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ADSORÇÃO DE IONS FERRO E FLOCULAÇÃO DE CÉLULAS DE SACCHAROMYCES CEREVISIAE DURANTE O PROCESSO ELETROLÍTICO

ADSORPTION OF IRON IONS BY SACCHAROMYCES CEREVISIAE FLOCCULATED BY ELECTROLYTIC PROCESS

RESUMO

A floculação que ocorre em células de Saccharomyces cerevisiae através de adsorção de íons divalentes foi estudada utilizando o processo eletrolítico com eletrodos de ferro fundido. Os íons ferro liberados foram analisados em soluções com ausência e presença de S. cerevisiae em diferentes tempos de eletrólise. Observou-se que a concentração de íons ferro liberados em solução após eletrólises era em média 10 vezes maior nas suspensões de S. cerevisiae do que em soluções salinas isentas de leveduras.

PALAVRAS-CHAVE:
Eletrodo de ferro; floculação; processo eletrolítico; Saccharomyces cerevisiae.

ABSTRACT

Flocculation of Saccharomyces cerevisiae can be induced by an electrolytic process using cast-iron electrodes. The amount of iron ions liberated in different times of electrolyses was analyzed in the absence and in the presence of the yeast. It was observed that the amount of iron ions liberated in solution was 10 times bigger in the suspensions of yeast than in saline solutions without S. cerevisiae.

KEY WORDS:
Electrolytic treatment; cast-iron electrodes; flocculation; Saccharomyces cerevisiae.

INTRODUÇÃO

A purificação da água lançada nos cursos d’água é feita pela própria natureza, através da dispersão, diluição e degradação microbiológica dos resíduos. Porém, em decorrência das atividades humanas houve mudanças nos tipos de resíduos gerados, bem como em suas quantidades. Assim, a despoluição das águas, no ritmo em que estas estão sendo utilizadas, não pode ser realizada apenas pela natureza. Muitos compostos modernos como os organoclorados, os organofosfatados, os compostos azóicos, os polímeros e muitos outros não são degradados facilmente, de modo que, estes persistem no meio ambiente. Assim, é necessário desenvolver e aplicar métodos de tratamento de resíduos. Estes podem ser biológicos, físicoquímicos ou mistos. Neste trabalho utilizaremos o processo eletrolítico em meio contendo Saccharomyces cerevisiae, que é uma levedura utilizada em processos fermentativos da indústria sucro-alcooleira e de panificação. A levedura S. cerevisiae possui grande capacidade adsortiva de substâncias orgânicas segundo CORSO et al. (1996)CORSO, C.R.; BIDOIA, E.D.; EPIPHANIO, R.; CASTELLEN, M.S.; DOMINGOS, R.N. Remoção do corante azóico Direct Violet 51 (C.I 27.905) por células de Saccharomyces cerevisiae eletrolisadas. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE QUÍMICA, 19., Poços de Caldas: 1996. v.19, p.AB50., de forma que a indução da floculação das leveduras pela aplicação de eletrólise permitiria a formação de massa celular agregada, o que facilitaria a remoção de poluentes de águas residuárias em estações de tratamento. Assim, um tratamento misto ¾ físico-químico acrescido do biológico, poderia ser desenvolvido.

O processo eletrolítico utilizando eletrodos de ferro produz a inviabilização de microrganismos (ANGELIS et al., 1998ANGELIS, D.F.; CORSO, C.R.; MORAES, P.B.; DOMINGOS, R.N.; ROCHA FILHO R.C.; BIDOIA, E.D. Eletrólise de resíduos poluidores. 1 - Efluente de uma indústria liofilizadora de condimentos. Química Nova, São Paulo, v.21, p.20, 1998.) e também a floculação da S. cerevisiae (BRATFICH et al., 1999BRATFICH, O.J.; ANGELIS, D.F.; DOMINGOS, R.N.; BIDOIA, E.D. Electrolysis of cell suspensions of Bacillus subtillis (ATCC-9372) and of Saccharomyces cerevisiae (Fleischmann Royal®) using cast-iron electrodes. Braz. J. Ecol., Rio Claro, v.3, n. 2, p.1-4, 1999.), o qual poderia ser utilizado, na forma floculada, para a remoção de corantes do grupo azóico, que são largamente empregados em processos industriais (EPIPHANIO et al., 1999EPIPHANIO, R.; CORSO, C.R.; BIDOIA, E.D. Biosorção de azocorantes por células eletrolisadas de Saccharomyces cerevisiae. In: REUNIÃO ANUAL DO INSTITUTO BIOLÓGICO, 12., 1999, São Paulo. Resumos. Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.66, p.82, 1999. Suplemento.). Segundo COLLIER et al. (1993)COLLIER, S.W.; STORM, J.E.; BRONAUGH, R.L. Reduction of azo dyes during in vitro percutaneous absorption. Toxicol. Appl. Pharmacol., v.118, p.73, 1993., cerca de 65% dos compostos que fornecem cor aos produtos industrializados ou transformados são do tipo azóico.

