Acessibilidade / Reportar erro

RESISTÊNCIA DE VARIEDADES COMERCIAIS DE BATATA À TRANSMISSÃO DO POTATO Y VIRUS PELO VETOR MYZUS PERSICAE* * Parte do trabalho de Doutorado do 1º. Autor, realizado com bolsa SWE do CNPq (Brasil) no CCMA/CSIC (Madrid/ España), no âmbito do Convênio de Cooperação Internacional CNPq/CSIC (Proc. No. 690032/02-1).

RESISTANCE OF COMMERCIAL VARIETIES OF POTATO TO THE TRANSMISSION OF POTATO Y VIRUS BY THE VECTOR MYZUS PERSICAE.

RESUMO

Na cultura de batata (Solanum tuberosum L.), os afídeos destacam-se pela transmissão de muitos vírus sendo de fundamental importância o estudo da interação planta-vírus-vetor para se estabelecer medidas adequadas de manejo. O presente trabalho teve como objetivo estudar a transmissão de estirpes de Potato Y virus (PVY) por Myzus persicae (Sulzer) em cinco cultivares de batata, Ágata, Jaette Bintje, Mondial, Monalisa (Brasil) e Santè (Dinamarca) e caracterizar a sua resistência à transmissão. Em um teste preliminar com um cultivar suscetível (Desirée), M. persicae mostrou ser mais eficiente que Aphis gossypii Glover na transmissão dessas estirpes. As estirpes PVYO, PVYN e PVYNTN foram transmitidas por M. persicae com taxas variáveis de eficiência dependendo do cultivar de batata, indicando diferentes níveis de resistência entre os cultivares testados. O cultivar Santè foi resistente a todas as estirpes, enquanto que os demais foram suscetíveis ou apresentaram apenas resistência moderada à transmissão.

PALAVRAS-CHAVE:
Potato Y vírus; Myzus persicae; batata; cultivares; resistência.

ABSTRACT

Because aphids are important virus vectors in potato (Solanum tuberosum L.) crops, studies on aphid-plant-virus interactions are necessary for establishment of proper management strategies. This research was carried out to study transmission of Potato virus Y (PVY) strains to potato cultivars and to characterize the transmission resistance on these cultivars. Five cultivars (Ágata, Jaette Bintje, Mondial, Monalisa and Santè) were tested regarding their resistance to PVY transmission. In a preliminary test with a susceptible cultivar (Desirée), M. persicae was more efficient than Aphis gossypii Glover as a vector of these strains. Virus isolates belonging to strains PVYO, PVYN and PVYNTN were transmitted efficiently by M. persicae at variable rates depending on the potato cultivar, indicating various resistance levels among the cultivars tested. The cultivar Santè was resistant to all the strains tested, whereas the others were either susceptible or moderately resistant.

KEY WORDS:
Potato virus Y; Myzus persicae; potato; cultivars; resistance.

INTRODUÇÃO

A batata (Solanum tuberosum L.) tem seu ponto de origem nas regiões andinas da América do Sul, oriunda de países como Peru, Bolívia e Chile. Esta solanécea destaca-se por ser uma das hortaliças mais cultivadas e consumidas no mundo. O Brasil é o quarto produtor na América Latina, onde a cultura encontra-se em amplo desenvolvimento, sendo o Estado de São Paulo, responsável pela 2ª maior produção do país, totalizando 726.740 t (IBGE, 2003IBGE - Levantamento Sistemático da Produção AgrícolaSIDRA, novembro/2003 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 9 jan. 2004).
http://www.ibge.gov.br...
). Atualmente a infecção pelo Potato Y virus (PVY), gênero Potyvirus, Família Potyviridae cresce em importância devido ao incremento populacional do seu principal afídeo vetor, Myzus persicae (Sulzer), e aparecimento de estirpes do vírus cada vez mais agressivas como, por exemplo, o isolado PVYNTN detectado no Brasil em 1995 (SOUZA-DIAS, 1995SOUZA-DIAS, J.A.C. Viroses da batata e suas implicações na produção de batata-semente no Estado de São Paulo. Summa Phytopathol., v.21, n.3/4, p.264-266, 1995.).

