ESTRATÉGIA DE INFECÇÃO DE PROTOZOOPHAGA OBESA (DIESING, 1851) TRAVASSOS, 1923 (OXYUROIDEA, OXYURIDAE)¹

STRATEGY OF INFECTION OF PROTOZOOPHAGA OBESA (DIESING, 1851) TRAVASSOS, 1923 (OXYUROIDEA, OXYURIDAE)

RESUMO

O oxiurídeo Protozoophaga obesa apresentou altas prevalência e intensidade de infecção em 27 sistemas digestivos dissecados de capivaras, Hydrochaeris hydrochaeris, criadas em regime semiintensivo, em Santo Antônio da Patrulha, RS. Este helminto foi encontrado em 94,44% dos animais examinados, com intensidade média de 709 espécimes. No solo de alguns piquetes onde vivem as capivaras, na fazenda Rincão da Palmeira, foram encontrados cordões de fêmeas de P. obesa com milhares de ovos aglutinados. O significado destes cordões é discutido no presente trabalho. Estas informações ajudam a compreender o sucesso deste helminto em infectar o hospedeiro, mesmo quando este vem sendo tratado com anti-helmíntico.

PALAVRAS-CHAVE:
Protozoophaga obesa; Hydrochaeris hydrochaeris, capivara; ovos; estratégia de infecção.

ABSTRACT

The oxyurid Protozoophaga obesa presented high prevalence and intensity of infection in 27 dissections of digestive tracts of capybaras, Hydrochaeris hydrochaeris, raised in semi-intensive regime in Santo Antônio da Patrulha, RS, Brazil. This helmint was found in 94.44% of animals examined with mean intensity of infection of 709 especimens. On the floor of some pickets where the capybaras were maintained, on the Rincão da Palmeira farm, were found strings of P. Obesa females with thousands of agglutinated eggs. The meaning of those "strings" are discussed in the present work. This information helps to understand the success of this helmint in infecting the host even when there latter has been treated with anti-helminthic.

KEY WORDS:
Protozoophaga obesa; Hydrochaeris hydrochaeris, capibara; eggs; strategy of infection.

INTRODUÇÃO

Alguns trabalhos sobre a helmintofauna de capivaras, Hydrochaeris hydrochaeris Linnaeus, 1766, mostram a ocorrência de uma espécie de nematódeo oxiurídeo, Protozoophaga obesa (Diesing, 1951) Travassos, 1923 (TARBES, 1980; HOFFMANN et al., 1986) parasitando o ceco e cólon destes roedores e suas altas prevalência e intensidade média (COSTA & CATTO 1994).

As fêmeas Oxyuris equi Scrank, 1788, oxiurídeo parasito de intestino grosso de eqüinos, migram até o ânus do hospedeiro na época da ovipostura, soltam um fluído viscoso acinzentado contendo grande número de ovos que se aderem na região perianal. Estas fêmeas ficam fracas, saem inteiramente pelo ânus e morrem (ANDERSON, 1992).

Em uma propriedade rural do Município de Santo Antônio da Patrulha, RS, foram encontrados, em maio de 2001, sobre alguns bolos fecais de H. hydrochaeris, no solo, cordões de cor beje. Estes cordões, quando observados com o auxílio de estereomicroscópio, mostraram a presença de fêmeas adultas de P. obesa formando longos emaranhados com seus prolongamentos caudais, e uma grande quantidade de ovos aglutinados em forma de massas.

MATERIAL E MÉTODOS

Os cordões de P. obesa foram coletados diretamente dos bolos fecais, na fazenda Rincão da Palmeira, em Vila Palmeira, Santo Antônio da Patrulha, RS, (29º 51' 30" S e 50º 31'16" W) acondicionados em saco plástico e levados ao laboratório de Helmintologia do Departamento de Zoologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. No laboratório foram examinados, a fresco, com estereomicroscópio, fixados em AFA (etanol, formalina e ácido acético glacial) e conservados em etanol 70 ºGL.

Uma massa de ovos de uma fêmea foi clarificada em uma lâmina em lactofenol de Amann (HUMASON, 1971), estudada com o auxílio do microscópio e fotomicrografada.

Mediu-se os comprimentos do corpo e da cauda. Em um total de cinco fêmeas de Protozoophaga obesa, abriu-se e dilacerou-se o útero de cada uma delas em cima de uma lâmina com lactofenol de Amann (HUMASON, 1971) para realizar a contagem dos ovos. Os ovos foram contados sob uma lamínula de 24 x 24 mm, previamente marcada em quadrículas de 1 x 1 mm. O resultado obtido em uma quadrícula foi multiplicado por 576 (n º total de quadrículas) estimandose o total, aproximado, de ovos por fêmea .

RESULTADOS

Em 27 sistemas digestivos de Hydrochaeris hydrochaeris abatidas, nos meses de março a setembro de 2000, no frigorífico Líder, Viamão, RS, criadas em sistema semi-intensivo na fazenda Rincão da Palmeira, em Vila Palmeira, Santo Antônio da Patrulha, RS (29º 51' 30" latitude S e 50º 31' 16" longitude W) foi encontrado o oxiurídeo Protozoophaga obesa parasitando 94,44% dos intestinos grossos dissecados, com uma intensidade média de 709 helmintos e amplitude de variação entre 10 e 12.500 espécimes.

