Resumos
Para avaliar as influências da obesidade e da hipertensão sobre a massa de ventrículo esquerdo (MVE), estudamos 121 mulheres divididas em 4 grupos: não-obesas normotensas (n = 25), não-obesas hipertensas (n = 30), obesas normotensas (n = 24) e obesas hipertensas (n = 42) quanto a parâmetros antropométricos, ecocardiográficos e de monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA). As pacientes obesas hipertensas apresentaram maior MVE que os outros grupos - não-obesas normotensas, não-obesas hipertensas e obesas normotensas (167 ± 38,8 vs. 113 + 26,4; vs. 133 ± 26,5; vs. 132 ± 29,2g; p < 0,05, respectivamente) e maior diâmetro de átrio esquerdo (AE) quando comparadas aos grupos de não-obesas, tanto normotensas como hipertensas (36 ± 4,3 vs. 33 ± 5,1; vs. 35 ± 3,9mm; p < 0,05, respectivamente). Obesas normotensas apresentaram MVE similar à do grupo não-obesas hipertensas (133 ± 26,5 vs. 132 ± 29,5g; NS) e aumento de AE quando comparadas às não-obesas normotensas (35 ± 3,9 vs. 31 ± 4,6mm; p < 0,05). Detectou-se correlação entre a circunferência da cintura e a razão cintura-quadril com os níveis pressóricos à MAPA, assim como entre estas medidas e parâmetros ecocardiográficos que avaliam a massa cardíaca; o índice de massa corporal só se correlacionou ao diâmetro do AE. A correção da MVE pela altura ao invés da superfície corpórea aumentou a prevalência de hipertrofia de VE nas obesas (10,6 vs. 36,7%, p < 0,01), mas não nas não-obesas. Ausência de descenso noturno da pressão arterial sistólica à MAPA (non-dipper) foi mais prevalente nas pacientes obesas, hipertensas ou não; entretanto, as obesas hipertensas non-dippers não diferiram das dippers quanto à MVE. Nossos dados demonstram que a obesidade associada à hipertensão aumenta a MVE de modo mais importante do que as condições isoladamente. Concluímos, ainda, que pacientes obesas também apresentam alta freqüência de alterações do ritmo da pressão arterial de 24 horas, caracterizada por menor queda pressórica durante o sono.
Obesidade; Hipertensão arterial; Monitorização ambulatorial da pressão arterial; Hipertrofia de ventrículo esquerdo; Ecocardiograma; Obesidade visceral
In order to evaluate the influences of obesity and hypertension on left ventricular mass (LVM), we studied 121 women stratified into 4 groups: normotensive non-obeses (n = 25), hypertensive non-obeses (n = 30), normotensive obeses (n = 24) and hypertensive obeses (n = 42) according to their anthropometric and echocardiographic parameters and ambulatory blood pressure monitoring (ABPM). Hypertensive obeses showed higher LVM than the other groups - normotensive non-obeses, hypertensive non-obeses and normotensive obeses (167 ± 38.8 vs. 113 ± 26.4; vs. 133 ± 26.5; vs. 132 ± 29.2g; respectively, p < 0.05) ond higher diameter of left atrium (LA) as compared to the non-obese groups with or without hypertension (36 ± 4.3 vs. 33 ±5.1; vs. 35 ± 3.9mm; p < 0.05, respectively). Normotensive obese patients showed similar LVM to the hypertensive non-obeses (133 ± 26.5 vs. 132 ± 29.5g; NS) and increased LA as compared to the normotensive non-obeses (35 ± 3.9 vs. 31 ± 4.6mm; p < 0.05). A correlation between the waist circumference and waist-to-hip ratio with the blood pressure levels obtained by the ABPM, as well as between these measurements with the echocardiographic parameters, which reflect cardiac mass; body mass index only showed to be correlated to the LA diameter. The adjustment of LVM by the height instead of body surface resulted in an increase on the prevalence of LV hypertrophy among obese patients (10.6 vs. 36.7%, p < 0.01), but not among non-obeses. Lack of nocturnal blood pressure fall assessed by ABPM (non-dipper) was more prevalent among obese patients with or without hypertension; however, non-dipper hypertensive obese patients did not differ from the dippers according to the LVM. Our data demonstrate that obesity associated to hypertension provoke a more pronounced increase in LVM as compared to the condition separately. We also conclude that obese patients showed increased frequency of abnormal 24-hr blood pressure profile, characterized by decreased tensional drop during sleep.
