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Prevalência de queixas vestibulares em pacientes psiquiátricos de uma cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre

RESUMO

Objetivo

Identificar a prevalência das queixas vestibulares na população psiquiátrica de um centro de saúde mental de uma cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre.

Métodos

Os dados foram coletados na instituição, por meio de um formulário composto por uma breve anamnese, e pelo Dizziness Handicap Inventory - Brazilian Version.

Resultados

A maior parte da amostra foi composta por adultos jovens (55,9%) e do gênero feminino (76,5%). A presença de tontura em algum momento do dia (sempre ou às vezes) acometia 67,7% dos sujeitos da amostra. A grande maioria fazia uso de fármacos psiquiátricos (94,1%).

Conclusão

Existe uma elevada prevalência de tontura na população psiquiátrica pesquisada, sendo verificado maior impacto do sintoma em sujeitos que fazem uso de fármacos para bipolaridade e mania e em sujeitos diagnosticados com transtorno depressivo. Com relação à associação das queixas vestibulares à categoria de transtorno psiquiátrico, constata-se associação significativa entre queixa de tontura e transtornos depressivos (p=0,033) e ausência de queixa de tontura e episódios depressivos (p=0,031).

Palavras-chave:
Fonoaudiologia; Neurotologia; Transtornos mentais; Ansiedade; Depressão; Transtornos do humor; Tontura; Psicotrópicos

ABSTRACT

Purpose

To identify the prevalence of vestibular complaints in the psychiatric population of a mental health center in a city of the metropolitan region of Porto Alegre.

Methods

The data were collected in the institution by a questionnaire, which contained a brief anamnesis and the “Dizziness Handicap Inventory - Brazilian Version”.

Results

The major part of the sample was composed by young adults (55.9%) and female (76.5%). The presence of dizziness at some period of day (always or sometimes) affects 67.7% of the subjects interviewed. Most of them use psychiatric pharmaceuticals (94.1%).

Conclusion

It was possible to conclude that there is a high prevalence of dizziness in the researched psychiatric population, the major impact being in subjects who use bipolar and mania pharmacal and subjects diagnosed with depressive disorder. As to association between vestibular complaints and psychiatric disorders, a significant association between dizziness and depressive disorders (p=0.033) and the absence of dizziness complaints and depressive episodes (p=0.031) was found.

Keywords:
Speech and hearing therapy; Neuro-otology; Mental disorders; Anxiousness; Depression; Humor disorders; Dizziness; Psychotropics

INTRODUÇÃO

As desordens psiquiátricas parecem ter um papel importante no curso das questões vestibulares, sendo foco de estudiosos desde antes do século XIX e estando presentes em 20% a 50% dos casos de tontura idiopática(11 Brandt T. Phobic postural vertigo. Neurology. 1996;46(6):1515-9. http://doi.org/10.1212/WNL.46.6.1515. PMid:8649539.,22 Gurgel JDC, Costa KVT, Cutini FN, Sarmento KMA Jr, Mezzasalma MA, Cavalcanti HVR. Dizziness associated with panic disorder and agoraphobia: case report and literature review. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73(4):569-72. http://doi.org/10.1590/S0034-72992007000400018. PMid:17923930.). Os transtornos de ansiedade, depressão, humor e distúrbios de memória são os mais relacionados com as queixas vestibulares, sendo essa relação primeiramente identificada dentro da teoria freudiana da angústia(33 Freud S, Zwicker RUC, Paulo E. O futuro de uma ilusão. Porto Alegre: L&PM Pocket; 2010.,44 Lima CL, Cutolo MB, Betoni PV, Paulino C. Queixas psicológicas relacionadas com as disfunções vestibulares em pacientes atendidos em um ambulatório de reabilitação vestibular. Rev Eq Corpor Saúde. 2016;7(2):37. http://doi.org/10.17921/2176-9524.2015v7n2p37-40.). A otoneuropsicologia considera a tontura como uma das principais manifestações da angústia e como seu equivalente somático(55 Paiva AD, Kuhn AMB. Sintomas psicológicos concomitantes à queixa de vertigem em 846 prontuários de pacientes otoneurológicos do Ambulatório de Otoneurologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(4):512-5. http://doi.org/10.1590/S0034-72992004000400012.).

