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INFECÇÃO EXPERIMENTAL EM HAMSTER (MESOCRICETUS AURATUS) COM MYCOBACTERIUM AVIUM. ESTUDO BACTERIOLÓGICO E HISTOLÓGICO

EXPERIMENTAL INFECTION IN HAMSTER (MESOCRICETUS AURATUS ) WITH MYCOBACTERIUM AVIUM. BACTERIOLOGICAL AND THE HISTOLOGICAL STUDY

RESUMO

O presente trabalho teve por objetivos verificar se o hamster é suscetível à estirpe de Mycobacterium avium isolado de linfadenite de suíno e descrever o processo infeccioso a partir da inoculação via oral. No experimento 1 testou-se três concentrações de M. avium (108; 107 e 106 ufc/ 0,5 mL de solução salina) inoculadas pela via intraperitoneal, com o propósito de definir a doseteste do experimento 2. No experimento 2 inoculou-se 125 hamsters com 108 ufc de M. avium, pela via oral, pesquisando-se o agente no sangue, peritôneo, baço, fígado e pulmão, aos dois, 10; 25; 50; 80 e 256 dias pós-inoculação e exame histológico desses órgãos. Resultados: 1) o hamster mostrou-se suscetível à infecção por M. avium, inoculado pela via intraperitoneal e oral; 2) constatou-se bacteremia e o isolamento do agente em baço, fígado, pulmão e linfonodo mesentérico, além de lesões granulomatosas em todos os órgãos estudados, até 256 dias pós-inoculação, no experimento 2. Conclusões: 1) o M. avium desencadeou processo infeccioso do tipo crônico; 2) a estirpe em estudo demonstrou baixa virulência ; 3) o modelo testado presta-se para estudos experimentais com M. avium que demandam longos períodos de duração.

PALAVRAS-CHAVE:
Mycobacterium avium ; hamster; infecção.

ABSTRACT

The present work was aimed at verifying whether the hamster is susceptible to strain of Mycobacterium avium isolated from lymphadenitis of swine and to describe the infectious process from oral inoculation. In experiment 1 there was a test of three concentrations of M. avium (108, 107 and 106 ufc/0.5 mL of saline solution) inoculated for the intraperitoneal route, with the intention to define the dose-test of experiment 2. In experiment 2 125 hamsters were inoculated orally with 108 ufc of M. avium, searching for the agent in the blood, peritonium, spleen, liver and lung, at 2, 10, 25, 50, 80 and 256 days post-inoculation, with histological examination of these organs. Results: 1) the hamster was susceptible to infection by M. avium, inoculated by the intraperitoneal and oral route; 2) the hamsters were positive for bacteremia and the isolation of the agent in spleen, liver, mesenteric lymphnodes, beyond granulomatous lesions in all the organs studied, up to 256 days postinoculation, in experiment 2. Conclusions: 1) the M. avium set offan infectious process of the chronic type; 2) the strain in this study demonstrated low virulence; 3) the tested model is useful for experimental studies with M. avium that demand a long period of duration.

KEY WORD:
Mycobacterium avium complex; hamster; infection.

INTRODUÇÃO

O complexo Mycobacterium avium tem sido alvo constante de preocupação e tema de pesquisas com o objetivo de se conhecer as vias de transmissão do agente para o homem e dentre elas os alimentos como por exemplo a carne suína (SZAZADOS, 1993SZAZADOS, I. Àz atípuzos mycobacteriumokkal (Mycobacterium avium) fertõzöttsertéshús fogyasztásának egészségügyi kockázatáról. [Health hazards of pig meat with atypical mycobacterial infection (M. avium)]. Magy. Allatorv. Lapja., v.48, n.3, p.170-171, 1993.).

O complexo M. avium está amplamente distribuído no ambiente, já tendo sido isolado de água de várias naturezas (LEITE et al., 1989LEITE, C.Q.F.; FERRACINI JR, R.; FALCÃO, D.P. Prevalência e distribuição de micobactérias nas águas de algumas regiões do estado de São Paulo. [Prevalence and distribution of mycobacteria in water in some regions in the state of São Paulo]. Rev. Microbiol., v.20, n.4, p.432-441, 1989.); de aves silvestres (SCHAEFER, 1968SCHAEFER, W.B. Incidence of the sorotypes of Mycobacterium avium and atypical mycobacteria in human and animal diseases. Am. Rev. Respir. Dis. v.97, p.18-23, 1968.); de solo (WOLINSKY & RYNEARSON, 1968WOLINSKY, E. & RYNEARSON, T.K. Mycobacterium in soil and their relation to disease-associated strains. Am. Rev. Respir. Dis., v.97, p.1032-1037, 1968.); de bovinos (ENGEBAEK et al., 1968ENGEBAEK, H.C.; VERGMANN, B.; BAESS, I.; BENTZON, M.W. Mycobacterium avium. A bacteriological and epidemiological study of M. avium isolated from animal and man in Denmark. Part 1: strains isolated from animals. Acta Pathol. Microbiol. Scand., v.72, p.277-294, 1968.); de suínos (PRITCHARD et al., 1977PRITCHARD, W.D.; T HOEN, C.O.; H IMES, E.M.; M USCOPLAT, C.C.; JOHNSON, D.W. Epidemiology of mycobacterial lymphadenitis in an Idaho swine herd. Am. J. Epidemiol., v.106, p.222-227, 1977.) e de leite (HOSTY & MCDURMONT, 1975HOSRTY, T.S. & MCDURMONT, C.I. Isolation of acid-fast organisms from milk and oysters. Health Lab. Sci., v.12, p.18, 1975.).

