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MORTE DE RUMINANTES DEVIDO A INFECÇÃO NA ORELHA CONSEQÜENTE À MIÍASE CAUSADA POR COCHLIOMYIA HOMINIVORAX (COQUEREL, 1858)

DEATH OF RUMINANTS BECAUSE OF EAR INFECTION CONSEQUENT TO SCREWWORM

RESUMO

São relatados dois casos de morte de ruminantes (um ovino e um bovino), ocorridos no verão de 1999, devido a infecção na orelha conseqüente à miíase por larvas de Cochliomyia hominivorax.

PALAVRAS-CHAVE:
Ovino; bovino; bicheira; prejuízos.

ABSTRACT

This paper reports the death of two ruminants (one sheep and one bovine) in the summer of 1999 due to an ear infection consequent to screwworm.

KEY WORDS:
Sheep; bovine; Cochliomyia hominivorax; damage.

A mosca da bicheira Cochliomyia hominivorax, inseto originário das Américas, causa ernormes prejuízos à pecuária dos países americanos. É um parasita que requer tecido vivo como alimento, e produz feridas em quase todos os animais domésticos, selvagens e até mesmo em seres humanos. Historicamente, a distribuição dessa mosca estende-se do sul dos Estados Unidos da América ao nordeste do Chile, Argentina e Uruguai. Na época do calor, essa mosca espalha-se ainda mais, adentrando em zonas temperadas. Hoje, graças ao controle feito nos Estados Unidos com machos estéreis, o limite ao norte fica na divisa entre o México e El Salvador, Honduras e Nicarágua. Vinte e quatro horas após a postura, que acontece na borda de uma ferida, os ovos eclodem e o primeiro estágio da larva penetra no tecido vivo para se alimentar. Nos 5-7 dias de parasitismo C. hominivorax escava o tecido, aumentando e aprofundando ainda mais a ferida; nessa atividade, produz um líquido seroso, muitas vezes sanguinolento, de cheiro pútrido característico, que atrai novas posturas de C. hominivorax, resultando em infestações múltiplas, que vão de centenas a milhares de larvas de todos os tamanhos (GUIMARÃES & PAPAVERO, 1999GUIMARÃES, J.H. & PAPAVERO, N. Myiasis in man and animals in the neotropical region; bibliographic database. São Paulo: Plêiade/ FAPESP, 1999. 308p.).

No Brasil, os bezerros estão sujeitos a miíases já nas primeiras horas de vida, por meio da atração e da postura de ovos de C. hominivorax nas bordas do cordão umbilical ainda não cicatrizado, bem como em suas mães no parto, em que, ocorrendo a retenção de anexos fetais, também são atraídas moscas da bicheira; intervenções relacionadas ao manejo, como: castrações e descornas, bem como ferimentos em cercas de arame farpado, feridas causadas nas infestações maciças por carrapatos, ou orifício deixado pela larva da Dermatobia hominis ao completar o seu desenvolvimento larvar também podem servir para a instalação de bicheiras. O tratamento é efetuado principalmente com inseticidas de uso tópico no local das feridas com larvas da mosca, e o não tratamento em tempo hábil pode determinar a morte tanto de animais jovens como de adultos. Os prejuízos associados a essa mosca no país são estimados em US$ 150 milhões de dólares anuais (GRISI et al., 2002GRISI , L.; MASSARD, C.L.; MOYA BORJA, G.E.; PEREIRA, J.B. Impacto econômico das principais ectoparasitoses em bovinos no Brasil. Hora Vet., v.21, n.125, p.8-10, 2002.).

MADEIRA et al. (1998)MADEIRA, N.G.; AMARANTE, A.F.T.; PADOVANI, C.R. Effect of management practices on screw-worm among sheep in São Paulo State, Brazil. Trop. Anim. Health Prod., v.30, p.149-157, 1998. constataram que bicheira causada por Cochliomyia hominivorax foi o ectoparasito mais freqüente encontrado em rebanhos ovinos no Estado de São Paulo, segundo um inquérito epidemiológico feito entre produtores associados da ASPACO, e que esse parasito é responsável por grandes prejuízos econômicos. A prevalência chega a 100% em rebanhos com mais de 500 animais, e a infestação é maior na primavera e no verão.

Na Colômbia, CORRIER et al. (1979)CORRIER, D.E.; VIZCAINO, O; TERRY, M.; BETANCOURT, A.; KUTTLER, K.L.; CARSON, C.A.; TREVINO, G.; RISTIC, M. Mortality weight loss and anaemia in Bos taurus calves exposed to Boophilus microplus ticks in the tropics of Colombia. Trop. Anim. Health Prod., v.11, p.215-221, 1979. verificaram que bezerros altamente infestados por Boophilus microplus tiveram miíase devido à invasão das feridas, provocadas pelos carrapatos, por larvas de mosca da bicheira.