Em centros de saúde mental é comum o uso de medicamentos antidepressivos e benzodiazepínicos, portanto, convém considerar que as queixas vestibulares presentes nos pacientes podem fazer parte do espectro de efeitos adversos desses medicamentos. Os antidepressivos dividem-se em cinco classes, sendo os mais comumente utilizados, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), inibidores da recaptação de serotonina e norepinefrina (ICSN) e tricíclicos(66 Silva SN, Lima MG, Ruas CM. Uso de medicamentos nos Centros de Atenção Psicossocial: análise das prescrições e perfil dos usuários em diferentes modalidades do serviço. Ciênc Saúde Colet. 2020;25(7):2871-82. http://doi.org/10.1590/1413-81232020257.23102018. PMid:32667568.).

Dentre os efeitos colaterais dos ISRS está a náusea - como derivada de distúrbios gastrointestinais - junto à diarreia e à êmese, assim como a sonolência diurna, que pode ser confundida com sintomas vestibulares. Náuseas e tontura também constam no perfil de efeitos adversos dos ICSN, especialmente nos que têm uso mais difundido: venlafaxina e desvenlafaxina. Os efeitos colaterais dos antidepressivos tricíclicos também englobam tontura, náuseas e sonolência, juntamente com hipotensão ortostática, pelo bloqueio alfadrenérgico, sintoma que pode ser confundido com disfunções vestibulares por alguns pacientes. De forma paralela, os benzodiazepínicos promovem ataxia, sonolência diurna e comprometimento cognitivo(77 Whalen K, Finkel R, Panavelil TA. Farmacologia ilustrada. Porto Alegre: Artmed; 2016. p. 121-57.).

Para mensurar o grau de impacto da tontura na qualidade de vida do indivíduo, os questionários de autopercepção são muito utilizados, como o Dizziness Handicap Inventory - versão brasileira (DHI-BV)(88 Pimentel BN, Santos VAV Fa. Ocorrência de condições psiquiátricas, uso de psicotrópicos e sua relação com o equilíbrio postural em sujeitos com tontura. CoDAS. 2019;31(3):e20180111. http://doi.org/10.1590/2317-1782/20182018111. PMid:31271579.). Esse questionário quantifica o grau de restrição de participação (handicap) relacionado ao sintoma de tontura e permite a quantificação das queixas vestibulares dos sujeitos acometidos.

Devido à elevada prevalência dos sintomas de tontura na população e à frequente associação desses sintomas aos distúrbios psiquiátricos(88 Pimentel BN, Santos VAV Fa. Ocorrência de condições psiquiátricas, uso de psicotrópicos e sua relação com o equilíbrio postural em sujeitos com tontura. CoDAS. 2019;31(3):e20180111. http://doi.org/10.1590/2317-1782/20182018111. PMid:31271579.), o presente estudo teve por objetivo verificar a prevalência das queixas vestibulares na população psiquiátrica dos centros de saúde mental de uma cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo observacional transversal realizado em um centro de saúde mental de uma cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da instituição, sob parecer nº 5.935.882.

Os usuários do serviço foram interpelados pela pesquisadora na sala de espera do local, em dias aleatórios de segunda a sábado, no período de março a junho de 2023. Em seguida, questionados sobre o interesse em participar de uma pesquisa sobre tontura, os que concordaram receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para leitura e assinatura, que incluiu a permissão do uso de dados dos registros do serviço, para obtenção de informação a respeito do diagnóstico de transtornos psiquiátricos e medicações. Para os sujeitos analfabetos que quiseram participar, foi realizada a leitura do termo e, em seguida, um registro do consentimento ou do assentimento, seguindo as normas da Resolução CNS nº 510/2016, por meio de mídia eletrônica e digital(99 Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2016 [citado em 2023 Jul 10]. Disponível em: https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
https://conselho.saude.gov.br/resolucoes...
).

