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BIOLOGIA REPRODUTIVA DE COTESIA FLAVIPES (CAMERON) (HYMENOPTERA: BRACONIDAE). IV. DISCRIMINAÇÃO ENTRE LAGARTAS PARASITADAS E NÃO PARASITADAS DE DIATRAEA SACCHARALIS FABRICIUS (LEPIDOPTERA: PYRALIDAE), TEMPO DE DESENVOLVIMENTO E RAZÃO SEXUAL DOS PARASITÓIDES1 1 Parte da tese apresentada pela primeira autora como um dos requisitos ao grau de Doutor em Zoologia/ UNESP, Rio Claro, SP

REPRODUCTIVE BIOLOGY OF COTESIA FLAVIPES (CAMERON) (HYMENOPTERA: BRACONIDAE). IV. DISCRIMINATION BETWEEN PARASITIZED AND UNPARASITIZED LARVAE OF DIATRAEA SACCHARALIS FABRICIUS (LEPIDOPTERA: PYRALIDAE), DEVELOPMENTAL TIME AND SEX RATIO OF THE PARASITOIDS

RESUMO

Lagartas de 5o ínstar de Diatraea saccharalis Fabricius não parasitadas, recém-parasitadas e parasitadas 24, 48 e 72 horas após o primeiro parasitismo por Cotesia flavipes (Cameron) foram oferecidas a fêmeas fecundadas deste endoparasitóide que não haviam ovipositado anteriormente, com o objetivo de avaliar se estas discriminam entre lagartas parasitadas e não parasitadas. À primeira vista, as fêmeas de C. flavipes discriminam hospedeiros parasitados até 24 horas após o parasitismo. No entanto, a análise da razão sexual da prole originada de lagartas superparasitadas indicou que as fêmeas depositaram mais ovos que deram origem a machos, o que sugere a habilidade desta espécie em identificar hospedeiros anteriormente parasitados por fêmeas intraespecíficas, até mesmo alguns dias após o primeiro parasitismo. Não houve diferença significativa no número médio de ovos/hospedeiro, considerando as lagartas parasitadas somente uma vez e lagartas superparasitadas. Os tempos de desenvolvimento dos parasitóides que emergiram de lagartas desses dois grupos experimentais também não diferiram entre si. A viabilidade dos parasitóides que se desenvolveram em lagartas superparasitadas foi menor do que a registrada para os parasitóides que emergiram de hospedeiros parasitados apenas uma vez.

PALAVRAS-CHAVE:
Insecta; superparasitismo; razão sexual; controle biológico; broca da cana-de-açúcar.

ABSTRACT

We evaluated whether Cotesia flavipes (Cameron) females are able to discriminate between parasitized and unparasitized fifth instar larvae of Diatraea saccharalis Fabricius. Three types of larvae were offered to the female endoparasitoid: unparasitized, recently parasitized and parasitized 24, 48 and 72 hours before exposure. At first, females of C. flavipes could recognize parasitized larvae only until 24 hours after previous parasitism. However, the sex ratio analysis indicated that the females laid more eggs than produced males in superparasitized hosts, suggesting that they can also distinguish parasitized larvae few days after the first parasitism. There was no significant difference on the mean number of eggs per host, considering the larvae parasitized only once and larvae superparasitized. The developmental periods of the parasitoids which emerged from the hosts of those two experimental groups did not differ. The viability of the parasitoids which developed in superparasitized hosts was lower than that recorded for the parasitoids which emerged from hosts parasitized only once.

KEY WORDS:
Insecta; superparasitism; sex ratio; biological control; sugarcane borer.

INTRODUÇÃO

Uma peculiaridade dos insetos parasitóides é o superparasitismo, ou seja, a deposição de um ou mais ovos em um hospedeiro que já tenha sido parasitado por um membro da mesma espécie (VAN DIJKEN & WAAGE, 1987). Uma fêmea só pode evitar o superparasitismo quando reconhece que um hospedeiro tenha sido anteriormente parasitado. Esta habilidade de reconhecimento chama-se discriminação (GODFRAY, 1994GODFRAY, H.C.J. Parasitoids behavioral and evolutionary ecology. New Jersey: Princeton Univ. Press, 1994. 473p.).