Obesity; Arterial hypertension; Ambulatory blood pressure monitoring; Left ventricular hypertrophy; Echocardiography; Visceral obesity
artigo original
Obesidade, Hipertensão Arterial e Suas Influências Sobre a Massa e Função do Ventrículo Esquerdo
Fernando S.F. Ribeiro Filho
Eduardo C. Rosa
Alessandra N. Faria
Daniel D.G. Lerário
Sandra R.G. Ferreira
Oswaldo Kohlmann
Maria-Teresa Zanella
Disciplina de Endocrinologia e
Nefrologia, Departamento de
Medicina e Departamento de
Medicina Preventiva,
Universidade Federal
de São Paulo.
RESUMO
Para avaliar as influências da obesidade e da hipertensão sobre a massa de ventrículo esquerdo (MVE), estudamos 121 mulheres divididas em 4 grupos: não-obesas normotensas (n = 25), não-obesas hipertensas (n = 30), obesas normotensas (n = 24) e obesas hipertensas (n = 42) quanto a parâmetros antropométricos, ecocardiográficos e de monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA). As pacientes obesas hipertensas apresentaram maior MVE que os outros grupos - não-obesas normotensas, não-obesas hipertensas e obesas normotensas (167 ± 38,8 vs. 113 + 26,4; vs. 133 ± 26,5; vs. 132 ± 29,2g; p < 0,05, respectivamente) e maior diâmetro de átrio esquerdo (AE) quando comparadas aos grupos de não-obesas, tanto normotensas como hipertensas (36 ± 4,3 vs. 33 ± 5,1; vs. 35 ± 3,9mm; p < 0,05, respectivamente). Obesas normotensas apresentaram MVE similar à do grupo não-obesas hipertensas (133 ± 26,5 vs. 132 ± 29,5g; NS) e aumento de AE quando comparadas às não-obesas normotensas (35 ± 3,9 vs. 31 ± 4,6mm; p < 0,05). Detectou-se correlação entre a circunferência da cintura e a razão cintura-quadril com os níveis pressóricos à MAPA, assim como entre estas medidas e parâmetros ecocardiográficos que avaliam a massa cardíaca; o índice de massa corporal só se correlacionou ao diâmetro do AE. A correção da MVE pela altura ao invés da superfície corpórea aumentou a prevalência de hipertrofia de VE nas obesas (10,6 vs. 36,7%, p < 0,01), mas não nas não-obesas. Ausência de descenso noturno da pressão arterial sistólica à MAPA (non-dipper) foi mais prevalente nas pacientes obesas, hipertensas ou não; entretanto, as obesas hipertensas non-dippers não diferiram das dippers quanto à MVE. Nossos dados demonstram que a obesidade associada à hipertensão aumenta a MVE de modo mais importante do que as condições isoladamente. Concluímos, ainda, que pacientes obesas também apresentam alta freqüência de alterações do ritmo da pressão arterial de 24 horas, caracterizada por menor queda pressórica durante o sono.(Arq Bras Endocrinol Metab 2000;44/1: 64-71)
Unitermos: Obesidade; Hipertensão arterial; Monitorização ambulatorial da pressão arterial; Hipertrofia de ventrículo esquerdo; Ecocardiograma; Obesidade visceral
ABSTRACT
In order to evaluate the influences of obesity and hypertension on left ventricular mass (LVM), we studied 121 women stratified into 4 groups: normotensive non-obeses (n = 25), hypertensive non-obeses (n = 30), normotensive obeses (n = 24) and hypertensive obeses (n = 42) according to their anthropometric and echocardiographic parameters and ambulatory blood pressure monitoring (ABPM). Hypertensive obeses showed higher LVM than the other groups - normotensive non-obeses, hypertensive non-obeses and normotensive obeses (167 ± 38.8 vs. 113 ± 26.4; vs. 133 ± 26.5; vs. 132 ± 29.2g; respectively, p < 0.05) ond higher diameter of left atrium (LA) as compared to the non-obese groups with or without hypertension (36 ± 4.3 vs. 33 ±5.1; vs. 35 ± 3.9mm; p < 0.05, respectively). Normotensive obese patients showed similar LVM to the hypertensive non-obeses (133 ± 26.5 vs. 132 ± 29.5g; NS) and increased LA as compared to the normotensive non-obeses (35 ± 3.9 vs. 31 ± 4.6mm; p < 0.05). A correlation between the waist circumference and waist-to-hip ratio with the blood pressure levels obtained by the ABPM, as well as between these measurements with the echocardiographic parameters, which