Open-access Retalho de Karapandzic e retalho de Bernard-Burrow-Webster na reconstrução do lábio inferior

Resumos

O carcinoma de células escamosas é a neoplasia maligna mais frequente dos lábios, e em cerca de 90% dos casos, localiza-se no lábio inferior, por causa da maior exposição cumulativa à radiação ultravioleta. Os autores apresentam duas técnicas cirúrgicas para a reconstrução de grandes defeitos do lábio inferior, resultantes da excisão cirúrgica tumoral, exemplificando-as e comparando-as através de dois casos clínicos

Carcinoma de células escamosas; Neoplasias labiais; Retalhos cirúrgicos


Squamous cell carcinoma is the most common malignant neoplasm of the lips, and in about 90% of cases it is located on the lower lip due to higher cumulative exposure to ultraviolet radiation. The authors present two surgical techniques for reconstruction of large lower lip defects, resulting from surgical excision of tumors, exemplifying and comparing them with two clinical cases

Carcinoma; squamous cell; Lip neoplasms; Surgical flaps


CASO CLÍNICO

Retalho de Karapandzic e retalho de Bernard-Burrow-Webster na reconstrução do lábio inferior*

Ana BrincaI; Pedro AndradeI; Ricardo VieiraII; Américo FigueiredoIII

IMédico (a) Interna de Dermatologia - Serviço de Dermatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra - Coimbra, Portugal

IIEspecialista em Dermatovenereologia - Assistente Hospitalar de Dermatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra - Coimbra, Portugal

IIIProfessor Doutor - Diretor de Serviço de Dermatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra - Coimbra, Portugal

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ana Brinca Hospitais da Universidade de Coimbra Serviço de Dermatologia Praceta Dr. Mota Pinto 3000-075 Coimbra, Portugal Tel.: 0035 12 3940 0490 anabrinca@gmail.com

RESUMO

O carcinoma de células escamosas é a neoplasia maligna mais frequente dos lábios, e em cerca de 90% dos casos, localiza-se no lábio inferior, por causa da maior exposição cumulativa à radiação ultravioleta. Os autores apresentam duas técnicas cirúrgicas para a reconstrução de grandes defeitos do lábio inferior, resultantes da excisão cirúrgica tumoral, exemplificando-as e comparando-as através de dois casos clínicos.

Palavras-chave: Carcinoma de células escamosas; Neoplasias labiais; Retalhos cirúrgicos

INTRODUÇÃO

O carcinoma de células escamosas é a neoplasia maligna mais frequente dos lábios, localizando-se no lábio inferior, em cerca de 90% dos casos, em virtude da maior exposição cumulativa à radiação ultravioleta, o principal fator etiopatogênico.1,2 Outros possíveis fatores favorecedores são os hábitos tabágicos e alcoólicos, a imunossupressão e a infecção crónica pelo vírus papiloma humano. O tratamento de primeira linha é a excisão cirúrgica, com margem livre adequada. Tendo em conta a importância funcional e estética dos lábios, a reconstrução dos defeitos resultantes constitui um desafio, estando descritos vários procedimentos reconstrutivos a selecionar, de acordo com a dimensão e localização do defeito, com as características específicas do doente (comorbilidades) e com a experiência do cirurgião. 3-5

Para pequenos tumores, a abordagem cirúrgica é a preferida, já que permite bons resultados estéticos e funcionais, assim como a análise histológica da peça operatória, permitindo assim verificar se a exérese tumoral foi completa, ao contrário do tratamento com radioterapia. Frequentemente, A técnica mais realizada é a excisão em cunha, com encerramento direto, complementada ou não com vermelhectomia. No caso de tumores de maiores dimensões que após a excisão cirúrgica originam defeitos superiores a 50% do comprimento labial, outras técnicas são utilizadas, como os retalhos de Karapandzic6-8 e de BernardBurrow-Webster9,10, os métodos utilizados pelos autores, nos casos clínicos descritos, ambos referentes a defeitos criados pela excisão de carcinomas de células escamosas do lábio inferior, demonstraram bons resultados clínicos, funcionais e estéticos, revelandose, deste modo, como boas opções terapêuticas.

RELATO DE CASOS

CASO 1: Um homem de 57 anos, fumante desde os 7 anos, com uma carga tabágica de cerca de 40 unidades-maço-ano (UMA), com hábitos etílicos moderados e com mau estado dentário, apresentava uma placa infiltrada, com bordos irregulares, moderadamente definidos e um pouco elevados, com superfície erosivo-crostosa, medindo 2,5 cm de maior eixo, ocupando o terço médio do vermillion labial inferior (Figura 1). A lesão tinha 6 meses de evolução. Não eram palpáveis adenopatias regionais.


O diagnóstico clínico de carcinoma de células escamosas foi confirmado através de biopsia incisional.