Durante muitos anos, pensou-se que o superparasitismo era um erro cometido pelo parasitóide. No início da década de 1980, entretanto, alguns estudiosos reconheceram que o superparasitismo pode ser uma estratégia adaptativa, no sentido de que uma fêmea, ao ovipositar em um hospedeiro anteriormente parasitado, alcançaria uma expectativa reprodutiva mais elevada do que se decidisse rejeitá-lo (MANGEL, 1992MANGEL, M. Descriptions of superparasitism by optimal foraging theory, evolutionary stable strategies and quantitative genetics. Evol. Ecol., v. 6, p.152-169, 1992.). Neste caso os parasitóides são mais propensos a parasitar hospedeiros recém-parasitados onde suas larvas têm maior probabilidade de sobreviver (VAN LENTEREN, 1981VAN LENTEREN, J.C. Host discrimination by parasitoids. In: NORDLUND, D.A.; JONES, R.L.; LEWIS, W.J. (Eds.) Semiochemicals, their role in pest control. New York: John Wiley, 1981. p.153-180.; STRAND, 1986STRAND, M.R. The physiological interactions of parasitoids with their hosts and their influence on reproductive strategies. In: WAAGE, J.K. & GREATHEAD, D. (Eds.). Insect parasitoids. London: Academic Press, 1986. p.97-136.; MACKAUER, 1990MACKAUER, M. Host discrimination and larval competition in solitary endoparasitoids. In: MACKAUER, M.; EHLER, L.E.; ROLAND, J. (Eds.) Critical issues in biological control, Andover: Intercept, 1990. p.41-62.). Além disso, os parasitóides secundários utilizam o orifício feito pela parasitóide primário, dessa forma, economizam tempo durante o parasitismo (TAKASU & HIROSE, 1991TAKASU, K. & HIROSE, Y. The parasitoid Ooenyrtus nezarae (Hymenoptera: Encyrtidae) prefers hosts parasitized by conspecifics over unparasitized hosts. Oecologia, v. 87, p.319-323, 1991.).

