Open-access Atendimento fonoaudiológico para pacientes em cuidados paliativos com disfagia orofaríngea

RESUMO

Objetivo  Caracterizar as alterações relacionadas à deglutição e as principais intervenções e condutas fonoaudiológicas em pacientes em cuidados paliativos, com disfagia orofaríngea.

Métodos  Estudo observacional, prospectivo, descritivo, realizado com 20 pacientes em cuidados paliativos, em internação hospitalar no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina. Foram coletados dados do histórico de saúde, dieta prescrita, tempo de internação, avaliação e intervenção fonoaudiológica. Também foi realizada avaliação funcional da deglutição no leito hospitalar, classificação na Functional Oral Intake Scale (FOIS) e aplicado um questionário sobre a satisfação do paciente quanto à alimentação.

Resultados  A maioria dos participantes era homem, com média de idade de 75 anos, que se encontrava sob cuidados paliativos por diversos tipos de doenças e agravos à saúde. O tempo médio de internação foi de 15 dias e a maioria evoluiu a óbito durante a internação. As consistências mais utilizadas para avaliação foram líquida e mel. O sinal de penetração e/ou aspiração laringotraqueal mais frequente foi voz “molhada” após a deglutição. Quanto à FOIS, metade da amostra encontrava-se no nível 5 e pequena parte no nível 1. As intervenções mais utilizadas foram modificação de consistência, manobras de múltiplas deglutições e deglutição com esforço. A partir do questionário, verificou-se que a maioria estava satisfeita com a dieta servida pelo hospital.

Conclusão  As alterações mais encontradas, relacionadas à deglutição, foram sinais clínicos de penetração e/ou aspiração laringotraqueal. As principais intervenções foram ajuste nas consistências das dietas e manobras compensatórias. A maioria seguiu durante a internação com alimentação por via oral, respeitando o desejo dos pacientes e seus familiares.

Palavras-chave:  Deglutição; Transtornos de deglutição; Fonoaudiologia; Cuidados paliativos; Qualidade de vida

ABSTRACT

Purpose  To characterize the changes related to swallowing and the main interventions and management of speech therapy in patients with oropharyngeal dysphagia in palliative care.

Methods  Observational prospective descriptive study conducted with 20 patients in palliative care at the University Hospital of the Federal University of Santa Catarina. Data were collected regarding the patients health history, prescribed diet, time of hospitalization and speech therapy evaluation and intervention. Clinical evaluation of swallowing was also performed on bedside, using the Functional Oral Intake Scale (FOIS). A semi-structured questionnaire was applied with questions about patient’s satisfaction related to feeding.

Results  Most of the sample was composed of men with 75 years of age on average, all under palliative care due to different diseases and health problems. The average time of hospital stay was 15 days and most patients died during hospitalization. The most common food consistencies used for evaluation were liquid and honey. The most common sign of penetration and/or laringo-tracheal aspiration was the “wet” voice after swallowing. As to FOIS, half the sample was at level 5 and part at level 1. The most common interventions used were consistency modification, multiple swallowing maneuvers and swallowing with effort. From the survey, it was found that most patients were satisfied with the diet served by the hospital.

Conclusion  The most frequently encountered changes related to swallowing were clinical signs of penetration and/or laringo-tracheal aspiration. The main interventions were adjustments of the prescribed diets consistency and compensatory maneuvers. Most patients continued during hospitalization with oral feeding, respecting the desire of the patients and their family members.

Keywords:  Deglutition; Deglutition disorders; Speech, Language and Hearing Sciences; Palliative care; Quality of life

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), Cuidados Paliativos são abordagens para melhoria da qualidade de vida de pacientes (adultos e crianças) e familiares que enfrentem problemas associados a doenças que ameaçam a vida, por meio da prevenção, alívio do sofrimento, identificação precoce, correta avaliação e tratamento da dor e outros problemas, físicos, psicossociais e espirituais(1).

A equipe multiprofissional é preconizada em cuidados paliativos, por se tratar de uma assistência complexa, com intuito de atender todos os aspectos do indivíduo e familiares. Pode ser composta por enfermeiro, psicólogo, médico, assistente social, farmacêutico, nutricionista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, dentista e assistente espiritual(2).

