Resumos
INTRODUÇÃO: O hipotireoidismo subclínico (HSC), definido por concentrações elevadas do TSH em face de níveis normais dos hormônios tireoidianos, tem elevada prevalência no Brasil, particularmente entre mulheres e idosos. Embora um número crescente de estudos venha associando o HSC com maior risco de doença arterial coronariana e de mortalidade, não há ensaio clínico randomizado sobre o benefício do tratamento com levotiroxina na redução dos riscos e o tratamento permanece controverso. OBJETIVO: Este consenso, patrocinado pelo Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e desenvolvido por especialistas brasileiros com vasta experiência clínica em tireoide, apresenta recomendações baseadas em evidências para uma abordagem clínica do paciente com HSC no Brasil. MATERIAIS E MÉTODOS: Após estruturação das questões clínicas, a busca das evidências disponíveis na literatura foi realizada inicialmente na base de dados do MedLine-PubMed e posteriormente nas bases Embase e SciELO - Lilacs. A força da evidência, avaliada pelo sistema de classificação de Oxford, foi estabelecida a partir do desenho de estudo utilizado, considerando-se a melhor evidência disponível para cada questão e a experiência brasileira. RESULTADOS: Os temas abordados foram definição e diagnóstico, história natural, significado clínico, tratamento e gestação, que resultaram em 29 recomendações para a abordagem clínica do paciente adulto com HSC. CONCLUSÃO: O tratamento com levotiroxina foi recomendado para todos os pacientes com HSC persistente com níveis séricos do TSH > 10 mU/L e para alguns subgrupos especiais de pacientes.
Hipotiroidismo; hipotiroidismo subclínico; consenso; diretriz
INTRODUCTION: Subclinical hypothyroidism (SCH), defined as elevated concentrations of thyroid stimulating hormone (TSH) despite normal levels of thyroid hormones, is highly prevalent in Brazil, especially among women and the elderly. Although an increasing number of studies have related SCH to an increased risk of coronary artery disease and mortality, there have been no randomized clinical trials verifying the benefit of levothyroxine treatment in reducing these risks, and the treatment remains controversial. OBJECTIVE: This consensus, sponsored by the Thyroid Department of the Brazilian Society of Endocrinology and Metabolism and developed by Brazilian experts with extensive clinical experience with thyroid diseases, presents these recommendations based on evidence for the clinical management of SCH patients in Brazil. MATERIALS AND METHODS: After structuring the clinical questions, the search for evidence in the literature was initially performed in the MedLine-PubMed database and later in the Embase and SciELO - Lilacs databases. The strength of evidence was evaluated according to the Oxford classification system and established based on the experimental design used, considering the best available evidence for each question and the Brazilian experience. RESULTS: The topics covered included SCH definition and diagnosis, natural history, clinical significance, treatment and pregnancy, and the consensus issued 29 recommendations for the clinical management of adult patients with SCH. CONCLUSION: Treatment with levothyroxine was recommended for all patients with persistent SCH with serum TSH values > 10 mU/L and for certain patient subgroups.
Hypothyroidism; subclinical hypothyroidism; consensus; guidelines
CONSENSO DE TIREOIDE
Consenso brasileiro para a abordagem clínica e tratamento do hipotireoidismo subclínico em adultos: recomendações do Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
Jose A. SgarbiI; Patrícia F. S. TeixeiraII; Lea M. Z. MacielIII; Glaucia M. F. S. MazetoIV; Mario VaismanII; Renan M. Montenegro JuniorV; Laura S. WardVI
IDisciplina de Endocrinologia e Metabologia, Faculdade de Medicina de Marília (Famema), Marília, SP, Brazil
IIServiço de Endocrinologia, Departamento de Clínica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brazil
IIIDepartamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brazil
IVDisciplina de Endocrinologia e Metabologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (FMB-Unesp), Botucatu, SP, Brazil
VUniversidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, CE, Brazil
VILaboratório de Genética Molecular do Câncer, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brazil
Correspondência para Correspondência para: José A. Sgarbi Disciplina de Endocrinologia e Metabologia, Faculdade de Medicina de Marília Av. Tiradentes, 1310 17519-000 - Marília, SP, Brazil
RESUMO
INTRODUÇÃO: O hipotireoidismo subclínico (HSC), definido por concentrações elevadas do TSH em face de níveis normais dos hormônios tireoidianos, tem elevada prevalência no Brasil, particularmente entre mulheres e idosos. Embora um número crescente de estudos venha associando o HSC com maior risco de doença arterial coronariana e de mortalidade, não há ensaio clínico randomizado sobre o benefício do tratamento com levotiroxina na redução dos riscos e o tratamento permanece controverso.
OBJETIVO: Este consenso, patrocinado pelo Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e desenvolvido por especialistas brasileiros com vasta experiência clínica em tireoide, apresenta recomendações baseadas em evidências para uma abordagem clínica do paciente com HSC no Brasil.
MATERIAIS E MÉTODOS: Após estruturação das questões clínicas, a busca das evidências disponíveis na literatura foi realizada inicialmente na base de dados do MedLine-PubMed e posteriormente nas bases Embase e SciELO - Lilacs. A força da evidência, avaliada pelo sistema de classificação de Oxford, foi estabelecida a partir do desenho de estudo utilizado, considerando-se a melhor evidência disponível para cada questão e a experiência brasileira.
RESULTADOS: Os temas abordados foram definição e diagnóstico, história natural, significado clínico, tratamento e gestação, que resultaram em 29 recomendações para a abordagem clínica do paciente adulto com HSC.
CONCLUSÃO: O tratamento com levotiroxina foi recomendado para todos os pacientes com HSC persistente com níveis séricos do TSH > 10 mU/L e para alguns subgrupos especiais de pacientes.
Descritores: Hipotiroidismo; hipotiroidismo subclínico; consenso; diretriz
INTRODUÇÃO
O hipotireoidismo subclínico (HSC) tem sido definido bioquimicamente pela presença de níveis séricos elevados do hormônio estimulador da tireoide (TSH) em face de concentrações séricas normais dos hormônios tireoidianos (1-3). Estima-se que a prevalência na população geral seja em torno de 4% a 10%, sendo maior no sexo feminino, em idosos e inversamente proporcional ao conteúdo de iodo na dieta (4-7). No Brasil, a prevalência de TSH elevado em uma amostra representativa de 1.220 mulheres adultas da cidade do Rio de Janeiro foi de 12,3%, alcançando 19,1% entre aquelas acima de 70 anos (8). Na região metropolitana de São Paulo, a prevalência de hipotireoidismo em 1.085 indivíduos foi de 8,0% (9), enquanto entre 1.110 indivíduos > 30 anos da população nipo-brasileira de Bauru foi de 11,1% no sexo feminino e 8,7% no masculino (10) e, em uma população idosa da cidade de São Paulo, a prevalência de HSC foi de 6,5% e 6,1% para os sexos feminino e masculino, respectivamente (11).