Alguns himenópteros parasitóides demonstram o poder de discriminação ajustando o tamanho de sua prole em função da situação do hospedeiro, isto é, se ele está parasitado ou não (SUZUKI & IWASA, 1980SUZUKI, Y. & IWASA, Y. A sex ratio theory of gregarious parasitoids. Res. Popul. Ecol., Kyoto, v.22, p.366-382, 1980.; IKAWA & SUZUKI, 1982IKAWA, T. & SUZUKI, Y. Ovipositional experience of the gregarious parasitoids, Apanteles glomeratus (Hymenoptera: Braconidae), influencing her discrimination of the host larvae, Pieris rapae crucivora. Appl. Entomol. Zool., v.17, p.119-126, 1982.; SKINNER, 1985SKINNER, S.W. Clutch size as an optimal foraging problem for insects. Behav. Ecol. Sociobiol., v.17, p.231-238, 1985.; HOOKER & BARROWS, 1992HOOKER, M.E. & BARROWS, E.M. Clutch size reduction and host discrimination in the superparasitizing gregarious endoparasitic wasp Pediobius foreobitus (Hymenoptera: Eulophidae). Ann. Entomol. Soc. Am., v.85, p.204-213, 1992.). Geralmente, o parasitóide deposita menos ovos em hospedeiros anteriormente parasitados e a discriminação é realizada através da detecção de substâncias de marcação deixadas pelo primeiro parasitóide, tais como odores ou traços químicos liberados na superfície do hospedeiro, ou então por mudanças físicas deste, tais como, dessecação ou imobilidade (FISHER & GANESALINGAM, 1970FISHER, R.C. & GANESALINGAM, V.K. Changes in the composition of host haemolymph after attack by an insect parasitoid. Nature, Lond, v.227, p.191192, 1970.; RABB & BRADLEY, 1970RABB, R.L. & BRADLEY, J.R. Marking host eggs by Telenomus sphingis. Ann. Entomol. Soc. Am., v. 63, p.1053-1056, 1970.; BAKKER et al, 1972BAKKER, K.; EIJSACKERS, H.J.P.; LENTEREN, J.C.; MEELIS, E. Some models describing the distribution of eggs of the parasite Pseudocoilla bochei (Hym.: Cunipidae) over its host, larvae of Drosophila melanogaster. Oecologia, v.10, p.29-57, 1972.; VAN LENTEREN, 1976VAN LENTEREN, J.C. The development of host discrimination and the prevention of superparasitism in the parasite Pseudocoila bochei (Hymenoptera: Cynipidae). Neth. J. Zool., v.26, p.1-83, 1976.; KLOMP et al., 1980KLOMP, H.; TEERINK, B.J.; WEI, C.M. Discrimination between parasitized and unparasitized hosts in the egg parasite Trichogramma embryophagum (Hym.: Trichogrammatidae): A matter of learning and forgetting. Neth. J. Zool., v.30, p.254-277, 1980.; VAN DIJKEN & WAAGE, 1987VAN DIJKEN, M.J. & WAAGE, J.K. Self and conspecific superparasitism by the egg parasitoid Trichogramma evanescens. Entomol. Exp. Appl. v. 43, p. 183-92, 1987.; HUBBARD et al., 1987HUBBARD, S.F.; MARRIS, G.; REYNOLDS, A.; ROWE, G.W. Adaptive patterns of the avoidance of superparasitism by solitary parasitic wasps. J. Anim. Ecol., v.56, p.387-401, 1987.).

Existem controvérsias quanto ao status de C. flavipes como espécie poliembriônica. GRASSÉ (1951)GRASSÉ, P.P. Traité de zoologie. anatomie, systématique, biologie. v 10, fase 1: Insectes supérieus et hémiptéroïdes. Paris: Masson Editeur. 1951. 975p. cita que a poliembrionia ocorre em alguns gêneros de Braconidae, entretanto, MOUTIA (1953) observou que C. flavipes, após introduzir o ovipositor no hospedeiro, deposita de 60 a 65 ovos em sucessão. CAMPOSFARINHA (1996)CAMPOS-FARINHA, A.E. DE C. Biologia reprodutiva de Cotesia flavipes (Hymenoptera: Braconidae). Rio Claro: 1996. 97p. [Tese (Doutorado) - Instituto de Biociências UNESP]. também fez observações similares ao dissecar lagartas de D. saccharalis recém-parasitadas e nas setenta e duas horas após o parasitismo por esta espécie de microhimenóptero. Segundo RICHARDS & DAVIES (1977RICHARDS, O.W. & DAVIES, R.G. Imm’s general textbook of entomology. London: Chapman & Hall, v.1, 1977. 418p.), as espécies onde ocorre poliembrionia depositam poucos ovos que se dividem ou se ramificam formando uma cadeia de embriões, desta forma, C. flavipes não se caracteriza como poliembriônico.

