Reconhecimento de emoções pela voz e expressão facial por estudantes de medicina

RESUMO

Objetivo

avaliar a capacidade de estudantes de medicina para reconhecer emoções pela voz e expressão facial, por meio de avaliações de percepção emocional da entonação vocal e das expressões faciais.

Métodos

estudo com delineamento transversal observacional. Para avaliação do reconhecimento de emoções pelas expressões faciais, utilizou-se um teste composto por 20 vídeos de microexpressões faciais e, para avaliação do reconhecimento emocional pela voz, utilizou-se o Protocolo de Reconhecimento de Emoções Prosódicas Básicas, baseado no banco de dados de Burkhardt. Para análise estatística, foram utilizados os testes de Friedman, Shapiro-Wilk, teste t de Student ou Mann-Whitney e o coeficiente de correlação de Pearson ou Spearman.

Resultados

o estudo foi composto por 38 alunos, com média de idade de 20,8 (±2,5). O reconhecimento de emoções pela voz foi significativamente superior, comparado com os resultados do teste de reconhecimento de emoções pelas expressões faciais. Houve correlação positiva entre a idade e a habilidade de reconhecer emoções pelas expressões faciais. O gênero masculino apresentou taxa significativa de acertos, superior ao gênero feminino na habilidade de reconhecer emoções pela expressão facial. As emoções com maior média de acertos pela expressão facial foram surpresa, alegria e desprezo, enquanto, por meio da voz, as emoções foram raiva, medo e tristeza.

Conclusão

a capacidade de reconhecimento de emoções por estudantes de medicina foi maior na avaliação de percepção emocional por meio da voz.

Palavras-chave:
Emoções; Reconhecimento de voz; Reconhecimento facial; Comunicação não verbal; Empatia; Comunicação em saúde

ABSTRACT

Purpose

To evaluate the ability of medical students to recognize emotions through voice and facial expression through assessments of emotional perception of vocal intonation and functional expressions.

Methods

Observational cross-sectional study. To evaluate the recognition of emotions by facial expressions, a test composed of 20 videos of facial microexpressions was used, and to evaluate the emotional recognition by voice, the protocol of prosodic impressions of basic emotions, based on the Burkhardt database, was used. For statistical analysis, the Friedman, Shapiro-Wilk, Student t, Mann-Whitney and Pearson or Spearman correlation coefficient tests were used.

Results

The study consisted of 38 students, with an average age of 20.8 (±2.5). The recognition of emotions through the voice was significantly superior to the one through facial expressions. There was a positive correlation between age and the ability to recognize emotions through facial expressions. Males had a significantly higher hit rate than females in the ability to recognize emotions through facial expression. The emotions with the highest average success rates through facial expression were surprise, joy and contempt, while, through the voice, the emotions were anger, fear and sadness.

Conclusion

The ability to recognize emotions by medical students was greater when assessing emotional perception through the voice.

Keywords:
Emotions; Voice recognition; Facial recognition; Nonverbal communication; Empathy; Health communication

INTRODUÇÃO

Durante o exercício de sua profissão, o médico precisa superar desafios de cunho técnico, que envolvem o conhecimento adquirido ao decorrer da sua formação acadêmica, podendo abranger as diferentes patologias e suas correlações anatômicas e fisiológicas. Ao mesmo tempo, esse sujeito se caracteriza como um profissional da área da saúde que, como todos os outros, é exposto a pacientes com diferentes características socioculturais e pessoais, exigindo do clínico uma boa comunicação e relacionamento adequado para cada situação específica(¹).

Na atuação médica, a comunicação eficaz permite o estabelecimento do vínculo e a obtenção da confiança do paciente, aspecto que contribui para o sucesso do tratamento(²). Destaca-se que, para se obter êxito em interações e formações de vínculo com pacientes, a comunicação é um fator essencial, sendo importante observar o uso adequado das palavras e a forma como se fala, caracterizando a parte verbal da comunicação, que representa toda a parcela da comunicação verbalizada.