O objetivo deste trabalho é promover a floculação e a sedimentação da S. cerevisiae durante o processo eletrolítico e estudar as reações eletródicas que promoveram tais mudanças no microrganismo, em termos de concentração de íons ferro liberados nas soluções e aqueles adsorvidos nas suspensões de leveduras eletrolisadas.

MATERIAL E MÉTODOS

Preparo da biomassa

As suspensões de S. cerevisiae foram feitas utilizando fermento comercial da Fleischmann Royal® lavado em água destilada e centrifugado 4 vezes a 5.000 rpm por 10 minutos em solução de Na2SO4 0,05 M (P. A. Merck), obtendo-se após esse procedimento uma concentração de biomassa em torno de 6,6 ± 0,2 mg/mL, expressa em termos de peso seco.

Soluções de Na2SO4 0,05 M, sem a levedura, também foram utilizadas para excluir outros efeitos das eletrólises além dos que ocorreram com a S. cerevisiae. Essas soluções, isentas de leveduras, foram chamadas de controle.

Eletrólise

As soluções controle e as suspensões (distribuídas em amostras com 40 mL) foram eletrolisadas nos tempos de 25, 50, 75, 100 e 125 s a 0,10 A de intensidade de corrente elétrica contínua utilizando uma fonte da Dawer modelo FCC-3005D. As eletrólises foram feitas com eletrodos constituídos de um par de placas de ferro (99,95% - m/m) com área de 14 cm2 e 0,025 cm de espessura para cada placa .

Análises das concentrações de ferro

Após cada tempo de eletrólise as suspensões foram centrifugadas e diluídas em água destilada para, posterior, análise da concentração de ferro através das análises espectrofotométricas.

Para análise quantitativa da concentração de ferro foram utilizados dois métodos: o colorimétrico utilizando a fenantrolina/hidroxilamina e a espectrofotometria de absorção atômica. O método colorimétrico utilizando a fenantrolina/hidroxilamina permite determinar em separado as concentrações de Fe2+ e Fe3+, sendo que o método da espectrofotometria de absorção atômica determina somente a concentração de ferro total.

1) Análise colorimétrica

As concentrações de ferro foram obtidas a partir de reta de calibração confeccionada com sete soluções padrão conhecidas: 0; 0,20; 0,50; 1,00; 2,00; 2,50 e 3,00 µg L-1. Estas concentrações foram preparadas com 110 fenantrolina, tampão ácido acético-acetato, hidroxilamina e água destilada segundo VOGEL (1986)VOGEL, A. Análise inorgânica quantitativa. 4 ed. Trad. de Aida Espínola. Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1986. p.552. e SKOOG et al. (1996)SKOOG, D.A.; WEST, D.M.; HOLLER, F.J. Fundamentals of analytical chemistry. 7. ed. Philadelphia: Saunders College Publishing, 1996.. As leituras no espectrofotômetro da Micronal modelo B 382 foram realizadas a 515 nm para Fe ++ e Fe.

Os sobrenadantes das suspensões, oriundos das centrifugações, e as soluções controle foram analisados de acordo com o procedimento acima.

2) Espectrofotometria de absorção atômica

As análises quantitativas de ferro pelo método da espectrofotometria de absorção atômica foram realizadas em um espectrofotômetro da Shimadzu modelo AA-6800. Uma curva de calibração foi preparada a partir de soluções padrão de ferro, no intervalo de concentração de 0 a 2,5 µg L-1 (0; 0,5; 1,0; 1,5; 2,0 e 2,5 mg L-1), em meio nítrico.

