Acessibilidade / Reportar erro

DETECÇÃO AO MICROSCÓPIO ELETRÔNICO DE TRANSMISSÃO DE PARTÍCULAS VIRAIS SEMELHANTES AOS GRUPOS HERPES, TOGA E PARAMIXOVÍRUS EM RÃTOURO (RANA CATESBEIANA SHAW, 1802) CRIADAS COMERCIALMENTE. PRIMEIRAS OBSERVAÇÕES NO BRASIL

DETECTION BY TRANSMISSION ELECTRON MICROSCOPE OF HERPES, TOGA AND PARAMIXO-LIKE PARTICLES VIRUS IN BULLFROG (RANA CATESBEIANA SHAW, 1802) FROM COMMERCIAL FROGGERIES. FIRST OBSERVATIONS IN BRAZIL

RESUMO

Com a finalidade de conhecer a presença de agentes virais em rãs-touro provenientes de criações comerciais, foram encaminhados para exame por microscopia eletrônica de transmissão, amostras de tecido muscular de animais abatidos comercialmente (1 caso); de fígado (2 casos) e de fígado e líquido ascítico (1 caso), de animais mortos por diferentes causas. Foi observada a presença de partículas semelhantes ao grupo Herpes em nódulos presentes na musculatura de animais abatidos em matadouro; grupo Herpes em fígado de animais mortos por intoxicação; grupo Herpes em fígado e no líquido ascítico e grupo Toga somente no líquido ascítico em animais que morreram por deficiência nutricional e grupo Paramixo em girinos mortos pela má qualidade da água devido a alterações ambientais. Acredita-se que nenhum destes grupos estejam envolvidos diretamente com as lesões e mortalidade e se desconhece sua importância como agentes primários ou oportunistas, em relação às rãs criadas intensivamente. Destes vírus, somente o grupo Herpes está relacionado à ocorrências conhecidas, exclusivamente em anfíbios silvestres. Estas são as primeiras observações por m.e.t. de partículas virais nesta espécie animal, no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
Rã-touro; Rana catesbeiana; patologia; vírus.

ABSTRACT

To increase the knowledge of the presence of viral agent in bullfrogs from commercial froggeries, an examination was made, by transmission electron microscope, the muscles with nodules from slaughterhouse (1 case); livers (2 cases) and livers and ascitic liquid (1 case) from animals died by different causes. There were observed a Herpes-like particles in nodules in muscles of animals from slaughterhouse; Herpes-like particles in liver of animals that died by intoxication; Herpes-like particles in liver and ascitic liquid and Toga-like particles in ascitic liquid from animals that died by nutritional deficiency and Paramixo-like particles in the liver of tadpoles that had died due to bad water quality. The authors believe that neither of these groups of virus are involved directy with the lesions and mortalities of these cases and do not know their importance as primaries or opportunistic agents to bullfrog from froggery. Of these viruses, only the Herpes group is related with amphibians, solely in free-living wild animals. These are the first observations, by t.e.m. of virus like particles in bullfrogs in Brazil.

KEY WORDS:
Bullfrog; Rana catesbeiana; pathology; virus.

A presença viral em anfíbios silvestres há muito tempo é divulgada. Sua primeira associação relatada foi na década de 30, nos Estados Unidos da América do Norte, a partir de uma formação neoplásica em rim da rã leopardo Rana pipiens. Esta formação foi primeiramente notificada em 1905 e caracterizada em 1934 por Lucke (ou Lucké) como adenocarcinoma renal e em 1938 foi chamada a atenção para um "vírus filtravel" (LUCKE, 1938LUCKE, B. Carcinoma in the leopard frog: Its probable causation by a virus. J. Exp. Med., v.63, p.457-468, 1938.; GRANOFF, 1969GRANOFF, A. Viruses of amphibia. Curr. Top. Microbiol. Immunol., v.50, p.107-137, 1969.; MCKINNELL, 1984MCKINNELL, R.G. Lucke tumor of frogs In: HOFF, G.L.; FRYE, F.L.; JACOBSON, E.R. Disease of amphibians and reptiles. New York: Plenum Press, 1984. p.581-605.). A partir de homogenados, do que então ficou conhecido, como tumores de Lucke, foram caracterizados diferentes grupos de vírus como um tipo herpes em 1956, os vírus deoxiribopoliédricos citoplasmáticos, denominados "frog virus", um vírus tipo papova e a partir de rim granulomatoso um vírus tipo adeno, estes na década de 60 (GRANOFF, 1969GRANOFF, A. Viruses of amphibia. Curr. Top. Microbiol. Immunol., v.50, p.107-137, 1969.), sempre na R. pipiens.