reflect cardiac mass; body mass index only showed to be correlated to the LA diameter. The adjustment of LVM by the height instead of body surface resulted in an increase on the prevalence of LV hypertrophy among obese patients (10.6 vs. 36.7%, p < 0.01), but not among non-obeses. Lack of nocturnal blood pressure fall assessed by ABPM (non-dipper) was more prevalent among obese patients with or without hypertension; however, non-dipper hypertensive obese patients did not differ from the dippers according to the LVM. Our data demonstrate that obesity associated to hypertension provoke a more pronounced increase in LVM as compared to the condition separately. We also conclude that obese patients showed increased frequency of abnormal 24-hr blood pressure profile, characterized by decreased tensional drop during sleep. (Arq Bras Endocrinol Metab 2000;44/1: 64-71)
Keywords: Obesity; Arterial hypertension; Ambulatory blood pressure monitoring; Left ventricular hypertrophy; Echocardiography; Visceral obesity
É BASTANTE CONHECIDA A ASSOCIAÇÃO da obesidade com fatores de risco cardiovascular como hipertensão arterial, dislipidemia e diabetes mellitus, que favorecem o processo atcrosclerótico e a ocorrência de eventos cardiovasculares, em particular, os coronarianos (1-4). A deposição visceral de gordura tem sido relacionada mais fortemente do que a obesidade global com as alterações metabólicas e hemodinâmicas nos indivíduos obesos (5-7).
A maior prevalência de hipertensão arterial em indivíduos obesos é também conhecida, sendo os mecanismos fisiopatológicos envolvidos nessa associação não bem esclarecidos, sugerindo-se uma contribuição da resistência à insulina em sua gênese (8-10). Indivíduos obesos hipertensos apresentam alterações hemodinâmicas que se caracterizam por aumento da atividade do sistema nervoso simpático, redução da atividade da renina plasmática, expansão do volume plasmático, débito cardíaco elevado e resistência vascular periférica diminuída (11).
A presença de hipertrofia cardíaca, condição de maior morbi-mortalidade cardiovascular, diretamente relacionada à hipertensão arterial, ultimamente vem sendo associada à obesidade como um fator de risco independente (12,13). O aumento da massa corpórea determina um incremento nas necessidades metabólicas por parte do tecido adiposo, ocasionando elevação do débito cardíaco que, associado à sobrecarga de volume, promove o aumento da massa cardíaca (14).
Indivíduos não-obesos hipertensos diferem dos indivíduos obesos normotensos quanto à fisiopatogênese e morfologia cardíaca na hipertrofia de ventrículo esquerdo (HVE) (11,14). Enquanto pacientes não-obesos hipertensos apresentam uma hipertrofia cardíaca concêntrica, devido ao aumento da pós-carga, indivíduos obesos normotensos desenvolvem uma hipertrofia excêntrica, pela elevação da pré-carga. Pacientes obesos hipertensos apresentam concomitantemente dois fatores que contribuem para a HVE, determinando sua instalação mais precoce (11,14).
A definição de HVE foi motivo de diversos estudos e foi baseada no ponto a partir do qual associa-se à maior mortalidade (15). Os valores mais aceitos na literatura são de 131g/m2 de superfície corporal para homens e, 100g/m2 para mulheres. Entretanto, outros autores defendem a correção da massa cardíaca pela altura e não pela superfície corporal, uma vez que pacientes obesos podem ter a HVE subdiagnosticada em decorrência do peso excessivo (15-17). Estudo recente demonstrou que a hipertrofia cardíaca desenvolvida pelas mulheres obesas é mais acentuada que a encontrada nos homens obesos (18).
Outro aspecto que difere a HVE observada em pacientes hipertensos daquela dos obesos é a presença de disfunção diastólica. A hipertrofia cardíaca concêntrica, característica dos hipertensos, associa-se à disfunção diastólica, enquanto que na HVE excêntrica dos obesos observa-se dilatação das câmaras cardíacas, mas não a disfunção diastólica (19,20).
