RESUMO
São recentes os relatos de Mahanarva spectabilis (Distant) como praga em capim-elefante, forrageira com alto potencial para incrementar a produção intensiva de leite. O objetivo dessa pesquisa foi verificar o efeito do período de exposição à hidratação no desenvolvimento e viabilidade de ovos de M. spectabilis. Ovos foram mantidos em câmara climática a 28 ± 2o C e 12h de fotofase, em placas de Petri de 5 cm de diâmetro forradas com papel-filtro, e submetidos a diferentes regimes de hidratação. Diariamente avaliou-se a duração e a viabilidade dos quatro estádios embrionários e da fase de ovo. Constatou-se que os ovos de M. spectabilis que estiveram em contato diariamente com uma lâmina de água, com o papel-filtro umedecido ou umedecidos a intervalos de dois ou cinco dias, apresentaram durações inferiores e viabilidades superiores em todos os estádios embrionários e na fase total de ovo (20 dias). Na ausência total de água, os ovos não completaram seu desenvolvimento, denotando a participação decisiva da hidratação no período embrionário e viabilidade de ovos de M. spectabilis.
PALAVRAS-CHAVE Biologia; cigarrinha-das-pastagens; forrageiras; período de incubação
ABSTRACT
There have been recent reports on Mahanarva spectabilis (Distant), a spittlebug that is a pest of elephant grass, a forage with high potential for increasing intensive milk production. The objective of this study was to verify the effect of different hydration regimes on the development and viability of M. spectabilis eggs. Eggs were maintained in a climatic chamber at 28 ± 2° C and 12-hour photophase, in 5-cm-diameter Petri dishes lined with filter paper at different hydration regimes. Duration and viability of the 4 embryonic stages and the egg phase were evaluated daily. The results showed that the M. spectabilis eggs that were in daily contact with the water layer, or with the filter paper moistened or filter paper moistened at intervals of 2 or 5 days presented shorter durations and greater viabilities in all the embryonic development stages and in the incubation period (20 days). In the total absence of water, the eggs did not complete their development, demonstrating the decisive role of hydration in the embryonic period and viability of M. spectabilis.
KEY WORDS Biology; incubation period; forage; spittlebugs
Em capim-elefante, Pennisetum purpureum (Schum.), forrageira com elevado potencial para proporcionar aumento na produtividade de leite e carne a pasto e com grande interesse no uso em sistemas de pastejo rotativo para incrementar a produção intensiva de leite (PEREIRA, 1999), a cigarrinha Mahanarva spectabilis (Distant, 1909) tem sido a espécie limitante ao cultivo (AUAD et al., 2007).
A ocorrência de M. spectabilis, também conhecida como cigarrinha vermelha-da-cana, é mencionada em capim-elefante (SILVA et al., 1968) e cana-de-açúcar (GUAGLIUMI, 1970). Porém, aspectos bioecológicos de todas as fases desse cercopídeo são desconhecidos.
O avanço no manejo de cercopídeos é limitado devido à falta de informações básicas sobre a biologia e comportamento da maioria das espécies economicamente importantes (PECK et al., 2002). Eventos capazes de provocar alterações no metabolismo e, consequentemente, no ciclo de vida do inseto podem ser essenciais para a compreensão das flutuações sazonais de suas populações (SUJII et al., 1995). Estudos envolvendo aspectos biológicos dos ovos de cigarrinhas do gênero Mahanarva foram realizados por MARQUES (1976) e GARCIA et al. (2006).
Essas informações são ferramentas importantes para criação desse inseto em laboratório e obtenção de ovos das cigarrinhas nas mesmas condições embrionárias, para infestação das gramíneas em processos de avaliação quanto à resistência às cigarrinhas das pastagens, além da previsão das flutuações populacionais do cercopídeo pesquisado. Assim, o objetivo do trabalho foi verificar o efeito do período de exposição à hidratação no desenvolvimento embrionário e viabilidade de ovo de M. spectabilis.
Plantas de capim-elefante foram cultivadas em vasos, em casa-de-vegetação, e utilizadas para manutenção de adultos e ninfas de M. spectabilis, capturados no Campo Experimental Santa Mônica da Embrapa Gado de Leite, no Município de Valença, RJ.
