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Discurso do engº agrº Wilson Brandão Toffano, proferido na sessão solene da XXIVª semana Luiz de Queiroz, ESALQ/Usp, Piracicaba

Ilmº Sr, Dr. Aristeu Mendes Peixoto, estimado Diretor da Escola Superior de Agricultura "Luíz de Queiroz";

Caros amigos e estimados colegas, símbolos de gerações diversas que depois de terem tanto se identificado no tempo, se entrelaçam na atuação, na afinidade de ideais;

Caros Professores e Dirigentes desta grandiosa Escola, cravada dentro de nós em letras de fogo, tantas são as lembranças que em nós deixou;

Colegas de diversos pontos do Brasil ou do exterior, que de qualquer forma estão solidários a nós, neste momento de ternura e meditação;

Caros funcionários, quaisquer que sejam as suas categorias, sempre partes deste todo, que é preciso ser olhado de longe, tão grande é a sua estrutura;

Senhoras e Senhores, como nós, peças desta cena, que marca a presença da Agronomia, pintando quadros de esperança no futuro do Brasil.

Não vamos nos escafandrizar para um mergulho fundo no mar da literatura, em busca de vocábulos indicionarizados, para dar contornos que julgamos supérfluos a esta nossa oração. Mas afirmamos, sem medo de errar, que cada vez que nos foi solicitada a presença para fazer uso da palavra nesta Escola, o nosso interior se agitou e o coração bateu mais apressado. Sentimo-nos enlaçados por uma emoção que se reencontra e se iguala aquela mesma emotividade que nos acompanhava em cada discurso feito ao pé de uma árvore, num salão de jantares, num palanque armado ou improvisado em praça publica, ou, enfim, em cada canto onde durante mais de 5 anos como orador do Centro Acadêmico "Luiz de Queiroz", extravasámos alegria, vibrávamos em civismo, nos emocionávamos com as vitórias das tropas brasileiras nos campos de além mar, chorávamos os nossos mortos, cantávamos a nossa escola, exaltávamos a, cidade que nos recebia acolhedora e nobre, ou quando erguíamos taças em comemoração às notáveis conquistas do famoso A encarnado. Sempre falando - e isso era o que nos fazia trepidar nos nossos discursos - com o coração cheio de crença na nossa profissão, com um profundo respeito pela casa onde aprendemos a ouvir e interpretar as vozes da Agricultura.

São razões como essas, colegas que vieram antes que chegássemos; companheiros que percorreram as aléias desses parques quando nossos passos também as calcaram; colegas que vieram depois, moços que estais nesta hora, fitando o horizonte tentando descobrir o que virá, vendo nele profundas e fundadas interrogações e quantas as fizemos nós! - à procura de uma porta, de um convite para o trabalho que tanto dignifica a criatura humana; são razões como essas, nós vos repetimos, que antes de falar tentanto cantar o Dia Nacional do Engenheiro-Agrônomo, nos levam a render as nossas homenagens aos 80 anos da Escola Superior "Luiz de Queiroz", ponto de partida para tantos filhos ilustres que, espraiados por todos os cantos da pátria, ajudaram a brotação e o crescimento de novas escolas, e influíram decisivamente para a formação de profissionais que demarcaram muitos dos nossos problemas, procuraram e encontraram soluções nos mais variados campos, propuseram diretrizes que em muitos setores têm escorado a agricultura brasileira, impondo-se pela excelência dos seus conhecimentos. Homens que, pelo seu preparo cultural, nas horas difíceis que atravessamos, vão colocando nossos governantes ante um dilema, para que pensem na relevância de uma saída feliz: ou ouvirão mais, na agricultura, só os que dela entendem com profundidade, ou poderão caminhar para a amargura indesejãvel dos fracassos.

