RESUMO
Objetivo
Analisar o impacto do diagnóstico da deficiência auditiva nas relações familiares de escolares usuários de dispositivos eletrônicos de amplificação sonora.
Métodos
A amostra foi composta por 26 pais de escolares com deficiência auditiva, usuários de dispositivos eletrônicos de amplificação sonora, com idades entre 4 e 14 anos, atendidos em um Programa de Saúde Auditiva público. Os pais responderam a um questionário objetivo, elaborado pelas autoras, sem validação prévia, com sete perguntas sobre a temática. Realizou-se análise estatística inferencial sempre que possível.
Resultados
A maioria dos pais não relatou ter apresentado dificuldades pessoais e/ou desgaste nas relações familiares com seus filhos deficientes auditivos. Não foi encontrada associação entre grau da deficiência auditiva e dificuldade de comunicação em ambos os grupos familiares. Também não se observou associação entre modalidade linguística e dificuldade de comunicação nos dois grupos, apesar de as respostas do grupo familiar mais amplo não terem sido tão unânimes como as do grupo familiar principal.
Conclusão
Os pais não relataram impacto significativo entre as relações familiares e a comunicação com seus filhos com deficiência auditiva, usuários de dispositivos eletrônicos de amplificação sonora, independentemente do grau da deficiência auditiva e da modalidade linguística. No grupo familiar mais amplo, também não houve associação importante entre grau da deficiência auditiva ou a modalidade linguística utilizada e dificuldade de comunicação entre a criança e a família, mesmo com respostas mais heterogêneas do que no grupo familiar principal.
Palavras-chave:
Perda auditiva; Relações familiares; Desenvolvimento infantil; Auxiliares de audição; Barreiras de comunicação
ABSTRACT
Purpose
To analyze the impact of the diagnosis of hearing loss on the family relationships of schoolchildren who use hearing aids.
Methods
The sample consisted of 26 parents from schools with hearing aid hearing aid users aged between 4 and 14 years, assisted in a public Hearing Health Program. Parents responded to an objective, prepared by the authors without prior validation, with seven questions on the subject. Inferential statistical analysis was performed whenever possible.
Results
Most parents do not report having had personal difficulties and/or strain in family relationships with their hearing-impaired child. No association was found between the degree of hearing loss and the communication difficulties between both family groups. There was also no association between language modality and communication difficulty between the two groups, although in the broader family group the responses were not as unanimous as in the main family group.
Conclusion
Parents did not report a significant impact on family relationships and communication with their children with hearing loss who use hearing aids, regardless of the degree of hearing impairment and language modality. Among the broader family group, there was also no significant association between the degree of hearing impairment or the language modality used and communication difficulties between the child and the family, even with more heterogeneous responses than in the main family group.
Keywords:
Hearing loss; Family relations; Child development; Hearing aids; Communication barriers
INTRODUÇÃO
A audição se faz necessária e primordial às relações humanas, principalmente quando relacionada à aquisição e ao desenvolvimento da linguagem oral e aprendizagem. Com isso, o diagnóstico da deficiência auditiva (DA) infantil tende a gerar impacto importante no cotidiano dessas crianças e seus familiares(11 Dammeyer J, Hansen AT, Crowe K, Marschark M. Childhood hearing loss: impact on parents and family life. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2019;120:140-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2019.02.027. PMid:30797110.
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2 Marques LP. Reações familiares diante da criança em situação de deficiência. Rev Educ Form. 2019;4(12):67-81. http://dx.doi.org/10.25053/redufor.v4i12.912.
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-33 Lieu JEC, Kenna M, Anne S, Davidson L. Hearing loss in children: a review. JAMA. 2020;324(21):2195-205. http://dx.doi.org/10.1001/jama.2020.17647. PMid:33258894.
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).
