Open-access Análise das habilidades pragmáticas de crianças nascidas pré-termo

RESUMO

Objetivo  Caracterizar as habilidades pragmáticas de crianças nascidas pré-termo e investigar se existe correlação com a idade gestacional, o gênero e a faixa etária.

Métodos  Foram avaliadas 42 crianças nascidas pré-termo, com baixo peso ao nascer, de ambos os gêneros, na faixa etária de 2 a 4 anos. A análise do perfil comunicativo foi realizada por meio do Protocolo de Pragmática do ABFW – Teste de Linguagem Infantil nas Áreas de Fonologia, Vocabulário, Fluência e Pragmática.

Resultados  Quanto à iniciativa na comunicação, houve melhor desempenho das crianças pré-termo moderadas e tardias. Em relação aos atos comunicativos, as crianças não alcançaram os valores de referência propostos pelo teste. Os meios verbais foram mais utilizados, apesar de haver grande ocorrência dos meios gestuais. As funções comunicativas mais observadas foram comentário, narrativa, jogo e pedido de objeto.

Conclusão  As crianças pré-termo apresentaram desvios nas habilidades pragmáticas, na faixa etária investigada. As variáveis linguísticas descritas neste estudo não apresentaram correlação com idade e gênero.

Palavras-chave:  Desenvolvimento da linguagem; Linguagem infantil; Desenvolvimento infantil; Testes de linguagem; Nascimento prematuro

ABSTRACT

Purpose  To characterize the pragmatic skills of preterm children and investigate whether it is correlated with gestational age, gender and age group.

Methods  42 low-birth-weight preterm infants of both genders, aged 2 to 4 years, were evaluated. The analysis of the communication profile was performed through the Pragmatics Protocol of the ABFW – child language test in the fields of phonology, vocabulary, fluency and pragmatics.

Results  regarding the communication initiative, there was a better performance of moderate and late preterm children. Regarding the communicative acts, the children did not reach the reference values proposed by the test. The verbal means were the most used, although there was a high occurrence of the gestural means. The most observed communicative functions were commenting, narrative, game and object request.

Conclusion  The preterm children had deviations in pragmatic skills in the age group investigated. The linguistic variables described in this study were not correlated with age and gender.

Keywords:  Language development; Child language; Child development; Language tests; Premature birth

INTRODUÇÃO

A literatura tem discutido amplamente sobre as circunstâncias que envolvem o nascimento pré-termo (PT), demonstrando que as crianças são mais suscetíveis a fatores adversos que transcendem o desenvolvimento linguístico, cognitivo e motor. A aquisição e a integração das habilidades cognitivas e linguísticas dependem de aspectos individuais, assim como de interações ambientais e sociais, especialmente durante os primeiros anos de vida, ressaltando o papel crucial da primeira infância(1). Em todo o mundo, mais de 15 milhões de bebês nascem prematuramente a cada ano e a prevalência da prematuridade está em torno de 7,2%. O Brasil está na décima posição entre os países onde mais nascem prematuros(2).

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), pré-termo (PT) refere-se a todo recém-nascido (RN) vivo com menos de 37 semanas completas de gestação, contadas a partir do primeiro dia do último período menstrual; a termo, ao nascimento que ocorre entre 37 e 41 semanas e seis dias e pós-termo, à gestação com período maior do que 42 semanas. Os recém-nascidos pré-termo (RNPT) podem ser classificados em: pré-termo extremo (PTE), quando o nascimento ocorre antes de 28 semanas de gestação; muito pré-termo (MPT), quando o nascimento ocorre entre 28 e 32 semanas de gestação; pré-termo moderado (PTM) a pré-termo tardio (PTT), quando o nascimento ocorre entre 32 e 36 semanas de gestação(3).