Assim como a elevação dos níveis pressóricos, outro ponto importante na gênese da hipertrofia cardíaca é a ausência de descenso da pressão arterial durante o sono constatada através da monitorização ambulatorial da pressão arterial de 24 horas (MAPA). Os níveis de pressão arterial (PA) diurna sustentados à noite foram relacionados à hipertrofia cardíaca e à maior morbi-mortalidade cardiovascular (21).
Os objetivos deste estudo foram os de caracterizar as alterações ecocardiográficas, como hipertrofia cardíaca e disfunção diastólica, e o comportamento da pressão arterial nas 24 horas decorrentes da obesidade e da hipertensão arterial, comparando-se grupos de pacientes com estas doenças isoladamente ou associadas. Analisou-se, ainda, possíveis correlações da obesidade visceral com alterações hemodinâmicas nestes pacientes.
PACIENTES E MÉTODOS
Foram estudados dois grupos de mulheres com e sem obesidade (IMC ³ 30kg/m2), subdivididas de acordo com a presença de hipertensão arterial (pressão arterial sistólica ³ 140mmHg ou pressão arterial diastólica ³ 90mmHg ou em uso de medicação anti-hipertensiva), com idade entre 18 e 65 anos, acompanhadas nos Ambulatórios de Obesidade e Hipertensão Arterial da Universidade Federal de São Paulo. Desse modo, constituíram-se os seguintes grupos: a) pacientes não-obesas normotensas (n = 25), b) pacientes não-obesas hipertensas (n = 30), pacientes obesas normotensas (n = 24) e, pacientes obesas hipertensas (n = 42). Foram excluídas as pacientes que apresentavam história de diabetes mellitus, insuficiência cardíaca, insuficiência coronariana, doença pulmonar obstrutiva crônica, miocardiopatia e valvulopatia.
Medidas antropométricas (peso, altura, circunferência da cintura e do quadril) foram feitas pelo mesmo examinador com as pacientes em uso de roupas leves. Com a paciente em pé, a circunferência da cintura foi verificada no nível da cicatriz umbilical e o quadril no nível da linha transtrocanteriana, obtendo-se a razão cintura/quadril (RCQ) pelo quociente das circunferências. A pressão arterial foi medida com esfigmomanômetro de mercúrio e manguitos apropriados para a circunferência do braço, com a paciente sentada, após 10 minutos de repouso, sendo considerada a média de três medidas obtidas com intervalo de três minutos.
O estudo ecocardiográfico pelo modo-M bidimensional foi realizado por um único examinador, com avaliação dos seguintes parâmetros:
Diâmetro do átrio esquerdo (AE), em milímetros;
Espessura do septo interveritricular na diastole (SIVD), em milímetros;
Espessura da parede posterior do ventrículo esquerdo na diastole (PPVE), em milímetros;
Diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo (DDVE), em milímetros;
Massa de ventrículo esquerdo (MVE), em gramas, estimada pela fórmula de Devereux (22).
A partir da MVE, foi calculado o índice de massa de ventrículo esquerdo (IMVE) através da divisão da MVE pela superfície corpórea e a razão da MVE pela altura (MVE/Alt). Consideramos diagnóstico de hipertrofia de ventrículo esquerdo o IMVE ³ 100g/m2 ou MVE/Alt ³ 102g/m2 (16).
Velocidade de enchimento ventricular inicial (onda E) e final (onda A), em centímetros por segundo, sendo calculada a razão entre onda E/onda A (E/A), que é indicativa da função diastólica.
A monitorização ambulatorial da pressão arterial nas 24h (MAPA) foi realizada apenas no grupo de pacientes obesas, normotensas ou hipertensas, através de medição indireta, automática, por monitor portátil (Spacelabs, modelo 90207), cujas medidas são feitas pelo método oscilométrico com intervalo de 15 minutos entre as medidas diurnas e de 20 minutos nas medidas noturnas. As pacientes foram orientadas para realizarem suas atividades habituais durante as 24 horas. Foram analisadas as médias das pressões arteriais sistólicas (PAS), diastólicas (PAD) e médias (PAM) e da freqüência cardíaca (FC), além das cargas pressóricas e o descenso da pressão arterial sistólica durante o sono. Cargas pressóricas sistólica e diastólica foram definidas como a percentagem de valores respectivamente acima de 140 e 90mmHg para pressão arterial sistólica e diastólica, respectivamente, durante o dia e acima de 120 e 80mmHg durante a noite. O descenso sistólico noturno, analisado durante o sono, foi calculado pela fórmula: (PA sistólica diurna - PA sistólica noturna)/PA sistólica diurna x 100, expresso em percentual.
