Open-access Estratégias para o treino da mastigação e deglutição em indivíduos com disfunção temporomandibular e dor orofacial: uma revisão de escopo

RESUMO

Objetivo  identificar e sintetizar evidências sobre estratégias utilizadas no treino da mastigação e deglutição em indivíduos com disfunção temporomandibular e dor orofacial.

Estratégia de pesquisa  revisão de escopo desenvolvida com consulta nas bases de dados MEDLINE, LILACS, BBO, IBECS, BINACIS, CUMED, SOF, DeCS, Index Psi, LIPECS e ColecionaSUS (via BVS), Scopus, CINAHL, Embase, Web of Science, Cochrane e na literatura cinzenta: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), OpenGrey e Google Acadêmico.

Critérios de seleção  estudos quantitativos ou qualitativos, sem limite temporal e sem restrição de idioma, que continham os seguintes descritores ou palavras-chave: Articulação Temporomandibular, Síndrome da Disfunção da Articulação Temporomandibular, Transtornos da Articulação Temporomandibular, Dor Facial, Mastigação, Deglutição, Terapêutica, Terapia Miofuncional e Fonoaudiologia. Na primeira etapa, dois revisores fizeram a triagem independente dos estudos, por meio da leitura dos títulos e resumos. Na segunda etapa, os revisores leram, independentemente, os documentos pré-selecionados na íntegra. Em caso de divergência, um terceiro pesquisador foi consultado.

Resultados  as 11 publicações incluídas foram publicadas entre 2000 e 2018. As estratégias mais utilizadas foram o treino da mastigação bilateral simultânea, seguido da mastigação bilateral alternada. Na deglutição, foi proposto aumento do tempo mastigatório para reduzir o alimento em partículas menores e lubrificar melhor o bolo alimentar e treinos com apoio superior de língua.

Conclusão  o treinamento funcional demonstrou efetividade na reabilitação dos pacientes, embora não siga uma padronização e não seja realizado de forma isolada. Os estudos encontrados apresentam baixo nível de evidência. Considera-se fundamental a realização de estudos mais abrangentes e padronizados, como ensaios clínicos randomizados.

Palavras-chave:  Mastigação; Deglutição; Síndrome da Disfunção da Articulação Temporomandibular; Terapia Miofuncional; Fonoaudiologia

ABSTRACT

Purpose  To identify and synthesize evidence on strategies used to train chewing and swallowing in individuals with temporomandibular disorder and orofacial pain.

Research strategy  Scoping review conducted by search in MEDLINE, LILACS, BBO, IBECS, BINACIS, CUMED, SOF, DeCS, Index Psi, LIPECS, and ColecionaSUS (via VHL), Scopus, CINAHL, Embase, Web of Science, Cochrane, and the grey literature: Brazilian Digital Theses and Dissertations Library (BDTD), OpenGrey, and Google Scholar.

Selection criteria  Quantitative or qualitative studies, with no restriction on time or language of publication, with the following descriptors or keywords: Temporomandibular Joint; Temporomandibular Joint Dysfunction Syndrome; Temporomandibular Joint Disorders; Facial Pain; chewing (Mastication); swallowing (Deglutition); Therapeutics; Myofunctional Therapy; Speech, Language and Hearing Sciences. In the first stage, two reviewers independently screened the studies by title and abstract reading. In the second stage, the reviewers independently read the preselected documents in full text. In case of divergences, a third researcher was consulted.

Results  The 11 documents included in the review were published between 2000 and 2018. The mostly used training strategies were simultaneous bilateral mastication/chewing, followed by alternating bilateral mastication. In swallowing, increased mastication time was proposed to break food into smaller bits and better lubricate the bolus; training with upper tongue support was also indicated.

Conclusion  Functional training proved to be effective in rehabilitation, although it was not standardized or performed alone. The studies had low levels of evidence. It is essential to conduct more encompassing and standardized studies, such as randomized clinical trials.