Na última década, um número crescente de estudos tem associado o HSC com maior risco de doença arterial coronariana e de mortalidade (12,13), mas, apesar disso, não há nenhuma evidência suficientemente forte e conclusiva em estudos prospectivos randomizados e duplo-cegos sobre potenciais benefícios da reposição com levotiroxina.
Recentemente, a Associação Americana de Tireoide em conjunto com a Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos publicou suas recomendações (14) para a abordagem do hipotireoidismo, mas com poucas recomendações específicas sobre a disfunção subclínica. No Brasil, não há nenhum consenso anterior sobre a abordagem diagnóstica e terapêutica do HSC.
O consenso que apresentamos reúne esforços do Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia no desenvolvimento de recomendações baseadas em evidências disponíveis na literatura para a abordagem do paciente com HSC em nosso meio. Os principais objetivos foram o desenvolvimento de recomendações que auxiliem o clínico na melhor conduta para seu paciente, em um processo que evite procedimentos desnecessários, obedecendo às características do sistema de saúde brasileiro.
MÉTODOS
Este consenso obedece à política estratégica do Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia no desenvolvimento de consensos nacionais para as principais patologias da tireoide, dirigidos à nossa população e considerando a realidade do sistema de saúde brasileiro.
O modelo seguido foi nos moldes do Programa Diretrizes (15) da Associação Médica Brasileira (AMB) e Conselho Federal de Medicina (CFM), por representar uma iniciativa genuinamente nacional e já conhecida pela comunidade médica e acadêmica do país. Após a escolha de participantes com reconhecida atuação acadêmica e vasta experiência clínica em tireoide, elaboraram-se as questões clínicas a serem respondidas. A recuperação das publicações foi obtida por meio de busca nas bases MedLine-PubMed, Embase e SciELO - Lilacs. Os descritores foram identificados por diferentes mecanismos, como acessando o Citation (no PubMed) após a recuperação de publicações conhecidas que respondiam às questões elaboradas. Para a classificação (Tabela 1) do grau de recomendação ou força de evidência do trabalho, utilizou-se a classificação de Oxford (15), que estabelece a força da evidência a partir do desenho de estudo utilizado, considerando-se a melhor evidência disponível para cada questão e a experiência brasileira. A escolha deste sistema deu-se principalmente por ser a mesma já utilizada pelo Programa de Diretrizes da AMB/CFM (16), com o qual a comunidade médica e os meios acadêmicos brasileiros já estão habituados.
DEFINIÇÃO E DIAGNÓSTICO
Qual a definição para HSC?
Recomendação 1
Apesar de o termo subclínico associar-se com a ausência de sintomas óbvios da falência de produção hormonal pela glândula tireoide, o HSC é definido bioquimicamente pela elevação dos níveis séricos do TSH na presença de concentrações séricas normais do T4 livre (T4L) (1,2) (D).
Qual o valor normal do TSH na população geral, de acordo com a idade e em populações específicas?
Os níveis de referência para o TSH, assim como os de qualquer ensaio, são obtidos pela média do valor de TSH em uma população saudável supostamente sem doenças tireoidianas, em um intervalo de confiança de 95% (entre os percentis 2,5 e 97,5) (17). Idealmente, os níveis normais de TSH deveriam se basear em valores obtidos por dosagens de material coletado em jejum, pela manhã, de indivíduos sem história pessoal ou familiar de doença tireoidiana, sem bócio, sem alterações tireoidianas ao exame ultrassonográfico e com anticorpos antitireoperoxidase (aTPO) e antitireoglobulina (aTg) negativos (18). Obter tal tipo de população, no entanto, é difícil e os valores de referência comumente utilizados para todas as raças, gêneros e etnias provêm, atualmente, de grandes estudos populacionais norte- -americanos, que definiram como valores de referência para adultos normais níveis séricos do TSH entre 0,4 e 4,5 mU/L (4,19).
Uma reanálise estatística dos dados populacionais norte-americanos, levando em conta o efeito de idade, raça/etnia, gênero e peso corporal em indivíduos com ausência de doença tireoidiana, bócio ou uso de medicamentos, ausência de gravidez, uso de estrógenos, andrógenos, lítio, ausência de anticorpos antitireoide e concentração urinária normal de iodo, mostrou que as médias dos valores normais de TSH se situam entre 1,40 e 1,90 mU/L, sendo 1,0 mU/L mais elevados em brancos do que nos negros (19). A tabela 2 mostra os níveis médios e percentis 2,5 e 97,5 obtidos nesta análise de uma população de 13.296 indivíduos sem doença tireoidiana aparente, em diferentes faixas etárias (19).
Em um estudo nacional com 960 adultos entre 18 e 60 anos (excluindo grávidas) sem bócio, sem anticorpos antitireoidianos, que não usavam medicamentos potencialmente modificadores de função ou status tireoidiano, não tinham história pessoal ou familiar de tireopatia e que possuíam níveis normais de T4L sérico, o valor médio obtido para o TSH foi de 1,52 mU/L, com percentil 2,5 de 0,43 mU/L e percentil 97,5 de 3,24 mU/L (20).
O efeito da idade no limite superior do que se deve considerar como normal deve ser sempre lembrado, particularmente quando se considera o tratamento com levotiroxina em indivíduos mais idosos, nos quais a elevação fisiológica dos níveis séricos de TSH pode representar um fator de proteção cardiovascular (21) e estar associado com maior longevidade (22).
Os valores de referência na população pediátrica são mais elevados logo após o nascimento, diminuindo rapidamente nos primeiros dias e progressivamente com o evoluir da idade (23,24). A tabela 3 mostra os percentis obtidos numa população de 654 meninos e meninas de até 18 anos de idade (23).
A concepção se acompanha de diminuição dos valores séricos de TSH (25). No entanto, a complexidade e dinâmica das alterações hormonais que ocorrem durante a gravidez, particularmente no primeiro trimestre, dificultam o estabelecimento de valores de referência. Alterações no metabolismo do iodo, produção de gonadotrofina coriônica (beta-HCG), aumento nas proteínas carregadoras de hormônios tireoidianos, alterações da excreção e elevação dos níveis dos hormônios tireoidianos per se modificam os valores de referência (26). Assim, é importante o estabelecimento de padrões laboratoriais de referência para cada população, particularmente em regiões onde pode haver déficit de iodo. Na ausência desses padrões locais, podem ser considerados como limites superiores de normalidade valores de TSH até 2,5 mU/L no primeiro trimestre e de até 3,5 mU/L nos dois trimestres seguintes, como descrito em estudos com grande número de gestantes (27,28).