Dentro dos vírus deoxiribopoliédricos citoplasmáticos foi caracterizado um grupo como TEV - "tadpole edema virus" - vírus do edema de girinos - isolado de adultos normais da rã-touro R. catesbeiana e de girinos normais e edemaciados (GRANOFF, 1969GRANOFF, A. Viruses of amphibia. Curr. Top. Microbiol. Immunol., v.50, p.107-137, 1969.; WOLF et al., 1968WOLF, K.; BULLOCK, G.L.; DUNBAR, C.E.; Q UIMBY. M.C. Tadpole edema virus: a viscerotropic pathogen for anuran amphibians. J. Infect. Dis., v.118, p.253-262, 1968. e 1969WOLF, K.; BULLOCK, G.L.; DUNBAR, C.E.; QUIMBY. M.C. Tadpole edema virus: Pathogenesis and growth studies and additional sites of virus infected bullfrog tadpoles. In: MIZELL M. (Ed.) Biology of amphibian tumours. Recent Results Cancer Res., Special Supplement. Berlin, p.327336, 1969.). O vírus da "TEV" foi depois classificado como um Iridovírus (apud ANVER & Pond, 1984ANVER, M.R.; POND, C.L. Biology and diseases of Amphibians. In: FOX, J.G.; COHEN, B.J.; LOEW, F.M. (Eds.) Laboratory animal medicine. Orlando: Academic Press, 1984. p.427-447.). Ainda na década de 60, outras ocorrências são relatadas de "suspeitas por vírus" como linfosarcoma em R. pipiens; epitelioma na salamandra Triton alpestris e linfosarcoma no sapo Xenopus laevis (LUNGER, 1966LUNGER, P.D. Amphibia-related viruses. Adv. Virus Res., v.12, p.1-33, 1966.). Vírus causadores de encefalites, como a encefalite eqüina oeste e encefalite japonesa B, podem ter nos anfíbios seus reservatórios, com viremias e anticorpos, porém sem sinais ou lesões (BURTON et al., 1966BURTON, A.N.; MCLINTOCK, J.; REMPEL, J.G. Western equine encephalitis virus in Saskatchewan garder snakes and leopard frogs. Science, v.154, p.1029-1031, 1966.). Outro grupo envolvido faz parte dos Calicivirus (identificado como Calicivirus Tipo 1 de réptil Crotalus) acometendo animais de zoológicos nos Estados Unidos como a rã Ceratophrys orata, isolado de adultos com edema linfático subcutâneo, colite e pneumonia intersticial necrótica, por SMITH et al. (1986)SMITH, A.W.; ANDERSON, M.P.; SKILLING, D.E.; BARLOUGH, J.E. ENSLEY, P.K. First isolation of calicivirus from reptiles and amphibians. Am. J. Vet. Res., v.47, n.8, p.17181721, 1986..

Um grande passo no estudo de patógenos virais para os anfíbios foi dado a partir de 1989, na Austrália, quando da procura de um "agente assassino - ou seja, achar um agente patogênico para servir de controle biológico para o sapo Bufo marinus, que foi introduzido neste país em 1937 e se tornando praga", sendo que um vírus não identificado foi isolado da rã silvestre australiana Limnodynastes ornatus que causava anasarca, ascite e hemorragia cutânea em girinos e sendo experimentalmente patogênico para este sapo. Este vírus não foi utilizado devido ao risco para outros anfíbios (SPEARE & O'SHEA, 1989SPEARE, R. & O'SHEA. P. The marine toad, Bufo marinus, in Australia and the search for a killer disease. Proc. Am. Assoc. Zool. Vet., Annual Meeting, 1989. Greensboro, North Carolina, USA. p.166-172.).

