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Injeção percutânea de etanol dirigida pelo ultra-som no tratamento dos nódulos tireóideos

ARTIGO ORIGINAL

Injeção percutânea de etanol dirigida pelo ultra–som no tratamento dos nódulos tireóideos

Rosalinda Y. A. de Camargo; Eduardo Kiyoshi Tomimori

Disciplina de Endocrinologia Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rosalinda Y. A. Camargo Unidade de Tireóide, Disciplina de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. C. Postal 3.671 – 01060–970 – São Paulo, SP

A INJEÇÃO PERCUTÂNEA DE ETANOL (IPE) tem sido utilizada há muitos inos como um tratamento alternativo no controle de diversas patologias benignas e malignas. O efeito esclerosante do etanol tem sido reconhecido há vários anos e empregado com sucesso no controle de lesões nodulares benignas e malignas (1–6). Nas lesões malignas do fígado, sabe–se que o etanol causa uma desidratação celular, desnaturação proteica, necrose e trombose de pequenos vasos (7).

Na moderna tireoidologia, este método terapêutico tem sido empregado com sucesso no tratamento dos nódulos císticos e dos nódulos autônomos. Vários trabalhos desenvolvidos para tratamento das lesões nodulares da tireóide com IPE demonstraram a eficiência e segurança do método (8–10).

A injeção percutânea de etanol pode ser uma alternativa aos pacientes portadores de lesões nodulares da tireóide, que tenham indicação cirúrgica e que recusam esta forma de tratamento, ou que apresentem alto risco cirúrgico. As lesões císticas benignas da tireóide são tratadas preferencialmente pela IPE. Os pacientes portadores de nódulos autônomos são normalmente encaminhados para o tratamento com radioiodo ou cirúrgico. Quando houver algum impedimento para estas alternativas, consideramos a opção da IPE. Já os portadores de lesões nodulares da tireóide submetidos ao tratamento esclerosante com etanol em nosso ambulatório são geralmente pacientes idosos, com lesão nodular única ou um nódulo dominante em um bócio multinodular, que apresentam compressão de estruturas cervicais e que não tenham condições clínicas para se submeterem ao tratamento cirúrgico. Os pacientes submetidos à cirurgia que apresentarem novas lesões nodulares também podem ser beneficiados pela IPE.

Em nossa opinião, todas as modalidades terapêuticas devem ser consideradas diante de um paciente portador de um nódulo tireóideo. Não existe um tratamento que possa ser indicado para todos pois nem sempre o procedimento mais indicado para um paciente o é para outro. É importante conhecermos detalhadamente todos os recursos terapêuticos disponíveis, para que no momento certo, saibamos escolher o mais adequado para cada caso.

A percepção do equilíbrio dos fatores que tendem a favor ou contra uma determinada modalidade terapêutica para cada paciente, somada à experiência e o conhecimento do tireoidologista de todas as formas de tratamento disponíveis é que vão determinar a melhor conduta para cada indivíduo. O tratamento esclerosante com etanol é um tratamento alternativo à terapia supressiva com LT–4, ao radioiodo e à cirurgia, nas lesões benignas e em determinados casos de lesões malignas da tireóide.

ALTERAÇÕES ANATOMOPATOLÓGICAS INDUZIDAS PELO ETANOL

Na periferia da lesão, distante da área de necrose central, ocorrem alterações vasculares, como lesões no endotélio e trombose, levando ao infarto tissular. Observa–se também um halo de tecido normal ao redor da área tratada e também um infiltrado linfomonocitário, mostrando que o tecido tireoideano adjacente não apresenta alterações, o que explicaria o baixo índice de complicações clínicas precoces ou tardias (7).

Outro ponto de interesse é a ausência de fibrose externa à cápsula da tireóide, não causando complicações para possível tircoidectomia posterior. Entretanto, como já foi mencionado, o tratamento com a IPE está indicada somente em pacientes sem condições clínicas para se submeterem à cirurgia ou em pacientes operados que apresentam novas lesões nodulares.

NÓDULO SOLITÁRIO AUTÔNOMO E BÓCIO MULTINODULAR TÓXICO

A injeção percutânea de etanol dirigida pelo ultra–som no tratamento do nódulo autônomo (tóxico ou pré–tóxico) único ou multinodular tem sido sugerida há muitos anos.