Na espécie suína as micobacterioses causadas pelo M. avium trazem relevantes perdas econômicas por condenações no abate (ACLAND & WHITLOCK, 1984ACLAND, H.M. & WHITLOCK, R.H. Experimental infections of pigs with Mycobacterium avium serotype 4, In: INTERNATIONAL PIG VETERINARY SOCIETY CONGRESS, 8., 1984, Pensylvania, USA. Proceedings. Pensylvania: 1984. p.141.) em virtude do potencial risco que a carne desses animais representa para a saúde pública (SZAZADOS, 1993SZAZADOS, I. Àz atípuzos mycobacteriumokkal (Mycobacterium avium) fertõzöttsertéshús fogyasztásának egészségügyi kockázatáról. [Health hazards of pig meat with atypical mycobacterial infection (M. avium)]. Magy. Allatorv. Lapja., v.48, n.3, p.170-171, 1993.). É sabido que a introdução do agente nas granjas suinícolas modernas se dá especialmente com a utilização de maravalha contaminada na creche e o contato com aves silvestres e que fatores como estes, uma vez eliminados culminam com a redução na ocorrência de linfadenites nos animais (ALFREDSEN & SKJERVE, 1993ALFREDSEN, S. & SKJERVE, E. An abbatoir-based case-control study of risk factors for mycobacteriosis in Norwegian swine. Prev. Vet. Med., v.15, p.253-259, 1993.).

Desde a década de 70 vem sendo utilizados modelos experimentais no estudo da patogenia das micobacterioses, com destaque para o camundongo (EIDINGER & GARRET, 1972EINDIGER, D. & GARRET, T.J. Studies of the regulatory effects of the sex hormones on antibody formation and stem cell differentiation.. J. Exp. Med., v.136, p.1098-1116, 1972.) e o hamster (ORSINI & BLAZKOVEC, 1974ORSINI, M.W. & BLAZKOVEC, A.A. Sexual Dimorphism in the secundary immune response of the Syrian hamster. Int. Arch. Allergy, v.46, p.858-866, 1974.) explorando variáveis como a influência do sexo, dos hormônios sexuais e da gestação na resposta imunológica e granulomatosa à infecção (SENELAR, BUREAU, 1979SENELAR, R. & BUREAU, J.P. Inibitory effect of pregnancy serum on experimental inflammation. Br. J. Exp. Pathol., v.60, p.286-293, 1979.; PAAVONEN et al., 1981PAAVONEN, T.; A NDERSEN, L.C.; ADLERCREUTZ, H. Sex hormone of in vitro immune response. J. Exp. Med., v.154, p. 1935-1945, 1981.; HOLDSTOCK et al., 1982HOLDSTOCK, G.; CHASTENAY, B.F.; KRAWITT, E.L. Effects of testosterone, oestradiol and progesterone on immune regulation. Clin. Exp. Immunol., v.47, p.449-456, 1982.; MERUSSE, 1988MERUSSE, J.L. Influência do sexo e da gestação na cinética do granuloma experimental induzido pelo B.C.G. no hamster (Mesocricetus auratus). [Influence of sex and gestation on the kinetics of experimental granuloma induced by CGB in hamster (Mesocricetus auratus)]. São Paulo: 1988. 66p. [Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Univ. de São Paulo].).

GANGADHARAM & EDWARDS (1983)GANGHADHARAM, P.R.J. & EDWARDS, C.K. An acute infection model for Mycobacterium intracellulare disease using beige mice: preliminary results. Am. Rev. Resp. Dis., v.127, p.648-649, 1983., descreveram o "modelo beige para infecção aguda" utilizando camundongos da linhagem C57BL beige inoculados pela via venosa com 107 a 108 ufc de Mycobacterium avium, referindo-os como espécie de fácil manuseio, manutenção e baixo custo. BERMUDEZ, (1992)BERMUDEZ, L.E.; PETROFSKY, M.; KOLONOSKI, P.; YOUNG, L.S. An animal model of Mycobacterium avium complex disseminated infection after colonization of the intestinal tract. J. Infec. Dis,. v.165, n.1, p.75-79, 1992. reafirma a viabilidade do camundongo da linhagem C57BL beige como o modelo experimental mais adaptado aos estudos de infecção aguda com M. avium.

A literatura demonstra que o hamster (Mesocricetus auratus) tem sido um modelo eleito para reproduzir infecções experimentais com Mycobacterium bovis, tanto para processos agudos quanto crônicos, garantindo reprodutibilidade (MERUSSE, 1988MERUSSE, J.L. Influência do sexo e da gestação na cinética do granuloma experimental induzido pelo B.C.G. no hamster (Mesocricetus auratus). [Influence of sex and gestation on the kinetics of experimental granuloma induced by CGB in hamster (Mesocricetus auratus)]. São Paulo: 1988. 66p. [Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Univ. de São Paulo].; FERREIRA NETO et al., 1994FERREIRA NETO, J.S.; PINHEIRO, S.R.; MORAIS, Z.M.; VASCONCELLOS, S.A.; GUERRA, J.L. Avaliação quantitativa da concentração de micobactérias em órgãos e humores de hamster experimentalmente infectados com Mycobacterium bovis, estirpe AN5. [Quantitative evaluation of the concentration of mycobacteria in organs and humours of hamsters experimentally infected with Mycobacterium bovis AN5 strain]. Brazilian J. Vet. Res. Anim. Sci., v.31, n.2, p.131-139, 1994.; UGAZ, et al., 1999UGAZ, E.M.A.; PINHEIRO, S.R.; GUERRA, J.L.; PALERMO-NETO, J. Effects of prenatal diazepam treatment on Mycobacterium bovis-induced infection in hamsters. Immunopharmacology, v.41, p.209-217, 1999.).