No Canadá aparece o denominado vírus eritrocítico das rãs, acometendo a Rana catesbeiana silvestre, causando alteração da morfologia dos eritrócitos, estando presente em jovens e adultos, de ocorrência sazonal e transmitido por mosquitos, conforme GRUIA-GRAY & DESSER (1992)GRUIA-GRAY, J. & DESSER, S.S. Cytopathological observations and epizootiology of frog erthrocytic virus in bullfrogs (Rana catesbeiana). J. Wildl. Dis., v.28, n.1, p.34-41, 1992..

O vírus não identificado (que poderia vir a ser o "agente assassino") foi posteriormente classificado como Iridovirus (SPEARE & SMITH, 1992SPEARE, R. & SMITH, J.R. An iridovirus-like agent isolated from the ornate burrowing frog Limnodynastes ornatus in northern Australia. Dis. Aquat. Org., v.14, p.51-57, 1992.), estando também envolvido em ocorrências de mortalidade em várias partes do mundo. Aparece comprometendo o B. marinus na Costa Rica (SPEARE et al., 1991SPEARE, R.; FREELAND, W.J.; BOLTON, S.J. A possible iridovirus in erythrocytes of Bufo marinus in Costa Rica. J. Wildl. Dis., v.27, n.3, p.457-462, 1991.), na Venezuela (ZUPANOVIC et al., 1998aZUPANOVIC, Z.; LOPEZ, G.; HYATT, A.D.; GREEN, B.; BARTRAN, G.; PARKES, H.; WHITTINGTON, R.J.; SPEARE, R. Giant toads Bufo marinus in Australia and Venezuela have antibodies against "ranaviruses". Dis. Aquat. Org., v.32, p.1-8, 1998a. e 1998bZUPANOVIC, Z.; MUSSO, C.; LOPEZ, G.; LOURIERO, C.L.; HYATT, A.D.; HENGSTBERGER, S.; ROBINSON, A.J. Isolation and characterization of iridoviruses from the giant toads Bufo marinus in Venezuela. Dis. Aquat. Org., v.33, p.19, 1998b.) e na Iugoslávia, acometendo a rã R. esculenta (FIJAN et al., 1991FIJAN, N.; MATASIN, Z.; PETRINEC, Z.; VALPOTIC, I.; ZWILLENBERG, L.O. Isolation of an iridovirus-like agent from the green frog (Rana esculenta). Vet. Arh., Zagreb, v.61, n.3, p.151-158, 1991.). Novamente na Austrália, passa a ser associado ao vírus da necrose hematopoética epizoótica, isolado da L. ornatus e também de peixes cultivados como a perca e a truta arco-íris (HENGSTBERGER et al., 1993HENGSTBERGER, S.G.; HYATT, A.D.; SPEARE, R.; COUPAR, B.E.H. Comparison of epizootic haematopoietic necrosis and Bohle iridoviruses, recently isolated Australian iridoviruses. Dis. Aquat. Org., v.15, p.93-107, 1993.). Na Inglaterra, em duas ocorrências, foram isolados da rã R. temporaria , por DRURY et al. (1995)DRURY, S.E.N.; GOUGH, R.E.; CUNNINGHAM, A.A. Isolation of an iridovirus like-agent from common frogs (Rana temporaria). Vet. Rec., v.137, p.72-73, 1995 e por CUNNINGHAM et al., (1996)CUNNINGHAM, A.A.; LANGTON, T.E.S.; BENNETT, P.M.; LEWIN, J.F.; DRURY, S.E.N.; GOUGH, R.E.; MACGREGOR, S.K. Pathological and microbiological findings from incidents of unusual mortality of the common frog (Rana temporaria ). Philos. Trans. R. Soc. Lond. B. Biol. Sci., v.351,n.1347, p.1539-1557, 1996., sendo que este último autor e seus colaboradores, admitem que a morte dos animais esteve associada com a bactéria Aeromonas hydrophila como oportunista. Novamente, um tipo Herpes aparece associado à lesões de pele na rã Rana dalmatina, conforme BENNATI et al. (1994)BENNATI, R.; BONETTI, M.; LAVAZZA, A.; GELMETTI, D. Skin lesions associated with herpesvirus-like particle in frogs (Rana dalmatina). Vet. Rec., v.135, p.625-626, 1994.. Também envolvido com uma mortalidade em massa espontânea da R. temporaria na Inglaterra está um vírus semelhante a Poxvírus de acordo com CUNNINGHAM et al. (1993)CUNNINGHAM, A.A.; LANGTON, T.E.S.; BENNETT, P.M.; DRURY, S.E.N.; GOUGH, R.E.; KIRKWOOD, J.K. Unusual mortality associated with poxvirus-like particles in frogs (Rana temporaria). Vet. Rec., v.133, p.141-142, 1993..