Por outro lado, é importante estar atento à comunicação não verbal, que pode ser entendida como os aspectos não verbalizados presentes em uma interação, e que representam valor comunicativo na composição da mensagem transmitida, consistindo em gestos, expressões faciais, entonação vocal e movimentos corporais(³). É fundamental que todos os profissionais da saúde e, particularmente, o médico, conheçam fundamentos comunicativos não verbais para que essa habilidade contribua para maior satisfação no atendimento clínico(⁴).

Podem ser citados como importantes pilares da comunicação não verbal as expressões faciais e a entonação vocal, fatores intimamente ligados à capacidade humana de expressar suas emoções de maneira genuína(⁵). Apesar de não ser um consenso na literatura, existem seis emoções básicas amplamente descritas: alegria, medo, surpresa, tristeza, nojo e raiva(⁵). No que diz respeito à expressão emocional por meio da comunicação não verbal, a alteração no estado emocional do indivíduo pode causar variações no ritmo, tom e velocidade da voz, além da utilização dos músculos e componentes da face, com mudanças na feição, de modo involuntário.

Há evidências de que pessoas capazes de reconhecer no outro as emoções durante uma interação demonstram mais assertividade ao se comunicar, adequando o uso da linguagem ao contexto do seu interlocutor(⁶), sendo o reconhecimento de emoções uma habilidade importante para gerar empatia e para o estabelecimento de vínculos(⁷).

Nesse cenário, o reconhecimento das emoções se torna importante dentro da atuação médica e durante o período de sua formação, em que já é orientado a lidar com situações que envolvem o atendimento. Essa habilidade pode auxiliar em uma interação assertiva e que promova uma conexão genuína com o indivíduo(⁶). A comunicação eficaz do profissional permite adequar sua linguagem para transmitir segurança e empatia no acolhimento do paciente, levando ao sucesso a formação do vínculo no propósito da sessão e/ou processo terapêutico: a saúde do paciente(⁸).

Sendo assim, o presente estudo, teve como objetivo avaliar a capacidade de estudantes de medicina para reconhecer emoções pela voz e expressão facial, por meio de avaliações de percepção emocional da entonação vocal e das expressões faciais.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo observacional transversal, vinculado ao ensaio clínico randomizado denominado “Modulação neurobiológica e empatia no aprimoramento das habilidades de comunicação em saúde”, do Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (PPG-CR/UFCSPA), aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o número 5.204.872.

Foram convidados a participar da pesquisa estudantes do curso de medicina, de ambos os gêneros, com faixa etária entre 18 e 30 anos, regularmente matriculados entre o primeiro e o segundo ano de curso em uma universidade federal do Sul do Brasil. Na primeira etapa do processo, os estudantes que aceitaram participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), após a explicação sobre o andamento do projeto, e responderam ao questionário para caracterização da amostra (^{Apêndice 1}).

Na sequência, o grupo foi submetido à aplicação de um teste baseado em estudos(⁹) sobre as emoções e expressões faciais (Anexo ¹). O teste consiste na apresentação de 20 vídeos retirados da plataforma E-Facials (¹⁰), idealizada para testar a capacidade de indivíduos de reconhecer as emoções por meio das microexpressões faciais. Nesses vídeos, atores recebem um estímulo visual e auditivo e, de forma genuína, apresentam uma reação na forma de microexpressão facial, que caracteriza uma das sete emoções: alegria, medo, raiva, surpresa, nojo, desprezo ou tristeza. Cada uma dessas emoções foi apresentada em dois ou três momentos diferentes, de forma aleatória, e cada um dos vídeos foi exibido duas vezes no momento da avaliação. Os alunos foram instruídos a marcar uma das sete emoções que julgassem mais adequada, de acordo com a expressão facial apresentada no vídeo. Todos os vídeos foram apresentados de forma presencial, por meio de projetores de imagem das salas de aula da universidade, sem áudio, e a aplicação foi conduzida em grupos.