Há uma gama de doenças que demandam a perspectiva paliativa, tais como esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença de Parkinson (DP), doença de Alzheimer (DA), doenças osteoarticulares, além de idosos com sequelas causadas por outras doenças neurológicas(3), respiratórias, cardíacas, entre outras. Estas doenças podem evoluir com alterações de deglutição e comunicação, comprometendo a qualidade de vida dos pacientes e familiares.

A disfagia é concebida como sintoma de uma doença de base, que pode acometer qualquer parte do trato digestivo, desde a boca até o estômago(4). Esta alteração pode fomentar deficit nutricionais, de hidratação e implicações pulmonares em casos de pneumonia broncoaspirativa, fator que aumenta o tempo de internação hospitalar e diminui a qualidade e expectativa de vida(5,6).

Na equipe multiprofissional de cuidados paliativos, o fonoaudiólogo tem como objetivo garantir ao paciente o convívio e a interação com familiares e amigos, por meio da comunicação e da alimentação por via oral de forma prazerosa e a mais segura possível, através de estratégias reabilitadoras ou gerenciamento de funções, como respiração, deglutição, voz e fala(7,8).

Visando a contribuição para um atendimento qualificado em cuidados paliativos no campo da Fonoaudiologia e tendo em vista o reduzido número de publicações neste âmbito, este estudo teve como objetivo caracterizar as alterações relacionadas à deglutição e as principais intervenções e condutas fonoaudiológicas em pacientes em cuidados paliativos, com disfagia orofaríngea.

MÉTODOS

Esse estudo caracteriza-se como observacional, prospectivo, descritivo. A pesquisa foi realizada com 20 pacientes em cuidados paliativos, durante o período de internação nas enfermarias de um hospital geral, com atendimento exclusivo pelo Sistema Único de Saúde (SUS), na cidade de Florianópolis. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o número de protocolo 64325317.0.0000.0121 e todos os pacientes concordaram em participar da pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ou do Termo de Assentimento.

Os critérios de inclusão foram: pacientes internados no referido hospital, com descrição, na evolução médica, de que estavam em cuidados paliativos, de ambos os sexos, com idade mínima de 18 anos, alertas e compreendendo comandos verbais simples.

Por meio do prontuário, foram coletados dados de identificação, como idade, sexo, diagnóstico médico e comorbidades. Além destas informações, também foi identificado o tipo de dieta prescrita ao paciente, tempo de internação e se a evolução foi alta hospitalar ou óbito durante a internação. As dietas foram classificadas de acordo com a padronização do hospital, sendo: líquida completa, composta pelas consistências líquida, néctar, mel e pudim; líquida completa grossa, com as consistências mel e pudim; pastosa, composta por líquida, néctar, mel, pudim e sólido macio; branda e normal, sem restrição de consistências. As consistências dos alimentos líquidos foram classificadas de acordo com a American Dietetic Association(9).

Após a coleta de dados no prontuário, foi realizada avaliação funcional da deglutição, de acordo com a dieta prescrita e conforme as condições do paciente. Foi verificada a eficiência da captação do bolo, do vedamento labial, do preparo do bolo, tempo de trânsito oral lento ou adequado, presença ou ausência de escape extraoral e resíduos em cavidade oral após a deglutição, além de sinais clínicos de penetração laríngea e/ou aspiração laringotraqueal, como a presença de reflexo de tosse, dispneia, voz “molhada”, pigarro e/ou ausculta cervical positiva(10). Além disso, após a avaliação clínica da deglutição, os indivíduos foram classificados de acordo com a Functional Oral Intake Scale (FOIS)(11), utilizando a dieta prescrita como registro. Os níveis da FOIS variam de 1 a 7, sendo: 1- nada por via oral (VO); 2 - dependente de via alternativa e mínima via oral de algum alimento ou líquido; 3 - dependente de via alternativa, com consistente VO de alimento ou líquido; 4 - via oral total de uma única consistência; 5 - via oral total com múltiplas consistências, porém com necessidade de preparo especial ou compensações; 6 - via oral total com múltiplas consistências, sem necessidade de preparo especial ou compensações, porém, com restrições alimentares; 7 - via oral total sem restrições.