Os potivírus são transmitidos por afídeos de modo não circulativo e não persistente. Nesta forma de transmissão, o vírus associa-se com o trato digestivo anterior (estomodéu) do inseto vetor, sendo adquirido e inoculado durante picadas de prova de curta duração nas plantas (PIRONE, 1991PIRONE, T.P. Viral genes and gene products that determine insect transmissibility. Seminars in Virol., v.2, p.81-87, 1991; GRAY, 1996GRAY, S.M. Plant virus protein involved in natural vector transmission. Trends Microbiol., v.4, p.259-264, 1996.). A rapidez com que ocorre a transmissão não persistente representa o maior desafio para a prevenção e controle de viroses causadas por potyvirus, inclusive na cultura de batata. No Brasil os principais gêneros de afídeos vetores de Potyvirus são: Aphis spp., Macrosiphum spp. e Myzus spp. (COSTA, 1998COSTA, C.L. Vetores de vírus de planta-1. Insetos. Revisão anual de patologia de plantas (RAPP), v.6, p.103-171, 1998.)

O emprego excessivo de controle químico visando minimizar o número de insetos pragas e vetores de vírus em hortaliças justifica-se pela necessidade destas culturas serem plantadas durante o ano todo, às vezes em grandes áreas, permitindo a perpetuação das pragas e doenças. Um dos problemas resultantes deste processo é o desenvolvimento da resistência dos insetos a alguns inseticidas. Sendo assim, entre os métodos convencionais de controle merece destaque o emprego de variedades resistentes, sejam estas visando o inseto-vetor ou do(s) vírus em questão.

Alguns mecanismos de resistência de plantas para o PVY foram detectados na carga genética de diferentes hortaliças, tais como, batata, tomate e pimentão (LECOQ & PITRAT, 1999LECOQ, H. & PITRAT, M. Resistance to aphid-borne viruses in vegetable crops. In: INTERNATIONAL PLANT VIRUS EPIDEMIOLOGY SYMPOSIUM, 7., 1999, Almeria, Aguadulce, España. Abstracts. Almeria, Aguadulce: 1999. p.172.). Diversos cultivares de batata apresentam níveis de resistência ao PVY (PINTO, 2003PINTO, C.A.B.P. Cultivares de batata resistentes a viroses. Batata Show, v.3, p.11. 2003.) que variam de acordo com alguns fatores como: pressão de inoculo e do inseto vetor, além das condições climáticas, idade e genótipo da planta (BASKY 2002BASKY, Z. The relationship between aphid dynamics and two proeminent potato viruses (PVY and PLRV) in seed potatoes in Hungary. Crop Prot., v.21, p.823-827, 2002.; ROBERT et al., 2000ROBERT, T.; WOODFORD, J.A.T.; DUCRAY-BOURDIN, D.G. Some epidemiological approaches to the control of aphidborne virus diseases in seed potato crops in northern Europe. Virus Res., v.71, p.33-47, 2000.). No Brasil, desenvolvem-se trabalhos de controle genético para as mais importantes viroses na cultura de batata, todavia, dependendo do vírus em questão, tornase uma tarefa difícil devido ao caráter poligênico envolvido no controle, como no caso do PLRV. Isto não se repete com os vírus PVY, PVX e PVS, que são controlados por genes simples, facilitando a obtenção de cultivares geneticamente resistentes (PINTO, 2003PINTO, C.A.B.P. Cultivares de batata resistentes a viroses. Batata Show, v.3, p.11. 2003.). Trata-se de uma forma de controle preventiva e que pode ser incluída em programas de manejo integrado de pragas.

Neste trabalho, comparou-se a transmissibilidade de três estirpes de PVY (PVYN, PVYO e PVYNTN) por afídeos para alguns dos principais cultivares de batata plantados no Estado de São Paulo, buscando-se avaliar o nível de resistência desses cultivares ao processo de transmissão do potivírus.

A grande maioria de vírus pertencentes a este gênero induz sintomas de mosaico nas folhas das plantas infectadas que podem ser evidenciados nas flores, frutos e sementes. Além deste tipo de sintoma outros freqüentemente observados são: pontos cloróticos, faixa-das-nervuras, mosaico, mosqueado, deformação foliar e necrose (HOLLINGS & BRUNT, 1981HOLLINGS, M. & BRUNT, A.A. Potyvirus group. London: Commonw. Mycol. Inst./Assoc. Appl. Biol., 1981. 7p. (Description of Plant Viruses, 245).).