O doente foi submetido à excisão radical da lesão, resultando um defeito mediano o qual ocupava cerca de 50% do comprimento do lábio inferior e interessava a sua espessura total. Optou-se pela reconstrução através da técnica de Karapandzic, baseada em dois retalhos de deslizamento-rotação. A confecção destes retalhos consistiu na realização de incisões periorais bilaterais, iniciadas nos bordos inferiores do defeito cirúrgico e prolongadas pelos sulcos mentolabiais e nasolabiais (Figura 2). O músculo orbicularis oris foi libertado das estruturas neurovasculares, lateralmente às comissuras, de modo a permitir a rotação de dois retalhos miocutâneos, preservando a sensibilidade e a mobilidade labiais (Figura 3).



Os retalhos foram deslizados medialmente, suturando-se a mucosa, o orbicularis oris e a pele em três planos sucessivos, permitindo a restauração da continuidade do orbicularis oris, e, portanto, da continência do esfíncter oral.

O resultado estético e funcional foi satisfatório, já que as suturas ocuparam os sulcos naturais, a continência oral foi preservada, bem como a sensibilidade e a mobilidade labiais (Figura 4). Condicionou, no entanto, uma ligeira microstomia sem impacto funcional (Figura 4).


O doente apresenta 3 anos de seguimento, sem sinais de recidiva local ou de metastização locorregional.

CASO 2: Um homem de 43 anos, fumante (35 UMA), com hábitos alcoólicos marcados, foi referenciado à consulta por um tumor com 3 cm, ulcerado, localizado no terço médio do vermillion labial inferior, evoluindo desde há 7 meses (Figura 1). A biopsia incisional revelou tratar-se de um carcinoma de células escamosas. Não eram palpáveis adenopatias regionais.

Da excisão radical da lesão, resultou um defeito mediano que ocupava cerca de 60% do comprimento do lábio inferior e que interessava a sua espessura total. Optou-se, neste caso, por o defeito ser de maiores dimensões, pela reconstrução através da técnica de Bernard-Burrow-Webster, englobando a confecção de dois retalhos de deslizamento (Figura 5). Realizaram-se incisões de espessura total, lateralmente às comissuras, a curvar, ligeiramente para cima, cada uma com cerca de metade do comprimento do defeito cirúrgico. Duas outras incisões menores foram realizadas a partir das extremidades inferiores do defeito cirúrgico, ao nível do sulco mentolabial, curvando-se ligeiramente para baixo (Figura 5). Isto resulta em dois retalhos, grosseiramente retangulares, os quais são posteriormente suturados junto à linda média, por planos (mucosa, músculo, pele). Os triângulos de Burrow, colocados sobre os sulcos nasolabiais, foram excisados, preservando, no entanto, o plano mais profundo, mucoso, foi suturado ao bordo superior do retalho miocutâneo para reconstruir o novo vermillion. Antes de excisar os bordos lateral e medial do triângulo mucoso, identificou-se o meato do canal de Stenon, evitando-se, deste modo, a sua lesão inadvertida (Figura 5).


Observamos, neste segundo caso, uma retração do lábio inferior como complicação do procedimento cirúrgico (Figura 6).


Presentemente, contamos com 4 anos de seguimento, mantendo-se o doente livre de doença, sem recidiva local ou metástases locorregionais.

DISCUSSÃO

O retalho de Karapandzic6-8 e o retalho de Bernard-Burrow-Webster9-11 são duas das opções mais utilizadas para a reconstrução de grandes defeitos labiais, tendo a vantagem de serem métodos cirúrgicos de tempo único. O retalho de Karapandzic é adequado para defeitos os quais ocupem desde 1/3 a 2/3 do comprimento do lábio inferior, dado que, no caso de defeitos maiores, a microstomia resultante condiciona este procedimento. Nos defeitos labiais totais ou subtotais, ao contrário da técnica precedente, o retalho de Bernard-Burrow-Webster mantém-se como uma boa opção reconstrutiva. Enquanto o retalho de Bernard-Burrow-Webster requer habitualmente anestesia geral, o retalho de Karapandzic pode, eventualmente, ser realizado sob anestesia locorregional.

O retalho de Karapandzic tem como principal virtude a preservação da mobilidade e sensibilidade do lábio inferior, bem como da continência oral. Contudo, pode condicionar a microstomia (a qual poderá obrigar a comissuroplastia corretiva, caso tenha um impacto importante na vida do doente, como nos que usam próteses dentárias) e distorção das comissuras orais. 12 O retalho de Bernard-Burrow-Webster, apesar de não produzir microstomia, resulta, habitualmente, em alguma incontinência do esfíncter oral11, em particular nas comissuras. Além disso, pode condicionar uma retração do lábio inferior em relação à posição esperada.

Recebido em 18.07.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 12.10.2010.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

Referências bibliográficas

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  • Endereço para correspondência:
    Ana Brinca
    Hospitais da Universidade de Coimbra Serviço de Dermatologia
    Praceta Dr. Mota Pinto
    3000-075 Coimbra, Portugal
    Tel.: 0035 12 3940 0490
  • *
    Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra - Coimbra, Portugal.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      18 Jul 2010
    • Aceito
      12 Out 2010
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