Recomendação 2
O valor de referência de TSH sérico normal para adultos é entre 0,4 e 4,5 mU/L (4,19) (A). Para pacientes pediátricos (23) (B) e idosos (22) (B) é importante avaliar os valores de acordo com os intervalos de normalidade propostos para cada faixa etária. Na gravidez, valores de TSH de até 2,5 mU/L no primeiro trimestre e de até 3,5 mU/L nos dois trimestres seguintes devem ser considerados como limites superiores de normalidade na ausência de referências laboratoriais locais (27) (B).
Como diagnosticar o HSC?
Em geral, a investigação laboratorial das disfunções tireoidianas é direcionada a indivíduos com suspeita clínica de tireopatia. O HSC pode estar associado a sintomas de hipotireoidismo (5), mas as manifestações clínicas não costumam ser evidentes e, quando ocorrem, podem apresentar caráter bastante inespecífico. Assim, a investigação seria realizada em situações nas quais existe a suspeita para o HSC ou como screening em grupos específicos de indivíduos, como em mulheres acima de 35 anos a cada cinco anos, pacientes com historia prévia ou familiar de doença tireoidiana, submetidos à cirurgia de tireoide, terapia prévia com iodo radioativo ou radiação externa no pescoço; diabetes tipo 1, história pessoal ou familiar de doença autoimune, síndrome de Down e Turner, tratamento com lítio ou amiodarona, depressão, dislipidemia e hiperprolactinemia (1,14).
O diagnóstico do HSC é bioquímico e consiste na detecção de concentrações séricas elevadas do TSH na presença de níveis normais do T4L, excluindo-se outras causas (Tabela 4) de elevação do TSH (2,17). Embora um valor de corte superior exato e absoluto para o TSH possa nunca ser definido (28), valores do TSH entre 4,5 mU/L e 20 mU/L têm sido aceitos como de corte (4,19) e o máximo (13), respectivamente, para o diagnóstico do HSC.
O HSC deve ser diferenciado ainda de outras causas (Tabela 4) de TSH elevado em vigência de concentrações séricas normais do T4L, tais como a elevação fisiológica do TSH com o passar da idade (29), uso de TSH recombinante em pacientes operados para câncer da tireoide (30), insuficiência adrenal primária não tratada (31), reação cruzada do TSH com anticorpos heterófilos contra proteínas de ratos (32) e presença de mutações no receptor do TSH (33). Na maioria dos casos, a realização de uma anamnese cuidadosa auxilia o clínico no estabelecimento do diagnóstico correto.
Recomendação 3
O HSC é diagnosticado bioquimicamente pela concentração sérica de TSH > 4,5 mU/L na presença de níveis normais do T4L (4,19) (A), excluindo-se outras causas de elevação do TSH. O consenso aceita valores até 20 mU/L como limite máximo para o TSH no diagnóstico de HSC (13) (D).
Recomendação 4
A determinação sérica do TSH deve ser solicitada em situações nas quais existe a suspeita clínica para o HSC (5) (A) ou como screening em grupos específicos de indivíduos com alto risco (1) (D).
Como diferenciar o HSC persistente e progressivo das formas transitórias?
Somente pacientes com HSC persistente devem ser considerados para tratamento. Assim este ser diferenciado de situações associadas à elevação transitória do TSH (Tabela 4), tais como na recuperação da tireoidite subaguda (34), após administração de radioiodo para tratamento de doença de Graves (35) e na fase de recuperação de doenças debilitantes (36).
Uma proporção significativa de pacientes com HSC apresenta normalização das concentrações de TSH durante os primeiros 2 a 5 anos de seguimento (37), particularmente aqueles com valores séricos do TSH < 10,0 mU/L (38). Assim, tem sido proposto que, na suspeita de HSC, a determinação do TSH seja repetida em período de 3 a 6 meses para excluir erro laboratorial ou causas transitórias de elevação do TSH (1).
Recomendação 5
O HSC persistente ou progressivo deve ser diferenciado de causas transitórias de elevação do TSH, as quais podem regredir durante o seguimento (37) (A), particularmente em pacientes com níveis séricos do TSH < 10 mU/L (38) (B). O TSH deve ser repetido, inicialmente, em três meses para confirmação de HSC persistente (1) (D).
Como classificar o HSC de acordo com os níveis do TSH?
O HSC tem sido classificado de acordo com a magnitude da elevação das concentrações séricas de TSH, de acordo com o risco de progressão para o hipotireoidismo manifesto e de associação com comorbidades. Níveis séricos de TSH > 10 mU/L associam-se com maior risco de progressão ao hipotireoidismo manifesto (39), de doença arterial coronariana e de morte (13). Assim, alguns autores têm proposto subclassificar o HSC de acordo com sua gravidade, em HSC leve-moderado (TSH > 4,5-9,9 mU/L) ou grave (TSH > 10 mU/L) (2).
Recomendação 6
HSC poderia ser classificado, de acordo com as concentrações séricas de TSH, considerando-se as taxas de evolução para hipotireoidismo manifesto (39) (B) e o risco de eventos coronários e de mortalidade (13) (A), em leve-moderado (TSH 4,5 - 9,9 mU/L) e grave (TSH > 10,0 mU/L) (2) (D).
HISTÓRIA NATURAL
Quais os fatores preditores de progressão ao hipotireoidismo manifesto?
O HSC pode progredir para o hipotireoidismo clínico e manifesto, manter-se relativamente estável por longos períodos ou regredir para normalização da função tireoidiana, na dependência de características individuais e da população (40). No estudo de Whickman (7), em mulheres com níveis de TSH elevados (> 6 mU/L) e anticorpos antitireoidianos positivos, a taxa de progressão anual para hipotireoidismo manifesto foi de 4,3%, enquanto naquelas com níveis de TSH elevados e anticorpos tireoidianos negativos foi de apenas 2,6%. Em pelo menos mais um estudo longitudinal, a combinação de TSH elevado e anticorpos antitireoidianos positivos foi preditora de progressão ao hipotireoidismo manifesto no sexo feminino (41). Estudos prospectivos não populacionais mostraram taxas de progressão mais elevadas, mas, em geral, também associadas ao nível sérico do TSH e à presença de autoimunidade tireoidiana. Assim, Diez e Iglesias (39) observaram que pacientes com HSC e níveis de TSH < 10 mU/L tiveram uma taxa (1,76%) de incidência de hipotireoidismo manifesto menor comparados aos pacientes com níveis de TSH mais elevados, de 10-14,9 mU/L (19,7%) e de 15-19,9 mU/L (73,5%). No estudo de Huber e cols. (42), a taxa de incidência anual de hipotireoidismo manifesto variou de 3,3% (TSH 6 - 12 mU/L) para 11,4% (TSH > 12 mU/L), e na dependência da presença de anticorpos antitireoidianos positivos. No Brasil, Rosario e cols. (43) mostraram que não apenas a presença de anticorpos aTPO, como também aspectos ultrassonográficos sugestivos de tireoidite autoimune, associam-se com maior risco de progressão ao hipotireoidismo manifesto. Similarmente, Marcocci e cols. (44) concluíram que pacientes com tireoidite autoimune e hipoecogenicidade ao ultrassom da tireoide tinham maior probabilidade de progredir ao hipotireoidismo manifesto. Ingestão aumentada de iodo também se constituiu em um fator de risco para progressão em um estudo populacional chinês (45).