Posteriormente, dentro dos Iridovírus, foi denominado um gênero específico para os isolados de anfíbios, os Ranavirus, sendo um vírus icosaédrico (AHNE et al., 1997AHNE, W.; BREMONT, M.; HEDRICK, R.P.; HYATT, A.D.; WHITTINGTON, R.J. Special topic review: Iridiviruses associated with epizootic haemotopoietic necrosis (EHN) in aquaculture. World J. Microbiol. Biotechnol., v.13, p.367-373, 1997.; ZUPANOVIC et al., 1998aZUPANOVIC, Z.; LOPEZ, G.; HYATT, A.D.; GREEN, B.; BARTRAN, G.; PARKES, H.; WHITTINGTON, R.J.; SPEARE, R. Giant toads Bufo marinus in Australia and Venezuela have antibodies against "ranaviruses". Dis. Aquat. Org., v.32, p.1-8, 1998a. e 1998bZUPANOVIC, Z.; MUSSO, C.; LOPEZ, G.; LOURIERO, C.L.; HYATT, A.D.; HENGSTBERGER, S.; ROBINSON, A.J. Isolation and characterization of iridoviruses from the giant toads Bufo marinus in Venezuela. Dis. Aquat. Org., v.33, p.19, 1998b.). O gênero Ranavirus é um dos principais envolvidos nos casos de mortalidade em massa espontânea de anfíbios silvestres, causando declínio de populações nativas de rãs, sapos e salamandras, em vários pontos do planeta (DASZAK et al., 1999DASZAK. P.; BERGER, L.; CUNNINGHAM, A.A.; HYATT, A.D. EARL GREEN, D.; SPEARE, R. Emerging infectious diseases and amphibian population declines. Emerg. Infect. Dis., v.5, n.6, p.735-748, 1999.). Este, até o momento, é o grupo viral mais comprometido com os anfíbios (MAO, 1999MAO, J. Molecular characterization of iridoviruses isolated from sympatric amphibians and fish. Virus Res., v.63, n.1-2, p.45-52, 1999.; WILLIANS, 1996WILLIAMS, T. The iridoviruses. Adv. Virus Res., v. 46, p.345412, 1996.; ZUPANOVIC et al., 1998aZUPANOVIC, Z.; LOPEZ, G.; HYATT, A.D.; GREEN, B.; BARTRAN, G.; PARKES, H.; WHITTINGTON, R.J.; SPEARE, R. Giant toads Bufo marinus in Australia and Venezuela have antibodies against "ranaviruses". Dis. Aquat. Org., v.32, p.1-8, 1998a. e 1998bZUPANOVIC, Z.; MUSSO, C.; LOPEZ, G.; LOURIERO, C.L.; HYATT, A.D.; HENGSTBERGER, S.; ROBINSON, A.J. Isolation and characterization of iridoviruses from the giant toads Bufo marinus in Venezuela. Dis. Aquat. Org., v.33, p.19, 1998b.).