Para finalizar, os alunos responderam o ao Protocolo de Reconhecimento de Emoções Prosódicas Básicas, baseado no banco de dados de Burkhardt(¹¹) (Anexo 2), uma ferramenta gratuita, amplamente utilizada em pesquisas de reconhecimento de emoções por meio da voz. A justificativa para escolha desse instrumento deveu-se ao fato de que, até o momento da realização desta pesquisa, não existia uma ferramenta semelhante validada no português brasileiro. A aplicação desse teste consistiu na utilização de 21 arquivos de áudio, com uma frase na língua alemã - In sieben Stunden wird es soweit sein - que tem como tradução “Isso acontecerá em sete horas”. Essa frase foi apresentada em diferentes entonações realizadas por atores treinados, a fim de caracterizar uma das seguintes emoções: alegria, medo, raiva, tristeza, tédio, nojo ou neutralidade. Os alunos foram orientados a se basearem apenas na prosódia vocal para responder ao teste. Cada um dos áudios foi reproduzido duas vezes, de forma seguida, e cada uma das emoções foi apresentada em três momentos diferentes, de forma aleatória. A instrução dada aos alunos foi para que marcassem uma emoção que julgassem mais adequada para cada um dos itens, tendo como referência apenas a entonação e/ou prosódia vocal. Os áudios que compunham o teste foram apresentados em grupo, de forma presencial, por meio das caixas de som conectadas ao computador da sala, em intensidade de volume adequada para todos os participantes.

Para cada áudio ou vídeo apresentado, havia uma única resposta correta, de acordo com os autores de cada teste, ou seja, uma emoção específica. Dessa forma, ao comparar a emoção assinalada pelo indivíduo com a resposta correta de cada item, foi possível verificar a efetividade da amostra para reconhecer cada uma das emoções, bem como comparar as possíveis diferenças no reconhecimento dessas emoções quando apresentadas pela expressão facial e voz.

O cálculo amostral foi orientado para a média de acurácia, com base no material composto por 20 vídeos e 21 áudios, e cada aluno obteve uma porcentagem de acertos no reconhecimento das emoções, que representou a sua acurácia. Cada participante teve uma acurácia de acerto nos áudios, nos vídeos, de forma individual para cada emoção, para cada um dos testes, e uma acurácia global, que considera a porcentagem total de acertos nos testes. A amostra foi estimada em 31 estudantes, considerando um desvio padrão de 14,8% para a acurácia no reconhecimento não verbal (média = 85,6%)(¹²). Foi adotada margem de erro de 5,5 para o intervalo de confiança de 95%.

Os resultados das variáveis qualitativas foram apresentados por meio de frequências absoluta e relativa e das quantitativas em média e desvio padrão, quando simétricas, e mediana e intervalo interquartil (IQR), quando assimétricas. A normalidade foi verificada pelo teste Shapiro-Wilk. Aplicou-se o teste de Friedman com post-hoc de Bonferroni para comparação da porcentagem de cada emoção, conforme o meio de reconhecimento. Para a comparação da acurácia conforme o gênero, foi aplicado o teste t de Student ou teste Mann-Whitney, e para a comparação conforme o tipo de reconhecimento de emoções foi aplicado teste t para dados pareados ou teste Wilcoxon. O coeficiente de correlação de Pearson ou de Spearman foi utilizado para verificar a correlação da acurácia conforme o tipo de reconhecimento de emoções e a idade. O nível de significância adotado foi de 0,05. As análises foram realizadas no softwareestatístico SPSS (IBM SPSS Statistics for Windows, Version 25.0. Armonk, NY: IBM Corp.).