Fig. 1
Fotomicrografia de um cordão de Protozoophaga obesa dissociado em solução salina fisiológica 0,85 %. A - corpo da fêmea, B - prolongamento caudal e C -massas de ovos. Barra = 4 mm.

O estudo dos cordões encontrados sobre os bolos fecais de H. hydrochaeris, na fazenda Rincão da Palmeira, identificou que estes eram constituídos por fêmeas de P. obesa com seus longos prolongamentos caudais e massas de ovos presas externamente à vulva de cada fêmea (Figs. 1 e 2). Constatou-se que a massa era constituída de milhares de ovos de P. obesa (Figs. 3 e 4) envoltos em uma substância aglutinante.

Dentro do útero das fêmeas dilaceradas observouse que os ovos já estavam envoltos nesta substância aglutinante.

A aferição de comprimento feita em cinco espécimes de Protozoophaga obesa apresentou as seguintes médias, em milímetros: comprimento do corpo = 1,08 mm, comprimento de cauda = 1,1 mm e comprimento total = 2,18 mm, e a média do número de ovos foi 79.984.

DISCUSSÃO

TRAVASSOS (1923 e 1937) citou, sobre Protozoophaga obesa, que as fêmeas grávidas não faziam postura pois a vagina ficava obturada pelo cimento copulador do macho e elas eram eliminadas, com as fezes do hospedeiro, mortas e cheias de gás na sua cavidade o que as fazia flutuar na água facilitando a sua disseminação.

Complementando essas informações, ao examinar-se o material, notou-se que o "cimento" referido por TRAVASSOS (1923 e 1937) era na verdade a massa de ovos aglutinados que foram ovijetados envoltos por uma substância aglutinante, e que permaneceram presos externamente à vulva da fêmea, dando o aspecto de, conforme o autor, ... "obturada pelo cimento copulador". Além disso, também foram se aglutinando às massas de ovos de outras fêmeas.

Fig. 2
Fotomicrografia de fêmea de Protozoophaga obesa em solução salina fisiológica 0,85 %. A - corpo, B - prolongamento caudal e C - massa de ovos presa à vulva. Barra = 3 mm.

Fig. 3
Fotomicrografia de massa de ovos de Protozoophaga obesa clarificada em lactofenol de Amann. Barra = 0,5 µm.

A grande quantidade de ovos contados por fêmea e a forma como se aglutinam externamente às massas de ovos de outras fêmeas, indicam uma viabilidade maior no sucesso da infecção porque serão ingeridos, pelo hospedeiro, sempre em grande número. Além da casca, os ovos possuem esta substância aglutinante que os envolve, garantindo mais resistência aos fatores climáticos. Aliados a estas condições, tem-se o comportamento das capivaras de captar o alimento rente ao solo, somado ao hábito coprofágico (ALHO, 1986).

Estas informações, unidas com as de TRAVASSOS (1923, 1937) confirmam porque este helminto mantém altos índices de prevalência e intensidade média, mesmo em animais criados em semiconfinamento e, inclusive, medicados contra verminoses.

Fig. 4
Fotomicrografia de ovo de Protozoophaga obesa clarificado em lactofenol de Amann. Barra = 0,2 µm.

AGRADECIMENTOS

Ao Professor José F. Amato, pelo material fotográfico.

• 1
  Este artigo faz parte da dissertação de mestrado do primeiro autor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

• ALHO, C.J.R. Criação e manejo de capivaras em pequenas propriedades rurais Brasília: EMBRAPA - DDT, 1986. 48p.
• ANDERSON, R.C. Nematode parasites of vertebrates: their development and transmission . Farnham: CAB International, 1992. p.214-215.
• COSTA, A.F.C. & CATTO, J.B. Helmintos parasitos de capivaras (Hydrochaeris hydrochaeris) na sub-região da Nhecolândia, Pantanal Sul-Mato-Grossense. Rev. Bras. Biol, v.54, n.1, p.39-48, 1994.
• HOFFMANN, R.P.; FORTES, E.; GUTIERRES, V.C.; EBERHARD A.S. Ocorrência de helmintos em capivaras (Hydrochaeris hydrochaeris). Rev. Fac. Vet. Univ. Fed. Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n.14, p.71-75, 1986.
• HUMASON, G.L. Animal tissue techniques San Francisco: W.H. Freeman and Company, 1971. 641p.
• TARBES, H.M. Sobre uma coleccion de helmintos del chiguire (Hydrochoerus hydrochaeris) de Venezuela. Rev. Fac. Ciênc. Vet. U.C.V, v.28, p.19-47, 1979-1980.
• TRAVASSOS, L. Contribuição ao conhecimento da phylogenia dos Oxyuroidea (Nematoda). Mem. Inst. Oswaldo Cruz, n.32, p.607-613, 1937.
• TRAVASSOS, L. Informações sobre a fauna helmintológica de Mato Grosso. Oxyuroidea Oxyuridae. Folha Médica, v.4, n.5, p.35-37, 1923.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Jul 2024
• Data do Fascículo
  Apr-Jun 2003

Histórico

• Recebido
  18 Dez 2002
• Aceito
  16 Maio 2003