Os objetivos deste trabalho foram avaliar se fêmeas de C. flavipes conseguem discriminar entre lagartas não parasitadas e lagartas anteriormente parasitadas por fêmeas intraespecíficas, registrar o tempo de desenvolvimento dos parasitóides e a razão sexual, ou seja, o número de fêmeas em relação ao total de parasitóides emergidos, tanto de lagartas parasitadas somente uma vez como de lagartas superparasitadas.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido em condições de laboratório à temperatura de 28 ± 1 oC, UR de 30 ± 10% e fotoperíodo de 12 horas. Quatrocentas lagartas de 5 o ínstar de D. saccharalis foram utilizadas, sendo que duzentas delas foram parasitadas por fêmeas de C. flavipes com 24 horas de vida e que estavam efetuando postura pela primeira vez. As 400 lagartas (parasitadas e não parasitadas) foram divididas em 4 lotes de 100 lagartas cada (50 parasitadas e 50 não parasitadas). Um lote continha lagartas recémparasitadas (zero hora), um segundo lagartas parasitadas há 24 horas, um terceiro lagartas parasitadas há 48 horas e um último lagartas parasitadas há 72 horas. Cada lagarta parasitada era previamente marcada com tinta guache amarela, não tóxica. Foram realizados vários testes de laboratório que revelaram que esse tipo de tinta não provoca nenhum dano à lagarta, nem interfere no comportamento de postura do endoparasitóide. As lagartas parasitadas e não parasitadas de cada lote foram oferecidas, aos pares, para uma fêmea fecundada de C. flavipes, com 24 horas de vida. Assim que a fêmea realizava postura, a lagarta escolhida para o parasitismo era individualmente depositada em placa de Petri plástica de 7 cm de diâmetro, com dieta artificial, sendo diariamente observada até a emergência dos parasitóides. Dessa forma, foi possível determinar se o parasitóide é capaz de discriminar uma lagarta não parasitada de uma parasitada e após quanto tempo o poder de discriminação persiste ante um parasitismo prévio.

Assim que os parasitóides emergiam das lagartas parasitadas e formavam a “massa de casulos” (cluster), esta era depositada em um frasco de vidro de 10 mL, provido com uma tampa plástica perfurada, vedada com organza, para a entrada de ar. Os parasitóides recém-emergidos eram sacrificados por congelamento e a identificação do sexo de cada parasitóide era realizada através do dimorfismo das antenas (WILKINSON, 1928WILKINSON, D.S. A revision of the Indo-Australian species of the genus Apanteles (Hym.: Braconidae). Part I. Bull. Entomol. Res., v.19, p.79-105, 1928.).

As lagartas que produziram parasitóides foram dissecadas 24 horas após a emergência destes, e foi registrado o número de larvas remanescentes na cavidade abdominal de cada lagarta hospedeira. Desta maneira, somando-se o número de indivíduos emergidos e o número de larvas que não emergiram, estimou-se o provável número de ovos depositados pela fêmea do parasitóide. Também foram estimadas a duração do desenvolvimento dos parasitóides e a razão sexual, ou seja, o número de fêmeas em relação ao total de parasitóides emergidos, tanto de lagartas parasitadas somente uma vez como de lagartas superparasitadas.

A análise comparativa dos dados referentes ao número de parasitóides obtidos, duração do período de desenvolvimento e razão sexual dos indivíduos emergidos de lagartas superparasitadas e de lagartas parasitadas somente uma vez forneceu informações sobre a influência do superparasitismo nos parasitóides produzidos.

Os dados obtidos nos experimentos de discriminação de lagartas hospedeiras recém-parasitadas e parasitadas 24, 48 e 72 horas após o primeiro parasitismo foram submetidos a um teste de diferença de proporções (SPIEGEL, 1975SPIEGEL, M.R. Estatística. São Paulo: McGraw Hill, 1975. 580p.). Na comparação dos valores referentes ao número de parasitóides obtidos de lagartas superparasitadas e lagartas parasitadas uma única vez utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis. Os dados de razão sexual dos parasitóides foram comparados pelo teste de qui-quadrado. O Teste-G foi utilizado para verificar se houve variação no número de larvas remanescentes do parasitóide na cavidade abdominal de lagartas hospedeiras superparasitadas e parasitadas somente uma vez (SOKAL & ROHLF, 1973SOKAL, R.S. & ROHLF, F.J. Introduction to bioestatistics. San Francisco: W.H. Freeman, 1973. 368p.).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados obtidos no teste de diferença de proporções para o experimento de discriminação indicaram que as fêmeas de C. flavipes escolheram mais lagartas não parasitadas do que as anteriormente parasitadas para fazer postura (Tabela 1). Este poder de discriminação existe para aquelas lagartas recémparasitadas e parasitadas há 24 horas. Lagartas parasitadas há 48 e 72 horas não foram discriminadas pelas fêmeas do parasitóide (Tabela 1).