RESULTADOS

A amostra foi composta por 38 alunos, sendo 24 do gênero masculino (63,2%) e 14 do gênero feminino (36,8%). No que tange à raça da amostra, 35 alunos se denominaram brancos (92,1%), 2 alunos se denominaram negros (5,3%) e 1 aluno se denominou pardo (2,6%). A idade dos indivíduos variou entre 18 e 28 anos, com média de 20,8 (±2,5). Desse total, 36 alunos estavam no primeiro ano do curso (94,7%) e apenas 2 alunos no segundo ano (5,3%).

Cada uma das emoções testadas apresentou uma porcentagem de acertos total para cada um dos testes, reconhecimento pela voz e expressão facial. Houve diferença significativa na porcentagem de acertos conforme o tipo de emoção e o meio de reconhecimento, sendo possível perceber desempenhos distintos para uma mesma emoção, quando testada de formas diferentes. Todas as emoções testadas pelas expressões faciais apresentaram porcentagem de acertos igual ou inferior a 50%, enquanto todas as emoções testadas pela voz apresentaram taxas superiores a 50%. (Tabela 1).

Tabela 1
Comparação da porcentagem de acertos conforme emoção e meio de reconhecimento

Expressões faciais (% Acertos)	Média	DP	Mediana	valor de p
				<0.001
Surpresa	50	27,7	50
Alegria	38,6	22,6	33,3
Desprezo	32,9	29,1	50
Raiva	34,2	22,6	33,3
Tristeza	28,9	24,7	33,3
Nojo	23,7	17,2	33,3
Medo	14,9	20,1	0
Voz (% Acertos)				<0.001
Raiva	88,6	23,6	100
Medo	88,6	20,9	100
Tristeza	85,1	25,3	100
Alegria	79,8	23,9	83,3
Neutro	75,4	29,7	83,3
Tédio	74,6	30,4	83,3
Nojo	57	34,6	66,7

• Teste de Friedman com post-hoc de Bonferroni
• Legenda: % = Percentual; DP = Desvio padrão

Para a comparação entre os dois meios de reconhecimento, voz e expressão facial, realizou-se o cálculo por meio do desempenho geral dos estudantes em cada um dos testes, considerando, respectivamente, a porcentagem de acertos em todos os vídeos e em todos os áudios. O desempenho geral no reconhecimento de emoções foi superior por meio da voz, em comparação com o reconhecimento por meio das expressões faciais, de forma estatisticamente significante (p<0,001), com percentual de 78,4% de acertos ao total para voz e apenas 31,8% para as expressões faciais. (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação da porcentagem de acertos total entre expressões faciais e voz

	Média	DP	Mediana	valor de p
Total - % acertos pelas expressões faciais	31,8	10,1	30	<0.001*
Total - % acertos pela voz	78,4	17	83,3

• ^*
  Diferença estatisticamente significativa - Teste de Wilcoxon
• Legenda: % = percentual; DP = Desvio padrão

O teste de correlação de Spearman indicou correlação positiva fraca entre a idade e a capacidade de reconhecimento de emoções pelas expressões faciais (rho = 0,358; p-valor = 0,030).

Comparando os gêneros, encontrou-se diferença significativa na capacidade de reconhecimento de emoções pela voz, com os indivíduos do gênero masculino se sobressaindo e apresentando porcentagem média de acertos superior. Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa no que diz respeito ao reconhecimento por meio das expressões faciais (Tabela 3).

Tabela 3
Comparação da porcentagem de acertos entre os gêneros masculino e feminino para expressões faciais e voz

		Média	DP	Mediana	valor de p
Total - % acertos pelas expressões faciais
	M	30,4	9	30	0,345
	F	34,3	11,7	32,5
Total - % acertos pela voz
	M	81,5	18,3	85,7	0,027*
	F	73,1	13,5	73,8

• ^*
  Diferença estatisticamente significativa - Teste Mann-Whitney
• Legenda: % = Percentual; M = Gênero masculino; F = Gênero feminino; DP = Desvio padrão

DISCUSSÃO

A habilidade de reconhecimento de emoções predispõe uma comunicação mais efetiva na área da saúde, favorecendo a formação do vínculo com o paciente e contribuindo no desenvolvimento de sentimentos de empatia e compaixão, apontados como benéficos, por estarem relacionados a desfechos positivos nos tratamentos de saúde(¹³). Alia-se a isso o fato de que, em um contexto geral, é importante que estudantes de medicina sejam capazes de identificar as emoções, porque essa habilidade representará a possibilidade de uma linguagem mais assertiva na prática clínica(⁶).