Após a anamnese, os respondentes foram questionados se sentiam tontura em algum momento do dia. Para aqueles que apresentaram resposta afirmativa, foi aplicado o questionário DHI-BV(1010 de Castro ASO, Gazzola JM, Natour J, Ganança FF. Versão brasileira do Dizziness Handicap Inventory. Pro Fono. 2007;19(1):97-104. http://doi.org/10.1590/S0104-56872007000100011. PMid:17461352.), que avalia o grau de handicap relacionado à tontura, com duração aproximada de dez minutos. O instrumento é composto por 25 questões(88 Pimentel BN, Santos VAV Fa. Ocorrência de condições psiquiátricas, uso de psicotrópicos e sua relação com o equilíbrio postural em sujeitos com tontura. CoDAS. 2019;31(3):e20180111. http://doi.org/10.1590/2317-1782/20182018111. PMid:31271579.). Cada um dos itens tem três opções de resposta: “sim”, “às vezes” e “não”, que têm como pontuação 4, 2 e 0, respectivamente. O escore total possível do DHI-BV varia de 0 (sem handicap) a 100 (handicap máximo). Quanto maior o escore, maior o grau de handicap percebido. Os escores do DHI-BV podem ser classificados nos três domínios de autopercepção de handicap e um escore total categorizando o grau de handicap conforme a pontuação: de 0 a 30 leve, de 31 a 60 moderada e de 61 a 100 grave(1111 Whitney SL, Wrisley DM, Brown KE, Furman JM. Is perception of handicap related to functional performance in persons with vestibular dysfunction? Otol Neurotol. 2004;25(2):139-43. http://doi.org/10.1097/00129492-200403000-00010. PMid:15021773.).

Os critérios de inclusão na pesquisa foram sujeitos com idade igual ou superior a 18 anos, de ambos os gêneros, que estivessem em acompanhamento, tratamento, ou que tivessem estado em atendimento no local de realização da pesquisa. Os critérios de exclusão incluíram os sujeitos que fizeram uma única sessão de atendimento no centro, ou seja, que não estavam frequentando de forma sistemática o local, e os sujeitos sem diagnóstico estabelecido como do tipo de transtorno mental de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR)(1212 Crippa JAS. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM -5 -TR. 5. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2022.). Para fins de análise de dados, a amostra foi dividida em três faixas etárias: A (18 a 39 anos), B (40 a 59 anos) e C (60 anos e mais)(1313 Castro TPPG, Tenório YCA, Castro MTPG. Tontura e zumbido em pacientes com transtorno de ansiedade e/ou depressivo maior. Rev Eq Corpor Saúde. 2018;9(10):39-42.).

Os questionários foram lidos pela pesquisadora, respondidos oralmente pelos entrevistados, e as respostas foram registradas diretamente em uma planilha do Excel®. Os sujeitos que apresentaram grau grave nos critérios do DHI-BV receberam um encaminhamento para sua Unidade Básica de Saúde (UBS) de referência.

Os transtornos psiquiátricos foram agrupados conforme diagnóstico psiquiátrico de cada paciente, indicado pelo médico psiquiatra do centro ou por médicos de outros locais. Os fármacos foram agrupados conforme seu mecanismo de ação. Os dados foram coletados pela pesquisadora no prontuário dos pacientes, mediante autorização prévia.

Os resultados das variáveis foram apresentados por meio de frequências absolutas e relativas. As associações foram verificadas pelos testes Qui-Quadrado e/ou Exato de Fisher. As análises multivariadas foram realizadas pela análise de regressão de Poisson com ajuste de variância robusta e foram apresentadas as estimativas de Razão de Prevalência (RP) com intervalo de confiança de 95%. Foram considerados significativos os resultados com p-valor ≤ 0,05.