Keywords:  Mastication, Deglutition; Temporomandibular Joint Dysfunction Syndrome; Myofunctional Therapy; Speech, Language and Hearing Sciences

INTRODUÇÃO

A articulação temporomandibular (ATM) faz parte do sistema estomatognático e permite a realização de múltiplos movimentos, possibilitando a realização das funções de mastigação, deglutição e fala(1).

Sobrecarga articular e estímulos nociceptivos provenientes da ATM podem ocasionar alterações biomecânicas no sistema estomatognático, comportamentos musculares compensatórios e dor, gerando, inclusive, disfunções temporomandibulares (DTMs)(2). As DTMs englobam um grupo de condições neuromusculares e musculoesqueléticas que envolvem as ATMs, os músculos mastigatórios e os tecidos associados(3). Sua etiologia é multifatorial e, nesse contexto, os aspectos biopsicossociais apresentam um papel bastante relevante(3). A prevalência das DTMs está entre 5% e 12% da população em geral(3), sendo essa taxa mais alta entre as pessoas jovens e duas vezes maior nas mulheres(4,5). As DTMs apresentam sinais e sintomas diversos, sendo a dor na face a característica mais encontrada, assim como otalgia, cefaleia, desgaste oclusal, estalos e crepitações(3). Sendo assim, é importante investigar a presença de DTM em indivíduos que têm como queixa dores orofaciais, principalmente se estas estiverem presentes durante as funções que envolvem os movimentos mandibulares(6).

Estudos têm evidenciado a presença significativa de distúrbios miofuncionais orofaciais (DMOs) em indivíduos com DTM, principalmente durante as funções de mastigação e deglutição(5,7). Esses indivíduos apresentaram, com mais frequência: contrações musculares atípicas e comportamento atípico da língua durante a deglutição e a mastigação, incluindo interposição lingual; padrão mastigatório unilateral crônico; escape prematuro e resíduos na cavidade após a deglutição; número excessivo de deglutições; permanência de resíduos em valéculas e em seios piriformes; penetração laríngea e aspiração traqueal(7-9). Tais alterações podem ser atribuídas tanto à presença de distúrbios miofuncionais, quanto à sintomatologia dolorosa(7-9).

O profissional responsável pelo diagnóstico e tratamento dos DMOs nos casos de DTM é o fonoaudiólogo, sendo que o principal objetivo da terapia fonoaudiológica é recuperar a musculatura orofacial e promover o melhor desempenho das funções estomatognáticas(6). Essa terapêutica visa possibilitar ao paciente mastigação, deglutição e fala sem dor e sem dificuldades e prevenir o agravamento de seu problema(6).

A literatura aponta que a reabilitação fonoaudiológica, ou seja, o treinamento miofuncional orofacial, tem se mostrado benéfica para pacientes com DTM, promovendo equilíbrio das funções orofaciais e diminuição dos sinais e sintomas(10,11). Assim, na ausência de estudos de revisões sobre o tema, foi realizada esta pesquisa, a fim de identificar e sintetizar as estratégias e abordagens utilizadas para o treino da mastigação e deglutição em indivíduos com DTM e dor orofacial (DOF).

OBJETIVOS

O objetivo deste estudo foi identificar e sintetizar as evidências científicas sobre as estratégias e abordagens utilizadas para o treino da mastigação e deglutição em indivíduos com DTM e dor orofacial, por meio de uma revisão de escopo.

ESTRATÉGIA DE PESQUISA

Trata-se de um estudo delineado como revisão de escopo. As revisões de escopo têm como objetivos sintetizar evidências, avaliar o escopo da literatura sobre determinado tópico e ajudam a determinar se uma revisão sistemática da literatura é necessária(12). A presente revisão foi desenvolvida com base nas recomendações do guia internacional Preferred Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR)(12) e pelo método proposto pelo Instituto Joanna Briggs (JBI)(13).