O diagnóstico precoce da DA está associado ao avanço tecnológico e à utilização de princípios, como o cross-check, que se dá por um conjunto de avaliações eletrofisiológicas, comportamentais e fisiológicas usadas de forma complementar(33 Lieu JEC, Kenna M, Anne S, Davidson L. Hearing loss in children: a review. JAMA. 2020;324(21):2195-205. http://dx.doi.org/10.1001/jama.2020.17647. PMid:33258894.
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,44 Joint Committee on Infant Hearing. Year 2019 position statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. J Early Hear Detect Interv. 2019;4(2):1-44. http://dx.doi.org/10.15142/fptk-b748.
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). Condutas apropriadas e orientações adequadas têm auxiliado o melhor manejo desses casos. Acrescenta-se, ainda, que programas de saúde auditiva públicos servem como apoio e referência ao deficiente auditivo e seus familiares, pois é por meio deles, inclusive, que há a concessão de dispositivos auxiliares de audição.
No Brasil, desde o ano de 2004, existe a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva (PNASA)(55 Brasil. Portaria nº 2.073, de 28 de setembro de 2004. Institui a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2004 [citado em 2023 Out 25]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2004/prt2073_28_09_2004.html
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), que garante o diagnóstico audiológico, a seleção, a adaptação e o fornecimento de dispositivos eletrônicos de amplificação sonora (DEAS) e terapia fonoaudiológica a todos os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS)(66 Silva LSG, Gonçalves CGO, Soares VMN. Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva: um estudo avaliativo a partir da cobertura de serviços e procedimentos diagnósticos. CoDAS. 2014;26(3):241-7. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/201420140440. PMid:25118922.
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). Além disso, essa portaria indica a importância de estabelecer uma abordagem de cuidados abrangentes, que seja aplicada em todos os níveis de atenção à saúde auditiva. Assim, oferecer apoio psicológico interdisciplinar no enfrentamento do diagnóstico e no suporte à comunicação no processo de habilitação auditiva é um aspecto relevante dos programas de saúde auditiva nacionais.
Entretanto, o reflexo da descoberta da deficiência auditiva e a necessidade do uso dos auxiliares de audição trazem mudanças no comportamento entre crianças e seus familiares, desde o luto por não ter um filho idealizado ao estabelecimento das trocas linguísticas. A maneira como o diagnóstico é conduzido e orientado aponta aos familiares novas e diferentes perspectivas às questões emocionais e de relacionamento entre eles(11 Dammeyer J, Hansen AT, Crowe K, Marschark M. Childhood hearing loss: impact on parents and family life. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2019;120:140-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2019.02.027. PMid:30797110.
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,22 Marques LP. Reações familiares diante da criança em situação de deficiência. Rev Educ Form. 2019;4(12):67-81. http://dx.doi.org/10.25053/redufor.v4i12.912.
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).
A ampla utilização dos auxiliares de audição, com o uso efetivo dos DEAS, associados, ou não, ao uso do Sistema de Frequência Modulada (FM), auxilia no bom prognóstico e no desenvolvimento da linguagem, comunicação e aprendizagem dessas crianças(33 Lieu JEC, Kenna M, Anne S, Davidson L. Hearing loss in children: a review. JAMA. 2020;324(21):2195-205. http://dx.doi.org/10.1001/jama.2020.17647. PMid:33258894.
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,77 Prudêncio MC, Barbosa AAA, Carvalho WLO, Brazorotto JS. Percepção de crianças e adolescentes com deficiência auditiva e de suas famílias sobre o uso e benefício com dispositivos auditivos. Audiol Commun Res. 2022;27:e2601. http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2021-2601.
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) e sabe-se que, para o uso efetivo desses dispositivos, faz-se necessária a boa compreensão de todo o processo pela família da criança com DA.
Tais fatores são influenciados e/ou influenciam as relações familiares dessa população(11 Dammeyer J, Hansen AT, Crowe K, Marschark M. Childhood hearing loss: impact on parents and family life. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2019;120:140-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2019.02.027. PMid:30797110.