A análise fria e ponderada do trabalho do engenheiro -agrônomo, retrata a presença cada vez mais positiva de uma clase que, apesar de todos os entraves pelos quais já passou, sempre labutou com fé, não no milagre, mas na realidade do potencial agrícola do Brasil. O porvir mais claro, mais farto, mais alegre e confortável, continua sendo dos que esperam confiando, mas que não se confinam num acreditar estático, porque acreditam lutando por dias melhores. Não será dos que se acomodam no ócio, refestelados em cômodas poltronas, longe da realidade dura do dia a dia, aumentando as forças negativas, que o Brasil poderá esperar colunas firmes para a estrutura do seu amanhã. Porque a omissão atrapalha, a apatia retarda os passos da caminhada, a indiferença bloqueia as passagens, quais barreiras caídas pela falta de sustentação cívica, pela ausência de substrato moral no bojo do caráter que forma o bom profissional.

O que não luta de peito aberto, encarando honestamente a verdade, se subordina a incapacidade de querer e perde o direito de opinar. O que labuta e cria, alcança na sua plenitude o direito de ser livre, de reivindicar, porque a sua voz tem retaguarda escorada por firme argamassa de cérebro, braços e coração, Se esse direito lhe é cerceado, se-lo-á apenas exteriormente, porque nada lhe arranca de dentro de si a certeza de que o é. Fala quando quer, atua quando pode, mas sempre sem temer que se conturbem as superfícies, porque segue consciente de que escolheu o caminho certo para dignificar-se dignificando sua profissão e dando satisfação aos que o acompanham.

Nenhuma pátria jamais se elevou com seus filhos cruzando os braços. Cada engenheiro-agrônomo sabe como e porque, da semente lançada ao solo pode advir toda a fartura de uma colheita. Sabe que a Agricultura é uma deusa que, a todo instante, põe à prova nas suas mais diversificadas formas, a tempera em que foram forjadas a crença e a coragem, a persistência, e em muitos casos a paciência que chega até a obstinação, dos que se lançaram por esse caminho tao valioso quão sacrificado, mas que vai se tornando cada vez mais, impositiva e irreversivelmente, o único capaz de conduzir a humanidade no sentido da paz.

Na hora que passa, projeta-se de maneira marcante a figura do engenheiro-agrônomo, bem como a sua enorme responsabilidade. Mas imensa é também a carga que pesa sobre os ombros dos nossos governantes, porque a realidade que aí está palpável, não é ridente, nem cantante, e está a mostrar de maneira viva, que o caminho certo é amparar mais o campo, assistí-lo com todo o vigor, procurando, dentro de nossa vastidão territorial, a autosuficiência na produção de alimentos. É necessário impulso maior e continuidade no auxílio à zona rural, por que será do seio da terra que poderão eclodir braços capazes de tirar a economia nacional dos meandros em que foi colocada para levantá-la depois, dos vaiados em que se encontra.

As vozes da agricultura, um sem número de vezes, morreram sem eco, porque, a cada ano que passa, são jogados no papel, aluviões de intenções de se dar guarida a grandes programas de amparo ao homem que amanha a terra. Mas, a verdade final tem sido com freqüência, a de que, entre o homem que luta de sol a sol, seguindo a orientação dos técnicos, e o destinatário para o qual o seu produto foi gerado, descarna-se pouco a pouco, a cada passo, os frutos do seu suor, com a produção sendo abastardada nos preços. E o que se verifica é que aquele que planta recebe pouco e o que consome paga muito, esboroando-se assim o nobre objetivo de dar pio a todos e colocar um pouco mais de fartura a mesa. O que se pretende, em face do que amiúde acontece, fortalece a afirmativa de que "as estradas do inferno estão pavimentadas de boas intenções".

Queremos deixar bem claro que a nossa oração não carrega intenções escondidas de alinhavar críticas descriteriosas, pois jamais nos deixamos envolver, desde os bancos acadêmicos por propósitos dos pessimistas ou dos alarmadores profissionais, que procuram, predizem, ou mesmo fabricam derrotas pelo simples motivo de se contrapor ao que está ou pela vesania de seu autopromover. Falamos e que grande responsabilidade!- sobre o dia nacional do engenheiro-agrônomo, de uma classe que merece ser colocada nos lugares mais altos da nação, não se admitindo nunca, quando se fale em agropecuária , que seja colocada como simples executora, porque na realidade ela tem que ser mentora, idealizadora, atuante e criadora, pois para isso não lhe faltam valores. Admitimos e aceitamos o imperativo de se processar um certo desaquecimento em algumas áreas industriais, embora o fantasma do desemprego se projete ameaçador; que haja moderação na velocidade do evolver em diversos setores. Mas, urn país que diminui o compasso de sua agricultura, podendo incrementá-la, pode a qualquer momento, fechando-se no que é, voltar ao que ontem foi e aí, muito.pior para todos, pode mergulhar em problemas sociais de difícil solução, caminhando para onde nunca sonhou nem desejou chegar: o de ter que enfrentar o drama da fome aguda ou acumulada.