Um seguimento de 5 anos nos pacientes tratados pelo método demonstrou a eficiência e a segurança do método na terapia dos nódulos autônomos da tireóide (10). A cura completa, definida como normalização dos hormônios tireoidianos e do TSH, assim como normalização cintilográfica do tecido tireoidiano extra–nodular, foi obtida em 68% a 100% dos nódulos pré–tóxicos e de 50% a 89% dos nódulos tóxicos. A cura parcial, definida como normalização dos hormônios tireoidianos, THS detectável e reativação parcial do tecido extranodular, variou de 0% a 39% nos pacientes pré–tóxicos e tóxicos (12).

Em um follow up de 6 a 48 meses, a cura completa foi obtida em 50% dos adenomas tóxicos e em 68% dos adenomas pré–tóxicos, com redução do volume nodular de 73% a 83% (12). Entretanto a redução do volume de um nódulo autônomo, muitas vezes importante para o paciente, não pode ser utilizado isoladamente como critério de cura, pois os adenomas tóxicos ou pré–tóxicos geralmente possuem quantidades variáveis de líquido em seu interior e uma redução do mesmo não implica em redução da massa sólida. A normalização cintilográfica do tecido extra–nodular ocorre em mais de 50% dos pacientes e a melhora dos sintomas do hipertireoidismo em mais de 75% dos pacientes. Apesar dos melhores resultados serem obtidos em nódulos pequenos, a injeção percutânea de etanol dirigida pelo ultra–som nos locais indicados pela cintilografia ou pelo Color Doppler permitem resultados satisfatórios mesmos em nódulos maiores (13).

A média do número de aplicações é de 4 para nódulos pré–tóxicos e 9 para nódulos tóxicos, realizadas em intervalos de 7 a 10 dias. A quantidade total de etanol absoluto a ser injetado em um nódulo sólido pode ser de 1,2 a 1,5 vezes o volume nodular. O controle visual da disseminação do etanol intra–nodular também pode ser utilizado para determinar o volume de etanol a ser injetado em cada aplicação. Quando o etanol preencher todo o espaço nodular, a injeção deve ser interrompida.

NÓDULOS CÍSTICOS

Os cistos tireóideos puros correspondem geralmente a pequenas imagens císticas de alguns milímetros de diâmetro, anecóicas, de contornos regulares e com reforço acústico posterior, sendo raramente malignas. Estas lesões de difícil diagnóstico no passado, são hoje facilmente identificadas ao exame ultra–sonográfico da tireóide.

As imagens nodulares sólidas, isoecóicas, de contornos regulares, com pequenas áreas líquidas dispersas em seu interior, freqüentemente correspondem aos adenomas da tireóide.

Os nódulos sólidos com conteúdo líquido central, que podem representar áreas de necrose ou hemorragia, são achados freqüentes nos exames ultra–sonográficos da tireóide. Excetuando–se as pequenas imagens císticas da tireóide, as demais lesões nodulares com componente líquido central devem ser submetidas à punção aspirativa por agulha fina dirigida pelo ultra–som. A PAAF deve ser realizada sempre na área sólida do nódulo, pois o líquido cístico geralmente fornecerá material inadequado para análise. Qualquer lesão vegetante na parede do cisto, deve ser puncionada na sua base. Tais cuidados durante a punção são possíveis quando esta é devidamente orientada pelo ultra–som.

Qualquer conduta terapêutica em uma lesão nodular da tireóide deve ser considerada somente após afastada a hipótese de malignidade.

O tratamento dos nódulos císticos através da aspiração do líquido e supressão com LT–4 ou o tratamento esclerosante com outros agentes químicos como a tetraciclina têm obtido resultados insatisfatórios (12,14).

Atualmente o etanol é utilizado como o principal agente esclerosante nos nódulos císticos da tireóide.

Uma das técnicas utilizadas é a aspiração do conteúdo líquido, seguida da injeção de etanol na quantidade de 20 a 30% do volume aspirado, mantendo–se o mesmo durante 2 a 15 minutos no interior do nódulo e com a retirada posterior de todo o etanol. Uma outra alternativa é a aspiração de quase todo o conteúdo líquido e a posterior injeção definitiva de 0,5 ml a 1 ml de etanol absoluto. O procedimento poderá ser repetido após algumas semanas se ainda houver recidiva do líquido. Um fator importante no procedimento é a retirada lenta do conteúdo líquido, identificando–se a ponta da agulha pelo monitor do equipamento ultra–sonográfico, evitando–se qualquer outra lesão perfurante da parede da lesão cística, o que poderia ocasionar um novo sangramento. E aconselhável deixar uma pequena quantidade de líquido cístico no interior da lesão, para que se possa identificar a ponta da agulha imersa no líquido. A injeção do etanol também deve ser realizada lentamente. Se optarmos pela retirada do etanol após alguns minutos, a sua aspiração também deverá ser feita lentamente.