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) e são o foco deste estudo. A partir do exposto, teve-se como objetivo analisar o impacto do diagnóstico da deficiência auditiva nas relações familiares de escolares usuários de DEAS.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo de caráter observacional, descritivo, quantitativo e transversal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, sob o número de CAAE 23081.027862/2021-65 e parecer 055748. Todas as regras de biossegurança e ética foram adotadas e respeitou-se na íntegra a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Os responsáveis pelas crianças foram informados sobre os objetivos do estudo e receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para leitura e ciência e sua assinatura foi condição necessária para participação da pesquisa.
A amostra inicial foi composta por 60 pais de crianças/escolares com DA, atendidos em um Programa de Saúde Auditiva do SUS. Inicialmente, os dados dos escolares, com idades entre 4 e 14 anos, foram localizados em um banco de dados e fez-se o contato via telefone para agendamento de retorno ao programa e entrevista para a realização desta pesquisa.
Foram considerados como critérios de inclusão no estudo: pais de escolares com DA neurossensorial bilateral simétrica de diferentes graus, matriculados em escolas públicas da cidade onde o estudo foi desenvolvido; pais de escolares que faziam o uso de DEAS (oralizados e/ou bilíngues) e que se disponibilizaram a responder a um questionário previamente elaborado para esta pesquisa. Os critérios de exclusão foram assim definidos: pais de escolares com múltipla deficiência; pais que não apresentassem condições cognitivas visíveis, pois não foi aplicado nenhum protocolo para validação dessa informação, e pais que não responderam ao questionário em sua totalidade.
Como procedimento de pesquisa, foi aplicado um questionário desenvolvido pelas autoras, sem validação prévia, aos pais dos escolares com DA usuários de DEAS e que faziam parte do referido Programa de Saúde Auditiva. O questionário continha sete perguntas objetivas, além dos dados de identificação dos participantes e informações quanto ao histórico auditivo (grau de DA, tipo de dispositivo utilizado e terapias realizadas). As perguntas eram de múltipla escolha, tratando das relações familiares e da deficiência auditiva, abordando aspectos sobre o impacto emocional do diagnóstico dessa deficiência, as dificuldades de comunicação familiar, o desgaste das relações familiares e a rotina após o diagnóstico (Quadro 1).
Questionário sobre relações familiares no diagnóstico da deficiência auditiva elaborado pelas autoras
Ao aplicar o questionário, solicitou-se que os responsáveis pontuassem as questões de acordo com a vivência no processo do diagnóstico até a protetização. Para fins de análise estatística, as respostas do questionário foram consideradas de acordo com a ocorrência das situações investigadas: mais de 50% das ocorrências, quando as respostas foram referidas como “sempre” ou “quase sempre”, e menos de 50% das ocorrências, quando as respostas apresentavam-se como “às vezes/frequentemente”, “raramente” ou “nunca”. O questionário foi preenchido pelos pesquisadores, que fizeram a leitura de cada uma das perguntas aos sujeitos amostrais. A realização desta pesquisa se deu na sala de espera, enquanto os escolares estavam em terapia de habilitação auditiva e/ou em atendimento para ajustes dos auxiliares de audição.
O desenvolvimento do questionário de pesquisa objetivou a padronização das respostas entre os assuntos abordados na compreensão das relações familiares frente ao diagnóstico de DA de seus filhos. Assim, buscou-se compreender a percepção dos sujeitos questionados quanto ao impacto da DA em seu cotidiano e também inferir possíveis fragilidades e potencialidades nesse processo.
Após a aplicação dos critérios de elegibilidade, participaram efetivamente deste estudo pais de 26 escolares com DA de idades entre 4 e 14 anos. Do total dos sujeitos participantes (26 pais), 16 eram do gênero feminino e dez do gênero masculino, com média de idade de 37 anos e 8 meses, variando entre 27 e 50 anos. Quanto à escolarização, 17 (68%) pais/responsáveis possuíam ensino médio, sete (28%), ensino superior e um (4%), ensino fundamental.