Muitos parasitóides conseguem discriminar hospedeiros parasitados de não parasitados intraespecificamente (VAN LENTEREN, 1976VAN LENTEREN, J.C. The development of host discrimination and the prevention of superparasitism in the parasite Pseudocoila bochei (Hymenoptera: Cynipidae). Neth. J. Zool., v.26, p.1-83, 1976.) e essa discriminação pode se dar através de marcadores externos ou internos. WILBERT (1964)WILBERT, H. Das Ausleseverhalten von Aphelinus semiflavus Howard und die Abwehrreaktion seiner Wirte. Beitr. Entomol., v.14, p.159-222, 1964. observou que a fêmea de Aphelinus semiflavus Howard discrimina o hospedeiro, Myzus ascalonicus Doncaster, tanto externamente, tocando-o com as antenas e percebendo possíveis substâncias que saíram do hospedeiro quando este foi anteriormente parasitado, quanto internamente, através do contato do ovipositor com substâncias injetadas pelo parasitóide primário, substâncias produzidas pelo ovo deste parasitóide, ou ainda por substâncias produzidas pelo hospedeiro através de suas reações à oviposição. GUILLOT & VINSON (1972)GUILLOT, F.S. & VINSON, S.B. Sources of substances which elicit a behavioural response from the insect parasitoid Campoletis perdistinctus. Nature, Lond, v.235, p.169170, 1972. verificaram que fêmeas de Campoletis perdistinctus Ashmead discriminam lagartas parasitadas de Heliothis virescens (Fabricius) tanto externamente, através de substâncias produzidas pela glândula de Dufour do primeiro parasitóide a parasitar, quanto internamente, através da percepção, pelo ovipositor, de substâncias deixadas pelo primeiro parasitóide, oriundas de seus ovidutos laterais. Outros autores também observaram esta percepção da fêmea, em outras espécies de parasitóides (FISHER & GANESALINGAM, 1970FISHER, R.C. & GANESALINGAM, V.K. Changes in the composition of host haemolymph after attack by an insect parasitoid. Nature, Lond, v.227, p.191192, 1970.; VAN LENTEREN, 1972VAN LENTEREN, J.C. Contact chemoreceptors on the ovipositor of Pseudocoila bochei Weld (Cynipidae). Neth. J. Zool., v.22, p.347-350, 1972.; ROGERS, 1972ROGERS, D.J. Random search and insect population models. J. Anim. Ecol., v.41, p.369-383, 1972.).

Tabela 1
Número de lagartas de D. saccharalis parasitadas por fêmeas de C. flavipes nos testes de discriminação.

O tempo de duração da marcação, também avaliado nestes trabalhos, variou de poucos minutos a alguns dias. A experiência prévia de oviposição exerce uma forte influência sobre a resposta do parasitóide ao marcador externo (VAN LENTEREN, 1976VAN LENTEREN, J.C. The development of host discrimination and the prevention of superparasitism in the parasite Pseudocoila bochei (Hymenoptera: Cynipidae). Neth. J. Zool., v.26, p.1-83, 1976.). No entanto, mesmo fêmeas que ovipositam com freqüência podem não detectar o marcador externo após um certo período de tempo. Por exemplo, os marcadores de Trichogramma embryophagum Hartig., T. pretiosum Riley e Telenomus heliothidis Ashmead. persistem por 12-18 horas (KLOMP et al., 1980KLOMP, H.; TEERINK, B.J.; WEI, C.M. Discrimination between parasitized and unparasitized hosts in the egg parasite Trichogramma embryophagum (Hym.: Trichogrammatidae): A matter of learning and forgetting. Neth. J. Zool., v.30, p.254-277, 1980.) e os de T. fariai Lima, por 3 dias (BOSQUE & RABINOVICH, 1979BOSQUE, C. & RABINOVICH, J.E. Population dynamics of Telenomus fariai (Hymenoptera: Scelionidae), a parasite of Chagas’ disease vectors. VII. Oviposition behavior and host discrimination. Can. Entomol. v.111, p.171-180, 1979.).

