EPIDEMIOLOGIA E CONTROLE DAS MICOBACTERIOSES EM SUÍNOS NO SUL DO BRASIL - ESTIMATIVA DO IMPACTO ECONÔMICO

EPIDEMIOLOGY AND CONTROL OF SWINE MICOBACTERIOSIS IN SOUTH OF BRAZIL: ESTIMATIVE OF ECONOMIC IMPACT

RESUMO

Foi realizado um estudo em nove abatedouros de suínos da Região Sul do Brasil, responsáveis por cerca de 40% do total de abate na Região, com o objetivo de se estimar o impacto econômico das micobacterioses para os produtores. O período estudado foi de janeiro de 1997 a dezembro de 1999. Para tanto, foram preenchidas planilhas com informações mensais a respeito do número total de suínos abatidos e ocorrência de condenação por linfadenite granulomatosa na ocasião do abate; outra planilha forneceu dados sobre os descontos impostos aos produtores dependendo do destino da carcaça condenada e valor médio da bonificação recebida pela sua tipificação. O impacto econômico foi de 1,5 milhão de reais em 1997; 4,3 milhões em 1998 e 6,9 em 1999. Cada 0,1% de incremento na prevalência das condenações por linfadenite granulomatosa representou um prejuízo de 201 mil reais em 1997, 531 em 1998 e 834 em 1999. As implicações e razões destas constatações foram discutidas com vistas à estruturação de um programa de controle racional.

PALAVRAS-CHAVE:
Mycobacterium avium; suínos; impacto econômico; linfadenite granulomatosa.

ABSTRACT

A study was performed in nine swine slaughterhouses of the South of Brazil, responsible for around 40% of total swine slaughtered in this area, with the aim to estimate the economic impact of micobacteriosis for swine producers. The period studied was from January 1997 to December 1999. To do so, forms were filled with mensal informations about total number of swine slaughtered and occurrence of carcasses condemnations for granulomatous lymphadenitis at the slaughter; other form gave informations about the discounts received by producers depending on the carcasses destiny and about the average value of bonus received for carcass typing. The economic impact was 1,5 million of reais in 1997, 4,27 in 1998 and 6,94 in 1999. Each 0.1% of increment in the prevalence of swine tuberculosis condemnations represented a loss of 201 thousand of reais in 1997, 531 in 1998 and 834 in 1999. The implications and possible reasons of these findings were discussed regarding the elaboration of a rational control program.

KEY WORDS:
Mycobacterium avium; swine; economics; granulomatous lynfadenitis.

INTRODUÇÃO

Os segmentos envolvidos na atividade suinícola têm observado um preocupante aumento na ocorrência de linfadenite granulomatosa em matadouros da Região Sul, responsável por 45,28% da produção brasileira de suínos em 1996 (FUNDAÇÃO IBGE, 1997).

As micobactérias, notadamente as pertencentes ao complexo MAIS (Mycobacterium avium-intracellularescrofulaceum), são as principais responsáveis pelas linfadenides granulomatosas em suínos observadas em matadouro, onde são classificadas como tuberculose (FERREIRA NETO et al., 1989; BALIAN et al., 1997). Tais lesões em suínos, também denominadas micobacterioses, representam perdas econômicas tanto para o produtor quanto para a indústria, devido à condenação das carcaças acometidas durante a realização do serviço rotineiro de inspeção de carnes (BERTHELSEN, 1974; BRASIL, 1980). Estas lesões geralmente estão confinadas aos linfonodos do mesentério e das regiões cervical e faringeana. O quadro pode estar restrito a um grupo de linfonodos ou acometer um grande número destes ao longo do trato digestivo (THOEN & KARLSON, 1975).

Essa condenação justifica-se pelo potencial zoonótico dessas infecções (ACHA & ZYFRES, 1986; SZAZADOS, 1993) e também pela impossibilidade de distinguir-se micobacteriose de tuberculose clássica no matadouro (SZABO et al., 1975; BALIAN et al., 1997).