A presença viral em anfíbios, também silvestres, no Brasil, é relatado em duas ocorrências. Na rã Leptodactyllus ocellatus, por um desoxiribovírus icosaédrico citoplasmático, que forma uma inclusão e esta era considerada um protozoário parasita intracelular das hemácias - Toddia sp. FRANÇA, 1912 - e sendo depois caracterizada como inclusão decorrente da presença deste vírus (SOUZA & WEIGL, 1976SOUZA, M.A. & WEIGL, D.R. The viral nature of Toddia França, 1912. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, v.74, n.3-4, p.213-230, 1976.). A outra citação é de um novo vírus eritrocítico, icosaédrico, na perereca brasileira Phrynohyas venulosa (MATOS et al., 1995MATOS, A.P.; PAPERNA, I., LAINSON, R. An erythrocytic virus of the Brazilian tree-frog, Phrynohyas venulosa. Mem.Inst. Oswaldo Cruz, v.90, n.5, p.653-655, 1995.).

Todas estas citações são referentes a animais silvestres ou de zoológicos, não existindo nada sobre viroses em anfíbios criados comercialmente. Esta lacuna deve ser preenchida aproveitando-se, e também como prova de nossa competência, do importante papel que a moderna ranicultura brasileira tem no cenário mundial desta exploração zootécnica.

São relatados a presença viral em 4 casos. No caso 1, em fragmentos de fígado de 3 animais mortos em conseqüências de lesões hepáticas causadas por intoxicação, de ranário da região metropolitana de São Paulo, SP, 1998. No caso 2, em fragmentos de músculo da perna e do dorso de 5 animais, apresentando nódulos de cor escura e textura consistente, de abatedouro de município da região de Campinas, SP, 1999. No caso 3, em fragmentos de fígado e líquido ascítico de 6 animais, mortos devido à deficiência nutricional, de ranário da região do Vale do Paraíba, SP, 1999. E no caso 4, em fígados de 15 girinos mortos por causa não devidamente esclarecida, associada à alterações ambientais que interferiram na qualidade da água, de ranário da região interiorana do Estado do Rio de Janeiro, 2000. Este material foi dividido em 5 grupos de 3 fígados cada.

Destes casos, os fragmentos de tecido muscular e fígado e o líquido ascítico foram coletados logo após a necrópsia, individualizados e mantidos sob congelamento até a realização do exame pela microscopia eletrônica. A técnica empregada pela m.e. foi a de contrastação negativa, onde o material após ser triturado em graal, com auxílio de pistilos esterilizados, foi suspenso em tampão fosfato 0,1M e pH 7,0 e colocado sobre telas de cobre previamente cobertas com filme de colódio e carbono, drenadas com papel filtro, contrastadas negativamente com molibdato de amônio a 2% em pH 5,0 e observadas ao microscópio eletrônico de transmissão PHILIPS modelo EM 208 e/ ou EM 300. Juntamente com o material decorrente dos casos 1, 3 e 4 foi também enviado fragmentos de fígado de animais considerados sadios, e no caso 2, fragmentos de tecido muscular afastado dos nódulos.

Em todas as amostras provenientes de animais comprometidos foram observadas grande quantidade de partículas virais, sendo, no caso 1, a presença de partículas semelhantes ao grupo Herpes, contendo seu envelope característico envolvendo a capsíde icosaédrica e medindo entre 120 a 200 nm de diâmetro (Figs. 1 e 2). No caso 2, também a presença, somente nos nódulos, de partículas vírais, semelhantes ao grupo Herpes, pleomórficas, características, envelopadas, medindo entre 120 e 220 nm de diâmetro. As amostras de tecido muscular afastado dos nódulos não apresentou a presença destas partículas (Fig 3). No caso 3, além da presença de partículas viraiss emelhantes ao grupo Herpes, características, presentes no fígado e líquido ascítico; partículas semelhantes ao grupo Toga, envelopadas, arredondadas, medindo aproximadamente entre 55 a 70 nm de diâmetro foram observadas somente no líquido ascítico (Figs. 4 e 5). No caso 4, foram observadas partículas semelhantes ao grupo Paramixo, envelopadas, arredondadas ou alongadas, com cápside característico, contendo projeções no seu envelope, de 100 a 300nm de diâmetro (Figs. 6 e 7). Os fígados dos animais sadios não apresentaram partículas virais.