É provável que fêmeas C. flavipes utilizem algum marcador químico sobre ou dentro de seu hospedeiro. Ao fazerem um pequeno orifício no tegumento da lagarta para colocar os ovos, provocam a extrusão de hemolinfa, o que pode também ser um indicador de parasitismo para outras fêmeas. Os dados demonstraram que este marcador persiste até 24 horas. A partir destas observações, podem ser realizados estudos mais aprofundados, utilizando-se técnicas adequadas, a fim de se obter informações mais precisas sobre os possíveis componentes químicos que as fêmeas de C. flavipes usam para marcar as lagartas de D. saccharalis. Os fatores responsáveis pela marcação interna ainda são pouco conhecidos, apesar de muitos parasitóides serem capazes de discriminar, internamente, uma lagarta parasitada de uma não parasitada. A discriminação interna é duradoura, podendo persistir até o desenvolvimento embrionário e larval do parasitóide (KLOMP et al., 1980KLOMP, H.; TEERINK, B.J.; WEI, C.M. Discrimination between parasitized and unparasitized hosts in the egg parasite Trichogramma embryophagum (Hym.: Trichogrammatidae): A matter of learning and forgetting. Neth. J. Zool., v.30, p.254-277, 1980., STRAND et al., 1986STRAND, M.R.; MEOLA, S.M.; VINSON, S.B. Correlating pathological symptoms in Heliothis virescens eggs with development of the parasitoid Telenomus heliothidis. J. Insect Physiol., v.32, p.389-402, 1986.).

Tabela 2
Razão sexual em descendentes de C. flavipes emergidos de lagartas de D. saccharalis parasitadas nos experimentos de discriminação e tempo médio de desenvolvimento (em dias) dos endoparasitóides até a emergência.
Tabela 3
Números médios de ovos depositados por Cotesia flavipes em lagartas de Diatraea saccharalis e de larvas parasitóides remanescentes na cavidade abdominal do hospedeiro.

Os dados obtidos nesta pesquisa sugeriram, a princípio, que C. flavipes só seria capaz de discriminar hospedeiros anteriormente parasitados até 24 horas após o parasitismo. Contudo, a análise dos dados de razão sexual da prole originada do superparasitismo revelou que as fêmeas depositaram significativamente mais ovos que deram origem a machos, em lagartas previamente parasitadas com 48 e 72 horas de antecedência (Fig. 1 e Tabela 2), o que sugere um poder de discriminação por período mais prolongado. Na Figura 2 nota-se que o número de machos e fêmeas produzidos em lagartas parasitadas somente uma vez, é bastante semelhante.