Por outro lado, uma proporção significativa de pacientes com níveis séricos elevados do TSH em uma primeira determinação pode evoluir com normalização do TSH em uma segunda determinação. Em um grande estudo populacional israelense (37), a taxa de normalização foi de 62% em cinco anos de seguimento, tornando obrigatória a repetição do TSH antes de qualquer possível decisão sobre o tratamento. A regressão ao estado de eutireoidismo tende a ser mais frequente em pacientes com concentrações séricas do TSH de 4-6 mU/L, enquanto valores de TSH entre 10-15 mU/L são associados à baixa frequência de normalização da função tireoidiana (38,39,46,47).
A maioria de pacientes idosos com HSC persiste nessa condição após 12 (76,7%) (38) e 24 meses (56%) (48), sendo que valores de TSH > 10 mU/L foram um preditor independente de risco para progressão ao hipotireoidismo manifesto (39,48).
Em crianças e adolescentes, o HSC parece ter baixo risco de progressão para hipotireoidismo manifesto (49,50). Em um estudo prospectivo, a maioria dos pacientes (88%) cursou com normalização ou estabilização dos níveis de TSH (49). A presença de bócio, doença celíaca, anticorpos antitireoidianos positivos, níveis mais elevados de TSH na apresentação inicial ou elevação progressiva do TSH parecem ser preditores de hipotireoidismo manifesto nessa faixa etária (51,52).
Recomendação 7
Sexo feminino (7,39) (B), nível do TSH sérico (39) (B), autoimunidade tireoidiana (7,39,41) (B) e ingestão aumentada de iodo (45) (A) são fatores de risco associados com a progressão ao hipotireoidismo manifesto. Níveis de TSH > 10 mU/L associam-se com maior risco para progressão ao hipotireoidismo manifesto em adultos (38,39,41,42) (B) e idosos (48) (A).Não há evidências de risco no sexo masculino, possivelmente em razão da baixa prevalência do hipotireoidismo entre homens.
Recomendação 8
O risco de progressão ao hipotireoidismo manifesto é baixo entre crianças e adolescentes (49,50) (B), sendo mais provável na presença de bócio, doença celíaca, anticorpos antitireoidianos positivos e com níveis mais elevados do TSH (51,52) (B)
Recomendação 9
A determinação de anticorpos aTPO (7,39,42) (B) e o ultrassom da tireoide (43,44) (A,B) podem ser úteis na determinação da etiologia do HSC e na predição do risco de progressão ao hipotireoidismo manifesto.
SIGNIFICADO CLÍNICO
O HSC afeta a qualidade de vida e a função neurocognitiva?
Os efeitos do hipotireoidismo manifesto sobre a qualidade de vida são bem estabelecidos, mas permanecem controversos no HSC. Apenas 24% dos pacientes com HSC foram classificados como clinicamente hipotireóideos em um estudo para o desenvolvimento de um índice clínico baseado em escores para avaliação da gravidade do hipotireoidismo (53). No estudo transversal de Colorado (EUA) (5), indivíduos classificados como portadores de HSC reportaram mais sintomas de hipotireoidismo em comparação aos controles eutireóideos, mas a sensibilidade e o valor preditivo positivo foram baixos. Em um estudo da comunidade australiana (54), HSC não se associou com piora do bem-estar ou da qualidade de vida, resultado similar a um estudo transversal realizado no Brasil (55). Em populações específicas de idosos (56-58), o HSC não se associou com efeito significativo sobre a cognição, depressão e ansiedade.
No Brasil, os resultados de estudos transversais têm sido controversos. Almeida e cols. (59) não observaram nenhuma diferença da avaliação neurocognitiva entre 65 pacientes com HSC e 31 controles normais. O mesmo grupo constatou, em outro estudo, que, apesar de sintomas de depressão e ansiedade associarem-se positivamente com níveis de TSH em pacientes com HSC, não houve benefícios com a reposição de levotiroxina sobre os mesmos achados (60).
Recomendação 10
O HSC pode ser sintomático em uma proporção pequena de pacientes (5,53) (A,B), mas não há evidência contundente sobre os efeitos do HSC na qualidade de vida e na função cognitiva (54) (A). Em idosos, o HSC não se associou com efeitos sobre a função cognitiva, depressão e ansiedade (56-58) (A,B,A).
Há associação entre HSC e dislipidemia?
Sabe-se que os hormônios tireoidianos atuam em diferentes vias do metabolismo lipídico e que o hipotireoidismo manifesto pode cursar com dislipidemia por diferentes mecanismos (61). A postulação de que tais alterações possam ocorrer já no HSC tem sido levantada nos últimos anos, mas os resultados de diferentes estudos são discrepantes. No estudo de Rotterdam (Holanda) (62), embora tenha sido observada forte associação do HSC com o risco de aterosclerose e infarto do miocárdio em mulheres idosas, nenhuma diferença significante foi encontrada nos níveis séricos de colesterol total e colesterol não-HDL (triglicerídeos e LDL-c não foram avaliados) entre os grupos de indivíduos com HSC e eutireoidismo. Dados obtidos do estudo NHANES (National Health and Nutritional Examination Survey) (63) na população norte-americana reforçaram esses achados ao não demonstrarem evidência de associação do HSC com dislipidemia. Da mesma forma, nenhuma associação de HSC com anormalidades no perfil lipídico foi encontrada na população nipo-brasileira (10). Em um grande estudo (64) transversal com 7.000 pacientes ambulatoriais consecutivos, não houve associação do HSC com alterações nos níveis séricos de colesterol total, LDL-c e triglicerídeos.
Por outro lado, outros estudos populacionais encontraram associação entre HSC e dislipidemia. No estudo The Health, Aging, and Body Composition Study (65), HSC associou-se significativamente com aumento dos níveis séricos do colesterol total, mas apenas entre mulheres negras. No estudo australiano em Busselton (66), níveis séricos elevados do LDL-c associaram-se ao HSC mesmo após ajustes para sexo e idade, e o estudo populacional de Tromso (67) também constatou uma correlação positiva entre TSH sérico com variáveis lipídicas. O estudo de Colorado (5), com mais de 25.000 participantes (2.336 com HSC), demonstrou associação significativa do HSC com níveis séricos elevados do colesterol total e uma correlação positiva entre os níveis séricos do TSH e do colesterol total, mas as análises não foram ajustadas para idade e sexo. Mais recentemente, os resultados de associação do HSC com dislipidemia também foram demonstrados em uma população chinesa (68). Fatores que parecem contribuir e fortalecer a associação do HSC com dislipidemia incluem níveis de TSH > 10,0 mU∕ L (69,70), tabagismo (71) e resistência insulínica (72,73). Além disso, estudos populacionais envolvendo indivíduos eutireoidianos sugerem que pequenas elevações dos níveis séricos de TSH, mesmo dentro da faixa da normalidade, podem associar-se com elevações de variáveis lipídicas (74,75).