Figs. 1 e 2
Micrografias eletrônicas de partículas semelhantes a vírus, do grupo Herpes, com capsômeros bem individualizados (setas), visualizadas ao microscópio eletrônico de transmissão, pela técnica de contrastação negativa, em suspensão de fígado. Animais mortos por intoxicação. Caso 1.

Fig. 3
Micrografia eletrônica de partículas semelhantes a vírus, do grupo Herpes, pleomórficas, algumas envelopadas, medindo 120 a 200 nm, visualizadas ao microscópio eletrônico de transmissão, pela técnica de contrastação negativa, presentes nos nódulos. Caso 2.

Fig. 4
Micrografia eletrônica de partículas semelhantes a vírus, do grupo Herpes, com envoltório característico envolvendo os capsômeros (seta), visualizadas ao microscópio eletrônico de transmissão, pela técnica de contrastação negativa em suspensão de fígado. Animais mortos por deficiência nutricional. Caso 3.

Fig. 5
Micrografia eletrônica de partículas semelhantes a vírus, do grupo Toga, com envoltório característico, arredondadas, medindo entre 50 e 70 nm, visualizadas ao microscópio eletrônico de transmissão, pela técnica de contrastação negativa, no líquido ascítico. Animais mortos por deficiência nutricional. Caso 3.

Figs 6 e 7
Micrografias eletrônicas de partículas semelhantes a vírus, do grupo Paramixo, arredondadas ou alongadas de 100 a 300 nm de diâmetro, contendo projeções, visualizadas ao microscópio eletrônico de transmissão, pela técnica de contrastação negativa, em suspensão de fígado de girinos de rã-touro, mortos por má qualidade da água. Caso 4.

Em relação a agentes bacterianos e parasitários como patógenos para a ranicultura comercial no Brasil, muito já foi feito e divulgado conforme revisão bibliográfica recente (HIPOLITO & BACH, 2002HIPOLITO, M. & BACH, E.E. Patologias em rãs-touro (Rana catesbeiana Shaw, 1802). Primeira revisão da bibliografia brasileira. Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.69, n.2, p.113-120, 2002.), mas em relação a vírus, estamos simplesmente começando agora, sendo que no exterior já estão há muito trabalhando.

Tentando cobrir esta lacuna, e com a intenção de se conhecer a presença de agentes virais em rãs-touro criadas comercialmente, passou-se a encaminhar para exame por microscopia eletrônica, parte do material proveniente de casos de doença/mortalidade que foram enviadas para o esclarecimento da causa da agressão. Embora acredita-se que as presenças virais relatadas neste artigo não sejam diretamente responsáveis pelas mortalidades, deve-se procurar conhecer o verdadeiro papel destes vírus.

Dos grupos de vírus observados, somente o grupo Herpes aparece envolvido com anfíbios nas ocorrências de tumor espontâneo em populações nativas e livres, conhecido como "tumor de Lucke dos anfíbios", sendo caracterizado como um adenocarcinoma renal (GRANOFF, 1969GRANOFF, A. Viruses of amphibia. Curr. Top. Microbiol. Immunol., v.50, p.107-137, 1969.). O herpervirus é considerado um vírus oportunista, sendo que as ocorrências dos tumores varia sazonalmente com a temperatura ambiente, manifestando-se mais na primavera (MCKINNELL, 1984MCKINNELL, R.G. Lucke tumor of frogs In: HOFF, G.L.; FRYE, F.L.; JACOBSON, E.R. Disease of amphibians and reptiles. New York: Plenum Press, 1984. p.581-605.). Mais recentemente aparece também envolvido em lesão de pele (BENNATTI et al., 1994). Quanto aos grupos Toga e Paramixo, nada foi encontrado.