O cálculo amostral foi estimado para encontrar uma proporção de tontura de 62,96% em pacientes psiquiátricos(1414 Marucci FAF. Ciclo vital [Internet]. Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2023 [citado em 2023 Jul 12]. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5252507/mod_resource/content/1/Aula%20-%20Ciclo%20Vital.pdf
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
). Com erro absoluto tolerado de 11% e confiança de 95% na estimativa, seriam necessários 75 pacientes para compor a amostra. As análises foram realizadas no software estatístico SPSS (IBM SPSS Statistics for Windows, Version 25.0. Armonk, NY: IBM Corp.).

RESULTADOS

Na presente pesquisa, foram coletadas as respostas de 75 sujeitos, sendo a amostra final estabelecida após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão (Figura 1), totalizando 68 sujeitos.

Figura 1
Fluxograma de aplicação dos critérios de inclusão e exclusão da amostra

No que se refere à prevalência dos transtornos psiquiátricos diagnosticados nos sujeitos da amostra (Figura 2), o mais prevalente foi o transtorno depressivo (n=21; 30,9%), seguido do transtorno de ansiedade generalizada (n=18; 26,5%). Em relação ao uso de fármacos, as classes mais prevalentes na amostra da presente pesquisa (Figura 3) foram as dos antipsicóticos (n=41; 65,1%) e dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (n=36; 57,1%). Cabe ressaltar que alguns dos sujeitos tinham recebido diagnóstico de mais de um tipo de transtorno psiquiátrico, assim como poderiam estar em uso de mais de um tipo de fármaco, concomitantemente.

Figura 2
Prevalência dos transtornos psiquiátricos na amostra (n=68)
Figura 3
Prevalência do uso de cada classe de fármaco (n=63)

A maior parte da amostra foi composta por adultos jovens (55,9%) e a maioria dos sujeitos era do gênero feminino (76,5%). A presença de tontura em algum momento do dia, sempre ou às vezes, acometia 67,7% dos sujeitos da amostra. A grande maioria dos sujeitos fazia uso de fármacos psiquiátricos (94,1%) (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização da amostra, prevalência de queixas vestibulares e uso de fármacos (n=68)

Quanto à associação das queixas vestibulares à caracterização da amostra e à classe de fármacos em uso (Tabela 2), a presença de queixa de tontura foi mais prevalente nos adultos maduros (68%). Não houve associação significativa entre o uso de fármacos não psiquiátricos e as queixas vestibulares.

Tabela 2
Associação das queixas auditivas/vestibulares à caracterização da amostra e classe de fármaco em uso (n=68)

Com relação à associação das queixas vestibulares à categoria de transtorno psiquiátrico (Tabela 3), foi constatada associação significativa entre queixa de tontura e transtornos depressivos (p=0,033) e a ausência de queixa de tontura e episódios depressivos (p=0,031).

Tabela 3
Associação das queixas vestibulares à categoria de transtorno psiquiátrico (n=68)

Ao verificar a associação do grau de handicap no DHI-BV à caracterização da amostra, classe de fármaco em uso e categoria de transtorno psiquiátrico (Tabela 4), foi percebida associação significativa entre o uso de fármacos para esquizofrenia paranoide ao grau leve de handicap ao DHI-BV (p=0,043) e o uso de fármacos para bipolaridade e mania ao grau grave de handicap ao DHI-BV (p=0,043).

Tabela 4
Associação do grau de handicap no Dizziness Handicap Inventory - Brazilian Version à caracterização da amostra, classe de fármaco em uso e categoria de transtorno psiquiátrico (n=37)

Na comparação dos escores ao DHI-BV por domínio e geral com tipo de fármaco e tipo de transtorno psiquiátrico, foi verificada diferença significativa nos escores dos sujeitos que usavam fármacos para bipolaridade/mania, tendo escores maiores (maior grau de handicap) no domínio emocional (p=0,006) e no geral (p=0,004). Nos sujeitos com esquizofrenia paranoide houve diferença significativa no escore do domínio físico, significativamente menor (menor grau de handicap) nos sujeitos com o transtorno (p=0,032). Sujeitos com transtorno esquizoafetivo apresentaram escores significativamente menores (menor grau de handicap) nos domínios funcional (p=0,017), emocional (p=0,008) e no escore geral (p=0,017), quando comparados aos sujeitos sem o transtorno.