As micobacterioses apresentam etiologia multifatorial complexa, intimamente relacionada com o sistema de produção, tendo efeitos mais sutis na produção e necessitando, portanto, de uma estimativa de prejuízo precisa para se justificar a adoção de um programa de controle (TRUSFIELD, 1986). Como várias intensidades de controle podem ser adotadas, é necessária a determinação do nível de controle que é economicamente viável. O ideal é que os custos de um programa de controle fiquem aquém dos prejuízos causados pela doença, produzindo uma relação custo-benefício que estimule a adoção das medidas preconizadas.

Portanto, torna-se indispensável a realização de estudos que quantifiquem o impacto econômico gerado pelas micobacterioses.

MATERIAL E MÉTODOS

Duas planilhas foram elaboradas e enviadas para os quatorze abatedouros da Região Sul com os quais a Embrapa desenvolvia atividades mais amiúde.

O preenchimento da planilha de ocorrência de linfadenite permitiu a obtenção de informações a respeito de total de suínos abatidos por mês e o número de animais com lesões granulomatosas nos anos de 1997 a 1999, sendo também informado o destino das carcaças acometidas conforme a gravidade das lesões, podendo ser liberadas, rejeitadas totalmente (graxaria) ou parcialmente (toalete), destinadas ao aproveitamento condicional (fusão, cozimento ou conserva), conforme procedimento legal do Serviço de Inspeção Federal de carnes (BRASIL, 1980).

O preenchimento da planilha com a política de pagamento de abatedouros aos produtores permitiu a obtenção de informações referentes ao percentual que a indústria deixou de pagar ao produtor nos anos de 1997 a 1999, dependendo do destino da carcaça com linfadenite, comparando-se com uma carcaça suína saudável, além do valor percentual médio da bonificação pela tipificação de carcaça. Para a estimativa do valor da carcaça saudável foram utilizados os dados deflacionados em reais da revista PREÇOS AGRÍCOLAS (1998-2000), publicação especializada da Escola Superior de Agronomia Luis de Queiroz (ESALQ-USP).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos 14 estabelecimentos consultados, nove informaram os dados de ocorrência e forneceram as informações econômicas. A Tabela 1 traz os dados da representatividade dos abatedouros estudados.

Tabela 1
Representatividade dos dados tratados.

Ano	Abate de suínos		Representatividade (%)
	nove abatedouros	Região Sul*
1997	4.660.428	11.398.426	40,89
1998	4.853.074	11.233.114	43,20
1999	5.098.923	12.640.387	40,34

• ^*
  Fonte: ANUALPEC, 2000

Supondo-se que esse universo estudado seja representativo do que de fato ocorreu nos três estados, pode-se inferir o resultado do impacto econômico das micobacterioses para toda a Região Sul. Naturalmente esta inferência pode conter viés, que somente seria eliminado se absolutamente todos os abatedouros da Região Sul disponibilizassem suas informações para o presente estudo.

Inicialmente foram calculadas as freqüências de destinação das carcaças condenadas (Fig.1).

Fig. 1
Freqüência das condenações de carcaças suínas por linfadenite granulomatosa na Região Sul de 1997 a 1999.

A partir destes dados, pode-se observar que embora a ocorrência total de linfadenite granulomatosa tenha aumentado pouco de um ano para outro, houve um nítido crescimento de condenações totais (graxaria), indicando que as lesões encontradas foram mais graves, acarretando um destino mais severo às carcaças e conseqüentemente uma perda econômica mais acentuada. É importante ressaltar que o grande aumento de carcaças destinadas à graxaria foi um fenômeno isolado de um único abatedouro entre os nove estudados, decorrente talvez de uma conduta mais rigorosa adotada pelo veterinário na linha de inspeção durante o período do estudo ou por mudança na relação hospedeiro parasita. De qualquer maneira, optou-se por manter este dado na análise do impacto econômico, pois este prejuízo ocorreu de fato. Assim, o impacto econômico aumentou com o passar dos anos não tanto pelo aumento de freqüência de linfadenite granulomatosa, mas principalmente pelos destinos mais severos aplicados às carcaças acometidas.