Nós acreditamos nas intenções dos que nos governam e, sobretudo nos brios nacionais dos que ocupam altos postos. E sabemos que o Brasil, mais do que nunca tem que escorar as suas bases em audaciosos, mas meticulosamente selecionados projetos dirigidos à sua agricultura. Os dirigentes precisam parar um pouco para olhar as estradas com olhos de lince, e ou vir com apurada audição ao engenheiro-agrônomo que embasou à sua formação nas lages sólidas das lições do passado, e, no caminho da pesquisa, da extensão, do ensino e em outros pontos balizados no ontem, e que não chegou "de avião", mas veio pela terra, estudando-a passo a passo, para ter condições seguras de preparar no hoje as colheitas do amanhã.

Para quem conhece a estória das escaladas da nossa profissão, - e os homenageados desta manha, assim como muitos que se intermedeiam nos períodos compreendidos entre eles, têm um enorme lastro no assunto - falar de como foi árdua a luta nascida com os sonhos de Luiz de Queiroz, seria um repassar de cenas e cenários vividos e sofridos, cheios de desertos da incompreensão, onde o agrônomo era aquele ilustre desconhecido, procurando com avidez alguns oásis do descortínio, para mostrar ao que viera, para implantar o que compuzera, para se fixar como ponto de referência para os caminhos futuros da nossa agropecuária. Lutou, construiu e preparou com carinho os tempos do depois.

E aí estão eles, os engenheiros-agrônomos gerados aqui, alí, ou acolá, em todos os setores da vida brasileira, nas organizações públicas e privadas, na Federação, nos Estados e nos Municípios, no país e no exterior. Aí estão eles, na pesquisa, no melhoramento das plantas e dos animais, nos processos para o seu plantio ou criação, na defesa sanitária, na organização das propriedades rurais, na industrialização dos produtos agrícolas, na sua. comercialização e distribuição, na sócio-economia, na preservação dos recursos naturais, no paisagismo, na assistência técnica, na nobreza do ensino, na grandeza da educação e em outras atividades.

Aí estão eles, certos de que os conhecimentos científicos e tecnológicos não regridem mais, e que o que se distende ou se encolhe são as áreas geográficas onde Ciência e Tecnologia adentraram e tiveram guarida, e assim avançaram. Que essas 2 forças delimitam poderosamente áreas onde alguns países se instalaram, e onde poderão entrar aqueles que tiverem alma e coração, programação e trabalho, intenção e atuação, altanaria e independência, e consciência nacional no criterioso aproveitamento de seus filhos e de outras riquezas, com equipes preparadas e bem utilizadas em saltos de arrojo que possam fixá-las como nações líderes. Aí estão eles, não como utópicos sonhadores, vendo apenas cores doiradas da produção, esperando que tudo caia do céu. Mas sabendo que nós, os brasileiros, lutamos para estar na área dos privilegiados, não obstante muitos não o desejem, para sair da cauda dos mais poderosos, para poder, retemperados, parar e dar a mão aos nossos irmãos da América Latina e de outras partes do mundo que quiserem apertá-las com sinceridade.