Os prematuros apresentam um risco substancialmente elevado para alterações de linguagem durante a primeira infância(4,5). A forma como a linguagem é utilizada no contexto comunicativo e o seu conjunto de regras constituem as habilidades pragmáticas. Este tipo de competência compreende as pistas sociais usadas pelos interlocutores e pode incluir as habilidades verbais e não verbais da comunicação. Desta forma, a pragmática refere-se ao uso eficaz da linguagem para interagir em outros contextos sociais(6).

Aspectos importantes do neurodesenvolvimento, como a maturação neurológica e a formação de vínculo, ocorrem nos primeiros meses de vida e são etapas importantes para o desenvolvimento infantil. As habilidades pragmáticas são fundamentais para o relacionamento interpessoal e para as interações sociais, além de serem altamente correlacionadas com o desempenho acadêmico(7). É possível integrar as demais habilidades linguísticas, como a fonologia, a semântica, a morfologia e a sintaxe em contextos conversacionais, destacando a intersecção entre o desenvolvimento da linguagem e as interações sociais(8,9).

Considerando a prematuridade como um fator de risco para o desenvolvimento da linguagem, reforça-se que a identificação precoce e os procedimentos de intervenção podem evitar ou minimizar deficit na infância, em relação ao desempenho comunicativo, aspectos cognitivos, psicossociais e na aprendizagem(10). Assim, este estudo teve o objetivo de caracterizar as habilidades pragmáticas de crianças nascidas pré-termo e investigar se existe correlação com as variáveis idade gestacional, gênero e faixa etária.

MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia – CEP-Sesab, sob o parecer 310.813/13 e emenda 1.952.793/17. Cumpriu as diretrizes éticas das pesquisas com seres humanos, conforme a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde - CNS. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos pais ou responsáveis, autorizando a participação da criança na pesquisa, após terem recebido todas as informações e aceitado participar do estudo.

Trata-se de um estudo do tipo corte transversal, de caráter observacional, com abordagem descritiva. A casuística foi composta por 42 crianças nascidas pré-termo, na faixa etária de 2 a 4 anos, de ambos os gêneros, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: apresentação do relatório de alta da maternidade, em que constasse a semana gestacional, o peso ao nascer e quaisquer intercorrências no nascimento; registros dos atendimentos interdisciplinares nos prontuários; ausência de diagnóstico de lesão encefálica, síndrome genética e/ou alterações psiquiátricas; ausência de deficiência visual, auditiva ou qualquer outra condição que impossibilitasse a realização das atividades propostas.

Foram excluídas do estudo as crianças que não atenderam aos critérios de inclusão propostos e aquelas cujo contato telefônico com pais/responsáveis, para o agendamento, não foi possível, ou que não compareceram à avaliação das habilidades pragmáticas.

A coleta de dados foi realizada no Centro Estadual de Prevenção e Reabilitação da Pessoa com Deficiência (Cepred), uma unidade do Sistema Único de Saúde (SUS) de referência estadual, em Salvador-BA. Dentre o total de usuários atendidos na reabilitação, foram selecionados todos os prematuros assistidos no setor de intervenção precoce, no período de 2014 a 2018. A partir disso, foram aplicados os critérios de inclusão supracitados. Todas as crianças selecionadas foram acompanhadas por uma equipe interdisciplinar e não apresentaram alterações no desenvolvimento neuropsicomotor. Por este motivo, receberam alta antes de participar da pesquisa. É importante destacar que, em nenhum dos casos, foram relatadas queixas sobre desvios na aquisição da linguagem.

Para as análises por faixa etária, não foi considerada a idade corrigida, uma vez que as crianças avaliadas neste estudo tinham idades acima de 2 anos e já haviam atingido o nível que as crianças a termo alcançam durante a gestação, nos primeiros anos de vida, após a maturação do sistema nervoso central, concordando com autores que sugeriram que a idade corrigida é necessária se a criança tiver menos de 2 anos de idade(11,12).

