LISTERIOSE EM COELHOS DE BIOTÉRIO

RABBIT LISTERIOSIS IN BIOTERIUM

RESUMO

Relata-se a ocorrência de listeriose acometendo 90% de um plantel de coelhos. Sintomatologia nervosa, oftalmia, abortamento e mortalidade perinatal caracterizaram o surto. O cultivo de sistema nervoso central, fígado e humor vítreo em meios de enriquecimento, seletivos e posterior estudo permitiram a identificação de Listeria monocytogenes. O estudo anatomo-patológico de cortes do sistema nervoso central corados por hematoxilinaa-eosina caracterizou meningoencefalite com infiltração leucocitária. É apenas levantada a hipótese quanto à fonte de infecção, uma vez que não foram realizadas análises complementares.

PALAVRAS-CHAVE:
Listeria monocytogenes; coelho; encefalite; neonatos.

ABSTRACT

The authors describe the occurrence of listeriosis in 90% of a rabbit plantel. Neurologic signs, oftalmy, abortion and death soon after birth were the signs observed. Bacteriological examination of central nervous system, liver and conjunctival sac in enrichment and selective media led to the biochemical identification of Listeria monocytogenes. The histopathological findings in the nervous system were meningoencephalitis with leucocyte assembly. The source of infection is only suggested as no complementary analyses were done.

KEY WORDS:
Listeria monocytogenes,rabbit; encephalitis; neonates.

Desde os trabalhos de ANTON (1934) sobre mononucleose humana, relacionado-a a presença de um bacilo denominado Bacterium monocytogenes, inúmeras são as citações da presença desse agente bacteriano causando diferentes manifestações clínicas em diversas espécies animais.

Em nosso meio, ainda que não sejam de freqüente registro, as encefalites animais decorrentes de infecções por Listeria monocytogenes são observadas.

HOFER (1971), SILVA et al. (1973) e CALIL et al. (1996) assinalaram a presença de Listeria monocytogenes em material encefálico oriundo de bovino. FERNANDES et al. (1971) relataram um caso grave de listeriose em ovinos no Rio Grande do Sul.

Não são freqüentes assinalações em outras espécies animais bem como citações de outras afecções que não do sistema nervoso central. Entretanto, a literatura apresenta: oftalmia em ovinos (WALKER & MORGAN, 1993), infecção pulmonar em bovinos (WOHLER & BAUGH, 1983), septicemia em cão (HEDSTRÖM , 1944), esplenomegalia e necrose no ceco em galo silvestre (LILLEENGEN, 1942), piemia em roedores selvagens (HENRIKSSON, 1943 & WRAMBY, 1944), enterite em cão, com necrose miliar do fígado e metrite em coelhas, lebres e cobaias, apresentando morte fetal intrauterina e abortamento, além de necrose do miocárdio em aves e mastites em bovinos (WRAMBY, 1944), causadas por esse agente.

O presente registro refere-se a uma ocorrência de listeriose em coelhos de biotério de uma Instituição de Ensino e Pesquisa do Estado de São Paulo na qual, além da sintomatologia nervosa, verificou-se abortamentos, alta mortalidade perinatal e oftalmia grave acometendo cerca de 90% do plantel.

Os animais objeto deste trabalho, eram coelhos adultos e uma ninhada de recém nascidos. A sintomatologia observada, torcicolo e incoordenação motora, relacionava-se ao sistema nervoso central além de comprometimento do aparelho ocular com opacidade da córnea (Fig. 1) e evolução para ceratoconjuntivite grave (Fig. 2) culminando com cegueira. Dentre os sete recém nascidos, apenas três sobreviveram.

Fig. 1
Coelho apresentando opacidade de córnea.

Fig. 2
Animal exibindo cerato conjuntivite.

Fragmentos do SNC foram colocados em solução de formol neutro a 20% para exames histopatológicos, dos quais se obteve corte de 5 micrômetros que foram corados pela hematoxilina-eosina.

Amostras do SNC foram mantidas sob refrigeração por 7 dias visando seu enriquecimento; os globos oculares inteiros foram igualmente coletados para que se fizesse estudo bacteriológico do humor vítreo.