Os sobrenadantes das suspensões, oriundos das centrifugações, e das soluções controle foram analisados após adição de HNO3 concentrado (0,1 mL para cada 100 mL de solução ou suspensão) no espectrofotômetro de absorção atômica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados das análises colorimétricas de íons de ferro liberados em soluções controle de sulfato de sódio 0,050 M e em suspensões de leveduras eletrolisadas podem ser observadas na Figura 1.

Na Figura 2 pode ser observado o resultado das análises espectrofotométrico de ferro total em soluções controle de sulfato de sódio 0,050 M e em suspensões de leveduras eletrolisadas. Nas suspensões, a concentração de ferro no sobrenadante é maior que na solução controle (Fig. 1). Assim, pode-se concluir que íons de ferro são adsorvidos pela parede da levedura e liberados durante a centrifugação. Para as soluções controle os íons de ferro liberados são os de Fe3+ que hidrolisam produzindo o hidróxido de ferro (III), que é pouco solúvel de acordo com o valor do seu Kps, que é de 6,0 x 10-38. Assim, a concentração de íons ferro livres na solução é muito baixa.

As reações propostas por ANGELIS et al. 1998ANGELIS, D.F.; CORSO, C.R.; MORAES, P.B.; DOMINGOS, R.N.; ROCHA FILHO R.C.; BIDOIA, E.D. Eletrólise de resíduos poluidores. 1 - Efluente de uma indústria liofilizadora de condimentos. Química Nova, São Paulo, v.21, p.20, 1998., no anodo durante as eletrólises, são dadas abaixo:

(1) F e ( s ) F e + + ( a q ) + 2 e -
(2) F e ( s ) F e + + + aq) + 3 e -
(3) 2 H 2 O 4 H + + 1 O 2 + 4 e -
(4) Matéria orgânica mat. orgânica oxidada + ne- (na suspensão)

Como o rendimento da eletrólise em função da presença conjunta de Fe++ e Fe+++ na solução foi muito baixo deve existir uma competição pela corrente na reação de oxidação da água. Outras reações ocorrendo no cátodo são dadas abaixo:

Fig. 1
Variação da concentração de ferro em função do tempo de eletrólise, utilizando determinação colorimétrica. Intensidade de corrente igual a 0,1 A.

(5) 2 H + + 2 e - H 2
(6) 4 H 2 O + 4 e - 4 O H - + 2 H 2

Ao se observar as Figuras 1 e 2, nota-se que as concentrações de íons ferro nos sobrenadantes das suspensões de S. cerevisiae aumentam à medida que o tempo de eletrólise aumenta. Este crescimento da concentração é observado até os 100 segundos de eletrólise quando se atinge um patamar, ou seja não há mais aumento da concentração de íons ferro liberados nas suspensões. Pode-se observar também que, os aumentos das concentrações de ferro, a partir dos 50s, são proporcionalmente menores. Este último resultado pode ser explicado considerando um tempo inicial para a floculação da S. cerevisiae, que nas suspensões foi por volta dos 100 segundos, aproximadamente.

Pode-se postular que as células de S. cerevisae começam a biosorver os íons de ferro e, conseqüentemente, as células da levedura se agregam em flocos. Sob ação do campo elétrico próximo aos eletrodos a biosorção dos íons ferro seria provocada pela uma maior exposição de sítios para o íon ferro divalente nas paredes da S. cerevisiae à medida que se aumenta o tempo de eletrólise. Outro mecanismo através do qual haveria um aumento da biosorção de íons seria com a abertura de poros nas paredes das células com a concomitante exposição a superfícies de organelas sub-celulares.

Fig. 2
Variação da concentração de ferro em função do tempo de eletrólise utilizando determinação por espectrofotometria de absorção atômica. Intensidade de corrente igual a 0,1 A.

O íon ferro na sua forma divalente seria, portanto, o agente floculante. Assim, pode-se concluir que o Na2SO4, na concentração que foi utilizado, inibe parcialmente a floculação, ou seja, se a concentração de Na2SO4 for aumentada nas suspensões, maior será o tempo de eletrólise necessário para que as células de Saccharomyces cerevisiae desenvolvam uma floculação significativa, que possa ser macroscopicamente visível (EPIPHANIO, 1999). Dos trabalhos de KURYAMA et al. (1991)KURYAMA, H.; UMEDA, I.; KOBAYASHI, H. Role of cations in the flocculation of Saccharomyces cerevisiae and discrimination of the corresponding proteins. Can. J. Microbiol., v.37, p.397-403, 1991. e STRATFORD (1989)STRATFORD, M. Evidence for two mechanisms of flocculation in Saccharomyces cerevisiae. Yeast: Chichester, 1989. v.5, p.441-445., o Na+ também foi identificado como o agente bloqueador da floculação fisiológica causada pelos íons Ca++. De forma semelhante, os íons de Na+ bloqueariam, então, a ligação dos íons de ferro às paredes das células da S. cerevisiae.