Desconhece-se, ainda, suas reais importâncias como agentes patológicos primários ou oportunistas para a rã-touro criada em ranário. Por se manifestarem somente em animais com algum processo mórbido ou em áreas teciduais delimitadas lesionadas, pode-se dizer que esta presença esteja relacionada com a quebra da resistência orgânica geral ou local.

Levando-se em conta a inexistência de literatura específica sobre a presença viral em populações em cativeiro, este estudo deve ser ampliado, envolvendo outros tecidos e órgãos de animais doentes e sadios. Acredita-se ser este o primeiro relato de observação de vírus dos grupos Toga e Paramixo em anfíbio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AHNE, W.; BREMONT, M.; HEDRICK, R.P.; HYATT, A.D.; WHITTINGTON, R.J. Special topic review: Iridiviruses associated with epizootic haemotopoietic necrosis (EHN) in aquaculture. World J. Microbiol. Biotechnol., v.13, p.367-373, 1997.
  • ANVER, M.R.; POND, C.L. Biology and diseases of Amphibians. In: FOX, J.G.; COHEN, B.J.; LOEW, F.M. (Eds.) Laboratory animal medicine Orlando: Academic Press, 1984. p.427-447.
  • BENNATI, R.; BONETTI, M.; LAVAZZA, A.; GELMETTI, D. Skin lesions associated with herpesvirus-like particle in frogs (Rana dalmatina). Vet. Rec., v.135, p.625-626, 1994.
  • BURTON, A.N.; MCLINTOCK, J.; REMPEL, J.G. Western equine encephalitis virus in Saskatchewan garder snakes and leopard frogs. Science, v.154, p.1029-1031, 1966.
  • CUNNINGHAM, A.A.; LANGTON, T.E.S.; BENNETT, P.M.; LEWIN, J.F.; DRURY, S.E.N.; GOUGH, R.E.; MACGREGOR, S.K. Pathological and microbiological findings from incidents of unusual mortality of the common frog (Rana temporaria ). Philos. Trans. R. Soc. Lond. B. Biol. Sci., v.351,n.1347, p.1539-1557, 1996.
  • CUNNINGHAM, A.A.; LANGTON, T.E.S.; BENNETT, P.M.; DRURY, S.E.N.; GOUGH, R.E.; KIRKWOOD, J.K. Unusual mortality associated with poxvirus-like particles in frogs (Rana temporaria). Vet. Rec., v.133, p.141-142, 1993.
  • DASZAK. P.; BERGER, L.; CUNNINGHAM, A.A.; HYATT, A.D. EARL GREEN, D.; SPEARE, R. Emerging infectious diseases and amphibian population declines. Emerg. Infect. Dis., v.5, n.6, p.735-748, 1999.
  • DRURY, S.E.N.; GOUGH, R.E.; CUNNINGHAM, A.A. Isolation of an iridovirus like-agent from common frogs (Rana temporaria). Vet. Rec., v.137, p.72-73, 1995
  • FIJAN, N.; MATASIN, Z.; PETRINEC, Z.; VALPOTIC, I.; ZWILLENBERG, L.O. Isolation of an iridovirus-like agent from the green frog (Rana esculenta). Vet. Arh., Zagreb, v.61, n.3, p.151-158, 1991.
  • GRANOFF, A. Viruses of amphibia. Curr. Top. Microbiol. Immunol., v.50, p.107-137, 1969.
  • GRUIA-GRAY, J. & DESSER, S.S. Cytopathological observations and epizootiology of frog erthrocytic virus in bullfrogs (Rana catesbeiana). J. Wildl. Dis., v.28, n.1, p.34-41, 1992.
  • HENGSTBERGER, S.G.; HYATT, A.D.; SPEARE, R.; COUPAR, B.E.H. Comparison of epizootic haematopoietic necrosis and Bohle iridoviruses, recently isolated Australian iridoviruses. Dis. Aquat. Org., v.15, p.93-107, 1993.