Para orientar a formulação da questão norteadora, adotou-se a estratégia População, Conceito e Contexto (PCC)(13), com a seguinte pergunta: “Quais as evidências científicas sobre as estratégias utilizadas para o treino da mastigação e deglutição, na terapia miofuncional orofacial, em indivíduos com DTM/DOF?” Foram definidos com base na questão norteadora: População – indivíduos com DTM/DOF; Conceito – estratégias para treino de mastigação e deglutição; Contexto – terapia fonoaudiológica miofuncional orofacial.

Fontes de informação e estratégia de busca

As buscas pelos artigos foram realizadas entre junho de 2021 e abril de 2022 nas bases de dados MEDLINE (via PubMed), BVS (LILACS, BBO, IBECS, BINACIS, CUMED, SOF, DeCS, Index Psi, LIPECS e ColecionaSUS) e por meio do Portal CAPES: Scopus, CINAHL, Embase, Web of Science e Cochrane. A busca também foi realizada na literatura cinzenta, nas bases de dados: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), OpenGrey (14) e Google Acadêmico. As estratégias de busca estão descritas no Quadro 1.

Quadro 1
Estratégias de busca utilizadas nesta revisão

Todas as estratégias foram adaptadas conforme as especificidades de cada base utilizada. Em todas as bases de dados, realizou-se a busca considerando a data de publicação até o dia 22 de abril de 2022. Os resultados da pesquisa final foram exportados para o EndNote (15) e os trabalhos duplicados foram removidos.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Foram incluídos estudos quantitativos ou qualitativos e não houve limite temporal ou restrição de idioma para a seleção. A busca das publicações foi realizada utilizando-se os seguintes descritores ou palavras-chave, obtidos no Medical Subject Headings/Descritores em Ciências da Saúde (MeSH/DeCS) e Emtree: Articulação Temporomandibular, Síndrome da Disfunção da Articulação Temporomandibular, Transtornos da Articulação Temporomandibular, Dor Facial, Mastigação, Deglutição, Terapêutica, Terapia Miofuncional e Fonoaudiologia. Foram excluídos os estudos que não abordaram a terapia miofuncional orofacial como estratégia para reabilitação da mastigação e da deglutição em indivíduos com DTM/DOF e artigos não disponibilizados na íntegra nas bases de dados.

Seleção de fontes de evidência

Na primeira etapa, dois revisores fizeram a triagem independente dos estudos, para inclusão na base, e leitura dos títulos e resumos. Na segunda etapa, os revisores leram independentemente e na íntegra os documentos pré-selecionados, identificando com detalhamento e precisão a sua relevância para a pesquisa, além da conferência da contemplação dos critérios de inclusão. As divergências entre os revisores foram resolvidas com a colaboração de um terceiro revisor, em ambas as etapas. O processo está apresentado na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma da coleta de dados e seleção dos estudos que compõem a amostra

ANÁLISE DOS DADOS

Os dados encontrados foram extraídos por um revisor, confirmados por um segundo revisor e as divergências foram resolvidas por consenso entre três revisores.

Os dados extraídos dos estudos foram: autoria, ano da publicação, tipo (artigo, dissertação/tese e documentos governamentais), objetivos, desenho, local de desenvolvimento do estudo, nível de evidência, população e estratégias utilizadas para o treino da mastigação e deglutição em indivíduos com DTM/DOF. Foi utilizada estatística descritiva para a análise dos resultados, por meio de frequência absoluta e relativa.

O nível de evidência e o grau de recomendação dos estudos foram categorizados conforme a classificação do JBI(16) e estão apresentados no Quadro 2.

Quadro 2
Nível de evidência e grau de recomendação dos estudos, segundo a classificação do Instituto Joanna Briggs(16)

RESULTADOS

Foram identificados, pelas estratégias de busca, 1763 documentos. Desses, 1702 foram excluídos, pois não atendiam aos critérios de inclusão, conforme leitura do título e resumo, e 15 foram excluídos por serem duplicados. Por fim, 46 documentos foram selecionados para leitura na íntegra. Desses, 35 foram excluídos, visto que 29 não abordavam estratégias para trabalhar a deglutição e mastigação nos casos de DTM/DOF e 6 textos não estavam disponíveis para acesso completo. Ao final, 11 estudos foram incluídos nesta revisão.