Recomendação 11
Há discordância entre os estudos populacionais sobre uma potencial associação do HSC com dislipidemia, mas níveis séricos de TSH > 10 mU/L (69,70) (A), tabagismo (71) (B) e resistência insulínica (72,73) (B) associam-se com maior risco para dislipidemia no HSC.
Quais os efeitos do HSC sobre o endotélio vascular?
Os hormônios tireoidianos exercem efeitos sobre o endotélio e as células musculares lisas vasculares, que, por sua vez, desempenham papel primordial na modulação do tônus vascular (76). Sabe-se ainda que o receptor de TSH é expresso nas células musculares lisas vasculares (77) e que um efeito direto do TSH nas células endoteliais humanas tem sido demonstrado (78,79).
Lekakis e cols. (80) foram os primeiros a descrever uma relação negativa entre HSC e a vasodilatação dependente do endotélio utilizando a técnica da medida da dilatação fluxo-mediada da artéria braquial, posteriormente confirmada por outros estudos (81,82). Em ensaio randomizado duplo-cego cruzado, Razvi e cols. (83) mostraram que a terapia de reposição com levotiroxina aumentou a dilatação fluxo-mediada da artéria braquial em pacientes com HSC. Mais recentemente, Traub-Weidinger e cols. (84) observaram uma disfunção microvascular coronariana reversível após tratamento com levotiroxina em 10 pacientes com HSC por doença autoimune.
Recomendação 12
Há escassos estudos na literatura sobre os efeitos do HSC sobre o endotélio vascular, a maioria com amostra insuficiente de pacientes, limitando o poder de evidência sobre a relação causa-efeito.
Quais os efeitos do HSC sobre a função cardíaca?
Os hormônios tireoidianos exercem importantes efeitos na fisiologia cardíaca por meio de mecanismos gênicos e não gênicos e especula-se que alterações desses mecanismos no HSC poderiam associar-se com alterações da estrutura e função cardíaca, assim como ocorre no hipotireoidismo manifesto (76).
Alterações das funções sistólica e diastólica têm sido reportadas em pacientes com HSC em estudos pequenos e com limitações metodológicas (85-91), enquanto nenhuma alteração estrutural ou funcional foi associada ao HSC em dois estudos populacionais (92,93).
Por outro lado, a associação do HSC com insuficiência cardíaca tem sido demonstrada de forma mais consistente em estudos epidemiológicos e de metanálise, particularmente para concentrações séricas do TSH > 10 mU/L (94-97) e em idosos (94,95,97). Por outro lado, em uma única coorte com determinações repetidas da função tireoidiana através do tempo, a associação do HSC persistente com insuficiência cardíaca em pacientes idosos não se confirmou, sugerindo que efeitos do HSC transitório poderiam mascarar aqueles do HSC persistente em estudos baseados em apenas uma única determinação da função tireoidiana (98).
Recomendação 13
Estudos populacionais não observaram evidência consistente de efeitos do HSC sobre a estrutura cardíaca e nas funções sistólica e diastólica (92,93) (B,A).
Recomendação 14
Há evidência mostrando associação significativa do HSC com insuficiência cardíaca congestiva, particularmente em idosos (94,95,97) (A) e para níveis de TSH acima 10 mU/L (96) (A).
Há associação do HSC com o risco cardiovascular e de mortalidade?
Vários estudos populacionais prospectivos (10,12,62, 94-107) exploraram potenciais associações do HSC com o risco cardiovascular e mortalidade, mas os resultados são divergentes, possivelmente em razão de múltiplos fatores, como diferenças nas definições empregadas para HSC e doença arterial coronariana, inclusão de populações com características específicas, com diferentes etnias e faixas de idade, diferentes critérios de inclusão e exclusão e por diferenças em ajustes para fatores de confusão com interferência no prognóstico, entre outros (108).
No Brasil, em um único estudo populacional prospectivo na comunidade nipo-brasileira de Bauru (10), o HSC associou-se significativamente com maior risco de morte por qualquer causa em 7,5 anos de seguimento, mas não com a mortalidade por causa cardiovascular. No entanto, o número de eventos foi pequeno, o que deve ter limitado o poder estatístico de encontrar significância. Além disso, por se tratar de uma população específica de nipo-brasileiros, os dados não podem ser extrapolados para toda a população brasileira.
O impacto do HSC no risco cardiovascular tem sido ainda investigado em diferentes metanálises (109-112), mas os resultados obtidos também se mostraram divergentes, possivelmente em razão da heterogeneidade entre os estudos. Mais recentemente, entretanto, uma complexa metanálise (13) baseada em dados individuais de 11 estudos prospectivos incluiu 55.287 participantes com critérios homogêneos de inclusão e exclusão e uma definição única para HSC e doença arterial coronariana. Neste estudo (13), HSC associou-se significativamente com maior risco de doença arterial coronariana e de morte por doença arterial coronariana. Os riscos para ambos os desfechos foram maiores para concentrações do TSH > 10 mU/L, mas a mortalidade por doença arterial coronariana foi significativa a partir de 7 mU/L.
Em idosos, por outro lado, uma metanálise (21) não encontrou associação do HSC com o risco cardiovascular e mortalidade, sugerindo que o HSC não exerce o mesmo efeito sobre o risco cardiovascular em idosos comparando-se a uma população mais jovem.
Recomendação 15
Há evidência consistente sobre a associação do HSC com o risco de doença arterial coronariana e de morte por doença arterial coronariana, particularmente para valores do TSH > 10 mU/L (13) (A), mas não em idosos > 65 anos (21) (A).
TRATAMENTO
Quando tratar o paciente com HSC?
O risco de progressão ao hipotireoidismo franco pode ser um primeiro parâmetro a ser considerado na decisão clínica sobre o tratamento. Nesse sentido, pacientes com HSC persistente, particularmente com concentrações séricas do TSH > 10 mU/L (38,39,41,42), aTPO positivo (7,39,41) e/ou com alterações ultrassonográficas (44) sugestivas de autoimunidade tireoidiana, seriam candidatos ao tratamento em razão das características associadas com maior taxa de progressão ao hipotireoidismo manifesto.