A avaliação do perfil comunicativo foi realizada por meio do Protocolo de Pragmática do ABFW – Teste de Linguagem Infantil nas Áreas de Fonologia, Vocabulário, Fluência e Pragmática(13). A análise permitiu a verificação do número de atos comunicativos, dos meios comunicativos e das funções comunicativas. A aplicação do teste consistiu na gravação de 30 minutos de interação da criança com um adulto familiar, de maneira individualizada, em sala conhecida da criança, no turno vespertino, sem estímulos visuais e/ou auditivos competitivos ou outros fatores de distração que pudessem comprometer a avaliação.

Durante a aplicação do protocolo, realizou-se a filmagem em um contexto interacional e comunicativo, com brinquedos adequados à faixa etária. A forma de avaliação foi mantida rigorosamente e a análise da filmagem foi realizada de acordo com os parâmetros propostos pelo teste ABFW(13). Os resultados permitiram a verificação dos aspectos funcionais da comunicação. Após a avaliação, os pais ou responsáveis receberam orientações sobre o desenvolvimento da linguagem, sendo feitos encaminhamentos, quando necessários.

Os dados coletados permitiram a análise do espaço comunicativo ocupado pela criança, em uma situação de interação, e dos recursos comunicativos que ela utilizou nesse contexto. A determinação do perfil funcional da comunicação é fundamental para o diagnóstico fonoaudiológico, uma vez que possibilita a análise das habilidades da criança para usar a linguagem com funções comunicativas, em sua relação com os aspectos mais formais(13).

A análise estatística foi realizada de forma descritiva e inferencial. Para verificar a relação entre os atos comunicativos por minuto, iniciativa da comunicação e meios comunicativos, em relação ao gênero, foi utilizado o teste de Mann-Whitney; em relação à idade e classificação da idade gestacional (IG), o teste de Kruskal-Wallis, assim como na análise da diferença entre as medianas das funções comunicativas e a IG. Foi considerado como nível de significância estatística p≤0,05. Os dados foram analisados por meio do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0.

RESULTADOS

Trata-se de uma amostra composta por 42 crianças nascidas PT, de ambos os gêneros, sendo 26 (61,9%) do feminino e 16 (38,1%) do masculino, na faixa etária de 2 a 4 anos. A IG variou de 26 a 36 semanas, com mediana de 32 semanas e o peso ao nascer variou de 530 a 2310 g, com mediana de 1647,5 g.

A relação entre o percentual de iniciativa na comunicação durante a interação e a IG evidenciou que as crianças PTE apresentaram 0% das iniciativas de comunicação; as MPT, 13,6%; e as PTM/PTT, 94,1% (Figura 1).

Figura 1
Distribuição da amostra em relação à iniciativa na comunicação e classificação da idade gestacional

Em relação aos atos comunicativos por minuto, as crianças não alcançaram os valores de referência propostos pelo teste(11) (média de 5 a 7 por minuto), para a faixa etária avaliada neste estudo, obtendo-se 3,7 aos 2 anos, 4,6 aos 3 anos e 4,2 aos 4 anos. Na análise descritiva, observou-se melhor desempenho no gênero feminino, na faixa etária de 4 anos, e nos PTM/PTT (Tabela 1).

Tabela 1
Medidas descritivas dos atos comunicativos por minuto relacionados às variáveis gênero, idade e classificação da idade gestacional

Não foi observada diferença entre as médias dos atos comunicativos por minuto para o gênero (p=0,409) e para a idade (p=0,515). Evidenciou-se diferença estatística em relação à IG (p<0,001), demonstrando menor produção de atos comunicativos por minuto pelas crianças PTE (Tabela 2).

Tabela 2
Relação dos atos comunicativos por minuto com as variáveis gênero, idade e classificação da idade gestacional

Em relação ao uso dos meios comunicativos, a análise descritiva revelou que houve 48,3% para o meio verbal (VE), 19,4% para o vocal (VO) e 32,4% para o gestual (G). Não foi observada diferença estatística em relação ao gênero e à idade. Entretanto, houve diferença nos meios VE e G, em relação à IG (Tabela 3). Nos testes de comparação, observou-se que as crianças PTE apresentaram desempenho inferior, em relação às PTM/PTT, no que se refere ao uso dos meios comunicativos: VE (p=0,003) e G (p=0,011). Não houve diferença no meio VO, nem entre PTE e MPT.