DISCUSSÃO

No Brasil, os dados de prevalência da tontura são conflitantes, uma vez que é uma queixa subdiagnosticada(1515 Ciríaco JGM, Alexandre PL, Pereira CB, Wang YP, Scaff M. Vertigem postural fóbica: aspectos clínicos e evolutivos. Arq Neur Psiq. 2004;62(3):669-73. http://doi.org/10.1590/S0004-282X2004000400019.). Estudo feito no estado de São Paulo apresentou dados de que 42% da população apresentam tontura, todavia, apenas 46% destes procuram ajuda(1616 Bittar RSM, Lins EMDS. Clinical characteristics of patients with persistent postural-perceptual dizziness. Rev Bras Otorrinolaringol. 2015;81(3):276-82. http://doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.08.012. PMid:25382427.). De forma contrastante, outra análise mais recente, realizada no estado de Minas Gerais, apresentou uma prevalência de apenas 7,4%(1717 Martins TF, Mancini PC, Souza LM, Santos JN. Prevalence of dizziness in the population of Minas Gerais, Brazil, and its association with demographic and socioeconomic characteristics and health status. Rev Bras Otorrinolaringol. 2017;83(1):29-37. http://doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.01.015. PMid:27217009.). No presente estudo, a prevalência de queixa de tontura foi muito superior à encontrada na literatura, atingindo 67,7% dos sujeitos da pesquisa. Tal achado poderia ser explicado pelo fato de a população-alvo ter sido composta apenas por pacientes psiquiátricos, não representando a população geral.

Considera-se que questões psicológicas podem complicar e interferir nos processos de habituação e adaptação, gerando aumento dos sintomas vestibulares(1818 Shu Y, Liao N, Fang F, Shi Q, Yan N, Hu Y. The relationship between psychological conditions and recurrence of benign paroxysmal positional vertigo: a retrospective cohort study. BMC Neurol. 2023;23(1):137. http://doi.org/10.1186/s12883-023-03169-8. PMid:37004007.). Pesquisas apontam que pacientes com tontura de origem periférica têm maior probabilidade de apresentar depressão e ansiedade(1919 Chen X, Wei D, Fang F, Song H, Yin L, Kaijser M, et al. Peripheral vertigo and subsequent risk of depression and anxiety disorders: a prospective cohort study using the UK Biobank. BMC Med. 2024 Fev 9;22(1):63. http://doi.org/10.1186/s12916-023-03179-w. PMid:38336700.). Os resultados da presente pesquisa vão ao encontro dos achados na literatura, uma vez que, dentre os transtornos psiquiátricos, o mais prevalente dentro da Atenção Primária em Saúde (APS) foi o transtorno depressivo (31,4%), que atingiu 30,9% da amostra, seguido pelo transtorno de ansiedade (18,1%), que foi diagnosticado em 26,5% dos sujeitos(2020 Costa RP, Bezerra LJR, Figueiredo No DG, Barboza TA. O atendimento ao paciente com transtorno mental na APS: realidade possível. In: Anais do 12º Congresso Brasileiro de Medicina da Família e Comunidade; 2013; Belém. Rio de Janeiro: SBMFC; 2013.).

Quanto aos fármacos, de acordo com a literatura(2121 Roman G, Werlang MC. O uso de psicofármacos na atenção primária à saúde. Rev Grad. 2011;(1):4.), a categoria mais utilizada na APS é a dos ansiolíticos, especificamente os benzodiazepínicos, seguidos dos antidepressivos. Os resultados da presente pesquisa diferenciaram-se, uma vez que os fármacos mais utilizados foram os antipsicóticos e, somente em seguida, aparecem os inibidores seletivos de recaptação de serotonina.