A presença de sintomas atribuíveis ao hipotireoidismo é frequentemente considerada por clínicos na indicação do tratamento, entretanto, os efeitos da terapia de reposição com levotiroxina no HSC sobre o humor, cognição e qualidade de vida divergem entre diferentes estudos, de acordo com o tipo de população estudada, com a forma de definição de HSC e com os métodos de mensuração dos desfechos em questão. Poucos foram os ensaios clínicos, randomizados e controlados por placebo que avaliaram o impacto do tratamento nesses desfechos. Alguns demonstraram efeitos benéficos (113-116), enquanto outros não confirmaram tais resultados (117-120). Em idosos com HSC, o tratamento com levotiroxina não resultou em melhora da função cognitiva em um estudo randomizado comparado por placebo (120), embora somente 27 dos 42 indivíduos tratados com placebo tenham completado o estudo, o que pode ter influenciado os resultados.
Outro possível benefício do tratamento com levotiroxina em pacientes com HSC seria na dislipidemia. No entanto, poucos estudos randomizados controlados por placebo avaliaram o efeito da levotiroxina no perfil lipídico de pacientes com HSC. Alguns deles não encontraram redução nos níveis das variáveis lipídicas com o tratamento (112-115,118), enquanto outros demonstraram efeitos favoráveis (67,83,121-123). Duas metanálises também avaliaram os efeitos da reposição com levotiroxina no perfil lipídico de pacientes com HSC (69,70). A primeira metanálise (69) foi favorável ao tratamento, mas a maioria dos estudos selecionados foi não randomizada. Por outro lado, na segunda metanálise (70), que selecionou apenas estudos randomizados comparados por placebo, os efeitos benéficos do tratamento com levotiroxina foram apenas marginais e somente sobre o colesterol total. Ambas as metanálises (69,70) mostraram que potenciais benefícios do tratamento ocorreriam em pacientes com níveis de TSH > 10,0 mU/L. Posteriormente, alguns estudos randomizados foram publicados com o mesmo objetivo, mas todos com limitações metodológicas. Ravzi e cols. (83) observaram efeitos benéficos do tratamento com levotiroxina nos níveis de colesterol total e LDL-c em um estudo randomizado e cruzado, porém também sem diferenças em relação ao grupo placebo e, ao final de três meses, somente 71/100 pacientes estavam com níveis de TSH na faixa alvo. Adrees e cols. (124) demonstraram efeitos favoráveis do tratamento com levotiroxina em mulheres com HSC em um estudo de análise pareada (pré- e pós-intervenção) e, no Brasil, Teixeira e cols. (125) demonstraram que a reposição com levotiroxina proporcionou redução dos níveis de LDL-c e colesterol total em um ensaio randomizado controlado por placebo, especialmente em mulheres menopausadas, com anticorpos antitireoidianos positivos e com níveis séricos do TSH > 8,0 mU/L. No entanto, apenas 38 dos 60 participantes concluíram 6 meses de tratamento.
Também são escassos os estudos randomizados controlados por placebo que demonstraram efeito benéfico do tratamento do HSC na função endotelial (83,122), assim como sobre a estrutura e função cardíaca, os quais ainda apresentam limitações metodológicas e resultados conflitantes (83,87,88,126-129).
Há, entretanto, evidência (13) consistente de associação do HSC com maior risco de doença arterial coronariana e morte por doença arterial coronariana, particularmente para níveis de TSH acima de 10 mU/L. A mortalidade por doença arterial coronariana foi ainda significativamente maior para valores de TSH a partir de 7 mU/L. Em uma metanálise (21), a associação do HSC com maior risco cardiovascular e de mortalidade foi significativa apenas para indivíduos com idade inferior a 65 anos. Apesar desses dados sobre associação de risco entre o HSC e desfechos cardiovasculares e de mortalidade, até o momento nenhum ensaio clínico randomizado controlado por placebo foi conduzido para avaliar o impacto do tratamento com levotiroxina sobre esses desfechos em pacientes com HSC. Há, no entanto, indícios indiretos de potenciais benefícios deduzidos a partir de dados obtidos de estudos de coortes populacionais para avaliação desses desfechos, nos quais parte da população com HSC foi tratada e outra não. Na coorte do Cardiovascular Health Study, indivíduos com HSC tratados com levotiroxina apresentaram menor risco de desfechos cardiovasculares comparados aos não tratados (97). A reanálise do estudo de Whickham (12) demonstrou que o tratamento do HSC associou-se com redução na mortalidade total após 20 anos de seguimento, mesmo após múltiplos ajustes para outros fatores de influência no prognóstico. No estudo PreCIS -Preventive Cardiology Information System, Cleveland Clinic - EUA (106), pacientes com HSC moderado (TSH > 6,0-10,0 mU/L) e hipotireoidismo franco apresentaram maior risco de mortalidade por todas as causas, especialmente nos indivíduos com menos de 65 anos e que não receberam levotiroxina ao longo da coorte. Finalmente, em uma coorte do Reino Unido (130), pacientes adultos jovens (40-70 anos) com diagnóstico recente de HSC (TSH, 5,01 - 10 mU/L), que haviam recebido tratamento com levotiroxina, apresentaram menor risco de eventos de doença arterial coronariana e de mortalidade por todas as causas em 7,6 anos de seguimento comparados aos indivíduos que não receberam levotiroxina. Porém, nenhum efeito favorável foi observado para indivíduos idosos (> 70 anos).
Recomendação 16
O tratamento do HSC permanece controverso e não sustentado por evidência, uma vez que inexistem estudos randomizados e controlados por placebo com número suficiente de pacientes que demonstre benefícios do tratamento sobre o risco cardiovascular e de mortalidade. Assim, o tratamento deve ser considerado em situações específicas, na dependência de evidências disponíveis sobre o significado clínico do HSC, em subgrupos de pacientes que poderiam se beneficiar do tratamento e mediante julgamento clínico individual (D).
Recomendação 17
O tratamento do HSC deve ser considerado apenas para pacientes com HSC persistente, após confirmação dos níveis séricos do TSH após 3 a 6 meses (37) (A).
Recomendação 18
O consenso recomenda o tratamento com levotiroxina para todos pacientes com HSC persistente e concentrações séricas do TSH > 10 mU/L (Tabela 5), em razão da maior probabilidade de progressão ao hipotireoidismo franco (39,41,42) (B), maior risco de insuficiência cardíaca (96) (A), doença arterial coronariana e de mortalidade (13) (A). Há ainda estudos de coorte populacional com indícios indiretos mostrando benefícios do tratamento do HSC sobre o risco cardiovascular e de mortalidade (12,97,106,130) (B). Além disso, há evidência (70) (A) sugerindo efeito favorável do tratamento com levotiroxina sobre os níveis séricos do colesterol total em pacientes com HSC e níveis de TSH > 10 mU/L.