As Tabelas 1 e 2 apresentam os artigos com os seguintes dados: autoria, ano da publicação, tipo (artigo, dissertação e documentos governamentais), objetivos, desenho, local, nível de evidência, população e estratégias utilizadas para o treino da mastigação e deglutição em indivíduos com DTM/DOF.

Tabela 1
Caracterização das publicações segundo autores, ano, tipo, objetivos, desenho do estudo, local e nível de evidência
Tabela 2
Caracterização das publicações segundo autores, ano, tipo, objetivos, desenho do estudo, local e nível de evidência: estudos sobre anquilose temporomandibular e fratura de côndilo

Os artigos foram agrupados de acordo com a causa da DTM/DOF, sendo que os dados extraídos das pesquisas com população com DTM dos tipos muscular e articular estão apresentados na Tabela 1 e aqueles extraídos das pesquisas com DTM originada por anquilose e trauma, na Tabela 2.

Características das publicações

Os 11 estudos incluídos nesta revisão foram publicados entre 2000 e 2018, sendo 9 (81,8%) publicados no Brasil(2,10,11,17,18,21-24) e 2 (18,2%) em outros países: Israel(19) e Estados Unidos(20).

Dez dos estudos(2,10,11,17,19-24) encontrados eram artigos (90,9%) e 1 (9,1%) trabalho de conclusão de curso(18). Os níveis de evidência foram categorizados em: 5.b – Consenso de especialistas(17,20) (n=2); 4.d – Estudo de caso(11,21,23,24) (n=4); 4.c – Séries de casos(10,22) (n=2) e 2.c – Estudo prospectivo controlado quase experimental(2,19) (n=2). Apenas 2 dos estudos não foram realizados por fonoaudiólogos(19,20).

Estratégias terapêuticas encontradas

Com relação às populações dos estudos, 4 (36,3%) foram realizados apenas com mulheres(2,10,19,24), 3 (27,2%), apenas com homens(11,21,23), 1 (9%), com ambos os gêneros(22) e 3 (27,2%) não referenciaram a população(17,18,20). A idade dos indivíduos estudados variou de 13 a 68 anos.

No que diz respeito ao tipo de DTM, 1 artigo abordou a DTM muscular(19), 1, a DTM articular(11), 3 abordaram a DTM articular e muscular juntas(2,10,24), 2 abordaram DTM oriunda de anquilose temporomandibular(21,22), 1 abordou um caso de DTM causado por fratura condilar(23) e 3 não citaram o tipo de DTM(17,18,20).

Quanto à mastigação, o tipo de estratégia mais utilizada foi o treino da mastigação bilateral simultânea, seguido do treino de mastigação bilateral alternada (4 estudos – 36,3%)(2,10,11,24). Nos estudos com pacientes com anquilose temporomandibular, foi citado o treino de mastigação unilateral, seguido do treino de mastigação bilateral alternada (1 estudo – 9,09%)(22) e treino de mastigação unilateral alternada (1 artigo – 9,09%)(21). Também foi citado o treino da mastigação unilateral contralateral à fratura em 1 estudo que abordou fratura condilar (9,09%)(23). Outro estudo citou a realização do treino da mastigação unilateral alternada e, após boas condições musculares, treino da mastigação bilateral alternada (9,09%)(18).

Ainda com relação à mastigação, 4 artigos (36,3%) sugeriram treino de orientação e controle dos aspectos de: consistência, qualidade, volume, textura, ritmo mastigatório e vedamento labial(17,20,23,24). Em 2 deles (18,1%), o treino mastigatório foi realizado com alimentos macios, inicialmente, buscando-se organização e retomada gradativa da alimentação(20,23). Em outro estudo (9,09%)(24), realizaram-se os exercícios de mastigação habitual de diferentes alimentos, de forma consciente, ampliando as percepções sobre as sensações provocadas, como dor, facilidade, dificuldade, diferença entre os lados, características físicas e gustativas dos alimentos.