A intervenção terapêutica foi realizada quanto à modificação de consistência e volume dos alimentos e líquidos, assim como manobras posturais para proteção das vias aéreas, manobras de limpeza de resíduos após a deglutição, exercícios oromiofuncionais, exercícios vocais e estimulação sensorial. Estes foram realizados logo após avaliação, de acordo com a necessidade de cada paciente(12). O efeito clínico/empírico de cada técnica na fisiopatologia da deglutição dos participantes foi averiguado pelo fonoaudiólogo, imediatamente após sua utilização. Tal averiguação foi baseada na observância da permanência ou não das dificuldades e/ou sinais sugestivos de penetração laríngea ou aspiração laringotraqueal, prévios à utilização da técnica ou manobra.

A modificação da consistência dos líquidos finos e as manobras posturais de cabeça foram indicadas quando houve incoordenação oral ou atraso na resposta faríngea, com risco de aspiração laringotraqueal(13). As manobras voluntárias de deglutição foram utilizadas com o objetivo de melhorar a propulsão oral do alimento, ou promover a limpeza de possíveis resíduos faríngeos(14). A estimulação sensorial foi realizada quando o paciente apresentava demora ou ausência no disparo da deglutição, com o objetivo de promover o aumento da resposta faríngea(15). Além disso, também foram indicados exercícios oromiofuncionais e vocais, com o objetivo de melhorar a propulsão do bolo alimentar, diminuição de resíduos e otimizar o fechamento da via aérea inferior(16,17).

De forma complementar, visando às particularidades do paciente e seu conforto, foi aplicado um breve questionário com sete perguntas a ele ou familiar (quando não conseguia responder verbalmente). O questionário teve como objetivo verificar a satisfação (ou não) do paciente com relação à alimentação, ou a ausência desta, visando observar o seu conforto diante das condutas tomadas. As perguntas abrangiam o tema alimentação e questionavam a incidência de pneumonia durante internação; se o paciente sentia fome ou sede; se manifestava desconforto durante a alimentação ou na ausência desta; se apresentava desconforto respiratório ou dispneia durante alimentação e se estava satisfeito com o alimento recebido na internação.

Os dados foram analisados de forma descritiva, por meio da obtenção das frequências absolutas e relativas das variáveis categóricas e medidas de tendência central das variáveis numéricas.

RESULTADOS

Participaram do estudo 20 adultos, sendo 13 do sexo masculino e 7 do sexo feminino, com média de idade de 75,5 anos (desvio padrão = 14,43). A caracterização da amostra, por meio dos diagnósticos, não obteve uniformidade, por ser composta por diferentes doenças e poucos indivíduos. A comorbidade mais frequente foi hipertensão arterial (35%), seguida por diabetes mellitus (15%), evento neurológico prévio (15%) e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) (10%). Pôde-se observar, também, que 25% da amostra eram ex-etilistas e 20% ex-tabagistas (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização da população do estudo de acordo com o diagnóstico, comorbidades, tempo de internação e evolução hospitalar (n=20)

O tempo médio de internação desses pacientes foi de 15 dias, sendo que, após este período, 55% foram a óbito durante a internação e 45% receberam alta hospitalar. A caracterização dos pacientes está descrita na Tabela 1.

As consistências mais utilizadas para avaliação foram líquida (55%) e mel (50%). No que tange às alterações da fase, oral da deglutição, o tempo de trânsito oral prolongado e os resíduos em cavidade oral pós-deglutição foram as únicas manifestações presentes em todas as consistências. Na Tabela 2, os indivíduos estão apresentados de acordo com as consistências alimentares avaliadas e conforme as alterações observadas na fase oral da deglutição.

Tabela 2
Descrição das alterações em fase oral da deglutição encontradas a partir da avaliação clínica da deglutição, de acordo com consistências alimentares da população (n=19)

Em relação aos sinais clínicos de penetração laríngea e/ou aspiração laringotraqueal encontrados nas respectivas consistências, um mesmo indivíduo pode ter apresentado mais de um sinal de aspiração na avaliação clínica. O sinal comum a todas as consistências foi a voz “molhada” após a deglutição (Tabela 3).