O desaparecimento quase total ou a redução de mais de 50% do volume da lesão nodular cística pode ser obtida em 72% a 95% dos casos (12). Este tratamento não causa nenhuma alteração nos níveis séricos dos hormônios tireoidianos e tampouco nos níveis dos anticorpos anti–tireóideos. Assim como o tratamento dos nódulos autônomos com a injeção percutânea de etanol, este procedimento é simples e seguro (figura 1 e 2).

Com relação a efeitos colaterais como a dor local, é importante salientar que, com a utilização da técnica correta, a dor não é maior que a de uma punção aspirativa por agulha fina, não sendo obrigatório o uso de anestésico local. A insegurança e o medo de alguns pacientes podem ser controlados pela segurança e tranqüilidade demonstradas pelo médico durante o procedimento. Os pacientes que conseguirem controlar essa ansiedade não irão sentir muito desconforto durante o procedimento enquanto que o paciente não orientado, tenso e inseguro provavelmente sentirá maior desconforto durante a sua realização.

A injeção lenta de etanol no interior do nódulo geralmente não causa dor, mas o extravasamento do etanol através do orifício da agulha até a superfície da pele pode ser dolorosa. É importante executarmos algumas manobras que evitem o extravasamento de etanol.

É importante conhecer todos os detalhes do procedimento, os possíveis efeitos colaterais e os seus resultados, para que saiba indicar precisamente esta modalidade terapêutica.

NÓDULO ATÓXICO BENIGNO

A injeção percutânea de etanol pode ser uma alternativa segura, eficaz e de baixo custo no tratamento dos nódulos sólidos benignos da tireóide. A sua utilização deve ser considerada quando o tratamento supressivo com LT–4, cirúrgico ou actínico não estiver indicada.

O procedimento é o mesmo utilizado em nódu los autônomos. A quantidade de etanol injetada é determinada visualmente. A injeção deve ser interrompida quando o etanol preencher totalmente o espaço nodular. A administração do etanol pode ser realizada semanalmente até obter redução significativa do volume nodular. E recomendável uma avaliação ultra–sonográfica, hormonal e citológica 3 meses após o encerramento do tratamento. Se necessário, pode–se repetir mais um ciclo do tratamento. As figuras 3 e 4 mostram imagens ultra–sonográficas de um nódulo atóxico benigno antes e após o tratamento esclerosante com etanol. O volume inicial do nódulo era 30,9 cc e após as 3 primeiras sessões houve redução do volume para 13,5 cc, apresentando uma redução de 56,3%.

Três meses após o encerramento do tratamento, o ultra–som mostra uma redução do volume nodular de 72,8% a 97,6% (15). Os achados ultra–sonográficos mais comuns são uma massa de textura heterogênea, com padrão hiperecóico e muitas vezes com presença de macrocalcificações. A citologia mostra a presença de elementos do sangue, macrófagos, neutrófilos, debris e fibras de colágeno. Não há variação dos níveis dos hormônios tireóideos e do TSH durante o tratamento. A tireoglobulina mostra um aumento de 3 a 4 vezes o seu valor inicial uma hora após as aplicações, durante 3 ou 4 sessões, sendo que este aumento não é observado nas sessões finais. A ausência da elevação dos níveis de tireoglobulina após a injeção de etanol nas sessões finais, provavelmente é devido à redução do tecido nodular induzido pela IPE. Esse fenômeno pode ser um marcador dos níveis de destruição tissular (15).

CONCLUSÕES

A injeção percutânea de etanol dirigida pelo ultra–som é uma alternativa que pode ser considerada, principalmente quando o tratamento convencional, clínico ou cirúrgico não está indicado ou mostrou–se ineficaz.

Por ser um método relativamente simples de ser executado, poderá ser realizado em ambulatório, a um custo baixo e com pouco risco.

A determinação dos resultados a longo prazo poderá confirmar a sua indicação como uma forma de tratamento eficaz e segura para as lesões nodulares benignas da tireóide e talvez também para lesões malignas que não captam radioiodo em pacientes cuja cirurgia está contra–indicada.

Recebido em 25/6/98;

Revisado em 24/7/98;

Aceito em 28/7/98.

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  • Endereço para correspondência:
    Rosalinda Y. A. Camargo
    Unidade de Tireóide, Disciplina de Endocrinologia do
    Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
    C. Postal 3.671 – 01060–970 – São Paulo, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 1998
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