Cerca de 20 casais do inseto praga, obtidos da criação de manutenção em casa-de-vegetação, foram levados para o laboratório e mantidos em gaiolas cilíndricas de plástico transparente (50 cm de altura x 10 cm de diâmetro). Nesta gaiola foi colocada uma planta de capim-elefante com a base envolvida por uma gaze umedecida em água destilada, que serviu de substrato para oviposição. Esse foi colocado sobre um conjunto de peneiras e submetido à água corrente, ficando os ovos retidos naquela mais fina (400 “mesh” de abertura). Posteriormente, os ovos obtidos foram colocados em placas de Petri de 5 cm de diâmetro, forradas com papel filtro e mantidas em câmara climatizada (28 ± 2º C e 12 horas de fotofase e umidade relativa de 80 ± 10%); sendo submetidos aos seguintes tratamentos: 1- Sem água; 2-Aplicação diária de 1, 5 mL de água destilada, formando uma lâmina de água sobre o papel-filtro; 3- Aplicação diária de 0, 5 mL de água destilada, deixando o papel-filtro umedecido; 4, 5 e 6- Aplicação de 0, 5 mL de água destilada a cada 2, 5 e 10 dias, respectivamente; 7, 8, 9, 10 e 11- Aplicação diária de 0, 5 mL de água destilada somente após 10, 20, 30, 100 e 200 dias da postura, respectivamente.
Diariamente foram avaliadas, em microscópio estereoscópico, a duração e a viabilidade de cada estádio embrionário e da fase de ovo. Para os estádios embrionários seguiu-se a descrição de PECK (2002) onde, Estádio 1 (E1): Ovos recém-colocados; Estádio 2 (E2): Ovos com opérculo evidente de cor negra; Estádio 3 (E3): Superfície negra do opérculo exposta e mancha avermelhada na parte anterior do ovo; Estádio 4 (E4): Ovos próximos à eclosão, com dois pontos avermelhados em cada lado do opérculo, correspondendo aos olhos e pontos avermelhados maiores representando pigmentos abdominais das ninfas.
O delineamento experimental foi inteiramente casualizado com seis repetições, sendo cada unidade experimental representada por cinco ovos de M. spectabilis. Os dados foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Scott e Knott (P ≤ 0, 05).
Foi constatado que, quando os ovos de M. spectabilis estiveram em contato, diariamente, com uma lâmina de água (Tratamento 2), com o papel-filtro umedecido (Tratamento 3) foram umedecidos a intervalos de dois ou cinco dias (Tratamentos 4 e 5), eles permaneceram um menor período no estádio de desenvolvimento embrionário 1, promovendo uma redução significativa na fase de ovo, comparado aos demais tratamentos, em que a hidratação foi ausente ou presente em intervalos maiores. Períodos superiores a 10 dias sem hidratação dos ovos levaram a um acréscimo, em média, de duas vezes, do período entre a postura à eclosão (Tabela 1).
Duração (dias ± EP) dos estádios de desenvolvimento embrionário 1 a 4 (E1, E2, E3 e E4) e da fase de ovo de Mahanarva spectabilis submetidos a diferentes períodos de hidratação, logo após a postura (28 ± 2º C e 12 horas de fotofase)1 1 Dados originais transformados em √x. .
Observou-se que a duração do estádio embrionário 2 não foi afetada significativamente, quando ovos foram submetidos até 10 dias sem hidratação. Segundo PECK et al. (2002), essa é a fase mais tolerante à seca, detectando que a espécie Aeneolamia lepidior (Fowler) pode permanecer nela até 72 dias. Nos estádios subsequentes (E3 e E4), verificou-se que, independente do intervalo em que os ovos foram mantidos hidratados, não houve diferenças significativas no período de permanência nos respectivos estádios, exceto para aqueles que foram umedecidos a cada 10 dias ou que tiveram contato diário com a água após dez dias na fase 3, nos quais os períodos foram prolongados cerca de duas vezes (Tabela 1).
Naqueles tratamentos, que receberam água a intervalos de 10 dias (Tratamento 6) ou somente foi mantida a hidratação diária após dez dias (Tratamento 7), foi verificado que os períodos para completarem os estádios embrionários E1, E2, E3 e E4 não foram diferentes. No entanto, a duração da fase embrionária total foi menor no tratamento sete (Tabela 1).
Observa-se ainda que, quando os ovos de M. spectabilis foram diariamente hidratados, o período médio para eclosão foi de 20 dias (Tabela 1); sendo coincidente à duração relatada por FREIRE et al. (1968) e GARCIA et al. (2006) para Mahanarva fimbriolata (Stål, 1855). e superior ao constatado por MARQUES (1976) para Mahanarva posticata (Stål, 1855) (17, 4 dias). As durações para os estádios embrionários 1 a 4 e da fase de ovo de M. spectabilis (Tratamento 3) foi de 6, 37; 5, 38; 3, 60; 5, 08 e 20, 22 dias, respectivamente (Tabela 1). PECK et al. (2002) com as espécies Aeneolamia reducta (Lallemand) e A. lepidior, mantidas nas mesmas condições de hidratação e temperatura do presente trabalho, mencionam 5, 7; 1, 6; 4, 1; 4, 4 e 15, 8 dias e, 5, 7; 14, 9; 2, 6; 4, 4 e 27, 7 dias para os estádios embrionários de 1 a 4 e fase de ovo, respectivamente.