Considerando a atual importância do M. aviumn a saúde pública e na saúde animal; a importância da via oral como porta de entrada do agente, tanto para o homem quanto para os animais; a necessidade de se esclarecer a patogenia da doença; a já comprovada suscetibilidade do hamster ao agente e a facilidade de sua utilização, o presente trabalho teve por objetivos: 1) verificar a suscetibilidade do hamster à estirpe de M. avium isolada de linfadenite de suíno; e 2) descrever o processo desencadeado a partir da inoculação via oral.

MATERIAL E MÉTODO

Experimento 1

Agente infectante

M. avium isolado de linfadenite de suíno por BALIAN et al. (1997)BALIAN, S.C.; RIBEIRO, P.; VASCONCELLOS, S.A.; PINHEIRO, S.R.; FERREIRA NETO, J.S.; GUERRA J.L.; XAVIER, J.G.; MORAIS, Z.M.; TELLES, M.A.S. Linfadenites tuberculóides em suínos abatidos no Estado de São Paulo, Brasil: aspectos macroscópicos, histopatológicos e pesquisa de micobactérias. Rev. Saúde Pública, v.31, n.4, p.391-397, 1997., identificado por provas bioquímicas no Instituto Adolfo Lutz de São Paulo, Brasil, TSUKAMURA (1984)TSUKAMURA, M. Identification of mycobacteria. Obu: The National Chubu Hospital, 1984. e identificado por PCR-restriction enzyme analysis (PRA) por LEÃO et al. (1999)LEÃO, S.C.; BRIONES, M.R.S.; S IRCILI, M.P.; BALIAN, S.C.; MORES, N.; FERREIRA NETO, J.S. Identification of two novel Mycobacterium avium allelic variants in pig and human isolates from Brazil by PCR-restriction analysis. J. Clin. Microbiol., v.37, n.8, p.2592-2597, 1999.. Após 32 dias de cultivo a 37° C; em meio de Petragnani (PINHEIRO, 1994PINHEIRO, S.R. Influência da origem da estirpe AN5 de Mycobacterium bovis, da temperatura de contato e da matéria orgânica sobre a atividade micobactericida do hipoclorito de sódio ou de aldeídos. [Influence of the origin of Mycobacterium bovis AN5 strain, contact temperature and organic matter on the mycobactericidal action of sodium hypochlorite and aldehydes]. São Paulo: 1994. 55p. [Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Univ.].) preparou-se uma suspensão em solução salina estéril a 0,85%, até a obtenção da concentração de 2,7 mg/0,5 mL (p/v). Esta suspensão de micobactérias apresentou turbidez maior que o escore 5 da escala de MacFarland e foi diluída de forma seriada até 10-7 em solução salina estéril 0,85% com 0,05% de Tween 80. Foi semeado 0,5 mL por diluições em um par de placas do meio Petragnani, cultivadas a 37° C. Aos 20 dias de incubação selecionou-se uma placa na diluição 10-6 e uma placa na diluição 10-7, obtendo-se as respectivas contagens: 4,0 x 108 ufc/mL e 4,6 x 108 ufc/mL. A partir deste protocolo estabeleceu-se a relação: ≈ 2,0 mg de M.avium/0,5 mL de solução salina equivalentes a » 2,0 x 108 ufc de M.avium, passando-se a expressar a dose inoculada em ufc/0,5 mL.

Preparou-se três concentrações de micobactérias para a inoculação intraperitoneal: 108; 107 e 106 ufc de M.avium/0,5 mL de solução. A suspensão inicial de micobactérias foi semeada em meio de Petragnani e incubada a 37° C para confirmação da viabilidade do agente.

Animais

Foram utilizados 18 hamsters machos, entre 80 a 110 gramas, divididos em três grupos, contendo, cada um deles, seis animais. Cada um dos grupos teve seus animais inoculados individualmente pela via intraperitoneal com cada uma das concentrações de M. avium anteriormente preparadas.

Pesquisa e quantificação do M. avium em peritônio, sangue, fígado, baço e pulmão

Nos dias dois; 12; 26 e 61 pós-inoculação, um animal de cada grupo foi sacrificado em câmara com clorofórmio. Após a morte do animal fez-se um swabe da cavidade peritoneal para pesquisa de micobactérias. Em seguida colheu-se 0,5 mL de sangue a partir da qual fez-se mais duas diluições seriadas. Em seguida procedeu-se à retirada de um fragmento de fígado, de baço e de pulmão. Cada órgão foi separadamente pesado e homogeneizado com solução salina estéril 0,85% até completar volume final de 10 mL (p/v), procedendo-se a mais duas diluições seriadas de base dez. Diluições do sangue e dos órgãos semeou-se, em duplicata placas com o meio de cultura Petragnani (PINHEIRO, 1994PINHEIRO, S.R. Influência da origem da estirpe AN5 de Mycobacterium bovis, da temperatura de contato e da matéria orgânica sobre a atividade micobactericida do hipoclorito de sódio ou de aldeídos. [Influence of the origin of Mycobacterium bovis AN5 strain, contact temperature and organic matter on the mycobactericidal action of sodium hypochlorite and aldehydes]. São Paulo: 1994. 55p. [Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Univ.].), as quais foram incubadas à 37° C e observadas semanalmente até completarem 32 dias de cultivo, quando foi feita a contagem das colônias.

