COMPARAÇÃO DA REAÇÃO DE IMUNOFLUORESCÊNCIA INDIRETA E DO MÉTODO DE AGLUTINAÇÃO DIRETA NA DETECÇÃO DE ANTICORPOS ANTI-TOXOPLASMA EM SOROS DE OVINOS, CAPRINOS, CANINOS E FELINOS

COMPARISON OF INDIRECT FLUORESCENT ANTIBODY TEST AND MODIFIED AGGLUTINATION TEST TO DETECT ANTIBODIES TO TOXOPLASMA GONDII IN SERA FROM SHEEP, GOATS, DOGS AND CATS

RESUMO

Foram examinados 400 soros de ovinos, caprinos, caninos e felinos (100 amostras de cada espécie), para a presença de anticorpos anti-Toxoplasma gondii, comparando-se a reação de imunofluorescência indireta (RIFI), e o método de aglutinação direta (MAD), com antígeno fixado pela formalina, obtido de camundongos inoculados com taquizoítos de Toxoplasma gondii e células de sarcoma TG180. Para a RIFI, foram reagentes 23,0%, 8,0%, 18,0% e 18,0% dos ovinos, caprinos, caninos e felinos, respectivamente. No MAD, 27,0%, 11,0%, 19,0% e 19,0% dos ovinos, caprinos, caninos e felinos, respectivamente, foram reagentes. Não foi constatada diferença significativa entre as provas, sendo que a comparação dos resultados entre as provas apresentou coeficiente kappa entre 0,59 a 0,84, indicando concordância entre os dois métodos.

PALAVRAS-CHAVE:
Toxoplasma gondii; diagnóstico; sorologia; imunofluorescência indireta; aglutinação direta.

ABSTRACT

A total of 400 serum samples from sheep, goats, dogs and cats (100 samples each) were tested to anti-Toxoplasma gondii antibodies by the fluorescent antibody test (FAT) and MAT (modified aggutination test). In FAT 23.0%, 8.0%, 18.0% and 18.0% from sheep, caprine, dogs and cats samples were positive, respectively, while in MAT 27.0%, 11.0%, 19.0% and 19.0% from sheep, caprine, dogs and cats, were positive, respectively. None significant difference were found between the tests, and the kappa index from 0.59 to 0.84 reveals the concordance between the tests.

KEY WORDS:
Toxoplasma gondii; diagnosis; serology; fluorescent antibody test; modified agglutination test

INTRODUÇÃO

O Toxoplasma gondii é um protozoário da família Sarcocystidae, ordem Coccidia, de distribuição mundial, ocorrendo em diversas espécies homeotérmicas, incluindo o homem, sendo a toxoplasmose uma das zoonoses mais difundidas no mundo (ACHA & SZYFRES, 1986).

O diagnóstico laboratorial da toxoplasmose é de grande importância, uma vez que a infecção, tanto no homem como nos animais domésticos e silvestres, pode assumir quadros clínicos facilmente confundidos com uma gama enorme de outras enfermidades, dificultando a tomada de medidas específicas de tratamento e controle (VIDOTTO, 1992).

Diversos testes sorológicos têm sido propostos para determinar a presença de anticorpos antiToxoplasma gondii desde que Sabin e Feldman desenvolveram o teste do corante (Sabin-Feldman dye test) em 1948 (DUBEY & BEATTIE, 1988). FULTON & TURK (1959) foram os primeiros a descrever um teste de aglutinação, que não logrou sucesso pela baixa especificidade e a necessidade de grande número de taquizoítos em cada teste. Posteriormente, COUZINEAU & BAUFINEDUCROCQ (1970) e DESMONTS & REMINGTON (1980) melhoraram sensivelmente a reprodutibilidade e a sensibilidade do método.

O teste de aglutinação direta tem sido utilizado para evidenciar aglutininas anti-Toxoplasma gondii em diversas espécies animais domésticas e silvestres. DUBEY et al. (1985) compararam o teste de aglutinação direta com o teste do corante em bovinos experimentalmente infectados, determinando a pequena utilidade deste último nesta espécie, e a grande sensibilidade da aglutinação direta para bovinos.