Tabela 3
Comparação das medianas dos meios comunicativos verbal, vocal e gestual

As funções comunicativas mais prevalentes na amostra foram: comentário (C), narrativa (NA), jogo (J) e pedido de objeto (PO). Não foram observadas diferenças estatísticas em relação à faixa etária e ao gênero (p>0,05). Já a análise da associação com a IG demonstrou que houve efeito negativo do nascimento PTE nas funções comunicativas: pedido de objeto (PO), pedido de rotina social (PS), protesto (PR), reconhecimento do outro (RO), exibição (E), nomeação (N), exclamativo (EX), reativos (RE), não focalizada (NF), exploratória (XP), narrativa (NA), expressão de protesto (EP) e jogo compartilhado (JC) (p≤0,05), conforme se observa na Tabela 4.

Tabela 4
Análise da diferença entre as funções comunicativas e a idade gestacional

Para a análise dos aspectos socioeconômicos, foi considerada a escolaridade materna e a renda mensal familiar. Observou-se que 52,4% da amostra relataram ter de 10 a 12 anos de estudo e 33,3%, de 6 a 9 anos de estudo. Em relação à renda mensal, 42,8% declararam receber um salário mínimo e 28,6%, de um a dois salários mínimos (Tabela 5).

Tabela 5
Dados socioeconômicos da família (n=42)

DISCUSSÃO

A função pragmática faz referência ao conhecimento de como a linguagem pode ser usada eficientemente em uma conversação. No presente estudo, investigou-se o perfil comunicativo das crianças no uso de habilidades que permitem estabelecer e dar continuidade à atividade comunicativa, demonstrando o caráter prioritariamente dialógico da interação, quando expostas a situações de interação espontânea com um adulto familiar. Desta maneira, a análise das habilidades pragmáticas das crianças nascidas PT possibilitou a avaliação da forma como elas se expressam e se relacionam com o meio em que estão inseridas.

De maneira geral, neste estudo, as crianças PTE apresentaram desempenho inferior, em relação às PTM/PTT, em relação à iniciativa, número de atos comunicativos, uso dos meios comunicativo (mais G e menos VE), assim como nas funções comunicativas de pedido de objeto (PO), pedido de rotina social (PS), protesto (PR), reconhecimento do outro (RO), exibição (E), nomeação (N), exclamativo (EX), reativos (RE), não focalizada (NF), exploratória (XP), narrativa (NA), expressão de protesto (EP) e jogo compartilhado (JC).

Apesar de existirem, na literatura nacional e internacional, muitos estudos sobre o desenvolvimento da criança PT, há escassez de pesquisas sobre a aquisição das habilidades pragmáticas nesta população. Em geral, crianças nascidas PT, com idades gestacionais mais baixas, gênero masculino e complicações médicas apresentaram baixos desempenhos nos testes de avaliação da linguagem(14,15). Além disso, são mais suscetíveis a desvios no desenvolvimento neurológico, deficit nas funções executivas e sintomas comportamentais(15).

Em relação ao desenvolvimento da linguagem, várias pesquisas indicam que crianças MPT ou PTE apresentaram atrasos nas habilidades de linguagem, quando comparadas a crianças a termo, de aproximadamente 24–30 meses de idade(16). Em contraste, outros autores não encontraram diferenças significativas entre as crianças PT e a termo, porém, ressalta-se que os prematuros correm risco de ter dificuldades de linguagem, mesmo que suas habilidades pareçam melhorar com o tempo(17,18).