Para melhor compreensão do grupo amostral, optou-se por caracterizar o perfil dos filhos dos sujeitos pesquisados (para os quais o termo “escolares” foi adotado no presente estudo) quanto à idade: de 4 anos (um sujeito) a 14 anos (com média de idade 8 anos, 8 meses); quanto ao grau da DA: 11 manifestavam grau severo, 14, grau moderado e um, grau leve; quanto à principal forma de comunicação: seis eram bilíngues e 20 utilizavam a oralidade como principal forma de comunicação; quanto ao uso de dispositivos auxiliares de audição: dos 26 usuários de DEAS, dez faziam uso do Sistema FM, sendo apenas em ambiente escolar. Cabe ressaltar que as crianças deste grupo, em sua totalidade, apresentavam DA simétrica bilateralmente e encontravam-se em inclusão escolar na cidade onde o estudo se desenvolveu. No que se refere à realização de terapia fonoaudiológica de habilitação auditiva, todos os escolares, em algum momento, foram atendidos no setor específico. A abordagem terapêutica adotada no serviço em que o presente estudo foi realizado é pautada na estimulação das habilidades auditivas e linguísticas, por meio de estimulação multissensorial. O tempo de terapia e a frequência neste processo não foram variáveis analisadas.
Para análise descritiva e caracterização do grupo amostral, os dados levantados foram inseridos em planilha, de modo que todas as informações obtidas se apresentassem de forma resumida para posterior análise estatística inferencial. As variáveis categóricas foram expostas em forma percentual e, quando quantitativas, em forma de média e desvio padrão. Para analisar a associação da dificuldade de comunicação familiar com o grau da deficiência auditiva da criança, optou-se pelo teste estatístico Exato de Fisher, assim como para analisar a modalidade linguística e a dificuldade de comunicação familiar. Considerou-se nível de 5% de significância para todos os testes estatísticos e utilizou-se o software IBM SPSS, versão 25.
RESULTADOS
As diferentes respostas dos pais sobre o impacto do diagnóstico da deficiência auditiva nas relações familiares e a frequência de ocorrências relatadas por cada família estão apresentadas na Figura 1.
Resposta dos pais sobre impacto do diagnóstico da deficiência auditiva nas relações familiares e a frequência de ocorrências relatadas por cada família
Com base nesses dados, observou-se que a maioria dos pais não relatou ter dificuldades pessoais no relacionamento com seus filhos deficientes auditivos, ou que a deficiência tenha acarretado desgaste na relação familiar.
A partir dessas informações, alguns dados passaram por análises estatísticas e as respostas foram divididas em dois grupos: mais de 50% das ocorrências (sempre e quase sempre) ou menos de 50% das ocorrências (às vezes/frequentemente, raramente ou nunca).
Assim, foi analisada a associação entre o grau da DA e a dificuldade para estabelecer a melhor forma de comunicação logo após o diagnóstico de deficiência auditiva, tanto no núcleo familiar principal, como no grupo familiar mais amplo.
Dos pais que responderam ao questionário, 25 (96,15% da amostra) pontuaram não apresentar dificuldades para estabelecer a melhor forma de comunicação no núcleo familiar principal (pai, mãe e irmãos), independentemente do grau da deficiência auditiva.
No grupo familiar mais amplo, composto por tios, avós, primos, entre outros, as respostas foram mais variadas e buscou-se analisar a associação dessas respostas com o grau da deficiência auditiva da criança, por meio do teste estatístico Exato de Fisher (Tabela 1).
Associação entre o grau da deficiência auditiva e a dificuldade de comunicação entre o grupo familiar em geral (n=26)
Ao analisar os dados, ficou evidente que não existiu associação entre o grau da deficiência auditiva e a dificuldade de comunicação entre a criança e a família, pois todos relataram queixas em diferentes proporções (p=0,462) (Tabela 1).