Tabela 3
Descrição dos sinais clínicos de penetração laríngea e/ou aspiração laringotraqueal observados durante avaliação clínica da deglutição, de acordo com consistências alimentares da população (n=19)

Dos 20 indivíduos inseridos na pesquisa, 85% se alimentavam por via oral exclusiva, 10% por sonda nasoenteral (SNE) associada à via oral e 5% por SNE exclusiva. Com relação á FOIS, 10% foram classificados no nível 6 (via oral com múltiplas consistências sem preparo especial; 50% no nível 5 (via oral com múltiplas consistências e preparo especial); 25% no nível 4 (via oral com única consistência); 10% no nível 2 (via alternativa e mínima via oral) e 5% no nível 1 (nada por via oral) (Tabela 4).

Tabela 4
Caracterização da população do estudo, de acordo com as consistências alimentares da dieta prescrita durante a internação, uso de sonda, classificação na Functional Oral Intake Scale (n=20)

As intervenções terapêuticas mais utilizadas pela equipe de fonoaudiologia na população do estudo, para eliminar ou minimizar as alterações de deglutição, com base na literatura citada anteriormente, foram: modificação de consistência (55%), múltiplas deglutições (45%) e deglutição com esforço (15%). Somente 20% dos indivíduos da pesquisa realizaram estimulação sensorial. Foram observados, empiricamente, efeitos positivos imediatos (Figura 1), como diminuição de resíduos e dos sinais clínicos de penetração laríngea e/ou aspiração laringotraqueal e redução do tempo para disparo da fase faríngea da deglutição, durante a avaliação funcional da deglutição, com o uso da estratégia terapêutica de escolha. Além disso, 30% realizaram exercícios oromiofuncionais para mobilidade e força de língua e/ou técnicas vocais para elevação/anteriorização/estabilização laríngea e coaptação glótica, como intervenção terapêutica.

Figura 1
Relação das técnicas terapêuticas utilizadas para minimizar as alterações observadas na avaliação clínica da deglutição (n=20)

Por meio do questionário de satisfação, foi possível identificar que nenhum indivíduo apresentou pneumonia durante internação; 95% estavam satisfeitos com a dieta que era servida, inclusive os 10% que utilizavam SNE e mínima via oral associada; 70% referiram fome (sendo que todos estes estavam com alimentação por via oral); os 15% que estavam com SNE alegaram não sentir fome; 60% relataram sede, inclusive os 10% que utilizavam SNE. Dos que se alimentavam por via oral, 15% referiram desconforto na ausência da alimentação e 10%, desconforto respiratório durante alimentação.

DISCUSSÃO

O presente estudo teve por objetivo caracterizar o trabalho fonoaudiológico com pacientes em cuidados paliativos, visto a escassez de estudos a respeito. A partir da avaliação clínica da deglutição, foi possível observar maior frequência de sinais de penetração e/ou aspiração laringotraqueal para as consistências líquida e néctar. Para as consistências mais viscosas e sólidas, foi possível identificar maior presença de alterações na fase oral da deglutição.

Um trabalho realizado com idosos com demência, internados na clínica geriátrica de um hospital, investigou se as características da deglutição variavam conforme as consistências dos alimentos. Concordando com os resultados deste estudo, os autores encontraram maior incidência dos sinais de penetração laríngea e/ou aspiração laringotraqueal para água e maior latência para o disparo da primeira deglutição para purê de maçã(18).

Fisiologicamente, a consistência líquida exige maior agilidade e efetividade no fechamento laríngeo, além de maior controle motor oral, do que o líquido espessado. Já a mastigação, a manipulação oral e a ejeção do sólido exigem maior força muscular e maior energia muscular. Semelhante ao sólido, a ejeção dos alimentos mais viscosos também demanda maior força muscular, do que das consistências menos espessas(18).

