionado aos estudos de base hospitalar pôde ser observada nesse trabalho pelo fato de não se identificarem como risco diabetes, hipertensão arterial, tabagismo e antecedentes familiares. Mesmo o índice de massa corporal foi mais alto entre os controles. Esses fatores de risco conhecidos provavelmente seriam detectados em estudos de base não hospitalar.

Em outros trabalhos que envolveram cineangiocoronariografia, empregando diferentes populações hospitalares, os resultados foram semelhantes aos encontrados nesse estudo, corroborando sua validade. Além disso, trabalhos que não envolveram seleção hospitalar utilizaram dados de autópsias e confirmaram os achados.5

Como decorrência dessa reflexão, a identificação significativa das pregas auriculares nesse estudo sugere associação ainda mais consistente quando confrontada com a população geral, o que, contudo, ainda precisa ser comprovado.

A falta de completa ortodoxia do estudo exige atenção na interpretação de seus dados, porém, não desabona seus achados, e estimula sua comprovação em ensaios conduzidos por grupos brasileiros.

Em tempo, os autores incentivam os dermatologistas a realizar estudos epidemiológicos controlados, preferencialmente adotando os modelos clássicos estabelecidos pela ciência epidemiológica moderna.

REFERÊNCIAS

1. Tranchesi Junior B, Barbosa V, de Albuquerque CP, Caramelli B, Gebara O, dos Santos Filho RD, et al. Diagonal earlobe crease as a marker of the presence and extent of coronary atherosclerosis. Am J Cardiol. 1992;70:1417-20.

2. Hennekens CH, Buring JE. Epidemiology in medicine. Little, Boston: Brown and Co.;1987. p. 132-52.

3. Weiss NS. Application of the case-control method in the evaluation of screening. Epidemiol Rev. 1994;16:102-8.

4. Grandhe NP, Bhansali A, Dogra S, Kumar B. Acanthosis nigricans: relation with type 2 diabetes mellitus, anthropometric variables, and body mass in Indians. Postgrad Med J. 2005;81:541-4.

5. Edston E. The earlobe crease, coronary artery disease, and sudden cardiac death: an autopsy study of 520 individuals. Am J Forensic Med Pathol. 2006;27:129-33.

  • Endereço para correspondência
    João Luiz Dornelles Bastos
    Avenida do Antão, 353 - Morro da Cruz
    88025-150 – Florianópolis – SC
    Telefone: (48) 3028-1345
    E-mail:
  • Endereço para correspondência
    Departamento de Dermatologia da FMB - Unesp, SN.
    Campus Universitário de Rubião Jr.
    18618-000 - Botucatu - SP
    Tel./Fax: (14) 3882-4922
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2006
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br