As emoções podem ser entendidas como um conjunto de reações e processos fisiológicos e psicológicos frente a uma situação(⁵). Na literatura, descreve-se a existência de seis emoções básicas: alegria, medo, surpresa, nojo, raiva e tristeza, com padrões universais vocais e de expressão facial, expressados de forma natural e inconsciente, que podem ser percebidos durante a presença de cada uma dessas emoções(⁵).

A partir da comparação entre a porcentagem de acertos no reconhecimento das emoções, percebe-se que a ordem de desempenho varia de acordo com o estímulo, pois sua avaliação é subjetiva e composta por uma série de padrões contextuais, vocais e musculares^, chamados de pistas(¹⁴). Em um contexto de diálogo, a expressão ocorre pelo conjunto de uma ou mais pistas, porém, ao isolar as pistas auditivas e visuais e testá-las separadamente, algumas emoções podem ser mais facilmente identificadas por meio de determinados tipos de estímulo. Aliado a isso, destaca-se que cada emoção expressa por aspectos não verbais transmite uma mensagem a quem a interpreta e, seja pelo que transmite, ou pela configuração vocal ou muscular característica dessa emoção, cada expressão emocional pode impactar de forma diferente o indivíduo, dependendo do modo que é apresentada.

Estudo brasileiro realizado em São Paulo buscou investigar a relação da capacidade de alunos do curso de medicina de reconhecer emoções com a empatia, a partir de expressões faciais apresentadas por meio de fotografias em preto e branco, obtendo melhor resposta nas emoções de surpresa e alegria e pior julgamento na emoção de medo(¹⁵), confirmando os achados deste estudo. Outro estudo brasileiro também encontrou o medo como a emoção com menor índice de reconhecimento(¹⁶).

As ativações musculares presentes na expressão facial característica da surpresa são o levantamento das sobrancelhas, o enrugamento da testa e o ato de arregalar os olhos(¹⁷), sendo uma expressão facial semelhante às presentes durante a emoção de medo(¹⁷). Desse modo, dada a semelhança entre ambas as expressões faciais, pode haver uma relação proporcional em que, ao reconhecer melhor a surpresa, passa-se a confundir essa emoção com a de medo, causando assim, o baixo índice no reconhecimento da expressão facial de medo.

As emoções de raiva, medo, tristeza e alegria foram as mais bem avaliadas no teste de reconhecimento por meio da voz, atingindo mais de 75% de acertos, com a emoção de nojo figurando como a menor pontuação, próxima a 55%. Pesquisa realizada na Austrália testou a capacidade de idosos de reconhecer emoções em diferentes intensidades, por diferentes canais de transmissão de emoção, e os resultados encontrados para as emoções expressas pelo uso da voz trouxeram pontuações semelhantes, concordando com os achados deste estudo para as emoções de raiva, alegria, tristeza e nojo(¹⁸).

Optou-se pela utilização do banco de dados de Burkhardt(¹¹) para testar o reconhecimento de emoções pela voz, por conta da inexistência de uma ferramenta validada no português brasileiro. No entanto, é improvável que o fato de as frases utilizadas terem sido gravadas em outra língua tenha grande impacto nos resultados, uma vez que, apesar de existirem evidências de determinadas influências socioculturais na transmissão e percepção das emoções(¹⁹), a literatura aponta os padrões emocionais como universais(⁵,⁹), sendo possível verificar essa habilidade em diferentes contextos e culturas, por meio de ferramentas produzidas em diversos locais do mundo.