Adotou-se como critério para as contagens: a) média aritmética das colônias contadas no par de placas com até 300 ufc - unidades formadoras de colônias (havendo duas diluições que satisfizessem esse critério, foi escolhida aquela de menor número de colônias); b) em caso de se obter até a última diluição contagens acima de 300 colônias, adotou-se o número 300 para efeito de cálculos, e o resultado foi expresso antecedido do símbolo > (maior do que), adaptado de BRASIL (1992)BRASIL Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária. Secretaria Nacional de Defesa Agropecuária. Laboratório Nacional de Referência Animal - LANARA. [Methods for microbiological food analysis] Métodos de análise microbiológica para alimentos. 2° Revisão, Brasília: LANARA, 1991/1992, 136p..

Experimento 2

Agente infectante

Foi utilizada a mesma estirpe de M. avium do experimento 1, suspendida em solução salina estéril a 0,85% com adição de Tween 80 a 0,05% até a obtenção da concentração de aproximadamente 2,0 mg ≈ 108 ufc/0,5 mL de solução, concentração eleita para a inoculação via oral.

Animais

Utilizou-se sete grupos de animais, cada um composto por 15 hamsters machos. Cada hamster foi contido individualmente e inoculado via oral com a dose acima descrita, utilizando-se uma seringa para insulina acoplada de uma cânula tipo escalpe, que permitia a deglutição espontânea. Um oitavo grupo de 15 hamsters não inoculados foi utilizado para o controle de peso semanal da categoria não inoculado. Um grupo de cinco animais recebeu como inóculo apenas solução salina estéril 0,85%, com Tween 80 a 0,05%, tendo sido utilizados como controle negativo para micobactérias.

Pesquisa e quantificação do M. avium em peritôneo, sangue, fígado, baço e pulmão

Nos dias dois; 10; 25; 50; 80 e 256 pós-inoculação, foram sacrificados 12 animais por grupo. Os procedimentos com os animais desde anestesia, sacrifício até a pesquisa de micobactérias em sangue, fígado, baço e pulmão seguiram o protocolo do experimento 1, tendo sido incluída a pesquisa de micobactérias em linfonodo mesentérico em todos os tempos experimentais e o exame histológico de parede intestinal aos 256 dias pós-inoculação.

Tratamento estatístico

As médias semanais dos pesos dos animais do grupo controle e dos grupos inoculados foram comparadas pelo teste "T" de Student. As contagens de micobactérias em ufc por mL de sangue e por grama de órgão foram comparadas para cada um dos órgãos, entre os diferentes tempos experimentais, por meio do teste de Friedman para k variáveis. Havendo significância estatística, aplicou-se o teste de Wilcoxon, comparando-se os resultados dois a dois. O mesmo procedimento foi empregado para a comparação das contagens entre órgãos, para cada um dos tempos experimentais. As análises utilizaram o programa SPSS, for Windows versão 9.0, estabelecendo como limite de erro alfa o valor de 5%.

RESULTADOS

O Experimento 1 demonstrou que o hamster é suscetível à cepa de M. avium isolada de suíno, desenvolvendo processo infeccioso a partir das três concentrações inoculadas do agente: 108; 107 e 106 ufc de M. avium. A partir do peritôneo, isolou-se o agente em pelo menos 50% das oportunidades, para cada uma das concentrações inoculadas. O baço apresentou concentrações crescentes de M. avium nos quatro tempos experimentais (após dois, 12, 26 e 61 dias pósinoculação), especialmente nos animais inoculados com 108 ufc e 107 ufc, quando comparado com fígado, pulmão e sangue. Um animal inoculado com 108 ufc de M. avium apresentou bacteremia aos 26 dias. Recuperou-se o agente do baço e do fígado a partir das três concentrações inoculadas, enquanto que do pulmão obteve-se isolamento nos grupos inoculados com 108 ufc e 106 ufc de M. avium.

As Tabelas 1, 2 e 3, abaixo apresentadas expressam as médias de unidades formadoras de colônia obtidas a partir de sangue, fígado, baço e pulmão obtidos no experimento 1.

Tabela 1
Micobactérias em peritôneo e médias de unidades formadoras de colônias por mililitro (ufc/mL) de sangue e unidades formadoras de colônias por grama de órgãos (ufc/g) de hamsters inoculados com 108 ufc de Mycobacterium avium, São Paulo, 2003.
Tabela 2
Micobactérias em peritôneo e médias de unidades formadoras de colônias por mililitro (ufc/mL) de sangue e unidades formadoras de colônias por grama de órgãos (ufc/g) de hamsters inoculados com 107 ufc de Mycobacterium avium, São Paulo, 2003.
Tabela 3
Micobactérias em peritôneo e médias de unidades formadoras de colônias por mililitro (ufc/mL) de sangue e unidades formadoras de colônias por grama de órgãos (ufc/g) de hamsters inoculados com 106 ufc de Mycobacterium avium, São Paulo, 2003.