Os materiais foram semeados em água peptonada a 0,1% na proporção de 1:10 e incubados a 30º C por 48 horas. Após esse período os cultivos foram ressemeados em ágar sangue de carneiro a 5% e em ágar Oxford (OXA, Oxoid) e incubados a 35º C por 24 horas. As colônias obtidas do crescimento em ágar sangue foram submetidas à coloração de Gram. Igualmente, após as 48 horas iniciais, 0,1 mL das culturas em água peptonada foi semeado em tubos contendo caldo Fraser modificado (MFB, Oxoid) mantidos a 35º C por 24 horas, incubando-se, após agitação, por mais 2 horas. Dos tubos que desenvolveram a cor castanha escura, indicando positividade, realizaram-se repiques em placas contendo meio OXA, incubadas a 35º C até 48 horas. A presença de colônias de cor negra circundadas por um halo da mesma tonalidade indicava tratar-se de Listeria spp.

Das placas que revelaram crescimento bacteriano, coletou-se colônias pequenas, de cor negra, que apresentavam um halo da mesma cor, sugestivas do gênero Listeria e repicou-se para placas contendo Trypticase Soy ágar (TSA, Difco) com 0,6% de extrato de levedura (YE, Merck), que foram incubadas a 30º C por 24 horas. Após este período as colônias foram observadas sob iluminação de Henry (MCCLAIN & LEE, 1989).

As colônias que revelaram tonalidade característica foram repicadas para Bacto motility test medium (BMTM, Difco) para que se verificasse sua motilidade, sendo preservadas por um período de 7 dias à temperatura ambiente, com observação diária, que ofereceram crescimento característico em forma de guarda chuva invertido.

O crescimento em ágar sangue revelou a presença de colônias pequenas, circundadas por um discreto halo de beta hemólise, cujos esfregaços submetidos à coloração de Gram mostraram bastonetes curtos, delicados, por vezes em pequenos aglomerados e corados positivamente (Fig. 3).

Fig. 3
Coloração de Gram mostrando bastonetes delicados corados positivamente (Listeria monocytogenes).

Para o estudo bioquímico, as colônias foram repicadas para caldo Trypticase Soy adicionado de 0,6% de extrato de levedura (TSB-YE), visando às provas de L-ramnose, D-xilose e manita, observandose o resultado positivo para L-ramnose. Realizou-se ainda prova da catalase, que foi positiva.

A observação das colônias, obtidas em meio de TSA-YE, sob a iluminação de Henry, revelou tonalidade azul-esverdeada, característica do gênero.

A histopatologia ofereceu um quadro de meningoencefalite com a presença de nítido infiltrado leucocitário de localização preferentemente perivascular.

O conjunto de resultados obtidos permitiu caracterizar o agente em estudo como sendo Listeria monocytogenes.

Desde que foi pela primeira vez assinalada porM URRAY et al. (1926), em animais de laboratório, a listeriose tem sido registrada por inúmeros pesquisadores, comprometendo principalmente o SNC de várias espécies animais.

GRAHAN et al. (1939) realizaram detalhado estudo sobre a listeriose em diversas espécies animais. PACHECO & DIAS (1956) observaram uma oftalmia listeriosa em coelhos no Rio de Janeiro. GRAY & KILLINGER (1966) fizeram revisão das infecções determinadas por esta bactéria, tanto no homem quanto nos animais domésticos, de laboratório e silvestres, chegando a uma extensa relação de espécies envolvidas. DONKER (1966) também realizou estudos sobre a incidência da listeriose acometendo inúmeras espécies animais.

Em humanos, a principal forma da doença é a neonatal, caracterizada por meningite. Segundo MCLAUCHLIN (1990), a contaminação no trato genital da mãe durante o trabalho de parto ou no ambiente após o nascimento.

HOFER et al. (1998) descreveram os primeiros casos de meningite humana, comprovados bacteriologicamente, em pacientes do Distrito Federal.

Outro fato a considerar é que quando as ocorrências surgem, estão na maioria das vezes relacionadas ao período mais frio do ano (O'DONNELL, 1995). Este fato está em consonância com a característica de que as baixas temperaturas representam um papel favorável na preservação e desenvolvimento dos agentes do gênero Listeria.

Esta bactéria é particular sob esse aspecto, uma vez que é capaz de desenvolver-se em faixa de temperaturas situadas entre 4º e 45º C (ROSENOW & MARTH,1987; MARSHALL & SCHMIDT, 1988; FARBER et al., 1990; FERGUSON & SHELEF, 1990; PEARSON & MARTH, 1990), sendo que tal característica foi usada em laboratório como recurso de técnica de enriquecimento dos materiais suspeitos.

Na presente ocorrência, os autores consideram que a fonte de infecção possa ter sido a forragem verde fornecida aos animais adultos.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem R.G. Ferreira que encaminhou o material para análise e pesquisa do agente em questão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  20 Set 2024
• Data do Fascículo
  Oct-Dec 2002

Histórico

• Recebido
  16 Jul 2002
• Aceito
  28 Nov 2002