Ao se fazer uma análise das concentrações de íons de ferro presentes em solução de controle (Fig. 1) e nas suspensões de S. cerevisiae (Fig. 2) pode-se observar concentrações de 6 a 10 vezes maiores do que as provenientes da suspensão de S. cerevisiae. Isto mostra que a presença da levedura acelera a corrosão dos eletrodos de ferro.

CONCLUSÕES

A eletrólise com eletrodos de ferro liberam íons de ferro que induzem floculação nas células da S. cerevisiae.

Nas suspensões de S. cerevisiae a concentração de íons ferro presente após eletrólise tornou-se cerca de 10 vezes mais concentrada que em soluções salinas eletrolisadas sem a presença de Saccharomyces cerevisiae.

Os resultados obtidos, no presente trabalho, foram semelhantes em ambos os métodos de análises utilizados, ou seja, o colorimétrico e da espectrofotometria de absorção atômica. Também, pode-se concluir que a presença de S. cerevisiae aumenta significativamente a corrosão de materiais ferrosos, tais como dornas de fermentação, reatores biológicos, etc.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a FAPESP, CNPq e CAPES.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ANGELIS, D.F.; CORSO, C.R.; MORAES, P.B.; DOMINGOS, R.N.; ROCHA FILHO R.C.; BIDOIA, E.D. Eletrólise de resíduos poluidores. 1 - Efluente de uma indústria liofilizadora de condimentos. Química Nova, São Paulo, v.21, p.20, 1998.
  • BRATFICH, O.J.; ANGELIS, D.F.; DOMINGOS, R.N.; BIDOIA, E.D. Electrolysis of cell suspensions of Bacillus subtillis (ATCC-9372) and of Saccharomyces cerevisiae (Fleischmann Royal®) using cast-iron electrodes. Braz. J. Ecol., Rio Claro, v.3, n. 2, p.1-4, 1999.
  • COLLIER, S.W.; STORM, J.E.; BRONAUGH, R.L. Reduction of azo dyes during in vitro percutaneous absorption. Toxicol. Appl. Pharmacol., v.118, p.73, 1993.
  • CORSO, C.R.; BIDOIA, E.D.; EPIPHANIO, R.; CASTELLEN, M.S.; DOMINGOS, R.N. Remoção do corante azóico Direct Violet 51 (C.I 27.905) por células de Saccharomyces cerevisiae eletrolisadas. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE QUÍMICA, 19., Poços de Caldas: 1996. v.19, p.AB50.
  • EPIPHANIO, R.; CORSO, C.R.; BIDOIA, E.D. Biosorção de azocorantes por células eletrolisadas de Saccharomyces cerevisiae In: REUNIÃO ANUAL DO INSTITUTO BIOLÓGICO, 12., 1999, São Paulo. Resumos. Arq. Inst. Biol, São Paulo, v.66, p.82, 1999. Suplemento.
  • EPIPHANIO, R. Estudo da floculação de células de Saccharomyces cerevisiae através da eletrólise e utilização destas como substrato biosortivo de corantes azóicos. 144p. Rio Claro: 2000. [Dissertação (Mestrado) - Instituto de Biociências UNESP].
  • KURYAMA, H.; UMEDA, I.; KOBAYASHI, H. Role of cations in the flocculation of Saccharomyces cerevisiae and discrimination of the corresponding proteins. Can. J. Microbiol., v.37, p.397-403, 1991.
  • SKOOG, D.A.; WEST, D.M.; HOLLER, F.J. Fundamentals of analytical chemistry 7. ed. Philadelphia: Saunders College Publishing, 1996.
  • STRATFORD, M. Evidence for two mechanisms of flocculation in Saccharomyces cerevisiae. Yeast: Chichester, 1989. v.5, p.441-445.
  • VOGEL, A. Análise inorgânica quantitativa 4 ed. Trad. de Aida Espínola. Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1986. p.552.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Jun 2001

Histórico

  • Recebido
    02 Ago 2000
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