O exame histológico revelou formação granulomatosa nos três grupos experimentais a partir de 12 dias pós-inoculação, evidenciando-se grandes áreas lesadas no grupo que recebeu a maior concentração de micobactérias. No fígado foram observados granulomas distribuídos pelo parênquima, preferencialmente, próximos ao tecido conjuntivo do espaço-porta, junto a arteríolas, vênulas e veia centro-lobular (Fig. 1). No baço foram observados granulomas na polpa branca e vermelha, notando-se hiperplasia do tecido linfóide (Fig. 3). No pulmão foram observados granulomas nos septos de tecido conjuntivo e junto a parede de vênulas.

Fig. 1
Fotomicrografia de corte histológico de fígado de hamster, inoculado pela via intraperitoneal, com 108 ufc de M. avium, com 12 dias de evolução, mostrando múltiplos granulomas no tecido conjuntivo do espaço-porta, circunscrevendo uma vênula e entre ductos biliares. Coloração Hematoxilina - osina. Aumento: 100x.

Fig. 2
Fotomicrografia de corte histológico de intestino delgado de hamster, inoculado com 108 ufc de M. avium,a os 256 dias de evolução, mostrando granulomas com corpúsculo de Metchnikoff-Schawmann, na sub-mucosa, com atrofia de placas de Peyer. Coloração Hematoxilina - eosina. Aumento: 100x.

Os resultados obtidos do experimento 1 possibilitaram a determinação da concentração de micobactérias utilizada no experimento 2.

Experimento 2

A partir do trato digestivo o agente atingiu o sistema circulatório, observando-se bacteremia em 4,7% (3/72) dos animais, o primeiro após dois dias; o segundo após 25 dias e o terceiro após 80 dias da inoculação, não superando dois ciclos logarítmicos, em ufc/mL de sangue. Após dez dias o agente foi isolado do linfonodo mesentérico e baço e a partir dos 25 dias foi recuperado no fígado, baço e pulmão. Não se constatou diferenças estatisticamente significantes entre os pesos dos animais controle e inoculados durante 36 semanas.

Em 26,4% (19/72) dos animais recuperou-se o agente a partir do fígado, entre 25 e 256 dias pósinoculação, tendo sido observado aumento de ufc de M. avium /g de órgão com o decorrer do processo, com as maiores contagens aos 256 dias, atingindo três ciclos logarítmicos em ufc de M. avium /g de órgão.

Isolou-se M. avium do pulmão em 7% (5/72) dos animais, tendo sido recuperado em um animal aos 25 dias, em outro, aos 50 dias e em três animais aos 80 dias. Não se isolou o agente a partir do peritôneo, em nenhum dos tempos experimentais.

Em 62,5% (45/72) animais recuperou-se o agente do linfonodo mesentérico, variando a concentração entre 2 e 6 ciclos logarítmicos de ufc/g; aos 50 e 80 dias foram obtidas contagens em 100% dos animais, variando entre 4 e 5 ciclos logarítmicos.

A comparação das contagens de ufc por órgão, entre os diferentes tempos experimentais, mostrou que o agente se multiplicou no linfonodo mesentérico, no baço e no fígado. Aos 256 dias as contagens foram significativamente maiores do que aos 10 dias, para o linfonodo mesentérico (p = 0,003), para o baço (p = 0,002) e para o fígado (p = 0,03), não tendo sido constatada diferença estatisticamente significante em relação ao pulmão.

A comparação das contagens de ufc dos diferentes órgãos, por tempo experimental, mostrou que nos três últimos tempos (50; 80 e 256) a maior quantidade de ufc/g foi encontrada no linfonodo mesentérico, relativamente ao fígado e baço, cujos valores de p foram: 0,002 e 0,003 aos 50 dias; 0,002 e 0,006 aos 80 dias e 0,003 e 0,006 aos 256 dias. Da mesma forma, o baço, apresentou contagens superiores relativamente ao fígado, com valor de p = 0,008 aos 50 dias; p = 0,003 aos 80 dias e p = 0,002 aos 256 dias.

A Tabela 4, expressa os resultados de unidades formadoras de colônia obtidas a partir de linfonodo mesentérico, fígado, baço e pulmão obtidos no experimento 2.

Tabela 4
Número de unidades formadoras de colônias em órgãos de hamsters inoculados pela via oral com 108 ufc/ 0,5 mL de Mycobacterium avium segundo o órgão examinado, São Paulo, 2003.

Os exames histológicos evidenciaram crescente organização das lesões granulomatosas em linfonodo mesentérico, baço, fígado e pulmão, a partir do décimo dia pós-inoculação. Aos 256 dias, houve intenso comprometimento do baço em detrimento de lesões teciduais no pulmão. Constatou-se a presença de estruturas corpusculares de natureza basófila, semelhantes aos corpúsculos de Metchnikoff-Schawmann nas áreas com lesão granulomatosa de parede intestinal (Fig. 2), fígado, baço e linfonodo mesentérico.