Deve-se acrescentar, ainda, que o conteúdo das frases não é importante para a expressão da emoção, fato explicado para os alunos antes da aplicação do teste.

Tanto o medo quanto a raiva são emoções associadas com a percepção de perigo, relacionadas ao instinto de proteção ou de se sentir ameaçado(²⁰). A expressão vocal da raiva é caracterizada por alta intensidade vocal e frequência, enquanto o medo se caracteriza por alta frequência e baixa intensidade na voz, com ambas possuindo, como semelhança, a presença de fala acelerada(²¹).

Dessa forma, observam-se características em comum entre as duas emoções com maior índice de reconhecimento vocal, a raiva e o medo, nos seus aspectos sociais e acústicos, fatores que podem estar ligados ao desempenho semelhante dessas emoções. Acrescenta-se, ainda, sobre a expressão emocional característica do sentimento de raiva, o fato de ela estar relacionada ao padrão vocal de ataques vocais rápidos, também presentes na emoção de alegria(²¹).

Cada emoção expressa pela voz possui diferentes variações de frequência fundamental (f₀) e pitch (²¹), fatores associados com a notória diferença em cada emoção expressa e, possivelmente, relacionados à maior facilidade para reconhecer determinadas emoções por meio da voz. As expressões vocais dos sentimentos de raiva e medo, emoções mais reconhecidas pela amostra, estão associadas com níveis altos de pitch e frequência fundamental, sendo mais variáveis na raiva que no medo(²¹).

É possível que o melhor reconhecimento da raiva também esteja associado à sua função social, uma vez que se entende a raiva como uma reação negativa, algumas vezes mais agressiva(²⁰,²²). Pode-se concluir que a realização de alguma ação que desperte essa emoção é agir de forma a violar o tolerável pelo outro indivíduo. Sendo assim, o ato de reconhecer essa emoção, em específico, é necessário para o convívio em sociedade para perceber, ou não, desaprovação de ações durante o convívio social.

As emoções descritas pela literatura como expressões vocais de maior variação na intensidade obtiveram melhores índices de reconhecimento por parte da amostra, seja essa variação negativa, com tons mais baixos, como ocorreu nas emoções de surpresa e medo, ou positiva, com tons mais altos, como aconteceu nas emoções de alegria e raiva, enquanto o pior desempenho se apresentou na emoção de medo, em que houve menor variação na intensidade vocal(²¹,²³).

A baixa taxa de acertos no reconhecimento das emoções pelas expressões faciais, percebida na comparação do reconhecimento de diferentes emoções e na comparação direta entre os meios de reconhecimento das emoções, apontou a grande dificuldade da amostra na capacidade em perceber os sentimentos pelas expressões faciais, fator que não ocorreu em outros estudos do tipo(¹⁵,¹⁶,¹⁸,²⁴). Destaca-se que a comparação do desempenho geral entre os dois meios de reconhecimento foi realizada por dois instrumentos distintos, os quais apresentam representações de algumas emoções diferentes, condição relacionada às limitações nas ferramentas disponíveis e desenvolvidas para pesquisa na área. Essas limitações impossibilitaram o uso de instrumentos que apresentassem maior compatibilidade nos diferentes tipos de expressão emocional.

A maior dificuldade de reconhecimento de emoções pela expressão facial por parte da amostra pode estar atribuída ao fato de que algumas emoções diferentes possuem ativações musculares bastante semelhantes(⁵), aspecto que pode vir a confundir o indivíduo testado. Em contrapartida, apesar de existirem semelhanças na expressão emocional pela voz, ela é composta por variações no tom, ritmo da fala, prosódia, pitch e frequência fundamental(²¹), podendo facilitar a diferenciação das emoções, mesmo quando há uma característica semelhante.