Para se calcular o quanto o produtor deixou de receber pelo suíno em razão da doença, foi necessário a obtenção do desconto sobre o preço da carcaça saudável que o abatedouro estipulou em decorrência das lesões e conseqüentes destinações. Esses valores emergiram das planilhas econômicas, assim como a bonificação média recebida pelo produtor referente à tipificação da carcaça.

A partir destes dados, realizou-se ponderação pela representatividade dos abatedouros que forneceram informações, obtendo-se os resultados constantes na Tabela 2.

Tabela 2
Percentual pago ao produtor pelas carcaças condenadas por linfadenite granulomatosa em relação ao valor de mercado de uma carcaça suína saudável. Informações obtidas de abatadouros da Região Sul e ponderadas pela representatividade dos mesmos.

CARCAÇA SAUDÁVEL		CARCAÇA CONDENADA POR LINFADENITE GRANULOMATOSA
Ano	média de bonificação	condenação parcial	aproveitamento condicional			condenação total
		toalete	cozimento	conserva	fusão	graxaria
1997	103,91%	103,14%	84,22%	75,32%	13,43%	9,71%
1998	104,53%	103,61%	83,37%	76,43%	13,17%	9,99%
1999	106,08%	105,31%	85,40%	76,23%	13,21%	9,76%

O índice 100% da Tabela 2 refere-se à carcaça saudável e nada mais é do que um indicador virtual, pois mesmo aquelas condenadas parcialmente e submetidas à toalete são tipificadas e originam bonificação.

Analisando-se as informações referentes aos valores das carcaças em relação ao seu destino, percebese que havia um pequeno desconto quando a carcaça passava por toalete, porém sem perda de bonificação. Em todos os casos onde foi necessário que a carcaça passasse por tratamento antes do consumo humano (aproveitamento condicional), o produtor perdeu a bonificação por tipificação de carcaça e ainda foi penalizado com descontos que variaram de 16,63 % (cozimento) a 86,83% (fusão) com relação a uma carcaça sem lesões. Quando foi destinada à condenação total, a desvalorização da carcaça em comparação com uma saudável que recebeu bonificação chegou a 96,32%. Nos cálculos de BERTHENSEN (1974), além da inclusão dos custos de abate, uma carcaça que tivesse que passar por cozimento perdia dois terços de seu valor. E se fosse condenada totalmente, a perda era total. Já CHARETTE et al. (1989) calcularam as perdas de lucro do produtor considerando somente a condenação de cabeça (toalete).

Na realidade, o produtor é penalizado duas vezes, pois, além de ter o valor da carcaça depreciado e perda de bonificação pela presença de lesões, há o prejuízo decorrente do toalete realizado. É muito difícil quantificar quanto se perde em quilos pela retirada da parte acometida, principalmente nas regiões dos linfonodos cervicais e mesentéricos (THOEN & KARLSON, 1975).

A indústria, por sua vez, pune o produtor quando a carcaça tem que ser destinada para aproveitamento condicional, embora na Região Sul 70% da produção de suínos destine-se ao fornecimento de matériaprima para produtos industrializados (CAMARGO, 1998). Ou seja, mesmo carcaças saudáveis, que poderiam ser consumidas in natura, passam por processo térmico ou de conserva, para elaboração de produtos com maior valor agregado. Esta estratégia permite às empresas processadoras de carne suína alcançar melhores margens de lucro.

Para a estimativa do valor deflacionado em reais, foram utilizados os dados da revista PREÇOS AGRÍCOLAS (1998-2000), publicada pela ESALQ-USP. Esta publicação traz os valores pagos por arroba. Como as informações econômicas oriundas dos abatedouros eram referentes a carcaças suínas, optou-se por transformar-se os preços deflacionados à vista por arroba em preços deflacionados à vista por carcaça. Para tanto, obteve-se o peso médio de carcaças suínas em quilos por equivalente-carcaça (com osso) (ANUALPEC, 2000) e dividiu-se por 15 para se encontrar o peso médio das carcaças suínas em arroba. Multiplicou-se os dados de peso médio das carcaças suínas em arrobas pelos valores dos preços deflacionados à vista por arroba, obtendo-se desta maneira os preço à vista deflacionados por carcaça (Tabela 3).