Fig. 3
Fotomicrografia de corte histológico de baço de hamster, inoculado com 108 ufc de M. avium, aos 256 dias de evolução, mostrando múltiplos granulomas de entremeio aos folículos linfóides de poupa branca (Figura A). Coloração Hematoxilina - eosina. Aumento: 100x. Na Figura B, em maior aumento um granuloma evidenciando um corpúsculo de MetchnikoffSchawmann, indicado pela seta (Figura B). Coloração Hematoxilina - eosina. Aumento: 1600x..

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

A escolha do hamster como modelo experimental para a infecção por M. avium fundamentou-se na literatura que comprova a utilização em que empregaram estes animais em infecções experimentais com M .bovis (FERREIRA NETO et al., 1994FERREIRA NETO, J.S.; PINHEIRO, S.R.; MORAIS, Z.M.; VASCONCELLOS, S.A.; GUERRA, J.L. Avaliação quantitativa da concentração de micobactérias em órgãos e humores de hamster experimentalmente infectados com Mycobacterium bovis, estirpe AN5. [Quantitative evaluation of the concentration of mycobacteria in organs and humours of hamsters experimentally infected with Mycobacterium bovis AN5 strain]. Brazilian J. Vet. Res. Anim. Sci., v.31, n.2, p.131-139, 1994.; UGAZ et al., 1999UGAZ, E.M.A.; PINHEIRO, S.R.; GUERRA, J.L.; PALERMO-NETO, J. Effects of prenatal diazepam treatment on Mycobacterium bovis-induced infection in hamsters. Immunopharmacology, v.41, p.209-217, 1999.). Para o primeiro experimento decidiu-se utilizar a via intraperitoneal, por oferecer poucas barreiras contra a infecção (LORIAN, et al., 1975LORIAN, V.; MATUCK, N.; LEVY, J. Susceptibility of newborn and adult Guinea pigs to Mycobacterium intracellulare and M.kansasii. Scand. J. Resp. Dis., v.56, p.103-108, 1975.; COLLINS et al., 1983COLLINS, P.; MATTHEWS, P.R.J.; MCDIARMID, A.; BROWN, A. The pathogenicity of Mycobacterium avium and related mycobacteria for experimental animals. J. Med. Microbiol., v.16, p.27-35. 1983.).

No experimento 1 foi constatado que o hamster é suscetível à estirpe de M. avium isolada de suíno, houve bacteremia (em um animal) e o agente foi recuperado do baço, fígado e pulmão, com contagens de até 4,0 ciclos logarítmicos, além da identificação de lesões do tipo granulomatosas nos órgãos supra citados. Apesar do número reduzido de animais inoculados nenhum morreu em decorrência da inoculação, mesmo quando da maior concentração inoculada (108 ufc / 0,5 mL solução salina). Com os resultados obtidos elegeu-se a dose de 108 ufc /0,5 mL de solução salina como inóculo para o experimento 2, desafiando-se os animais pela via oral.

A inoculação oral com 108 ufc de M. avium /0,5 mL de salina 0,85% provocou doença crônica, sem a ocorrência de mortes, demonstrando que o hamster é um modelo viável para estudos de processos crônicos de micobacterioses. Em trabalhos semelhantes com camundongos imunodeficientes infectados, pela via oral, com a estirpe MAC 101, não houve infecção disseminada, detectando-se baixas contagens após oito semanas, em fígado e baço. Em camundongos beige foram obtidas contagens em baço e pulmão, somente após seis semanas da inoculação via oral (GANGADHARAM et al., 1989bGANGADHARAM, P.R.J.; P ERUMAL, V.K.; FARHI, D.C.; LEBRECQUE, J. The beige mouse model for Mycobacterium avium complex (MAC) disease: optimal conditions for the host and parasite. Tubercle, v.70, n.4, p.257-271, 1989b.). Os resultados obtidos demonstraram que o hamster apresenta sinais do processo infeccioso instalado mais precocemente que o modelo camundongo, resistindo por longos períodos de tempo, no presente estudo até 256 dias.

Tomando-se como base que estirpes obtidas de diferentes espécies animais, ambientes e ecossistemas podem apresentar diversidade na sua virulência e patogenicidade em virtude de suas próprias características fenotípicas e genotípicas, pelos resultados observados no presente estudo pode-se afirmar que a estirpe em questão apresenta baixa virulência e patogenicidade para hamsters, não tendo sido observadas alterações clínicas nos animais, ocorrência de mortes e alterações macroscópicas, nos órgãos estudados, durante o experimento.