Recomendação 19
Para pacientes com HSC persistente e níveis séricos do TSH < 10 mU/L (Tabela 5), o tratamento pode ser considerado para subgrupos de pacientes com características específicas, conforme abaixo:
Pacientes do sexo feminino (7,39) (B), com aTPO positivo (7,39,41) (B) e/ou com alterações ultrassonográficas sugestivas de tireoidite de Hashimoto (43,44) (A,B) e com elevação progressiva dos níveis séricos do TSH, em razão do maior risco de progressão ao hipotireoidismo franco.
Pacientes com doença cardiovascular preexistente ou com risco cardiovascular elevado (ex.: síndrome metabólica, dislipidemia, diabetes, hipertensão arterial), particularmente para indivíduos com idade < 65 anos (21) (A) e com níveis de TSH > 7 mU/L (13) (A), em razão do maior risco cardiovascular e de morte por doença cardiovascular.
O consenso não encontrou evidência que sustente recomendação do tratamento com levotiroxina em pacientes com HSC com objetivo de alívio de sintomas, melhora da qualidade de vida ou da função cognitiva. No entanto, o consenso concorda com recomendação prévia (1) (D), na dependência de julgamento clínico individual, da realização de teste terapêutico com levotiroxina durante curto período de tempo. Se as manifestações clínicas permanecerem inalteradas após normalização do TSH, o tratamento deverá ser suspenso.
Quando tratar o paciente idoso com HSC?
Grandes estudos populacionais não demonstraram associação do HSC com disfunção cognitiva, ansiedade ou depressão em pacientes com mais de 65 anos (56-58) e um estudo randomizado (120) controlado por placebo não encontrou nenhum benefício do tratamento de reposição com levotiroxina sobre a função cognitiva em pacientes > 65 anos e HSC.
Há evidências baseadas em estudos de coorte populacional (94,95,97) associando HSC com maior risco de insuficiência cardíaca em idosos com níveis de TSH > 10 mU/L. No entanto, em um estudo recente de uma coorte populacional com determinações da função tireoidiana através do tempo, a associação do HSC persistente com insuficiência cardíaca em pacientes idosos não se confirmou (98). Além disso, não há estudo sobre potenciais benefícios do tratamento do HSC em idosos sobre o risco de insuficiência cardíaca.
Postula-se que o HSC leve-moderado (TSH > 4,5 < 10 mU/L) em idosos possa estar associado a benefícios, seja como fator de proteção cardiovascular e de mortalidade (21,22,99) ou por demonstrações de que tais pacientes apresentem melhor função física e velocidade de marcha, conforme estudo de seguimento de 2 anos com pacientes de 70-79 anos (131). Além disso, em estudos de coorte populacional (97,106,130), o tratamento do HSC não mostrou efeito favorável na redução de risco cardiovascular e/ou de mortalidade em pacientes idosos, mas sim para indivíduos adultos jovens.
Recomendação 20
O tratamento do HSC em pacientes idosos > 65 anos é recomendado apenas em face de níveis sustentados do TSH > 10 mU/L (Tabela 5), em razão da ausência de associação com o risco cardiovascular e de mortalidade nesta faixa etária (21) (A), da inexistência de efeitos favoráveis do tratamento em estudos de coorte populacional (106,130) (B), e pelo maior risco de insuficiência cardíaca em idosos com HSC e níveis de TSH > 10 mU/L (94,95,97) (A).
Recomendação 21
Não há recomendação de tratamento de pacientes idosos (> 65 anos) e HSC com objetivo de alívio de sintomas e melhora da qualidade de vida (120) (A).
Quais os riscos do tratamento?
Estima-se que uma proporção significativa de pacientes em reposição com levotiroxina pode estar usando doses suprafisiológicas, com consequente hipertireoidismo subclínico ou mesmo manifesto. No estudo Colorado (5), foram aproximadamente 40% dos pacientes, enquanto no Brasil (132) um estudo multicêntrico recente mostrou que aproximadamente 14,4% dos pacientes com hipotireoidismo em tratamento com levotiroxina estavam hipertratados. O hipertireoidismo subclínico induzido nesses casos associa-se com maior risco de fibrilação atrial (133), principalmente em idosos acima de 65 anos (134), e da redução de massa óssea em mulheres pós-menopausadas (135).
Recomendação 22
Os riscos do tratamento do HSC são inerentes ao uso de doses excessivas de levotiroxina, de particular relevância clínica em idosos, pelo maior risco de fibrilação atrial (133,134) (A) e em mulheres pós-menopausadas, pelo risco de osteoporose (135) (B).
HIPOTIREOIDISMO SUBCLÍNICO NA GESTAÇÃO
Como diagnosticar HSC na gestação?
O diagnóstico do HSC na gestação é laboratorial, caracterizado por concentrações elevadas de TSH (até 10 mU/L) em face de concentrações normais de T4L para a idade gestacional (136).
Existem fortes evidências de que a faixa de referência para o TSH é mais baixa na gestação em comparação com a faixa usual de referência em não gestantes, em torno de 0,45 a 4,5 mU/L (17,18). A maior diminuição nos valores de TSH é observada no 1º trimestre e é transitória, relacionada com as concentrações de beta-HCG, que podem estimular o receptor do TSH. As concentrações de TSH sobem gradualmente nos trimestres subsequentes. Os valores de referência de TSH na gestação (mediana e os percentis 2,5% e 97,5%), obtidos de diversos estudos (25,28,137), são apresentados na tabela 6.
Os melhores métodos para a dosagem do T4L na gestação são a espectrometria de massa em Tanden, cromotografia líquida e a diálise de equilíbrio. Os métodos usuais de dosagem do T4L sofrem influência do aumento de globulina transportadora de hormônios tireoidianos (TBG) e de diminuições das concentrações de albumina que ocorrem na gestação. Essas alterações podem influenciar os diversos imunoensaios para T4L, o mesmo acontecendo para o T4 total e o índice de T4L (138). Recomenda-se cuidado na interpretação de seus valores, bem como que cada laboratório estabeleça sua faixa de normalidade para cada trimestre da gestação (139).
Recomendação 23
Valores de referência para o TSH deverão ser determinados para cada trimestre da gestação pelo laboratório local. Caso esses valores não estejam disponíveis, os seguintes valores de referência deverão ser utilizados: primeiro trimestre: 0,1-2,5 mU/L; segundo trimestre: 0,2-3,5 mU/L; terceiro trimestre: 0,3-3,5 mU/L (27) (B).
Recomendação 24
Se os melhores métodos de dosagem de T4L não estiverem disponíveis, os clínicos deverão utilizar os métodos usuais para sua determinação. Entretanto, deverão estar cientes das limitações destes, bem como das faixas de referência, considerando-se o método em uso (138,139) (B).
Recomendação 25
Para o diagnóstico do HSC no primeiro trimestre da gestação serão considerados os valores de TSH que se situam entre 2,5 e 10,0 mU/L associados a valores de T4L dentro da faixa da normalidade para a idade gestacional (136) (D).