Assim sendo, existe a hipótese de que a discriminação ocorra devido à marcação interna deixada pela primeira fêmea, ou pela percepção da segunda fêmea, ao introduzir o ovipositor e verificar a presença de ovos e/ou larvas produzidas pelo primeiro parasitóide a parasitar. Os dados aqui apresentados sugerem que as fêmeas de C. flavipes detectam hospedeiros que já contêm ovos ou larvas em desenvolvimento, pois houve um decréscimo no número médio de fêmeas. Vinte e duas fêmeas emergiram quando a lagarta oferecida havia sido recém-parasitada e 7,5 fêmeas emergiram das lagartas atacadas 72 horas após o primeiro parasitismo (Fig. 1). WYLIE (1965)WYLIE, H.G. Effects of superparasitism on Nasonia vitripennis (Walk.) (Hymenoptera: Pteromalidae). Can. Entomol., v.97, p.326-331, 1965. também observou um decréscimo significativo no número de fêmeas, em casos de superparasitismo de Nasonia vitripennis Walker. A razão sexual é uma valiosa ferramenta para demonstrar a hipótese da competição local de cópula (GODFRAY, 1994GODFRAY, H.C.J. Parasitoids behavioral and evolutionary ecology. New Jersey: Princeton Univ. Press, 1994. 473p.). WERREN (1980)WERREN, J.H. Sex ratio adaptations to local mate competition in a parasitic wasp. Science, v. 208, p.1157-1159, 1980. e SUZUKI & IWASA (1980)SUZUKI, Y. & IWASA, Y. A sex ratio theory of gregarious parasitoids. Res. Popul. Ecol., Kyoto, v.22, p.366-382, 1980. observaram, que o segundo parasitóide deposita menos ovos que o primeiro, com a razão sexual tendendo para maior número de machos. No presente experimento, ocorreu fato semelhante em relação à razão sexual. Isto sugere que, quando uma fêmea de C. flavipes encontra um hospedeiro que não é adequado para o desenvolvimento de toda a prole, há uma tendência para que ela produza machos. Estes, ao se tornarem adultos, iriam copular com várias fêmeas, por serem poligâmicos, aumentando, desta maneira, o número de descendentes da segunda geração da fêmea responsável pelo superparasitismo. Este comportamento se enquadraria muito bem à teoria de HAMILTON (1967)HAMILTON, W.D. Extraordinary sex ratios. Science, v. 156, p. 477-488. 1967. sobre a competição local de cópula.

O tempo de desenvolvimento dos parasitóides não variou quando as lagartas foram superparasitadas (H = 6,34, P < 0,05) (Tabela 2). Também não houve diferença significativa no que se refere ao número estimado de ovos depositados nas lagartas que foram parasitadas somente uma vez e nas lagartas superparasitadas (larvas que emergiram + larvas remanescentes na cavidade abdominal do hospedeiro) (H = 3,91, P < 0,05) (Tabela 3). Não foi possível determinar se os parasitóides que superparasitaram as lagartas hospedeiras depositaram mais ou menos ovos em relação às fêmeas que efetuaram as posturas iniciais, pois ainda não foi desenvolvida uma técnica que permita distinguir os ovos depositados pela primeira e segunda fêmeas.

Fig. 1
Número de machos e fêmeas de Cotesia flavipes obtidos de lagartas de Diatraea saccharalis superparasitadas de zero a 72 horas após o primeiro parasitismo.

Fig. 2
Número médio de machos e fêmeas de Cotesia flavipes obtidos de lagartas de de Diatraea saccharalis parasitadas somente uma vez.

Os dados referentes ao número de larvas encontradas na cavidade abdominal das lagartas hospedeiras estão na Tabela 3. É muito comum o fato de algumas larvas de C. flavipes não emergirem do hospedeiro ou fazê-lo mais tarde (CUEVA et al., 1980CUEVA, M.C.; AUQUIPA, G.A.; MESCUA, V.B. Estudios sobre Apanteles flavipes (Cameron), introducido para controlar Diatraea saccharalis (F.) en el Peru. Rev. Peru. Entomol. v.23, p.73-76, 1980.). Neste experimento muitos parasitóides imaturos não emergiram das lagartas superparasitadas, em comparação com o número de parasitóides imaturos remanescentes nas lagartas que foram parasitadas somente uma vez. O teste G confirmou estes resultados (G = 10,94, P > 0,05), indicando que a viabilidade dos insetos parasitóides é menor quando as lagartas são superparasitadas.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pela concessão da bolsa de doutorado à primeira autora. Ao Laboratório de Criação Massal da Usina São João de Araras pelo fornecimento de Cotesia flavipes e Diatraea saccharalis.

  • 1
    Parte da tese apresentada pela primeira autora como um dos requisitos ao grau de Doutor em Zoologia/ UNESP, Rio Claro, SP

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 2000

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 1999
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