Em contrapartida, ao avaliar as habilidades de vocabulário, fluência, pragmática e a interação de 20 crianças PT e com baixo peso ao nascer (BPN), de 5 a 6 anos de idade, com suas respectivas mães, por meio do Teste de Linguagem Infantil – ABFW(13), concluiu-se que as crianças apresentaram desempenho abaixo do esperado para sua idade cronológica, em provas de vocabulário e pragmática(19).

Quanto à iniciativa na comunicação, durante a interação, o presente estudo observou melhor desempenho nas crianças PTM/PTT e desempenho inferior nas crianças PTE e MPT. A investigação das variabilidades individuais nas ações comunicativas de cada criança possibilitou a identificação das situações comunicativas no contexto de interação adulto-criança e criança-adulto, nos casos de prematuridade. As inconsistências evidenciadas entre o espaço interativo, o meio e a função comunicativa podem indicar a necessidade de estímulos individuais que favoreçam o alcance de maior equilíbrio na comunicação.

Ao analisar o perfil das habilidades pragmáticas de crianças de 36 a 47 meses de idade, sem alterações de linguagem, um estudo observou que, no diálogo, elas responderam mais do que iniciaram a conversa e, raramente, deixaram de responder ao interlocutor. Na produção do discurso, utilizaram, predominantemente, turnos simples e coerentes. A comunicação normalmente se mantém por meio de turnos verbais e não verbais, com o verbal prevalecendo e a função informativa é a mais prevalente(20).

Neste estudo, em relação aos atos comunicativos, as crianças não alcançaram os valores de referência propostos pelo teste e não houve diferença em relação ao gênero e à idade, porém, as crianças PTM/PTT apresentaram melhor desempenho que as PTE, destacando a possível influência das baixas idades gestacionais no desempenho da linguagem. Quanto aos meios comunicativos, os verbais foram os mais utilizados, porém, houve alta prevalência dos meios gestuais. Não houve correlação com a idade e o gênero, mas em relação à IG, as crianças PTE utilizaram mais o meio gestual (G) e menos o verbal (VE).

A literatura apontou a alta prevalência do uso de gestos nos estágios iniciais do desenvolvimento comunicativo e confirmou a tendência de diminuição do seu uso, à medida que as crianças adquirem melhores condições comunicativas por meio da linguagem oral(21). É importante ressaltar que crianças com desvios nas habilidades expressivas da linguagem podem compensar a escassez de recursos linguísticos para as habilidades orais por meio da produção de gestos, conforme se observou neste estudo.

Os meios comunicativos mais prevalentes foram: comentário (C), narrativa (NA), jogo (J) e pedido de objeto (PO). Não foi observado meio comunicativo autorregulatório (AR), demonstrando que as crianças não associaram as emissões ao comportamento motor. As variáveis linguísticas descritas não apresentaram correlação com idade e gênero. Em outro estudo, realizado com crianças de 6 a 8 anos de idade, com desenvolvimento típico de linguagem, verificou-se que elas também utilizaram, com mais frequência, a habilidade de comentários. Além disso, apresentaram maior frequência de uso de habilidades dialógicas, seguidas de habilidades de regulação, demonstrando a preocupação das crianças em estabelecerem uma atividade dialógica e regular o comportamento do adulto. Contudo, houve baixa frequência das habilidades de consentimento e solicitação de objeto(22).

Crianças com desenvolvimento típico de linguagem, avaliadas na faixa etária de 4 a 5 anos, apresentaram um perfil comunicativo similar às crianças avaliadas neste estudo, tendo utilizado amplamente o meio comunicativo comentário (C)(23). Desta maneira, o uso de funções comunicativas, como o comentário, concorda com os achados de outros autores e demonstra que as crianças utilizaram atos ou emissões para dirigir a atenção do outro. Não foram encontrados relatos na literatura sobre a ausência de outros meios comunicativos, como o autorregulatório, conforme se evidenciou neste estudo.