Análise Estatística
A análise estatística foi feita através do software Sigma Stat 2.0 (Jandel Scientific). O teste t de Student foi utilizado para comparação dos parâmetros estudados entre os subgrupos de obesas, normotensas e hipertensas. Análise de variância (ANOVA) foi utilizada na comparação dos parâmetros ecocardiográficos entre os quatro grupos. O teste do qui-quadrado foi utilizado para comparar as prevalências de HVE entre grupos obeso e não-obeso, obtidas com os dois métodos de correção da MVE, pela superfície corporal e pela altura. O coeficiente de Pearson foi calculado para analisar a correlação entre a circunferência da cintura e a razão cintura-quadril com parâmetros ecocardiográficos e pressóricos. O valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significante.
RESULTADOS
Os dados demográficos, antropométricos e os níveis de pressão arterial de consultório são mostrados na tabela 1. As pacientes hipertensas não-obesas e obesas não diferiram quanto à idade, assim como as normotensas. O IMC do grupo de obesas foi maior que o do de não obesas, porém não diferiu entre as normotensas e hipertensas. As pacientes obesas hipertensas apresentaram maior circunferência da cintura (115 ± 11,2 vs. 102 ± 8,2cm; p < 0,001) e maior razão cintura-quadril (0,99 ± 0,1 vs. 0,89 ± 0,1; p < 0,001). Quanto à pressão arterial de consultório, ambos os grupos de hipertensas diferiram dos grupos de normotensas. Das 42 pacientes obesas e hipertensas, 38 (90,5%) estavam recebendo terapia anti-hipertensiva, sendo as medicações mais utilizadas os diuréticos tiazídicos e bloqueadores dos canais de cálcio.
As pacientes obesas hipertensas apresentaram MVE e MVE/Alt maiores que os grupos de não-obesas hipertensas e obesas normotensas, assim como a PPVED; além disso, as obesas hipertensas demonstraram maior dilatação de câmaras, avaliada pelo AE e pelo DDVE, que o grupo de não-obesas hipertensas, não diferindo, porém, do grupo de obesas normotensas (tabela 1). A função diastólica (razão E/A) foi menor no grupo de obesas hipertensas quando comparada ao grupo das obesas normotensas, não diferindo das pacientes não-obesas hipertensas.
O grupo de obesas normotensas apresentou maior massa de ventrículo esquerdo e diâmetro de AE que o grupo de não-obesas normotensas, não diferindo das pacientes não-obesas hipertensas. Não foi evidenciada nenhuma alteração da função diastólica nas pacientes obesas normotensas quando comparadas ao grupo de não-obesas normotensas. As pacientes não-obesas hipertensas apresentaram MVE semelhante ao grupo de obesas normotensas, entretanto, menor DDVE e pior função diastólica que as pacientes obesas normotensas.
As diferenças quanto à massa do ventrículo esquerdo e à dilatação do átrio esquerdo nos quatro grupos estão ilustradas nas figuras 1 e 2, respectivamente.
Como demonstrado na tabela 2, com relação ao comportamento da pressão arterial à MAPA no grupo de obesas, as pacientes hipertensas apresentaram níveis de PAM, PAS e PAD significantemente maiores que as pacientes normotensas, porem não diferiram quanto aos percentuais de descenso noturno (p = 0,09). Observou-se que 56,1% das pacientes obesas hipertensas e 41,7% das normotensas obesas apresentaram descenso da pressão arterial durante o sono < 10%. As pacientes hipertensas apresentaram maior carga pressórica sistólica noturna quando comparada à carga pressórica sistólica diurna (54 ± 33,0% vs. 32 ± 29,1%; p = 0,003), entretanto, não diferiram quanto à carga pressórica diastólica (20 ± 25,3% vs. 28 ± 27,8%; p = 0,083).