Quanto à diferenciação, os isolados de PVY são divididos em três subgrupos com base nas suas propriedades biológicas, principalmente, na sintomatologia induzida em suas plantas hospedeiras. O PVYO (ordinário - "ordinary") causa sintomas de mosaico em plantas de Nicotiana tabacum e sintomas de bolhosidades em folhas de batata (S. tuberosum). O PVYC (clorótico - "chorothic") causa mosqueado em plantas de N. tabacum e mosaico e estriado em S. tuberosum. No entanto, a forma mais severa dos três subgrupos é sem dúvida a forma necrótica ("necrotic"), o PVYN causa necrose de nervuras em N. tabacum e mosqueado leve em S. tuberosum. Atualmente, segundo ORUETXEBARRIA et al. (2000)ORUETXEBARRIA, I., KEKARAINEN, T.; SPETZ, C.; VALKONEN J.P.T. Molecular characterization of Potato virus v genomes from europe indicates limited spatiotemporal strain differentiation. Phytopathology, v.90, n.4, p.437-444, 2000. os isolados PVYO e PVYC são caracterizados pela identificação dos genes Ny e Nc, que determinam resistência por hipersensiblidade em batata. No entanto o isolado PVYN diferencia-se pelo teste biológico. A estirpe NTN ou "Potato Tuber Necrotic Ringspot Disease" (PTNRD) causa sintomas de necrose em forma de anel nos tubérculos, depreciando as batatas atingidas, no mercado.

MATERIAL E MÉTODOS

Obtenção e manutenção dos afídeos

Nos ensaios de transmissão foram usados clones dos afídeos M.p ersicae e Aphis gossypii Glover coletados na Espanha e mantidos em laboratório, no Centro de Ciencias Medioambientales (CCMA) do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC), Madri.

O clone de M. persicae denominado "Encín" foi obtido em plantas de pimentão (Capsicum annum L.) na Fazenda Experimental "El Encín", Alcalá de Henares. Os insetos foram mantidos inicialmente em plantas de pimentão 'Yolo Wonder' e posteriormente adaptados a plantas de batata para realização dos experimentos. Para tal, foram seleccionadas fêmeas ápteras adultas e virgens de duas colônias mantidas em pimentão, para obter indivíduos geneticamente idênticos. As colônias foram mantidas em variedades de batata 'Baraka' e 'Desireè', as quais não foram empregadas nos demais ensaios de modo a evitar um possível condicionamento pré imaginal. As colônias foram isoladas em cilindros de metacrilato e, posteriormente, com o aumento de indivíduos, em gaiolas de criação de plástico transparente, sendo mantidas em câmara climatizada [temp.: 22:16º C (dia:noite); fotofase de 16 h e U.R.: 50 ± 10%]. A colônia de A. gossypii foi obtida utilizando-se o "clone 98", originalmente coletado em melão (Cucumis melo L.) em Almería e, posteriormente, transferido para o cultivar 'Regal' de batata. A manutenção destas colônias nas caixas de criação era realizada periodicamente inserido-se plantas sadias, sem tratamento químico e livres de pulgões, evitando contaminações.

Obtenção de plantas para testes

As plântulas de batata empregadas nos experimentos de transmissão foram obtidas através da germinação de mini-tubérculos brasileiros dos cultivares 'Agata', 'Jaette Bintje', 'Mondial' e 'Monalisa' 1 1 Doados pela Cooperativa Agrícola de Capão Bonito - CACB/SP, Brasil e tubérculos de 'Santè', 'Baraka' e 'Desireè' 2 2 Fornecidos pelo Centro de Mejora de la Patata - NEIKER ,Vitória, País Basco - Espanha comprovadamente sadios. Para obter rapidez no brotamento, o material propagativo foi imerso por 15 min. em solução de ácido giberélico e tiouréia (1 mg:10g/L), sendo posteriormente lavado em água corrente e semeado em vasos e/ou bandeja de germinação, com vermiculite e terra orgânica (2:1) (LEGORBURU, comunicação pessoal).

Fontes de vírus e manutenção

Isolados espanhóis das estirpes de PVY foram obtidos na forma de batata-semente infectada (Quadro 1). As fontes de vírus foram mantidas por inoculação mecânica com extrato preparado a partir de material bruto ou desidratado de folhas de batata (tampão fosfato 0,5 M pH 7,5) (YARWOOD, 1969YARWOOD, C.E. Sulfite in plant virus inoculations. Virology, v.39, p.74-78, 1969.) em plantas dos cultivares 'Baraka' e 'Desireè' previamente polvilhadas com o abrasivo "carburundum", ou por armazenamento de material foliar desidratado com sílica gel a baixas temperaturas.