Nove estudos (81,8%) propuseram o treino funcional com alimentos e/ou líquidos(2,10,11,18,20-24). Em 1 dos artigos, foi proposto que, para indivíduos com DTM, não seja realizada terapia direta para mastigação e deglutição(17). Outro estudo (9,09%) propôs um protocolo de exercício controlado de mascar chicletes por 8 semanas(19) e, por último, em 1 dos artigos que abordou anquilose temporomandibular (9,09%), foram realizados treinos eventuais com garrote, na fase final do tratamento(21).

No que diz respeito à função de deglutição, apenas 5 artigos (45,4%) abordaram o treino dessa função(2,10,11,23,24). Foi proposto, em 2 estudos (18,1%), que os participantes aumentassem o tempo mastigatório para melhorar a redução do alimento em partículas menores e lubrificar melhor o bolo alimentar(2,11). Dois artigos (18,1%) realizaram treinos dirigidos de deglutição com apoio superior de língua e movimento ondulatório, para promover a propulsão do bolo alimentar à faringe(23,24). E, por fim, 1 artigo (9,09%) citou que alimentos foram utilizados para o treino da mastigação para coordenar o padrão de ciclo mastigatório e minimizar a dor e os ruídos articulares, assim como o treino da deglutição, para que ocorresse sem esforço e sem dor(10). Os resultados dos estudos com relação à população e às estratégias utilizadas para o treino da mastigação e deglutição estão sumarizados na Tabela 3.

Tabela 3
Caracterização das publicações segundo população e estratégias para trabalhar a deglutição e mastigação nos casos de disfunção temporomandibular/dor orofacial

DISCUSSÃO

O mapeamento da literatura a respeito das estratégias utilizadas para o treino da mastigação e deglutição em pacientes com DTM e DOF permitiu identificar 11 publicações, sendo que 54,5% foram de estudos de caso ou série de casos(10,11,20-23). Apenas dois dos estudos encontrados não foram realizados por fonoaudiólogos(19,20). É importante destacar que o Brasil lidera a quantidade dessas publicações na temática estudada, mostrando o grande papel da motricidade orofacial no país e no mundo. Porém, percebeu-se que a maioria dos estudos publicados apresentam baixos níveis de evidência.

Observou-se que existe a necessidade da realização de uma revisão sistemática sobre o tema. Contudo, o nível de evidência dos estudos encontrados ainda é baixo, sendo necessário, primeiramente, aperfeiçoar as evidências sobre o assunto, realizando-se mais ensaios clínicos randomizados.

As estratégias utilizadas não seguem um protocolo definido de tratamento. O estudo mais antigo(17) não aborda a terapia direta com alimentos e os estudos mais atuais(20,23,24) trazem uma abordagem mais detalhada, tanto no que diz respeito à terapia direta, quanto à indireta, no trabalho das funções.

Com relação à terapia miofuncional orofacial, que aborda exclusivamente o treino das funções estomatognáticas nos casos de DTM e DOF, não foram encontradas publicações. Na maioria dos estudos, a terapia funcional foi empregada ou sugerida de forma combinada a outros recursos, como estratégias de relaxamento, massagens, termoterapia e exercícios mandibulares(2,10,11,18,21-24), o que dificultou a verificação clara da contribuição da terapia funcional nesses casos. As estratégias supracitadas já têm demonstrado bons resultados para os pacientes, no que diz respeito ao alivio da dor e melhora no desempenho muscular e funcional(2,10,11,18,21-24).

Dessa forma, definir estratégias funcionais efetivas nos tratamentos da DTM e da DOF é importante, pois a reabilitação das funções é o principal objetivo da terapia fonoaudiológica, a fim de evitar que a dor e a dificuldade nos movimentos mandibulares perpetuem ou se agravem.