No Brasil, ALVES-BRANCO et al. (1987)ALVES-BRANCO, F.P.J.; PINHEIRO, A.C.; MACEDO, J.B.R.R. Efeito da infestação pelo carrapato (Boophilus microplus) no desenvolvimento ponderal das raças Hereford e Ibagé. In: COLETÂNEA DAS PESQUISAS: MEDICINA VETERINÁRIA EPARASITOLOGIA. Bagé, RS, EMBRAPA/CNPO, 1987. p.229-237., em Bagé, RS, constataram, por dois anos consecutivos, que alta proporção (60% no primeiro ano, e 70% no segundo) de animais Hereford, altamente parasitados por B. microplus, pois não recebiam banhos carrapaticidas, apresentaram miíases. VERÍSSIMO & FRANCO (1994)VERÍSSIMO, C.J. & FRANCO, A.V.M. Relação entre infestação pelo carrapato Boophilus microplus e ocorrência de miíase em bovinos mestiços. Bol. Ind. Anim., v.51, n.1, p.3-5, 1994. também observaram relação entre infestação de carrapatos e ocorrência de miíase em bovinos. Na maioria das bicheiras, observou-se uma concentração de larvas e ninfas de B. microplus que estaria atraindo a mosca por meio do exsudato seroso, algumas vezes sangüinolento, advindo da reação inflamatória local que o carrapato inicia na sua fixação na pele do hospedeiro. Do total de miíases observadas, em cinco ocasiões em um rebanho com cerca de 700 cabeças, 29,31% estavam localizadas na região mediana ventral do períneo, 13,79%, na inserção dorsal da cauda ou no úbere, e 10,34%, na orelha ou no pescoço.

O número de miíases umbilicais, observadas por BIANCHIN et al. (1992)BIANCHIN, I.; CORREA, E.S.; HONER, M.R.; GOMES, A.; CURVO, J.E. Uso de ivermectin aplicado pela via subcutânea na prevenção das miíases umbilicais em bezerros de corte criados extensivamente. Rev. Bras. Parasitol. Vet., v.1, n.2, p.121-124, 1992., em Campo Grande, MS, em 108 bezerros, durante dois anos, foi de 44, correspondendo a uma incidência de 40,7%.

Uma das conclusões a que chegaram LELLO et al. (1982)LELLO, E.; PINHEIRO, F.A.; NOCE, O.F. Epidemiologia de miíases no município de Botucatu, SP, Brasil. Arq. Esc. Vet. Univ. Fed. Minas Gerais, v.34, n.1, p.93-108, 1982., em inquérito epidemiológico sobre berne e bicheira feito na região de Botucatu, SP, foi que, em relação aos prejuízos, o emagrecimento, queda da produção de leite e estrago do couro foram os mais citados pelos produtores. A morte do animal foi citada por 50% dos produtores com mais de 200 cabeças de gado.

Este trabalho tem por finalidade relatar a morte de dois animais (1 bovino e 1 ovino) com infecção no conduto auditivo, em conseqüência de miíase por larvas de Cochliomyia hominivorax, em propriedade situada em Nova Odessa, Estado de São Paulo, Brasil (22º42'S e 47º18'W, clima classificado como Cwa, pelo sistema Köppen, com verão chuvoso e inverno seco, temperatura média anual de 22,3º C, precipitação anual média de 1.300mm, e 570 m de altitude).

O ovino, uma fêmea jovem da raça Suffolk, com idade de 6 meses, apresentou miíase no ouvido esquerdo em 17/02/99, e foi tratada com matabicheiras à base de organofosforado (Matabicheiras Cooper Líquido® e Tanidil®). No dia seguinte, apresentou febre alta e convulsão, morrendo logo depois do aparecimento dos sintomas. À necropsia, o conduto auditivo achava-se bastante inflamado, com muito pus, e nele ainda foram encontradas duas larvas vivas (Fig. 1).

Fig. 1
Necropsia de borrega Suffolk que morreu devido à inflamação no ouvido em conseqüencia da miíase. Detalhe da orelha do animal, onde se pode visualizar duas larvas vivas de C. hominivorax no ouvido interno, uma delas dentro do conduto auditivo.