Tabela 3
Valores da carcaça suína saudável no Brasil de 1997 a 1999.

Ano	Preços à vista deflacionados (R$/carcaça)
1997	110,69
1998	98,90
1999	120,60

Em posse das informações de ocorrência de linfadenite granulomatosa por destinação da carcaça, dos descontos em decorrência da gravidade das lesões encontradas e do valor da carcaça suína, foi possível a análise econômica para os anos de 1997, 1998 e 1999.

Como a linfadenite granulomatosa não causa sintomatologia clínica nos suínos, o produtor só vem a saber que seu rebanho está infectado quando começa a receber um menor valor pelos seus animais, pois as carcaças são condenadas no abate por apresentarem lesões. Para se estimar o impacto econômico das micobacterioses ao produtor, calculou-se a diferença existente entre o valor obtido em uma situação perfeita, onde todos os animais abatidos são saudáveis e recebem bonificação pela tipificação da carcaça, com o valor obtido na situação real durante os três anos estudados. Esta diferença é quanto o produtor deixou de receber em decorrência da doença.

O impacto econômico, em milhões de reais, para a Região Sul do Brasil foi de 1,5 em 1997, 4,3 em 1998 e 6,9 em 1999 (Fig. 2). BERTHELSEN (1974), além de considerar as perdas econômicas pela condenação por linfadenite granulomatosa (100% na condenação total e 66% no aproveitamento condicional) considerou também o custo de manipulação por carcaça durante o abate (US$15,00), este último não contemplado no presente estudo. Este autor estimou um prejuízo de US$ 4,98 milhões para todos os Estados Unidos em 1972/3, onde a taxa foi de 95,8 carcaças condenadas a cada 100.000 abatidas, em um universo de 84.027.000 suínos abatidos em 12 meses. CHARRETE et al. (1989) calcularam que os produtores canadeneses deixaram de lucrar o equivalente a US$ 1 milhão, considerando somente condenação de cabeças de suínos com linfadenite granulomatosa (toalete) em 1986.

Figura 2
Impacto econômico da linfadenite granulomatosa aos produtores de suínos. Dados estimados para a Região Sul do Brasil.

Admitindo-se como razoável a estimativa do impacto econômico para a Região Sul, para cada um dos anos estudados pode-se calcular os prejuízos gerados aos produtores para cada 0,1% de incremento na prevalência.

A cada 0,1% de aumento na freqüência de condenações de suínos por linfadenite granulomatosa, o produtor deixou de receber R$ 201 mil em 1997, R$ 531 mil em 1998 e R$ 834 mil em 1999. Este dado fornece um instrumento econômico para auxiliar a tomada de decisão referente à implementação de um programa de controle.

DIJKHUIZEN et al. (1995) afirmaram que pesquisas em saúde animal relacionadas à área econômica referem-se a três campos interligados: quantificação dos efeitos financeiros da doença, desenvolvimento de métodos para otimizar decisões e determinação dos benefícios e custos dos programas de controle. Os dois primeiros itens foram contemplados neste estudo.

CONCLUSÕES

Os resultados obtidos permitem afirmar-se que é possível a utilização de um critério econômico para a tomada de decisão relativa à implementação de medidas de controle das linfadenites granulomatosas em suínos.

AGRADECIMENTOS

Este projeto é o resultado de uma parceria entre o Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (VPS - FMVZ - USP), Centro Nacional de Pesquisa em Suínos e Aves (CNPSA - EMBRAPA), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Associação das Indústrias de Carnes e Derivados de Santa Catarina (AINCADESC) e Serviço de Inspeção Federal (SIF). Foi financiado pela FAPESP, Embrapa e AINCADESC.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  20 Set 2024
• Data do Fascículo
  Jan-Mar 2002

Histórico

• Recebido
  05 Out 2001
• Aceito
  19 Abr 2002