Considerando-se que a concentração de micobactérias inoculada no experimento 1 e 2 foram equivalentes, tendo variado apenas a via de inoculação (intraperitoneal e oral, respectivamente) acredita-se que as diferenças entre os resultados obtidos em cada uma das situações estejam relacionados com a qualidade e intensidade dos mecanismos de resposta imunológica do hospedeiro. Enquanto na inoculação intraperitoneal o hospedeiro é agressivamente invadido pelo agente, o que possibilita o desenvolvimento de infecção generalizada e agressiva, no experimento 2, quando da infecção via oral, o agente deparou-se com os mecanismos de defesa do sistema digestivo do hospedeiro (LORIAN et al., 1975LORIAN, V.; MATUCK, N.; LEVY, J. Susceptibility of newborn and adult Guinea pigs to Mycobacterium intracellulare and M.kansasii. Scand. J. Resp. Dis., v.56, p.103-108, 1975.; COLLINS et al., 1983COLLINS, P.; MATTHEWS, P.R.J.; MCDIARMID, A.; BROWN, A. The pathogenicity of Mycobacterium avium and related mycobacteria for experimental animals. J. Med. Microbiol., v.16, p.27-35. 1983.; FERREIRA NETO et al., 1994FERREIRA NETO, J.S.; PINHEIRO, S.R.; MORAIS, Z.M.; VASCONCELLOS, S.A.; GUERRA, J.L. Avaliação quantitativa da concentração de micobactérias em órgãos e humores de hamster experimentalmente infectados com Mycobacterium bovis, estirpe AN5. [Quantitative evaluation of the concentration of mycobacteria in organs and humours of hamsters experimentally infected with Mycobacterium bovis AN5 strain]. Brazilian J. Vet. Res. Anim. Sci., v.31, n.2, p.131-139, 1994.; UGAZ et al., 1999UGAZ, E.M.A.; PINHEIRO, S.R.; GUERRA, J.L.; PALERMO-NETO, J. Effects of prenatal diazepam treatment on Mycobacterium bovis-induced infection in hamsters. Immunopharmacology, v.41, p.209-217, 1999.). Faz-se necessário considerar também a virulência e tipo de relação estabelecida entre agente - hospedeiro.

A partir da inoculação via oral, após 25 dias observou-se crescentes contagens de micobactérias em linfonodo mesentérico, fígado e baço, tendendo a uma concentração nos tecidos linfóides no decorrer do processo, fenômeno que não foi constatado quando da inoculação pela via intraperitonial. Fenômeno semelhante observa-se em suínos em idade de abate, quando são detectadas predominantemente linfadenites, em especial em linfonodos do sistema digestivo (FERREIRA NETO, 1989FERREIRA NETO, J.S.; CORTES, J.D.A.; SINHORINI, I.L.; VASCONCELLOS, S.A.; ITO, F.H.; SILVA, E.A.M. A lesão tuberculóide macroscópica como critério diagnóstico da infecção micobacteriana em suínos abatidos em matadouro. Rev. Fac. Med. Vet. Zootec. Univ. São Paulo, v.26, n.1, p.21-33, 1989.).

GANGADHARAN & EDWARDS (1983)GANGHADHARAM, P.R.J. & EDWARDS, C.K. An acute infection model for Mycobacterium intracellulare disease using beige mice: preliminary results. Am. Rev. Resp. Dis., v.127, p.648-649, 1983., inocularam camundongos beige portadores de células natural killer deficientes, com M. avium pela via venosa e constataram doença aguda, chegando a 40% de mortalidade após quatro semanas, BERMUDEZ et al. (1992)BERMUDEZ, L.E.; PETROFSKY, M.; KOLONOSKI, P.; YOUNG, L.S. An animal model of Mycobacterium avium complex disseminated infection after colonization of the intestinal tract. J. Infec. Dis,. v.165, n.1, p.75-79, 1992. em camundongo beige, inoculado pela via gastroentérica, com diferentes estirpes do Complexo M. avium isoladas de pacientes com aids, na concentração de 108 ufc/animal, constataram bacteremia em 45% dos animais, mortalidade média de 26% e infecção disseminada em 100%, duas semanas após terem efetuado cinco inoculações experimentais. Utilizandose a concentração de 104 ufc/animal observaram, após quatro semanas, bacteremia em 27% dos animais, mortalidade em 11% e, após oito semanas, doença disseminada em 100% dos animais. O confronto destes resultados com o presente trabalho evidencia que são esperadas diferenças significativos entre os processos infecciosos que se estabelecem de acordo com a espécie hospedeira, a via de inoculação, a dose infectante, a virulência e a patogenicidade da cepa de M. avium utilizada.

A bacteremia só foi observada em 1/18 animais aos 26 dias no experimento 1 e, em 1/12 aos 2 dias; 1/ 12 aos 25 dias e 1/12 aos 80 dias, no experimento 2 e nenhum desses animais apresentaram redução de peso, sintomatologia clínica ou morte. Estes achados permitem concluir que a estirpe em estudo é de baixa virulência para hamsters.

A comparação entre as contagens de micobactérias em ufc/g de órgãos, por tempo experimental, mostrou que após 50; 80 e 256 dias da inoculação o linfonodo mesentérico foi o local de mais alta concentração do agente, seguido do baço e fígado, sugerindo que o agente uma vez inoculado foi receptado pelas estruturas de defesa do sistema linfóide e por ele mantido no decorrer do processo infeccioso. No pulmão recuperou-se o agente no 25°, no 50° e no 80° dias pós-inoculação, demonstrando a existência de multiplicação nesse órgão, embora não tenha sido possível seu reisolamento aos 256 dias. É importante salientar que os animais deglutiram o inóculo, isto é, não foi utilizada sonda esofágica.