O bovino, um macho Holandês, também jovem (cerca de 6 meses de idade), foi encontrado morto no pasto em 8/3/99. À necropsia, o ouvido direito, do mesmo modo, achava-se inflamado, com pus no ouvido interno e, igualmente, nele foram encontradas larvas de Cochliomyia hominivorax mortas. Esse animal veio para a propriedade junto com o rebanho que lhe deu origem, no qual existiam vários animais com inflamação crônica de um ou dos dois ouvidos, devido a miíases anteriores (Fig. 2). Provavelmente, essas miíases estavam relacionadas à suscetibilidade desses animais às infestações por B. microplus, freqüentemente encontrados parasitando o pavilhão auricular de bovinos suscetíveis, e, desse modo, atraindo a mosca da bicheira, conforme observaram VERÍSSIMO & FRANCO (1994)VERÍSSIMO, C.J. & FRANCO, A.V.M. Relação entre infestação pelo carrapato Boophilus microplus e ocorrência de miíase em bovinos mestiços. Bol. Ind. Anim., v.51, n.1, p.3-5, 1994..

Ressalta-se que, nesse ano de 1999, foram tratados muitos animais (bovinos e ovinos) com bicheiras localizadas: no umbigo de bezerros e cordeiros recémnascidos, em feridas de castração em bovinos, na orelha de bovinos (relação com infestação por carrapatos) e na orelha de ovinos (relação com a colocação de brincos), e na ferida causada por caudectomia, tosquia e por tumor (carcinoma epidermóide de células escamosas) em ovinos.

Fig. 2
Detalhe da orelha de bovino Holandês em tratamento por causa de inflamação no ouvido em conseqüencia da miíase.

Registra-se, ainda, a suspeita de que a mosca Cochliomyia hominivorax esteja se tornando tolerante aos produtos à base de organofosforados utilizados em seu controle, já que esses produtos não mais impedem que elas venham a fazer nova postura no local tratado, como anteriormente se verificava. Suspeita-se que esses produtos já não têm o poder de repelir as moscas.

Pesquisas devem ser conduzidas para verificar a eficácia de produtos à base de organofosforados no controle das larvas e na repelência de moscas Cochliomyia hominivorax na região em estudo.

Recomenda-se que bicheiras localizadas na orelha, com possibilidade de atingir o ouvido interno, devem ser tratadas também com antibiótico sistêmico, a fim de evitar infecções que levem o animal à morte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ALVES-BRANCO, F.P.J.; PINHEIRO, A.C.; MACEDO, J.B.R.R. Efeito da infestação pelo carrapato (Boophilus microplus) no desenvolvimento ponderal das raças Hereford e Ibagé. In: COLETÂNEA DAS PESQUISAS: MEDICINA VETERINÁRIA EPARASITOLOGIA. Bagé, RS, EMBRAPA/CNPO, 1987. p.229-237.
  • BIANCHIN, I.; CORREA, E.S.; HONER, M.R.; GOMES, A.; CURVO, J.E. Uso de ivermectin aplicado pela via subcutânea na prevenção das miíases umbilicais em bezerros de corte criados extensivamente. Rev. Bras. Parasitol. Vet., v.1, n.2, p.121-124, 1992.
  • CORRIER, D.E.; VIZCAINO, O; TERRY, M.; BETANCOURT, A.; KUTTLER, K.L.; CARSON, C.A.; TREVINO, G.; RISTIC, M. Mortality weight loss and anaemia in Bos taurus calves exposed to Boophilus microplus ticks in the tropics of Colombia. Trop. Anim. Health Prod, v.11, p.215-221, 1979.
  • GRISI , L.; MASSARD, C.L.; MOYA BORJA, G.E.; PEREIRA, J.B. Impacto econômico das principais ectoparasitoses em bovinos no Brasil. Hora Vet, v.21, n.125, p.8-10, 2002.
  • GUIMARÃES, J.H. & PAPAVERO, N. Myiasis in man and animals in the neotropical region; bibliographic database. São Paulo: Plêiade/ FAPESP, 1999. 308p.
  • LELLO, E.; PINHEIRO, F.A.; NOCE, O.F. Epidemiologia de miíases no município de Botucatu, SP, Brasil. Arq. Esc. Vet. Univ. Fed. Minas Gerais, v.34, n.1, p.93-108, 1982.
  • MADEIRA, N.G.; AMARANTE, A.F.T.; PADOVANI, C.R. Effect of management practices on screw-worm among sheep in São Paulo State, Brazil. Trop. Anim. Health Prod, v.30, p.149-157, 1998.
  • VERÍSSIMO, C.J. & FRANCO, A.V.M. Relação entre infestação pelo carrapato Boophilus microplus e ocorrência de miíase em bovinos mestiços. Bol. Ind. Anim, v.51, n.1, p.3-5, 1994.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2003

Histórico

  • Recebido
    18 Dez 2002
  • Aceito
    17 Fev 2003
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