A prevalência de tontura de origem vestibular apresentou uma frequência três vezes maior em idosos do que em adultos jovens(2222 Bittar RSM, Oiticica J, Bottino MA, Ganança FF, Dimitrov R. Estudo epidemiológico populacional da prevalência de tontura na cidade de São Paulo. Rev Bras Otorrinolaringol. 2013;79(6):688-98. http://doi.org/10.5935/1808-8694.20130127. PMid:24474479.). Todos os sujeitos idosos da pesquisa apresentaram tontura. Os estudos encontrados apresentaram resultados conflituosos sobre a proporção de ocorrência das vertigens psicogênicas de acordo com o gênero. Alguns autores referem uma prevalência maior no gênero feminino, porém, relatam que os grupos estudados eram compostos, em sua maioria, por mulheres, alcançando proporções de até 4:1 e dificultando a realização de análise adequada desse aspecto(1616 Bittar RSM, Lins EMDS. Clinical characteristics of patients with persistent postural-perceptual dizziness. Rev Bras Otorrinolaringol. 2015;81(3):276-82. http://doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.08.012. PMid:25382427.,2323 Ferreira LSS, Pereira CB, Rossini S, Kanashiro AMK, Adda CC, Scaff M. Psychological assessment in patients with phobic postural vertigo. Arq. Neur. Psiq. 2010;68(2):224-7. http://doi.org/10.1590/S0004-282X2010000200013. PMid:20464289.,2424 Prieto Rivera JA, Lora JG, Guzmán JE, Polanía Jácome, EA. Phobic vertigo: a silent pathology. Acta Otorrinolaringol Cir Cabeza Cuello. 2014;42(1):44-8. http://doi.org/10.37076/acorl.v42i1.135.). Foi observada, na presente pesquisa, uma proporção de 13:4 de mulheres para homens. Ademais, foi percebido que as mulheres que frequentavam o centro apresentaram maior abertura e disponibilidade em responder os pesquisadores.

Apesar de a tontura estar incluída no perfil de efeitos adversos usuais de diversos fármacos das classes estudadas, não há evidência dessa relação(77 Whalen K, Finkel R, Panavelil TA. Farmacologia ilustrada. Porto Alegre: Artmed; 2016. p. 121-57.). Da mesma forma, a iatrogenia promovida pelas medicações em questão podem envolver náuseas e sonolência, sintomas capazes de provocar confusão com a tontura entre os pacientes e culminar em vieses. Os dados obtidos na presente pesquisa apresentaram associação significativa entre o maior impacto na qualidade de vida, obtido a partir do DHI-BV, e os fármacos para bipolaridade e mania.

Durante as coletas, alguns sujeitos relataram que iniciaram o acompanhamento no serviço após o aparecimento da tontura, uma vez que o sintoma os deixou incapacitados e desmotivados, levantando a possibilidade de a tontura ter sido uma das causas ou agravantes da depressão. De acordo com pesquisadores(55 Paiva AD, Kuhn AMB. Sintomas psicológicos concomitantes à queixa de vertigem em 846 prontuários de pacientes otoneurológicos do Ambulatório de Otoneurologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(4):512-5. http://doi.org/10.1590/S0034-72992004000400012.), alguns sintomas psicológicos podem ser causa, consequência ou coexistirem com as crises de tontura.

Episódios depressivos podem acontecer na vida dos indivíduos sem que se enquadrem no diagnóstico do transtorno depressivo. Para que esses episódios passem a ser considerados um transtorno, é necessário que o sujeito tenha passado por dois ou mais episódios depressivos(2525 Organização Pan-Americana da Saúde. Depressão [Internet]. 2023 [citado em 2023 Out 22]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/depressao
https://www.paho.org/pt/topicos/depressa...
). Sendo assim, a partir dos resultados encontrados na presente pesquisa, é possível sugerir que o transtorno depressivo pode estar relacionado à presença de sintomas de tontura nos sujeitos acometidos, uma vez que a ocorrência de um único episódio depressivo traz um resultado inversamente proporcional, mas com a mesma relevância estatística, indicando o não aparecimento do sintoma.