As correlações dos parâmetros antropométricos com os dados ecocardiográficos e pressóricos estão na tabela 3. No grupo de obesas, a circunferência da cintura, assim como a RCQ, apresentaram correlações significantes com o SIVD (r = 0,39 e r = 0,39, resectivamente, p < 0,05) e a PPVED (r = 0,33 e r = 0,36, respectivamente, p < 0,05). A cintura também se correlacionou com a MVE e com a MVE/Alt (r = 0,25 e r = 0,27, respectivamente; p < 0,05); enquanto a RCQ apresentou correlação inversa com a razão E/A (r = -0,37, p < 0,05). Nem a cintura, nem a RCQ se correlacionou com o IMVE; o IMC se correlacionou apenas com o AE (r = 0,32; p < 0,05). Com relação aos níveis pressóricos da MAPA e de consultório, tanto a RCQ como a circunferência da cintura se correlacionaram com a PAM (r = 0,36 e r = 0,32, respectivamente, p < 0,05) e PAS (r = 0,39 e r = 0,35, respectivamente, p < 0,05), mas não com a PAD e com descenso noturno. O IMC não se correlacionou com nenhum dos parâmetros pressóricos.
As correlações dos parâmetros pressóricos e ecocardiográficos são mostrados na tabela 4. A PAM apresentou correlações significantes com a MVE (r = 0,27; p < 0,05), IMVE (r = 0,30; p < 0,05) e MVE/Alt (r = 0,28; p < 0,05), além de se correlacionar negativamente com a razão E/A (r = -0,30; p < 0,05); assim como a PAS também se correlacionou negativamente com a razão E/A (r = -0,29; com p < 0,05).
A idade apresentou uma correlação inversa com a razão E/A (r = -0,64; p < 0,001) e correlação positiva com a PAM (r = 0,33; p < 0,01); e PAS (r = 0,25; p = 0,04). O descenso noturno não se correlacionou com nenhum parâmetro ecocardiográfico. Considerando entre as pacientes obesas hipertensas aquelas com queda noturna da pressão arterial durante o sono ³ 10% (dippers) e aquelas com redução pressórica < 10% (non-dippers) não observamos diferenças na massa do ventrículo esquerdo nos dois grupos (165 ± 40,8 vs. 165 ± 29,5g, p = 0,99).
Quando se compara as prevalências de HVE de acordo com os critérios diagnósticos baseados no IMVE (correção pela superfície corpórea) e na MVE/Alt, observa-se diferença significante nos grupos de obesas, mas não no das não-obesas. A prevalência de HVE passa de 10,6 para 36,7% (c2 = 10,8; p < 0,001) nas obesas, enquanto que no grupo de não-obesas, não se altera a prevalência quando os dois critérios são comparados (9,1% para ambos).
DISCUSSÃO
A hipertrofia de ventrículo esquerdo (HVE) já foi bastante relatada em pacientes obesos, tanto hipertensos quanto normotensos. Há quatro principais padrões de hipertrofia cardíaca definidos pelo ecocardiograma: assimetria septal, HVE concêntrica, HVE excêntrica com ou sem dilatação (14). A obesidade e a hipertensão determinam o aumento da massa cardíaca por mecanismos diferentes, e, quando ambas coexistem num mesmo paciente, ocasionam uma hipertrofia cardíaca mais acentuada e de instalação mais precoce (11,14). As pacientes obesas e hipertensas de nosso estudo, além de apresentarem maior massa de ventrículo esquerdo que as pacientes hipertensas não-obesas e as obesas normotensas, também demonstraram maior diâmetro do átrio esquerdo em relação às hipertensas não-obesas e às normotensas não-obesas. Nossos dados são semelhantes aos descritos por Messerli et al., que demonstraram HVE excêntrica em obesos hipertensos, sugerindo um papel predominante da obesidade na determinação da morfologia cardíaca nesses pacientes (23).
O critério diagnóstico da hipertrofia cardíaca é ainda motivo de controvérsia, uma vez que não existem estudos prospectivos para definir a partir de que ponto há um aumento na morbi-mortalidade (15). Há um consenso em se estabelecer valores diferentes para homens e mulheres, porém existe uma grande discussão a respeito de qual parâmetro deve ser usado para corrigir a MVE (15). A maioria dos autores preconiza a correção da massa cardíaca pela superfície corporal, enquanto outros recomendam o ajuste da MVE pela altura ou pela altura ao quadrado, já que pacientes obesos teriam a HVE subdiagnosticada devido ao excesso de peso que aumentaria a superfície corporal, diminuindo assim o IMVE (15,16,24). Nossos dados demonstraram um aumento de prevalência da HVE quando se corrige a MVE pela altura, ao invés do IMVE, nas pacientes obesas, não havendo nenhuma diferença nas pacientes não-obesas, evidenciando a importância de ajustar a massa cardíaca dos obesos por um parâmetro mais fidedigno que o peso.