Também foi analisada a associação entre a modalidade linguística utilizada para comunicação (oral/fala, LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais ou bilíngue - fala e LIBRAS) e a dificuldade em estabelecer a melhor forma de comunicação após o diagnóstico de deficiência auditiva no núcleo familiar principal, assim como na família em geral (tios, avós, primos, entre outros).
Desta forma, as 26 famílias, totalidade da amostra, pontuaram não apresentar dificuldades para estabelecer a melhor forma de comunicação no núcleo familiar principal, independentemente da modalidade linguística.
Já no grupo familiar mais amplo, foi possível utilizar um teste estatístico para mensurar a associação da modalidade linguística utilizada pelas crianças (oral ou bilíngue) e as dificuldades que a família, em geral, apresentava ou não, na comunicação. Assim, não houve associação entre a modalidade linguística e a dificuldade de comunicação por parte família, em geral (p=1) (Tabela 2).
Associação entre modalidade linguística e a dificuldade de comunicação entre o grupo familiar em geral (n=26)
DISCUSSÃO
No presente estudo, os dados que mais se destacaram foram os de que os pais não relataram ter dificuldades pessoais de relacionamento com seus filhos deficientes auditivos, ou que a deficiência tenha ocasionado desgaste na relação familiar. Referente à comunicação, os pais, quase em sua totalidade, pontuaram não apresentar dificuldades para estabelecer a melhor forma de comunicação no núcleo familiar principal, independentemente do grau da deficiência auditiva e da modalidade linguística utilizada. Já no grupo familiar mais amplo, não houve associação entre o grau da deficiência auditiva e a dificuldade de comunicação entre a criança e a família, bem como não existiu associação significativa entre a modalidade linguística utilizada e dificuldades de comunicação por parte da família, apesar de as respostas serem mais heterogêneas do que as do grupo familiar principal.
A inexistência de relatos expressivos a respeito de dificuldades nas relações familiares em consequência da DA (Figura 1) pode ter como possível justificativa a maneira da condução do processo diagnóstico pelos profissionais do Programa de Saúde Auditiva em questão, o que reforça a importância da assistência ao deficiente auditivo e sua família durante o processo de diagnóstico e acompanhamento de linguagem da criança com deficiência auditiva(33 Lieu JEC, Kenna M, Anne S, Davidson L. Hearing loss in children: a review. JAMA. 2020;324(21):2195-205. http://dx.doi.org/10.1001/jama.2020.17647. PMid:33258894.
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,88 Santos IRD, Brazorotto JS. Intervenção guiada por videofeedback a famílias de crianças com deficiência auditiva. CoDAS. 2018;30(1):e20160256. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182016256. PMid:29513866.
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). Tal achado também foi apresentado em estudo recente(11 Dammeyer J, Hansen AT, Crowe K, Marschark M. Childhood hearing loss: impact on parents and family life. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2019;120:140-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2019.02.027. PMid:30797110.
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), no qual pais e familiares não referiram queixas significativas associadas ao relacionamento entre crianças com DA e seus familiares, pois consideram que o diagnóstico da DA, por si, só não impacta a relação entre o desenvolvimento infantil e a vida familiar.
Cabe ressaltar que talvez o impacto do diagnóstico da DA tenha sido menor do que se imaginava inicialmente, em razão do acesso e da qualidade dos atendimentos no Programa de Saúde Auditiva, em que foi desenvolvido este estudo. Entretanto, a oferta de serviços da PNASA e a abrangência de suporte ao diagnóstico para as famílias é desigual no território nacional(66 Silva LSG, Gonçalves CGO, Soares VMN. Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva: um estudo avaliativo a partir da cobertura de serviços e procedimentos diagnósticos. CoDAS. 2014;26(3):241-7. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/201420140440. PMid:25118922.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2014...
,99 Vieira GI, Mendes BCA, Zupelari MM, Pereira IMTB. Saúde auditiva no Brasil: análise quantitativa do período de vigência da Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva. Distúrbios Comum [Internet]. 2015 Dez [citado em 2023 Out 25];27(4):725-40. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/dic/article/view/23915
https://revistas.pucsp.br/dic/article/vi...