Em suínos DUBEY et al. (1995) compararam o teste de aglutinação direta frente ao isolamento do parasita em camundongos, encontrando sensibilidade de 82,9% e especificidade de 90,29%. A especificidade foi superior à dos testes de hemaglutinação passiva, aglutinação ao látex e ELISA, enquanto a especificidade só foi menor que a hemaglutinação e da aglutinação ao látex. No entanto, DUBEY (1997) confirmou a grande especificidade do teste de aglutinação direta para suínos ao pesquisar soros de 130 suínos infectados com diversas espécies de vírus e nematelmintos, não encontrando nenhum resultado positivo.

Na espécie ovina, LJUNGSTRÖM et al. (1994) compararam o teste de aglutinação direta à reação de imunofluorescência indireta, encontrando especificidade e sensibilidade de 100,0%. O mesmo valor encontrado para soros de suínos, ao passo que em gatos a sensibilidade foi de 96,0% e a especificidade de 97,0%. MARCA et al. (1996) analisaram 2.306 amostras de soros de ovinos, determinando uma prevalência de 35,27% para o teste de aglutinação indireta e de 33,72% para a reação de imunofluorescência indireta, sendo grande parte da diferença entre os testes atribuída à diluição dos soros.

Este trabalho teve como objetivo padronizar o método de aglutinação direta (MAD), utilizando antígeno fixado pela formalina, e comparar aos resultados da reação de imunfluorescência indireta (RIFI) obtidos no exame de 400 amostras de soros ovinos, caprinos, caninos e felinos.

MATERIAL E MÉTODOS

1. Amostras de soro

Amostras de soros de ovinos, caprinos, caninos e felinos (100 de cada espécie), totalizando 400 amostras, foram obtidas aleatoriamente a partir do estoque de soros enviados para diagnóstico de leptospirose, ao Serviço de Diagnóstico de Zoonoses, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, UNESP, Campus Botucatu. Todas as amostras permanceram por um período variado de tempo armazenadas a -20^oC em microtubos plásticos, sendo descongeladas apenas no momento de execução dos exames sorológicos.

2. Exames sorológicos

A reação de imunofluorescência indireta (RIFI) para a detecção de anticorpos anti-Toxoplasma gondii foi realizada segundo o recomendado por CAMARGO (1974), testando-se diluições de 1:16, 1:64, 1:256, 1:1024 e 1:4096 dos soros em solução salina tamponada de fosfatos (SSTF) pH 7,2. Para cada espécie estudada foi utilizado conjugado anti-IgG específico¹ diluído em solução de azul de Evans a 4mg%.

O antígeno para o método de aglutinação direta (MAD) foi preparado segundo o recomendado por DESMONTS & REMINGTON (1980). Para tanto, fluido peritoneal de camundongos previamente infectados com Toxoplasma gondii, cepa RH, foi homogeneizado com igual volume de células de sarcoma TG180, obtidas por passagens quinzenais sucessivas em camundongos. A suspensão de sarcoma e taquizoítos foi inoculada pela via intraperitoneal em camundongos, os quais foram lavados com 10mL de SSTF após 48 horas da infecção. Os fluidos peritoneais ricos em células parasitadas foram tratados com solução de tripsina a 0,05% para rompimento das células e liberação dos parasitas. A suspensão de taquizoítos foi então fixada em solução de formalina a 6% por 24 horas a temperatura ambiente. A formalina foi retirada por três centrifugações sucessivas a 3000rpm/10 minutos, sendo o antígeno ressuspendido em tampão borato, pH 8,6. A diluição de uso do antígeno foi determinada pelo teste de várias diluições frente a soros controle positivos e negativos.

Para execução do MAD os soros foram diluídos como para a RIFI, sendo transferidos 25µL de cada diluição para microplaca com fundo em V, adicionando-se então 25µL de 2-mercaptoetanol 0,1M e 50µL de antígeno por cavidade da microplaca. As placas foram mantidas em temperatura ambiente por período minímo de 6 horas, sendo consideradas positivas aquelas diluições dos soros em que se formava uma película que cobria pelo menos 50% da cavidade, e negativas quando se formava botão ou anel no fundo da cavidade.

3. Análise dos resultados

Os resultados de cada teste, para cada espécie, foram comparados pelo teste de McNemar, com α=0,05, calculando-se o índice kappa de associação dos resultados (MACKINNON, 2000).