  • HIPOLITO, M. & BACH, E.E. Patologias em rãs-touro (Rana catesbeiana Shaw, 1802). Primeira revisão da bibliografia brasileira. Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.69, n.2, p.113-120, 2002.
  • LUCKE, B. Carcinoma in the leopard frog: Its probable causation by a virus. J. Exp. Med., v.63, p.457-468, 1938.
  • LUNGER, P.D. Amphibia-related viruses. Adv. Virus Res., v.12, p.1-33, 1966.
  • MAO, J. Molecular characterization of iridoviruses isolated from sympatric amphibians and fish. Virus Res., v.63, n.1-2, p.45-52, 1999.
  • MATOS, A.P.; PAPERNA, I., LAINSON, R. An erythrocytic virus of the Brazilian tree-frog, Phrynohyas venulosa. Mem.Inst. Oswaldo Cruz, v.90, n.5, p.653-655, 1995.
  • MCKINNELL, R.G. Lucke tumor of frogs In: HOFF, G.L.; FRYE, F.L.; JACOBSON, E.R. Disease of amphibians and reptiles. New York: Plenum Press, 1984. p.581-605.
  • SMITH, A.W.; ANDERSON, M.P.; SKILLING, D.E.; BARLOUGH, J.E. ENSLEY, P.K. First isolation of calicivirus from reptiles and amphibians. Am. J. Vet. Res., v.47, n.8, p.17181721, 1986.
  • SOUZA, M.A. & WEIGL, D.R. The viral nature of Toddia França, 1912. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, v.74, n.3-4, p.213-230, 1976.
  • SPEARE, R.; FREELAND, W.J.; BOLTON, S.J. A possible iridovirus in erythrocytes of Bufo marinus in Costa Rica. J. Wildl. Dis., v.27, n.3, p.457-462, 1991.
  • SPEARE, R. & O'SHEA. P. The marine toad, Bufo marinus, in Australia and the search for a killer disease. Proc. Am. Assoc. Zool. Vet., Annual Meeting, 1989. Greensboro, North Carolina, USA. p.166-172.
  • SPEARE, R. & SMITH, J.R. An iridovirus-like agent isolated from the ornate burrowing frog Limnodynastes ornatus in northern Australia. Dis. Aquat. Org., v.14, p.51-57, 1992.
  • WILLIAMS, T. The iridoviruses. Adv. Virus Res., v. 46, p.345412, 1996.
  • WOLF, K.; BULLOCK, G.L.; DUNBAR, C.E.; Q UIMBY. M.C. Tadpole edema virus: a viscerotropic pathogen for anuran amphibians. J. Infect. Dis., v.118, p.253-262, 1968.
  • WOLF, K.; BULLOCK, G.L.; DUNBAR, C.E.; QUIMBY. M.C. Tadpole edema virus: Pathogenesis and growth studies and additional sites of virus infected bullfrog tadpoles. In: MIZELL M. (Ed.) Biology of amphibian tumours. Recent Results Cancer Res., Special Supplement. Berlin, p.327336, 1969.
  • ZUPANOVIC, Z.; LOPEZ, G.; HYATT, A.D.; GREEN, B.; BARTRAN, G.; PARKES, H.; WHITTINGTON, R.J.; SPEARE, R. Giant toads Bufo marinus in Australia and Venezuela have antibodies against "ranaviruses". Dis. Aquat. Org., v.32, p.1-8, 1998a.
  • ZUPANOVIC, Z.; MUSSO, C.; LOPEZ, G.; LOURIERO, C.L.; HYATT, A.D.; HENGSTBERGER, S.; ROBINSON, A.J. Isolation and characterization of iridoviruses from the giant toads Bufo marinus in Venezuela. Dis. Aquat. Org., v.33, p.19, 1998b.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2003

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2002
  • Aceito
    06 Dez 2002
Instituto Biológico Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 1252 - Vila Mariana - São Paulo - SP, 04014-002 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: arquivos@biologico.sp.gov.br