Aos 256 dias, pós-inoculação, constatou-se uma diminuição na freqüência de lesões no pulmão e também não foi isolado o agente em nenhum dos 12 animais sacrificados. Acredita-se que neste tempo experimental, considerando tratar-se de uma estirpe de baixa virulência o hospedeiro já teria estabelecido controle do processo infeccioso concentrando o agente nos órgãos e tecidos linfóides. Achados semelhantes foram relatados por YANGOO et al. (1989)YANGOO, B.G.; SMITH, C.L.; ESPINOZA, C.G.; SOLOMON, D.A.; DERESINSKI, S.C. The hamster model of chronic Mycobacterium avium Complex infection. J. Infect. Dis., v.159, n.3, p.556-561, 1989. em hamsters infectados via endotraqueal com M. avium, observaram uma maior concentração de agente no pulmão (82%) seguido do baço (32%) nas primeiras sete semanas e, ao final de 24 semanas, a ocorrência se inverteu, com 56% no pulmão e 84% no baço, sugerindo que com o desenvolvimento de reposta imunológica há uma atividade específica de fagócitos "transferindo" o agente do pulmão para o baço.

O peso dos animais durante o experimento 2 (256 dias) não apresentou diferenças significantes quando comparado com o grupo controle, contrariando os achados de FERREIRA NETO et al. (1994)FERREIRA NETO, J.S.; PINHEIRO, S.R.; MORAIS, Z.M.; VASCONCELLOS, S.A.; GUERRA, J.L. Avaliação quantitativa da concentração de micobactérias em órgãos e humores de hamster experimentalmente infectados com Mycobacterium bovis, estirpe AN5. [Quantitative evaluation of the concentration of mycobacteria in organs and humours of hamsters experimentally infected with Mycobacterium bovis AN5 strain]. Brazilian J. Vet. Res. Anim. Sci., v.31, n.2, p.131-139, 1994. que observaram redução de peso dos animais inoculados com estirpe AN5 de M bovis. Acredita-se que tais diferenças estejam relacionadas a virulência das estirpes utilizadas.

Ao estudo histológico observou-se no linfonodo mesentérico arranjos concêntricos de macrófagos e células epitelióides circundadas por infiltrado de linfócitos, achados que divergem de SAENZ (1958SAENZ, A. [La tuberculose expérimentale du hamster doré, souches isoniazida-resistantes. [The experimental tuberculosis in golden hamster, isoniazide-resistant strains]. Ann. Inst. Pasteur, v.95, p.534-556, 1958.b) que encontrou necrose intensa com baixa concentração de micobactérias nos focos lesionais e não viáveis.

No fígado os granulomas foram observados próximos de vasos e do espaço porta mal definidos entre 10 e 25 dias pós-inoculação, vindo a se organizar a partir dos 50 dias. Estas observações concordam com SAENZ (1958SAENZ, A. [La tuberculose expérimentale du hamster doré, souches isoniazida-resistantes. [The experimental tuberculosis in golden hamster, isoniazide-resistant strains]. Ann. Inst. Pasteur, v.95, p.534-556, 1958.a) ao descrever a tuberculose no hamster ocasionada por micobactéria de origem bovina. No entanto o mesmo descreveu a presença de granulomas com necrose de caseificação no pulmão, alterações que não foram observadas no presente estudo.

A observação de granuloma na parede intestinal aos 256 dias pós-infecção (Fig.1), ratifica que o agente adentrando o sistema digestivo, passando pelas tonsilas, esôfago e estômago é fagocitado pelas células do sistema linfático atingindo também o intestino, onde tem a capacidade de invadir e colonizar a mucosa entérica. Estas constatações fortalecem a hipótese de que um animal uma vez infectado eventualmente possa eliminar o agente através das fezes, desde que algum fator altere seu sistema imunológico e haja uma "reativação" dessa lesão tornando-a aberta para a luz intestinal. Considerando-se uma resposta imunológica capaz de restringir a presença do agente nos órgãos e tecidos linfóides, supõe-se haver uma tendência de regressão das lesões em tecidos como parede e mucosa intestinal, concentrando-o nos linfonodos, especialmente mesentéricos, e no baço.

Foram observados, aos 256 dias de inoculação no baço e parede intestinal estruturas semelhantes aos corpúsculos de Metchnikoff-Schawmann (Fig.1). A formação e aparecimento destes corpúsculos é inversamente proporcional à virulência da estirpe (SAENZ, 1958SAENZ, A. [La tuberculose expérimentale du hamster doré, souches isoniazida-resistantes. [The experimental tuberculosis in golden hamster, isoniazide-resistant strains]. Ann. Inst. Pasteur, v.95, p.534-556, 1958.), o que no presente estudo corroborou como mais um fator de confirmação da baixa virulência da cepa relativamente ao hamster.

Os resultados acima expostos revelam que a estirpe de M. avium isolada de suíno mostrou-se pouco virulenta e com baixa patogenicidade para hamsters, quando inoculada pela via oral, não ocasionando mortes nem interferindo no peso dos animais, tendo sido possível a recuperação do agente e a observação de lesões granulomatosas em baço, fígado, pulmão e linfonodo mesentérico até os 256 dias. Na parede intestinal houve lesão granulomatosa apenas aos 256 dias da infecção.

Como conclusão depreende-se que o M. avium desencadeou processo infeccioso do tipo crônico; a estirpe em estudo expressou baixa virulência para hamsters e o modelo pode ser utilizado em experimentos com M. avium que necessitem utilizar inoculaçãopela via oral, associado ou não a outras variáveis, como tratamentos quimiotérapicos, estados de imunodeficiência, estados de prenhez e lactação, interrelação com outras doenças infecciosas e/ou situações que exijam observação da interação agente - hospedeiro por prolongados períodos de tempo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2003

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2003
  • Aceito
    01 Dez 2003
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