Iniciar uma interação e sustentá-la de forma adequada, ou seja, com troca de turnos e preservação da temática é um desafio para qualquer falante, já que exige o uso de recursos linguísticos, sociais e cognitivos. A análise do perfil funcional da comunicação de crianças é de suma importância para a avaliação da linguagem, uma vez que o conhecimento sobre a assertividade e responsividade da criança favorece a compreensão do tipo de comunicador e a melhor forma de alcançar maior efetividade comunicativa(24).

Os achados deste estudo alertam para a necessidade de intervenção precoce nas crianças que apresentam fatores de risco para o desenvolvimento da linguagem, como o nascimento pré-termo, a fim de evitar futuros desvios, tanto na linguagem oral, quanto na aprendizagem. Crianças com dificuldades de aprendizagem apresentaram desempenho inferior, quando comparadas a crianças que apresentam desenvolvimento típico, em relação às habilidades pragmáticas, principalmente na quantidade de atos comunicativos, manutenção inadequada do tópico, troca de turno, limitação das estratégias de reparo de quebras comunicativas, coerência e coesão(25).

Destaca-se, ainda, que as crianças avaliadas apresentaram fatores de risco não linguísticos para os desvios na aquisição da linguagem, além da prematuridade, como fatores socioeconômicos, culturais e ambientais. A ação destes fatores pode ocorrer em conjunto ou isoladamente, favorecendo as alterações. A desvantagem socioeconômica tem sido apontada como fator de risco para o desenvolvimento, considerando a suscetibilidade, a instabilidade familiar e privação de estímulos, que podem resultar em alterações comportamentais e na socialização, prejudicando a aprendizagem e o desenvolvimento da linguagem(26).

Os aspectos sociolinguísticos podem interferir nas habilidades pragmáticas de crianças de diferentes níveis socioeconômicos, sugerindo a influência do meio social e cultural no desenvolvimento destas habilidades. Os aspectos ambientais podem favorecer o desenvolvimento da linguagem, contribuindo para a expansão das estruturas linguísticas da criança(27). Estes fatores destacam a importância das orientações fonoaudiológicas, durante o acompanhamento das crianças com histórico ou não de prematuridade.

Há escassez de estudos que descrevam a aquisição das habilidades pragmáticas em crianças nascidas PT, assim como os marcos do desenvolvimento linguístico. São necessários momentos de conversação mais ricos e amplos na avaliação, visto que determinados aspectos da pragmática não são mensuráveis apenas em amostras de fala pequenas(28). O processo de construção da linguagem ocorre por meio da interação e, a partir dela, a linguagem da criança desenvolve-se, enriquece e aproxima-se cada vez mais do modelo que ouve(29).

Tendo em vista que as alterações pragmáticas contribuem para as dificuldades na resolução de conflitos interpessoais, as habilidades pragmáticas devem ser uma área de constante atenção nas intervenções, tanto em crianças, quanto em adolescentes(30). O reconhecimento precoce das dificuldades na aquisição da linguagem é essencial para favorecer os resultados acadêmicos de crianças com fatores de risco. A identificação rápida das alterações no desenvolvimento da linguagem permite que a criança se beneficie da intervenção precoce, a fim de melhorar as habilidades linguísticas e reduzir a possibilidade de uma incapacidade persistente.

CONCLUSÃO

A avaliação das habilidades pragmáticas nas crianças nascidas PT demonstrou que, em relação à iniciativa na comunicação, durante a interação, houve melhor desempenho das crianças PTM/PTT. Quanto ao número de atos comunicativos por minuto, as crianças não alcançaram os valores de referência propostos pelo teste.

As variáveis linguísticas descritas neste estudo não apresentaram correlação com idade e gênero.

Assim, este estudo alerta para a necessidade da intervenção precoce e do acompanhamento fonoaudiológico dessas crianças. Enfatiza-se, portanto, a importância da realização de estudos longitudinais para investigar a prevalência e a persistência das alterações de linguagem, em médio e longo prazo.

  • Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Bahia – UFBA – Salvador (BA), Brasil.
  • Financiamento: Nada a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2019
  • Aceito
    25 Fev 2020
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