). Deve-se considerar a extensão brasileira e a concentração de serviços de saúde auditiva (especialmente implante coclear e terapias fonoaudiológicas de habilitação auditiva) nas Regiões Sudeste e Sul, conforme o número de serviços registrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde no Brasil, por habitantes(99 Vieira GI, Mendes BCA, Zupelari MM, Pereira IMTB. Saúde auditiva no Brasil: análise quantitativa do período de vigência da Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva. Distúrbios Comum [Internet]. 2015 Dez [citado em 2023 Out 25];27(4):725-40. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/dic/article/view/23915
https://revistas.pucsp.br/dic/article/vi...
). Seria interessante replicar o presente estudo em diferentes regiões do Brasil para visualizar o efeito do acesso aos Programa de Saúde Auditiva em âmbito nacional.
Estudo internacional(1010 Dammeyer J, Hansen AT, Crowe K, Marschark M. Childhood hearing loss: impact on parents and family life. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2019;120:140-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2019.02.027. PMid:30797110.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2019....
), com uma amostra bem representativa, investigou o impacto de ter uma criança com DA na vida dos pais e das famílias, evidenciando que a DA das crianças, por si só, não apresentou relação significativa com as questões emocionais/de saúde mental dos pais. Os autores destacam que casos de crianças com diagnóstico de deficiências múltiplas são muito mais desafiadores, quando se pensa em comunicação e bem-estar/saúde mental da família.
As buscas pelo acompanhamento terapêutico às demandas das crianças com deficiência auditiva, assim como outras deficiências, são importantes e sua frequência tende a diminuir o impacto da deficiência na dinâmica familiar e no possível desgaste dessa relação, como apontado em recente estudo(22 Marques LP. Reações familiares diante da criança em situação de deficiência. Rev Educ Form. 2019;4(12):67-81. http://dx.doi.org/10.25053/redufor.v4i12.912.
http://dx.doi.org/10.25053/redufor.v4i12...
).
Os pais referiram não ter dificuldades de comunicação, independentemente do grau da deficiência auditiva (Tabela 1), possivelmente em razão da mudança positiva em interações comunicativas após programa de intervenção entre crianças com DA e seus familiares(88 Santos IRD, Brazorotto JS. Intervenção guiada por videofeedback a famílias de crianças com deficiência auditiva. CoDAS. 2018;30(1):e20160256. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182016256. PMid:29513866.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2018...
,1111 Lima MCO, Souza AS, Santos IRD, Carvalho WLO, Brazorotto JS. Análise da efetividade de um programa de intervenção para famílias de crianças com deficiência auditiva. CoDAS. 2019;31(3):e20180116. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182018116. PMid:31271580.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2018...
,1212 Brazorotto JS, Costa KJ, Souza AS, Lima MCO. Impacto do enquadre terapêutico em grupo nas necessidades de famílias de crianças com deficiência auditiva. Distúrb Comun. 2020;32(1):1-13. http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.2020v32i1p1-13.
http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.202...
). Cabe destacar que os familiares que responderam ao questionário também já participaram, junto de seus filhos, de sessões interventivas em habilitação da audição no Programa de Saúde Auditiva em questão, como já mencionado.
A linguagem utilizada por essas crianças, em sua maioria oralizadas e/ou bilíngues, não se mostrou relevante quando associada à dificuldade de comunicação entre o DA e sua família. Tais dados podem estar relacionados à dinâmica familiar construída de forma a contribuir para esse bom desenvolvimento linguístico mútuo. O baixo nível de estresse dos pais possivelmente também tenha influenciado essa boa relação linguística(1313 Levinger M, Alhuzail NA. Bedouin hearing parents of children with hearing loss: stress, coping, and quality of life. Am Ann Deaf. 2018;163(3):328-55. http://dx.doi.org/10.1353/aad.2018.0022. PMid:30100590.
http://dx.doi.org/10.1353/aad.2018.0022...