Outro ponto de interesse é o estudo da função diastólica na obesidade. Sabe-se que pacientes obesos hipertensos apresentam comprometimento diastólico (25), conforme demonstramos também em nossas pacientes que apresentavam razão E/A inferior a todos os outros grupos; não há, entretanto, consenso quanto à disfunção diastólica nos indivíduos obesos não hipertensos. Alguns estudos demonstraram alterações diastólicas, caracterizadas pela anormalidade do enchimento ventricular inicial (25-27). Em nossa casuística, no entanto, só foram identificadas alterações diastólicas nas pacientes obesas e hipertensas, sendo que as pacientes obesas normotensas não diferiram na função diastólica do grupo normotenso não-obeso.
Atualmente, têm-se, cada vez mais, relacionado a obesidade visceral como a principal responsável pelas alterações metabólicas e hemodinâmicas encontradas nos obesos (5-7). Nossos dados, de acordo com outro estudo, demonstraram também correlações entre a deposição central de gordura, caracterizadas pela medida da cintura e pela razão cintura-quadril, e a massa do ventrículo esquerdo, bem como entre estes parâmetros antropométricos e os níveis pressóricos (14). Por sua vez, o IMC só mostrou correlação com o diâmetro do átrio esquerdo, sugerindo que a obesidade global possa estar mais relacionada à dilatação das câmaras cardíacas encontrada nos obesos.
Com relação à pressão arterial, já está bastante difundida c consolidada a associação entre a obesidade e hipertensão arterial (8-10). Todavia, ultimamente, vêm-se dando muita ênfase, não só aos níveis prcssóricos absolutos, mas também ao comportamento da pressão arterial nas 24h, particularmente aos níveis pressóricos do período noturno e ao descenso da pressão arterial durante o sono (20). Costa et al. demonstraram que pacientes hipertensos não-obesos que não apresentam queda fisiológica da pressão arterial à noite, evidenciam maior prevalência de HVE (28). Da mesma forma como foi constatado também pelo mesmo grupo, pacientes diabéticos sem descenso noturno apresentam maior prevalência de hipertrofia cardíaca e retinopatia diabética (29). Constatamos, de acordo com outro estudo (30), que pacientes obesos, hipertensos ou não, evidenciaram maior prevalência da ausência da queda fisiológica da pressão arterial no período noturno que o descrito em diferentes estudos que apresentam prevalência variando entre 17,1 a 40,0%, conforme o estudo em questão (31,32). Não encontramos, entretanto, correlação do descenso noturno com a massa cardíaca no grupo estudado, assim como as obesas hipertensas sem descenso noturno da pressão arterial (non-dippers) não diferiram quanto à massa do ventrículo esquerdo daquelas com redução da pressão arterial durante o sono (dippers).
Concluímos que pacientes obesas, hipertensas ou não, apresentam maior prevalência de hipertrofia de ventrículo esquerdo quando comparadas às não-obesas, sendo que a correção da massa cardíaca pela altura se mostrou um melhor parâmetro, nessas pacientes, para o diagnóstico da hipertrofia cardíaca do que o índice de massa de ventrículo esquerdo. Observamos, ainda, a presença de dilatação das câmaras cardíacas, indicando uma HVE excêntrica nas obesas, sem disfunção diastólica, quando a obesidade não é associada à hipertensão arterial. Ressaltamos, também, a alta prevalência da falta de descenso da pressão arterial durante o sono nas obesas, que, entretanto, não se mostrou como fator importante na determinação da massa do ventrículo esquerdo nestas pacientes.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao professor Clóvis de Araújo Peres por sua assessoria na análise estatística, à Dra. Frida Plavnik pelo encaminhamento de pacientes, à enfermeira Nárcia Kohlmann e ao Dr. Ivan Rivera pelos procedimentos diagnósticos e à Knoll Produtos Químicos e Farmacêuticos Ltda. pelo auxílio financeiro.
Endereço para correspondência:
Fernando S Flexa Ribeiro Filho
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e-mail: fflexa@uol.com.br
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
07 Out 2005 -
Data do Fascículo
Fev 2000