Viabilidade (%) (± EP) dos estádios de desenvolvimento embrionário de 1 a 4 (E1, E2, E3 e E4) e da fase total de ovos de Mahanarva spectabilis submetidos a diferentes períodos de hidratação, logo após a postura (28 ± 2º C e 12 horas de fotofase)1 1 Dados originais transformados em arc sen -LINAHFOR01 x/100 .
Na ausência total de água (Tratamento 1) e para aqueles em que foram aplicados 0, 5 mL de água a partir de 100 e 200 dias (Tratamentos 10 e 11), os ovos não completaram seu desenvolvimento (Tabela 1), sugerindo, então, que a hidratação dos ovos tenha participação decisiva no período embrionário de M. spectabilis.
Assim, fica evidente que a água tem efeito na duração da fase de ovo, e que o período de até cinco dias na ausência da hidratação (Tratamento 5) não difere daquele em que o fornecimento de água é diário (Tratamentos 2 e 3). Essas informações são ferramentas importantes para criação desse inseto em laboratório, assim como em processos de avaliação de gramíneas quanto à resistência às cigarrinhas das pastagens, visto que ovos próximos à eclosão são colocados nos diferentes genótipos e os estágios posteriores são avaliados, sendo, portanto, importante que se disponha de ovos desses insetos em quantidades e nas mesmas condições embrionárias no início do experimento.
A viabilidade média do desenvolvimento embrionário total variou de 25, 0 a 86, 7%. As maiores viabilidades foram constatadas para aqueles ovos que estiveram em contato diariamente com lâmina de água (Tratamento 2) ou com o papel filtro umedecido (Tratamento 3) ou a intervalos de dois ou cinco dias (Tratamento 4 e 5) (Tabela 2).
Para o tratamento na ausência de água ou sem água por 100 e 200 dias (Tratamentos 1, 10 e 11, respectivamente), constataram-se as menores viabilidades (73, 33; 63, 33 e 63, 33, respectivamente) no estádio 1. Os ovos, independentemente do tratamento, chegaram até o estádio 2, porém, ocorreram 100% de mortalidade dos embriões nesse estádio, quando ovos foram privados de hidratação ou com a aplicação diária de água após 100 ou 200 dias (Tabela 2).
Ovos que permaneceram 0, 5 e 10 dias sem a presença de água (Tratamento 3, 5 e 6) tiveram viabilidades da fase de ovo de 73, 33; 76, 67 e 40, 00%, respectivamente (Tabela 2). PECK et al. (2002) relatam viabilidade de 79, 2%; 65, 6 e 71, 7% para ovos de A. reducta nas mesmas condições de hidratação e temperatura do presente trabalho. Valores próximos também foram obtidos por GARCIA et al. (2006), que mencionou uma viabilidade em torno de 80% para ovos sempre mantidos em condições ótimas de umidade relativa e em temperatura de 27º C.
Ovos mantidos em hidratação a intervalos de dez dias tiveram menores viabilidades na duração embrionária dos estádios 3 e 4, assim como no período de ovo à eclosão, comparado àqueles que foram mantidos com hidratação diária a partir de dez dias. Dessa forma, constatou-se que a privação de água em um período de até dez dias, além de completar a fase de ovo mais rapidamente tem uma maior viabilidade, sendo assim mais benéfica do que manter os ovos hidratados a cada dez dias. Verificou-se que no E1 os ovos toleram um período de 10 dias sem água, entretanto a viabilidade é reduzida. Pelos resultados obtidos, e para fins de criação, os tratamentos 4 e 5 oferecem a melhor relação custo/benefício. Esses intervalos devem ser levados em consideração em experimentos com cigarrinhas-das-pastagens. Em condições de campo é possível que esses embriões sobrevivam em períodos mais prolongados de seca, visto que a seca não é tão severa como as que os ovos foram submetidos em condições de laboratório.
É importante também salientar que no estádio 4 houve uma viabilidade de 100% independentemente do período em que os ovos foram hidratados, exceto para o tratamento 6 (Tabela 2). Isso indica que seria o momento adequado para colocar os ovos em testes com resistência de plantas a esse inseto praga, pois estaria garantida a eclosão e poderia com maior confiabilidade avaliar a sobrevivência dos estágios futuros.
As informações obtidas oferecem fundamentos iniciais para caracterização de aspectos biológicos da fase de ovo de M. spectabilis, porém avanços no seu manejo, como praga, dependerão de outros estudos para fortalecer o conhecimento da sua associação com gramíneas forrageiras.
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Jun 2021 -
Data do Fascículo
Oct-Nov 2009
Histórico
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Recebido
12 Jan 2009 -
Aceito
06 Out 2009