14 Blank A, Holt RF, Pisoni DB, Kronenberger WG. Associations between parenting stress, language comprehension, and inhibitory control in children with hearing loss. J Speech Lang Hear Res. 2020;63(1):321-33. http://dx.doi.org/10.1044/2019_JSLHR-19-00230. PMid:31940261.
http://dx.doi.org/10.1044/2019_JSLHR-19-...
-1515 Holt RF, Kronenberger WG, Pisoni DB. Family environmental dynamics differentially influence spoken language development in children with and without hearing loss. J Speech Lang Hear Res. 2022;65(1):361-77. http://dx.doi.org/10.1044/2021_JSLHR-21-00220. PMid:34818506.
http://dx.doi.org/10.1044/2021_JSLHR-21-...
).
Pode-se mencionar também que as famílias investigadas não apontaram barreiras comunicativas, como inicialmente se imaginou. Provavelmente, tais famílias adotaram um modelo comunicativo que inseriu a criança com DA no contexto familiar, considerando, inclusive, o próprio padrão linguístico. Ao longo do desenvolvimento infantil, a exposição precoce à linguagem falada no grupo familiar, mediante o uso dos dispositivos auxiliares, fez com que a comunicação entre a criança com DA e seus familiares fosse adequada à percepção dos pais(1616 Nittrouer S, Lowenstein JH, Antonelli J. Parental language input to children with hearing loss: does it matter in the end? J Speech Lang Hear Res. 2020;63(1):234-58. http://dx.doi.org/10.1044/2019_JSLHR-19-00123. PMid:31834998.
http://dx.doi.org/10.1044/2019_JSLHR-19-...
). Ressalta-se que a amostra deste era oriunda de um serviço público de saúde auditiva e com famílias com pouca escolaridade, em sua maioria, nas quais o padrão linguístico tende a ser de menor exigência e, talvez, as dificuldades comunicativas sejam mais visíveis apenas aos professores e/ou pessoas com menor convívio social(1717 Nunes SF, Silva VC, Oliveira PE, Feitosa KCS, Silva VC, Bezerra ADC, et al. Information and communication technologies for the socialization of children and adolescents with deaf and hearing disabilities: an integrative review. Res Soc Dev. 2021;10(2):e8510212235. http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i2.12235.
http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i2.122...
). Neste aspecto, uma limitação do presente estudo foi o fato de não ter sido utilizado um protocolo validado para avaliar a reação familiar à fala da criança(1818 McLeod S, Harrison LJ, McCormack J. Escala inteligibilidade em contexto: português [Internet]. Austrália: Charles Sturt University; 2012 [citado em 2023 Out 25]. Disponível em: http://www.csu.edu.au/research/multilingual‐speech/ics
http://www.csu.edu.au/research/multiling...
); talvez o questionário elaborado pelas autoras não tenha sido sensível para investigar melhor a comunicação entre a família e a criança com DA. Por exemplo, a Escala de Inteligibilidade em Contexto: Português (ICS)(1818 McLeod S, Harrison LJ, McCormack J. Escala inteligibilidade em contexto: português [Internet]. Austrália: Charles Sturt University; 2012 [citado em 2023 Out 25]. Disponível em: http://www.csu.edu.au/research/multilingual‐speech/ics
http://www.csu.edu.au/research/multiling...
) poderia, de melhor forma, analisar o quanto a fala da criança é compreendida por professores e/ou pessoas estranhas/desconhecidas à família.
Outra limitação deste estudo foi o baixo número amostral e a relação com a pandemia de COVID-19, pois a coleta de dados ocorreu em período de restrição social, em que poucas famílias e seus filhos tinham retornado ao atendimento fonoaudiológico de modo presencial. Outro fator que pode ter influenciado os achados tem relação com a terapia fonoaudiológica, ponto este não investigado no presente estudo. Sabe-se que o modelo terapêutico adotado, o tempo de inserção em programas de habilitação e a adesão das famílias nesse processo são fatores determinantes do bom prognóstico de desenvolvimento de linguagem e consequente comunicação da criança com DA(88 Santos IRD, Brazorotto JS. Intervenção guiada por videofeedback a famílias de crianças com deficiência auditiva. CoDAS. 2018;30(1):e20160256. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182016256. PMid:29513866.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2018...