A literatura tem demonstrado que indivíduos com DTM apresentam alteração durante a mastigação e a deglutição, o que piora o desempenho dessas funções(5,7,25-29). Em estudo que avaliou sinais, sintomas e fatores associados em indivíduos com DTM, todos os pacientes relataram a existência de problemas mastigatórios, dentre eles, mastigação unilateral, dificuldade com alimentos duros, cansaço, dor e travamento mandibular(30). Outro estudo realizou um levantamento bibliográfico sobre os distúrbios miofuncionais orofaciais (DMOs) em indivíduos com DTM. Com relação às funções de mastigação e deglutição, foram encontrados os seguintes aspectos: modificação no comportamento mastigatório, força de mordida reduzida, maior frequência mastigatória, mastigação unilateral preferencial ou crônica com presença de movimentos compensatórios de língua, estabilidade mastigatória reduzida, maior número de golpes mastigatórios, tempo mastigatório aumentado, mastigação ineficiente, deglutição atípica, alteração da postura de lábios e língua na deglutição e sinais de disfagia orofaríngea(31).

Ao analisar os artigos encontrados, observou-se que, embora as estratégias utilizadas sejam variadas e não padronizadas, elas estão de acordo com os achados clínicos, sinais e sintomas nos pacientes com DTM, também encontrados na literatura(7-9).

O trabalho de orientação e controle da consistência, volume, ritmo mastigatório e vedamento labial durante a alimentação(17,18,20,21,23) é importante para fornecer uma base adequada para a mastigação e a deglutição. Foram citados exercícios de mastigação habitual de diferentes alimentos, de forma consciente, importantes para ampliar as percepções sobre as sensações provocadas, como dor, facilidade, dificuldade, diferença entre os lados, características físicas e gustativas dos alimentos(10,24). O treino da mastigação unilateral alternada foi relatado e visa induzir o movimento mandibular rotatório(18,21-23). Já o treino da mastigação bilateral simultânea foi utilizado quando havia necessidade de dividir a carga mastigatória e evitar translação condilar(2,10,11,24). Por fim, o treino da mastigação bilateral alternada foi indicado após o paciente ter desenvolvido melhores condições musculares(2,10,11,18,22,24).

Com relação à deglutição, os indivíduos dos estudos foram instruídos a aumentar o tempo mastigatório para promover a redução do alimento em partículas menores e lubrificar melhor o bolo alimentar(2,10,11). Treinos dirigidos de deglutição com apoio superior de língua e movimento ondulatório, sem pressão em musculatura perioral e percepção do movimento de elevação da laringe, também foram indicados(23,24).

Sabe-se que a qualidade da alimentação tem grande impacto na vida do indivíduo. Sendo assim, dificuldades na realização das funções de mastigação e deglutição, principalmente quando estão envolvidos os aspectos de dor e desconforto, geram prejuízo significativo na qualidade de vida desses pacientes(28).

Os estudos aqui apresentados demonstram a importância da reabilitação das funções no tratamento da DTM e DOF, porém, a literatura ainda é escassa sobre o assunto. Sendo assim, mais estudos com metodologias padronizadas devem ser realizados.

CONCLUSÃO

As abordagens e estratégias utilizadas para o treino de mastigação e deglutição em indivíduos com DTM e DOF demonstraram ser efetivas na reabilitação funcional dos pacientes, porém, as estratégias não seguem uma padronização e sempre estão combinadas a outros recursos e estratégias.

Os estudos encontrados apresentam baixo nível de evidência e são, em sua maioria, qualitativos. Considera-se fundamental a realização de estudos mais abrangentes e com metodologias mais padronizadas, como ensaios clínicos randomizados, a fim de melhor definição das estratégias utilizadas e de reforçar a importância da reabilitação das funções no tratamento da DTM e DOF.

  • Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação em Ciências Fonoaudiológicas, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil.
  • Financiamento: Nada a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2022
  • Aceito
    29 Jun 2022
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