Destaca-se o fato de que os indivíduos foram testados por meio de microexpressões faciais, movimentos rápidos e curtos, partindo de uma posição neutra, sendo que a habilidade de reconhecer esse tipo de expressão emocional tão veloz e sutil não é algo comumente treinado, existindo fatores que podem atrapalhar o reconhecimento das emoções, como a falta de foco em pontos-chave durante a apresentação. No entanto, é possível aperfeiçoar essa habilidade com trabalho específico orientado para esse objetivo(²⁵).

De acordo com estudos semelhantes, o ápice da habilidade de reconhecer emoções acontece quando o indivíduo está na faixa etária descrita como “jovem adulto”(²⁶,²⁷). Estudos que utilizaram amostras com média de idade um pouco maior obtiveram resultados melhores para o reconhecimento de emoções pelas expressões faciais(¹⁶,¹⁸,²⁴,²⁶). Por outro lado, pesquisa realizada com uma amostra semelhante, composta por estudantes de medicina, encontrou resultados mais próximos, mas ainda superiores aos do presente estudo, possivelmente por diferenças nos testes utilizados e pela média de idade, que foi superior no estudo utilizado para comparação(¹⁵).

É possível que a amostra desta pesquisa, por ser bastante jovem e possuir pouca experiência social e profissional, ainda não tenha alcançado o ápice de sua habilidade de reconhecimento de expressões faciais, uma vez que se encontram resultados mais compatíveis quando se compara com amostras semelhantes, fator que pode ajudar a explicar o baixo índice de desempenho na habilidade de reconhecer emoções pelas expressões faciais.

Apesar de existirem estudos que apontam para o declínio da capacidade de reconhecimento de emoções pela expressão facial conforme o indivíduo envelhece(²⁶,²⁷), a correlação positiva encontrada entre a idade e o desempenho nesse teste, embora fraca, não contradiz a literatura. Uma vez que a amostra avaliada foi composta por indivíduos entre 18 e 28 anos de idade, entende-se que esse achado pode estar relacionado com a maior experiência socioemocional, o que garante um conhecimento mais amplo dos padrões de cada emoção expressa pela face.

É provável que o desempenho superior do gênero masculino no teste de reconhecimento de emoções pela voz tenha sido decorrente do maior número de homens compondo a amostra, visto que a literatura aponta na direção contrária, indicando que as mulheres são mais responsivas no que diz respeito à identificação de emoções pelas expressões faciais(¹⁵,²⁷,²⁸) e por meio da prosódia vocal(²⁶), fato possivelmente ligado à aspectos socioculturais(²⁸).

A empatia é uma habilidade social que envolve a percepção e entendimento do que o outro indivíduo sente(²⁹). Estudo brasileiro apontou para correlação positiva entre a capacidade de reconhecer emoções pela expressão facial e os níveis de empatia apresentados por um indivíduo(¹⁵), fato negativo, considerando o baixo desempenho da amostra nessa habilidade, uma vez que entende-se a empatia como benéfica para o processo de tratamento do paciente(¹³).

Estudo realizado na Suécia identificou impacto positivo de treinamento de reconhecimento de emoções por microexpressões faciais e estímulos dinâmicos em estudantes(²⁵). Alia-se ao achado desta pesquisa a compreensão de que a expressão emocional é composta por pistas padronizadas(¹⁴). A partir disso, apesar da amostra ter apresentado resultados negativos no que diz respeito à habilidade de reconhecer as emoções pela expressão facial, é possível projetar a melhora dessa capacidade se submetida a treinamento que vise melhorar a percepção das pistas visuais que expressam a emoção e de outras habilidades relacionadas com o reconhecimento emocional.

Em um contexto geral, é importante que estudantes de medicina sejam capazes de identificar as emoções, também de forma visual por meio das expressões faciais, visto que, no cenário da atuação clínica, essa habilidade representará a possibilidade de uma linguagem mais assertiva(⁶). Sendo a medicina uma profissão que coloca o indivíduo frente a pacientes e familiares fragilizados, que necessitam de um apoio humanizado, é fundamental aprender a compreender emoções e se comunicar adequadamente(³⁰).