,1111 Lima MCO, Souza AS, Santos IRD, Carvalho WLO, Brazorotto JS. Análise da efetividade de um programa de intervenção para famílias de crianças com deficiência auditiva. CoDAS. 2019;31(3):e20180116. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182018116. PMid:31271580.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2018...
,1212 Brazorotto JS, Costa KJ, Souza AS, Lima MCO. Impacto do enquadre terapêutico em grupo nas necessidades de famílias de crianças com deficiência auditiva. Distúrb Comun. 2020;32(1):1-13. http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.2020v32i1p1-13.
http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.202...
), tal como a influência positiva dos profissionais que acompanham tais famílias ao longo dos anos, especificamente os da Fonoaudiologia, que, em geral, adotam condutas assertivas ao manejo das crianças com DA(1919 Decker KB, Vallotton CD, Johnson HA. Parents’ communication decision for children with hearing loss: sources of information and influence. Am Ann Deaf. 2012;157(4):326-39. http://dx.doi.org/10.1353/aad.2012.1631. PMid:23259352.
http://dx.doi.org/10.1353/aad.2012.1631...
).
Um aspecto não abordado no presente estudo foi o tempo de diagnóstico da DA/tempo de uso dos DEAS, mas, ao aplicar o questionário, solicitou-se que os responsáveis pontuassem as questões de acordo com a vivência que tiveram no momento do diagnóstico (relembrando as experiências vividas naquele momento). A idade das crianças cujos pais e/ou responsáveis participaram desta pesquisa foi de 4 a 14 anos. Assim, tal variável foi heterogênea e seria desafiador considerá-la, mas este não foi um dos propósitos do estudo. Além disso, cada família tem seu tempo cronológico e de enfrentamento do impacto da DA e, por isso, o acesso aos serviços de saúde auditiva tão discutido anteriormente é essencial. Objetiva-se, por meio desses atendimentos, alinhar as estratégias de enfrentamento da DA, aumentar a motivação para o uso dos DEAS e inserção em programas de terapia de habilitação auditiva, inclusive com suporte emocional para as famílias(2020 Barker AB, Leighton P, Ferguson MA. Coping together with hearing loss: a qualitative meta-synthesis of the psychosocial experiences of people with hearing loss and their communication partners. Int J Audiol. 2017 Maio;56(5):297-305. http://dx.doi.org/10.1080/14992027.2017.1286695. PMid:28599604.
http://dx.doi.org/10.1080/14992027.2017....
).
O presente estudo se mostrou relevante, pois evidenciou aspectos importantes relacionados ao diagnóstico da deficiência auditiva em crianças e suas relações familiares de forma positiva, reforçando a influência do acompanhamento por equipes de saúde a essas famílias durante todo o processo, desde o diagnóstico ao acompanhamento do uso dos dispositivos auxiliares e/ou terapêutico. Seria interessante também investigar as questões aqui abordadas em serviços públicos de diferentes regiões do Brasil, serviços privados e em um momento não pandêmico.
CONCLUSÃO
Os pais não relataram impacto significativo entre as relações familiares e comunicação com seus filhos com DA, usuários de DEAS, independentemente do grau da deficiência auditiva e da modalidade linguística.
No grupo familiar mais amplo, também não houve associação importante entre grau da deficiência auditiva ou a modalidade linguística utilizada e dificuldade de comunicação entre a criança e a família, mesmo com respostas mais heterogêneas do que as do grupo familiar principal.
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Trabalho realizado na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM – Santa Maria (RS), Brasil.
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Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) sob o número 23081.084524/2022-10.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
08 Dez 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
05 Jun 2023 -
Aceito
25 Out 2023