No dia nacional do engenheiro-agrônomo, voltamos a insistir, se quisermos atingir os objetivos nacionais, colocando prioridade na batalha para o aumento da produção e dos índices de produtividade, precisamos ter em mente a necessidade de se colocar o engenheiro-agrônomo em todos os postos em que sua presença é reclamada, valorizando-o e utilizando-o mais. Temos que lembrar e batalhar para o emprego de tecnologia avançada, mas recomendada por quem pode falar no assunto. Que se procure a utilização maior dos que cursaram as nossas escolas de agronomia, e que essas escolas não só mantenham, mas elevem o seu nível de ensino. Mas para tanto é preciso ampará-las economicamente, numa prova de confiança dignificante. Que a todos os setores da agropecuária sejam estendidas as mãos distribuidoras de recursos, fiscalizados para que esses sejam efetivamente empregados na agricultura. Que em todas as escolas, estatais ou, privadas, possam ser abertos novos campos para os engenheiros-agrônomos, que são linhas avançadas do bom trabalho agrícola.

Basta que lançados os olhos para centenas de pontos do nosso planeta, para observarmos sem muito esforço que nos cenários toma corpo com grande evidência, a presença de 3 pontos marcantes entre aqueles que se apresentam impôstergãveis, quanto ao seu papel nas necessidades comunitárias: o Sustento, a Saúde, e as Relações Humanas, trinômio no qual os componentes se interpenetram, se interdependem e se completam, mas que só entrarão em síncronismo perfeito, quando os estômagos, não estiverem vazios, permitindo que num ambiente de razoável satisfação, haja paz e todos se sintam mais irmãos.

Se os 3 pontos preocupam, o primeiro deles, o Sustento, vem se agigantando e terá que se fixar nas diretrizes do governo, tomando o aumento de produção e de produtividade, a diversificação dos alimentos, a qualidade e o preço do produto, sua exequível, rápida e justa distribuição, como pontos de honra para que tenham a consciência tranqüila de um dever cumprido. Permitindo o sustento, com o alimento produzido de tal forma que, diversificado e bom, possa estar também na mesa do operário, este, bem nutrido, poderá dar maiores respostas ao que dele se espera. Nutrido, com saúde, as relações humanas ganharão outros matizes.

Preocupado no seu vai e vem que não cessa, na era das máquinas, o ser humano muitas vezes se esquece que os alimentos que estão nos pacotes, nas latas, nas vidrarias, não foram basicamente constituídos pelas máquinas. Sao necessárias, as vezes, grandes adversidades, catástrofes geradas pela falta de alimento, para que muitos se inteirem e se conscientizem de que, três quartos da humanidade continuam tornando presente a afirmação Van LOON, de que "a história de humanidade é a da criatura faminta à procura de alimento".

Por isso, além da luta ingente em busca de fontes de energia, temos que estar atilados para que não se mude desastrada mente o equilíbrio da produção com vastas áreas com monocultura; precisamos continuar empurrando a nossa agricultura, porque ela é um promissor aceno para dias melhores. Nesta hora, é vital, é imperativo, é evidente realidade, que quando os números dançarem sobre as mesas dos dirigentes, que eles se lembrem que números no papel podem ser apenas números frios, números apenas. Que eles servem para locubrações no cérebro, são importantes para cálculos e traçados de caminhos, mas que será muito mais confortante que eles retratem produção, produtividade, alimento distribuído, bocas saciadas, perspectivas de dias melhores.

Que o Dia Nacional do Engenheiro-Agrônomo, em cada ano de sua comemoração, encontre mais outro nas searas , mais frutos nas colheitas, mais cabeças nos rebanhos, mais risos nos lares de nossa terra. E que nós, os responsáveis pelo conceito de nossa profissão, defendamos inarredáveis as nossas convicções. Mas que façamos vestidos da crença em nosso país, neste chão das nossas esperanças, e lutemos para que, em cada gleba onde o arado fizer um sulco se instale, também, uma escola de amor à natureza, Que sejam arados cérebros, preparados mais braços e vontades, para a edíficação de um amanhã bem brasileiro, cheio de luz, dando lições de paz ao mundo, cheio de descortínio cívico e acima de tudo repleto de respeito pelo Brasil.

  • Discurso do engº agrº Wilson Brandão Toffano, proferido na sessão solene da XXIVª semana Luiz de Queiroz, ESALQ/Usp, Piracicaba

  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      1981
    Universidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura Av.Páduas Dias, 11, C.P 9 / Piracicaba - São Paulo, Brasil, tel. (019)3429-4486, (019)3429-4401 - Piracicaba - SP - Brazil
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