O Manual de Cuidados Paliativos da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) propõe que o fonoaudiólogo gerencie, de forma segura, a alimentação por via oral por meio de manobras, ajuste de consistências e fracionamento das refeições, para que seja com qualidade(5). Concordando com o manual, nesta pesquisa, a maioria dos indivíduos (50%) se alimentava por via oral com múltiplas consistências e preparo especial (nível 5 na FOIS), predominantemente com dietas em consistências líquida, néctar, mel e pudim, utilizando manobras, como deglutições múltiplas e deglutição com esforço. Devido ao fato de a amostra ser composta por idosos, com múltiplas comorbidades e alguns com comprometimento neurológico, manobras mais complexas ou muito diferentes da forma habitual de se alimentar, ou seja, difíceis de serem executadas, não foram indicadas, evidenciando-se, assim, cansaço ou desconforto.

Em uma revisão de literatura sobre a abordagem terapêutica em disfágicos com doença de Alzheimer, verificou-se que a modificação do volume e consistência do alimento é a técnica mais utilizada em pacientes neurológicos, produzindo um importante efeito terapêutico na eficácia e segurança da deglutição, com diminuição das penetrações e aspirações. Segundo os autores, a prevalência de aspiração de líquidos diminuiu, significativamente, quando espessados, sendo uma estratégia de grande eficácia, pois não necessita de integridade cognitiva. Entende-se, também, que a técnica de modificação da dieta é indicada para evitar a asfixia pela preparação oral ineficiente dos alimentos, podendo ser utilizada em um momento de evolução da doença, porém, deve ser realizada em conjunto com equipe de nutricionistas, pois pode diminuir a ingestão calórica e proteica do indivíduo(19).

No presente trabalho, apenas três pacientes utilizavam SNE, sendo somente um de forma exclusiva, e os outros dois faziam uso de SNE com mínima via oral associada. Este achado está relacionado com o fato de que, em cuidados paliativos, medidas invasivas devem ser evitadas e a indicação de via alternativa de alimentação (VAA) deve ser ponderada.

Quando a disfagia piora e os sintomas se tornam mais graves, transformando a via oral de risco ao paciente, sugere-se, em alguns casos, estabelecer uma via alternativa de alimentação. Em indivíduos em cuidados paliativos, ressalta-se que essas possibilidades devem ser efetivadas somente quando visarem garantir conforto e qualidade de vida, aliviando os sintomas e atenuando o sofrimento do paciente e seus familiares(5). O debate sobre a via alternativa de alimentação em idosos com demência avançada ainda é controverso. Grande parte dos profissionais acredita que a VAA seria a melhor opção para os pacientes com demência, embora haja evidências, na literatura, de que os malefícios da alimentação por via alternativa superam os benefícios(20-22).

Na prática clínica, a decisão deve ser tomada em equipe, respeitando a escolha do paciente e da família, considerações estas que também devem ser avaliadas em outras doenças crônicas, refletindo caso a caso. Outras pesquisas relataram que a introdução de via alternativa de alimentação em cuidados paliativos deve ser repensada, visto que, neste momento, não há mais o objetivo de adequação nutricional e que, apesar de reduzir as chances de penetração e/ou aspiração laringotraqueal, a SNE não previne a pneumonia aspirativa(23-25).

No presente trabalho, uma pequena parte da amostra realizou exercícios para melhora da função de deglutição. A partir deste achado, pode-se inferir que essa escolha foi tomada a partir do ponto de vista de que, em cuidados paliativos, a indicação dessas técnicas terapêuticas deve ser criteriosa para não ser uma medida que aumente o gasto energético e que possa causar algum tipo de desconforto. Considerando que 55% dos indivíduos deste estudo foram a óbito, pressupõe-se que a maioria já apresentava prognóstico de terminalidade. Concordando com a literatura, o objetivo do fonoaudiólogo, nesta fase, não é de reabilitação do processo de deglutição, mas de manter a via oral de forma prazerosa e o mais segura possível, por meio de condutas que minimizassem o risco de aspiração(5,26).