A associação significativa entre maior grau de handicap relacionado à tontura e o uso de medicamentos para tratar a bipolaridade e a mania poderia ser expressa pelo princípio ativo de sais de lítio e o fato de que o sintoma de tontura é um efeito colateral comum do uso dessa medicação. Paralelamente, o amplo perfil de paraefeitos do uso de sais de lítio pode maximizar a impressão de tontura, tendo em vista que o medicamento pode ser tóxico para o corpo humano. Já o mecanismo causador do sintoma é pouco elucidado, uma vez que o lítio age sob mecanismo de ação desconhecido. No entanto, a presença de handicap alto em degeneração da qualidade de vida do paciente usuário de tal medicação é característica da sua toxicidade(77 Whalen K, Finkel R, Panavelil TA. Farmacologia ilustrada. Porto Alegre: Artmed; 2016. p. 121-57.,2626 Horita JKHA. Lítio e sua utilização terapêutica no transtorno bipolar [tese]. Belo Horizonte: Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Minas Gerais; 2013.).

As alterações sensorioperceptivas causadas pelo espectro dos transtornos da esquizofrenia podem ser responsáveis pelas relações significativas nos domínios emocionais e funcionais, uma vez que os sujeitos acometidos por essa psicopatologia não percebem a diferença do que seria sadio e das alterações proporcionadas pela doença(2727 Antunes LLS, Oliveira VM. A produção de sentido sobre o trabalho de portadores de esquizofrenia [Internet]. Repositório Anima Educação; 2019 [citado em 2023 Out 30]. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/10457/4/A%20produ%C3%A7%C3%A3o%20de%20sentido%20sobre%20o%20trabalho%20de%20portadores%20de%20esquizofrenia.pdf
https://repositorio.animaeducacao.com.br...
). Dessa forma, recomenda-se que sejam feitos mais estudos sobre a relação de causa e efeito entre esse diagnóstico e o início da queixa de tontura. As alterações de percepção causadas pelos transtornos do espectro da esquizofrenia são muito variadas, não estando claro qual o fator causal da queixa nesse grupo.

Para estudos futuros, recomenda-se que a classificação da amostra por transtornos psiquiátricos seja feita antes da análise de dados, como critério para agrupar os sujeitos da amostra. Esta pode ter sido uma limitação da presente pesquisa, pois alguns sujeitos apresentavam os transtornos como comorbidades. Essa divisão, no entanto, se realizada no presente estudo, afastaria a amostra da realidade, pois a heterogeneidade dos transtornos é uma característica dos centros de saúde mental. Enfatiza-se a necessidade de mais pesquisas nesse campo, especialmente em relação à população masculina.

Com a presente pesquisa, percebeu-se que a queixa de tontura na população psiquiátrica é desvalorizada, uma vez que o transtorno psiquiátrico é um acometimento grave e que deprecia a importância das demais queixas. Considerando a complexidade da população psiquiátrica e o frequente uso de medicamentos por parte desses sujeitos, a opção de uma intervenção não medicamentosa – como a reabilitação vestibular – poderia melhorar a qualidade de vida dos pacientes, minimizando o sintoma da tontura, o que já seria um importante benefício.

CONCLUSÃO

Há uma elevada prevalência de tontura na população psiquiátrica pesquisada. Além disso, há maior impacto do sintoma de tontura em sujeitos que fazem uso de fármacos para bipolaridade e mania, quando comparados aos que fazem uso de outras medicações. Constata-se associação significativa entre sintomas de tontura e o transtorno depressivo.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA – Porto Alegre (RS), Brasil.
  • Financiamento:

    Nada a declarar.

REFERÊNCIAS

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    Gurgel JDC, Costa KVT, Cutini FN, Sarmento KMA Jr, Mezzasalma MA, Cavalcanti HVR. Dizziness associated with panic disorder and agoraphobia: case report and literature review. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73(4):569-72. http://doi.org/10.1590/S0034-72992007000400018. PMid:17923930.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2024
  • Aceito
    19 Jun 2024
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