O HSC aumenta o risco materno?
A maioria dos estudos em gestantes com HSC que analisaram complicações durante a gestação sugere que o HSC está associado a efeitos adversos na gestação. Perda fetal foi a complicação obstétrica mais frequentemente associada. Benhadi e cols. (140) encontraram uma relação linear positiva entre perda fetal e aumento das concentrações de TSH. Negro e cols. (141) encontraram uma taxa aumentada de perda fetal em mulheres com aTPO negativos e TSH entre 2,5 e 5,0 mU/L quando comparadas àquelas que apresentavam TSH < 2,5 mU/L. Allan e cols. (142) também observaram que gestantes com TSH elevado (> 6 mU/L) apresentaram maior porcentagem de morte fetal em relação aos controles. Outras complicações associadas com o HSC foram hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia, parto prematuro, baixo peso ao nascer, descolamento de placenta e hemorragia pós-parto (143). Entretanto, em uma coorte de 10.990 gestantes (144), o HSC detectado no 1º e 2º trimestres não se associou com efeitos adversos.
Recomendação 26
Diversos estudos, ainda que retrospectivos (142,143) (B), sugerem que o HSC está associado com um maior risco de complicações obstétricas. Apenas dois estudos prospectivos (140,141) (B) sugerem que o tratamento dessas gestantes apresentam redução do risco dessas complicações, mas necessitam de confirmação por meio de outros estudos randomizados.
O HSC aumenta o risco fetal?
Os hormônios tireoidianos são determinantes para o desenvolvimento cerebral e suas deficiências podem causar déficits na diferenciação e na migração dos neurônios, nos crescimentos axonal e dendrítico, na formação de mielina e na sinaptogênese (145).
Entretanto, os efeitos deletérios do HSC no desenvolvimento neurocognitivo fetal são menos claros. Dois estudos mostraram que concentrações baixas de hormônios tireoidianos em fases precoces da gestação foram associadas à diminuição do quociente intelectual (QI) em crianças quando testadas aos 10 meses e 7 anos (146,147).
Um grande estudo (Controlled Antenatal Thyroid Study - CATS) foi conduzido na Inglaterra (148) em gestantes até a 16ª semana de gestação. Aquelas com TSH acima do percentil 97,5% e/ou T4L abaixo do percentil 2,5% foram tratadas ou não com levotiroxina. Os resultados demonstraram que não houve diferença no QI entre os dois grupos ao avaliarem as crianças aos 3 anos. Entretanto, esse estudo avaliou apenas crianças com 3 anos de idade, o que pode ter limitado o poder de achado significativo em razão da dificuldade técnica de avaliação de QI nessa faixa de idade. Além disso, a porcentagem de crianças com QI < 85 foi maior no grupo de gestantes com HSC não tratadas em relação ao controle.
Recomendação 27
Há escassas evidências sugerindo potenciais efeitos deletérios do HSC no desenvolvimento neurocognitivo fetal (146,147) (B,C), mas não há evidência de benefício do tratamento com levotiroxina em gestantes com HSC sobre esses efeitos (148) (A).
Há indicação de rastreamento de HSC na gestação?
Há controvérsia quanto à realização de triagem universal para o hipotireoidismo em todas as gestantes. No hipotireoidismo franco não diagnosticado e não tratado durante a gestação, as consequências para a mãe e feto já estão bem estabelecidas, entretanto no HSC permanecem não definidas, pois existe apenas um estudo randomizado e prospectivo avaliando os efeitos da terapia com levotiroxina e o subsequente desenvolvimento da criança (148). Sendo assim, o American College of Obstetricians and Gynecologists (149) não recomenda a triagem universal em gestantes, mas apenas para as gestantes de alto risco para disfunção tireoidiana. Recentemente, a American Thyroid Association (136) também se posicionou, apontando não existirem evidências suficientes para recomendar a favor ou contra a triagem universal com TSH em gestantes no primeiro trimestre.
Um estudo (150) comparando a detecção de disfunção tireoidiana por meio de triagem universal de gestantes com a abordagem de busca ativa em gestantes de alto risco observou que 30% das gestantes com disfunção tireoidiana deixariam de ser detectadas com essa última abordagem.
São gestantes de alto risco para desenvolver disfunção tireoidiana as mulheres que apresentam uma das seguintes condições: 1) história de hipertireoidismo ou hipotireoidismo ou tireoidite pós-parto prévia; 2) passado de irradiação cervical; 3) bócio; 4) história familiar de doença tireoidiana; 5) anticorpos antitireoidianos positivos; 6) diabetes melito tipo 1 ou outra doença autoimune; 7) história de abortos ou partos prematuros; 8) sintomas e sinais de disfunção tireoidiana incluindo anemia, elevação de colesterol e hiponatremia; 9) tratamento com amiodarona (150).
Recomendação 28
Não há evidências suficientes para que se recomende a favor ou contra a triagem universal do hipotireoidismo com TSH em gestantes no primeiro trimestre da gestação, mas o consenso concorda com a recomendação de uma busca ativa em gestantes de alto risco para disfunção tireoidiana (136,149-151) (D,D,B,B).
Quando e como tratar o HSC na gestação?
A maioria dos estudos retrospectivos (142,143) sugere associação do HSC com efeitos adversos na gestação, mas há falta de estudos prospectivos randomizados sobre potenciais benefícios do tratamento do HSC durante a gestação. Sabe-se, entretanto, que o tratamento com levotiroxina durante a gestação é seguro e de baixo risco quando instituído cuidadosamente.
Uma vez iniciado, o tratamento com levotiroxina deverá ser em doses menores que as estipuladas para o tratamento do hipotireoidismo franco. As concentrações de TSH e T4L deverão ser mensuradas após quatro semanas do início do tratamento (151) e mensalmente até a metade da gestação e pelo menos na 26ª e 32ª semanas de gestação (149). A meta é manter as concentrações de TSH em valores menores do que 2,5 mU/L no 1º trimestre da gestação ou 3,5 mU/L no 2º e 3º trimestres (27).
Recomendação 29
Não há evidência consistente para recomendar contra ou a favor o tratamento do HSC durante a gestação. No entanto, este consenso aceita que o tratamento deva ser instituído no momento do diagnóstico, em razão de estudos retrospectivos que sugerem efeitos adversos na gestação e pelo baixo risco do tratamento (142,143) (B).
Agradecimentos: à Dra. Nathalia Carvalho de Andrada pela revisão do nível da recomendação e força da evidência.
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Recebido em 5/Mar/2013
Aceito em 5/Mar/2013
Declaração: os autores declaram não haver conflitos de interesse científico neste estudo.
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Correspondência para:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Maio 2013 -
Data do Fascículo
Abr 2013
Histórico
-
Recebido
05 Mar 2013 -
Aceito
05 Mar 2013