Apesar da capacidade de reconhecer emoções pelas expressões faciais ter se apresentado menor na amostra, é possível projetar uma melhora nessa capacidade, por meio de treinamento específico(²⁵). Desta forma, a aquisição da habilidade citada pode surgir na atuação médica como mais uma ferramenta no processo de formação de vínculo com o paciente, auxiliando o bom relacionamento terapêutico e melhores resultados no processo de tratamento.

CONCLUSÃO

O reconhecimento de emoções expressas pela voz foi superior, comparado com o reconhecimento das emoções pelas expressões faciais, por estudantes de medicina que fizeram parte da amostra, o que pode indicar a melhor percepção da habilidade de reconhecimento emocional pela voz.

Apêndice 1 Questionário de caracterização da amostra

Q1 Nome completo:

_______________________________________________________________

Q2 Gênero: (M) (F) Q3 Data de nascimento: ____/____/___ Q4 Idade: ________

Q5 Estado civil:____________Q6 Telefone:(__)________-_________________

Q7 E-mail:______________

Q8 Raça: ( ) Branca ( ) Parda ( ) Negra ( ) Indígena ( ) Amarela

Q9 Curso de graduação _________________ Q10 Semestre:__________

Q11 Realiza atualmente tratamento(s) terapêutico(s)/medicamentoso(s)? ( ) Sim ( ) Não

Q11.1 Se sim, que tipo de tratamento(s):

______________________________________________________________

Legenda: Q = Questão

Anexo 1. Teste de reconhecimento de emoções pelas expressões faciais

NOME:

DATA:

Ao longo do teste, serão apresentadas microexpressões faciais em formato de vídeo. Para cada expressão apresentada, você deve marcar na coluna da grade de respostas a opção que julgar corresponder àquela emoção.

Exemplo: para a microexpressão 1, que será apresentada no começo do teste, você deve marcar a resposta correspondente na linha do vídeo 1, na coluna correspondente à emoção que julgar adequada.

OBSERVAÇÃO: Você deve marcar apenas uma emoção para cada vídeo.

	Alegria	Raiva	Medo	Surpresa	Nojo	Desprezo	Tristeza
Vídeo 1
Vídeo 2
Vídeo 3
Vídeo 4
Vídeo 5
Vídeo 6
Vídeo 7
Vídeo 8
Vídeo 9
Vídeo 10
Vídeo 11
Vídeo 12
Vídeo 13
Vídeo 14
Vídeo 15
Vídeo 16
Vídeo 17
Vídeo 18
Vídeo 19
Vídeo 20

Anexo 2. Protocolo de Reconhecimento de Emoções Prosódicas Básicas (Burkhardt)

NOME:

DATA:

Ao longo do teste, serão apresentadas frases em alemão. Para cada frase apresentada, você deve marcar a opção que julgar corresponder à emoção representada no áudio.

Exemplo: para a frase 1, que será apresentada no começo do teste, você deve marcar a resposta correspondente na linha da frase 1, na coluna correspondente à emoção que julgar adequada.

OBSERVAÇÃO: Você deve marcar apenas uma emoção para cada frase.

	Neutro	Alegria	Medo	Raiva	Tristeza	Tédio	Nojo
Áudio 1
Áudio 2
Áudio 3
Áudio 4
Áudio 5
Áudio 6
Áudio 7
Áudio 8
Áudio 9
Áudio 10
Áudio 11
Áudio 12
Áudio 13
Áudio 14
Áudio 15
Áudio 16
Áudio 17
Áudio 18
Áudio 19
Áudio 20
Áudio 21

• Trabalho realizado no Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA – Porto Alegre (RS), Brasil.
• Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES (88882.442869/2019-01); Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul - FAPERGS (88887.162304/2017-00).

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  14 Jun 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  21 Dez 2023
• Aceito
  06 Mar 2024