Na maioria dos casos em que se utilizaram manobras e estimulação tátil-térmica, observou-se diminuição das alterações de fase oral e dos sinais clínicos de penetração laríngea e/ou aspiração laringotraqueal. Em uma revisão de literatura com disfágicos com doença Alzheimer(19), verificou-se que, além da mudança de consistência e volume do bolo, as medidas terapêuticas efetivas no tratamento desta população foram as manobras posturais, que tendem a diminuir a incidência de aspiração. Além disso, os estímulos sensoriais táteis e térmicos auxiliam no desencadeamento da deglutição e podem reduzir as aspirações. Exercícios motores podem proporcionar mudança na fisiologia da deglutição e manobras específicas de deglutição, que visam compensar as alterações biomecânicas, além da terapia coadjuvante com eletroestimulação transcutânea, também foram citadas na referida revisão de literatura. Apesar das estratégias descritas, há uma escassa evidência científica e importantes lacunas quanto ao manejo clínico da deglutição na doença de Alzheimer, sendo necessárias futuras investigações(19).

Por meio do questionário de satisfação aplicado no presente estudo, foi possível verificar que a maioria dos pacientes estava satisfeita com os alimentos servidos no hospital, mesmo com as adaptações de consistências sugeridas pelo fonoaudiólogo. Além do caráter biológico, a alimentação tem função social e simbólica-cultural, com grande teor na sociedade(5). Em pacientes em cuidados paliativos, a American Dietetic Association relata que a alimentação deve proporcionar prazer, diminuição da ansiedade e aumento da autoestima, bem como garantir maior interação e comunicação com os familiares(27). Um estudo qualitativo com 22 pacientes (em cuidados paliativos por diferentes doenças neurodegenerativas) e seus respectivos cuidadores evidenciou impacto negativo na vida diária de paciente e cuidador, devido às dificuldades de deglutição que ocasionavam, principalmente, o aumento no tempo de alimentação e/ou a dificuldade significativa na ingestão oral de alimentos(28).

Ainda a partir do questionário de satisfação, 60% e 70% dos pacientes relataram sentir sede e fome, respectivamente. Contudo, durante as avaliações funcionais da deglutição, muitas vezes foi observada baixa aceitação do alimento, pois os pacientes alegavam não sentir fome.

Um estudo, que teve como objetivo determinar a incidência de alterações na deglutição em pacientes em cuidados paliativos nas últimas 72 horas de vida, demonstrou maior índice de alterações de deglutição e redução na aceitação de alimentos(29). Tratando-se de uma amostra majoritariamente composta por pacientes em condição de terminalidade, acredita-se que a baixa aceitação de alimentos, apesar dos relatos de fome e sede observados no presente estudo, seja confirmada por tal constatação.

Neste estudo, foi observada, também, a insistência dos familiares para que o paciente aceitasse a dieta. Quando questionados sobre essa atitude, muitos diziam que a alimentação era necessária para manter o indivíduo forte e não deixá-lo morrer de fome ou sede. Em uma pesquisa realizada com indivíduos oncológicos em cuidados paliativos, foi realizada entrevista com pacientes e cuidadores sobre sentidos e significados sobre alimentação e nutrição. Os entrevistados referiram que precisavam se alimentar para manterem-se vivos, mesmo sem apresentar desejo(30).

Destaca-se que este estudo apresentou limitações quanto ao tamanho reduzido da amostra e à população bastante heterogênea, por se tratar de um hospital geral. Sugere-se que sejam realizadas novas pesquisas na área de Fonoaudiologia e cuidados paliativos, a fim de fortalecer as evidências científicas em que se baseiam os clínicos.

CONCLUSÃO

As alterações mais encontradas, relacionadas à deglutição, foram sinais clínicos sugestivos de permeação das vias aéreas inferiores (penetração laríngea e/ou aspiração laringotraqueal), principalmente, para líquido, e alterações na fase oral da deglutição para a consistência sólida.

As principais intervenções fonoaudiológicas realizadas foram de ajustes nas consistências das dietas prescritas durante a internação e orientações de manobras para múltiplas deglutições e deglutição com esforço. A maioria dos pacientes seguiu, durante toda a internação, com alimentação por via oral, respeitando o desejo do paciente e de familiares, mantendo-a de forma prazerosa.

Salienta-se que é necessário cautela ao realizar generalizações a partir dos resultados e conclusões deste estudo uma vez que, houve um número pequeno e heterogêneo de participantes.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal de Santa Catariana – UFSC – Florianópolis (SC), Brasil.
  • Financiamento: Nada a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2019
  • Aceito
    31 Jan 2020
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