RESULTADOS

Para a RIFI, 23, 8, 18 e 18 amostras de soros ovinos, caprinos, caninos e felinos, respectivamente, foram positivas, enquanto no MAD, 27, 11, 19 e 19 amostras de soros dos ovinos, caprinos, caninos e felinos, respectivamente, foram positivas com títulos variando de 16 a 256 (Tabela 1).

Tabela 1
Número de amostras negativas e título de anticorpos anti-Toxoplasma em amostras de soros de ovinos (n=100), caprinos (n=100), caninos (n=100) e felinos (n=100), testadas pela reação de imunofluorescência indireta (RIFI) e pelo método de aglutinação direta (MAD). Botucatu, 2001.

Espécie		Título à RIFI					Título ao MAD
	Negativo	16	64	256	Negativo	16	64	256
Ovino	77	3	15	5	73	6	17	4
Caprino	92	3	5	0	89	8	3	0
Canino	82	4	8	6	81	7	9	3
Felino	82	6	8	4	81	7	8	4

A concordância de resultados positivos entre os dois métodos sorológicos variou de 63 a 88%, enquanto a concordância de resultados negativos variou de 94 a 96%, não sendo encontrada diferença significativa entre os resultados dos testes para as espécies examinadas A Tabela 2 apresenta os resultados da concordância entre os testes, do teste estatístico e do índice kappa, que variando de 0,59 a 0,84 demonstrou a equivalência de resultados entre as duas provas sorológicas.

Tabela 2
Concordância de resultados positivos e negativos (em porcentagem), resultado do teste de McNemar (χ²) e índice kappa de concordância entre amostras de soros de ovinos (n=100), caprinos (n=100), caninos (n=100) e felinos (n=100), testadas pela reação de imunofluorescência indireta (RIFI) e pelo método de aglutinação direta (MAD). Botucatu, 2001.

Espécie	Concordância (%)		X2	kappa
	Positivos	Negativos
Ovino	88,00	96,00	2,67	0,84
Caprino	63,16	96,13	1,29	0,59
Canino	75,68	94,48	0,11	0,70
Felino	81,00	95,71	0,14	0,76

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Nossos resultados, como os de outros autores, apontam pequenas diferenças entre a reação de imunofluorescência indireta e o método de aglutinação direta.

SEEFELDT et al. (1989) apontam, ao exame de 377 fluidos torácicos obtidos de fetos abortados, 62% e 67% de positivos à RIFI e ao MAD, respectivamente, com correlação de resultados de 86% entre as duas provas. Examinando 2,306 amostras de soros de ovinos adultos na Espanha, MARCA et al. (1996), encontraram 33,72% de reagentes à RIFI e 35,27% de reagentes ao MAD, com índices kappa de 0,90, 0,97, 0,87, 0,69, quando considerando diluições dos soros de 1:40, 1:80, 1:160 e 1:320, respectivamente. LJUNGSTRÖM et al. (1994), entretanto, demonstraram concordância perfeita entre os resultados da RIFI e do MAD no exame de 58 amostras de soros ovinos, onde 31 (53,44%) foram positivas. Em nosso trabalho, encontramos 23% de ovinos reagentes à RIFI e 27% reagentes ao MAD, com coeficiente de concordância de 0,84.

Dos 100 caprinos testados em nossa pesquisa, 8% foram reagentes à RIFI e 11% reagentes ao MAD, com coeficiente de concordância de 0,59. Esta diferença não foi significativa, o que também é referido por MORENO et al. (1985), que encontraram 6,67% de diferença entre títulos para a RIFI e MAD quando examinaram 210 soros caprinos, onde a taxa de positividade para os dois testes foi de 43,8%. DUBEY et al. (1985) referem títulos mais elevados e de maior duração quando se utiliza o MAD para soros caprinos, explicitando que a diferença provavelmente se deva a diferenças entre as subclasses de IgG detectadas em cada teste sorológico.

Para a espécie canina, SACCO et al. (1979) registraram taxas de positividade de 35,2% e 40,3% no exame de 233 amostras de soro pela RIFI e MAD, respectivamente, e ABATE et al. (1989) em Torino, Itália, encontraram correlação de 0,91 ao exame de 85 soros de cães, com 35,29% de reagentes a RIFI e 31,77% ao MAD. Nossos resultados contrastam com este último, pois encontramos taxa de reagentes maior ao MAD (19%) em relação à RIFI (18%), entretanto a concordância entre as duas provas foi de 0,70.

SACCO et al. (1979) trabalharam também com amostras de 13 gatos, encontrando maior porcentagem de reagentes para o MAD (66,7%) do que para a RIFI (46,7%), enquanto ABATE et al. (1989), examinando 93 gatos, registraram diferença significativa entre os resultados obtidos pelo MAD (26,88%) de reagentes em relação a RIFI (39,78%), com correlação de 0,92 entre as duas provas. Não encontramos diferença significativa entre as duas provas também quando aplicadas ao soro de gatos, com 18% de reagentes à RIFI e 19% ao MAD, com concordância k=0,76. LJUNGSTRÖM et al. (1994) também apontaram concordância quase perfeita entre os dois testes sorológicos no exame de amostras de 60 gatos, com k=0,93, concordância de 96,4% para resultados positivos e 96,9% para resultados negativos, resultados próximos aos encontrados em nossa pesquisa, onde encontramos, 81% e 95,7% de concordância para resultados positivos e negativos, respectivamente.

SEEFELDT et al. (1989) citam o MAD como prova de escolha frente o ELISA e a RIFI para diagnóstico de anticorpos anti-T.gondii em ovinos, citando como principais vantagens do método a praticidade, a viabilidade para testar pequeno número de amostras, a facilidade de leitura sem necessidade de instrumentos especiais, a possibilidade de realização do teste para qualquer espécie animal, já que não requer reagentes espécie-específicos, e ainda a possibilidade de se testar amostras recentemente autolisadas, diferentemente do que ocorre com a RIFI. DUBEY et al. (1995), por outro lado, criticam o método de aglutinação direta quanto ao seu uso em testes sorológicos em grandes grupos animais. Apesar de observarem ser método mais sensível, juntamente com o ELISA e o DT (Dye Test), utilizados na sorologia de suínos experimentalmente infectados, mostrou-se trabalhoso, oneroso, além de não ser comercializado nos EUA, onde a pesquisa foi realizada. O ELISA, tido pelos autores como opção mais prática, devido à facilidade de automação, necessita ainda de melhores estudos quanto aos procedimentos e padronização dos antígenos utilizados.

Nossos resultados não demonstram diferença significativa entre os resultados obtidos entre os dois testes sorológicos, com concordância de resultados, avaliada pelo índice kappa, sempre acima de 0,5. Como verificado em vários trabalhos, com diferentes espécies, normalmente o MAD resulta em maior número de resultados positivos e títulos ligeiramente mais altos quando comparados com a RIFI, e como aponta DUBEY et al. (1985) este resultado deve estar relacionado com diferentes subtipos de IgG detectados em cada teste sorológico. Com isto pode-se sugerir a utilização do MAD para triagem e titulação de anticorpos anti-T.gondii em soros de animais, uma vez que pôde ser aplicada às diferentes espécies animais, com resultados semelhantes aos obtidos na reação de imunofluorescência indireta, prescindindo de reagentes espécie-específicos e equipamentos sofisticados.

• 1
  Conjugado anti-IgG ovina, produzido no Centro de Controle de Zoonoses da Prefeitura Municipal de São Paulo, diluição 1:100; conjugado anti-IgG caprina, produzido no Laboratório de Diagnóstico de Zoonoses/FMVZ/UNESP/Botucatu, diluição 1:100; conjugado anti-IgG canina, produzido no Centro de Controle de Zoonoses, PMSP/SP, diluição 1:75; conjugado anti-IgG felina, Sigma Chemical Co, código F-4262, lote 086H4869.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Mario E. Camargo, do Laboratório Fleury, e Dra. Zila Rosa Belem, da Biolab-Mérieux S/A, pelo fornecimento das células de sarcoma TG180. André Antonio Cutolo contou com Bolsa de Iniciação Científica da Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado de São Paulo, Processo FAPESP 98/12472-2.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  20 Set 2024
• Data do Fascículo
  Jan-Mar 2002

Histórico

• Recebido
  25 Maio 2001
• Aceito
  21 Ago 2001