A evolução de sintomas nas plantas foi acompanhada visualmente durante 10-15 dias. O controle negativo constou de plantas "inoculadas" apenas com tampão. Para confirmar a presença de infecção viral nas plantas inoculadas, empregou-se a técnica serológica de ELISA ("Enzyme-linked immunosorbent assay") com as seguintes variações: DAS ("double antibody sandwich") - ELISA (CLARK & ADAMS, 1977CLARK, M.F. & A DAMS, A.M. Characteristics of the microplate method of enzyme-linked immunosorbent assay for the detection of plant viruses. J. Gen. Virol., v.34, p.475483, 1977.), para detecção de PVYNTN e ELISA-Indireto (KOENIG, 1981KOENIG, R. Indirect ELISA for the broad specificity detection of plant viruses. J. Gen. Virol., v.55, p.53, 1981.; RYBICKI & VON WECHMAR, 1981RYBICKI, E.P. & VON WECHMAR, M.B. The serology of the bromoviruses. 1. Serological interrelationships of the bromoviruses. Virology, v.109, p.391-402, 1981.), para os isolados de PVYN e PVYO. Como ainda não existem anticorpos específicos para PVYNTN, utilizou-se neste caso o anticorpo geral para o grupo Potyvirus, pois se tratava de um isolado previamente caracterizado, não havendo possibilidade de contaminação nas condições deste estudo.

Ensaios de transmissão com as três estirpes de PVY

Comprovação da infectividade dos isolados obtidos

Com a finalidade de comprovar a infectividade e transmissibilidade dos isolados obtidos, realizaramse dois testes, sendo um de transmissão mecânica e o segundo por afídeos, empregando a colônia de M. persicae implantada no laboratório. O teste com afídeos foi realizado conforme protocolo previamente descrito para transmissão do tipo não-persistente (FERERES et al., 1992FERERES, A.; BLUA, M.J.; PERRING, T.M. Retention and transmission characteristics of Zucchini Yellow Mosaic Virus by Aphis gossypii and Myzus persicae (Homoptera: Aphididae). J. Econ. Entomol., v.85, p.759-768, 1992.; GARZO, 2002GÁRZO, E.I.G. Selección y caracterización de germoplasma de melón resistente a Aphis gossypii (Glover) y a los virus que transmite. Madrid, Espanha: 2002. 201p. [Tese (Doutorado) - Universidad Politécnica de Madrid, Escuela Técnica Superior de Ingenieros Agrónomos. Departamento de Producción Vegetal].). Trinta adultos ápteros com 7 - 9 dias de idade foram transferidos com pincel para caixas plásticas (3,5 x 5,5 x 1cm), onde foram mantidos em jejum durante 1 h, de modo a favorecer a aquisição do vírus. Posteriormente, os insetos foram transferidos para um período de acesso de aquisição (PAA) de 5 min em plantas-fonte (batata 'Desirè') dos três isolados virais. Após o PAA, os afídeos foram transferidos em número de cinco por planta-teste (C. annuum 'Yolo Wonder', S. tuberosum 'Mondial' e N. tabacum 'Xanthi') para um período de acesso à inoculação (PAI) de 2 h. As plantas inoculadas foram tratadas com o inseticida imidacloprid (Confidor® 20 LS, Bayer Hispania Industria S.A., Barcelona), e mantidas em casa-de-vegetação com temperatura de 26:20º C (D:N) e fotoperíodo de 16h8min (D:N). Todas as plantas foram cobertas com agrotêxtil (tela de polipropileno - não tecido - de 17 mg/m2 de peso, cor branca). Após 15-20 dias, com o aparecimento de sintomas característicos aos vírus, as plantas foram submetidas à avaliação serológica por ELISA.

Eficiência de transmissão das estirpes por M. persicae e A. gossypii

Os procedimentos para transmissão por afídeos foram semelhantes aos do teste anterior com algumas modificações: a) utilizou-se apenas a variedade 'Desireè' como planta-teste, que é suscetível às estirpes de PVY e não foi usada como planta hospedeira na criação dos afídeos; b) utilizaram-se 10 afídeos por planta-teste, visando-se reduzir a chance de escape na inoculação; e c) inocularam-se 28 plantas-teste por tratamento (afídeo/estirpe). Após 30 dias de observação de sintomas em casa de vegetação, coletou-se material vegetal das plantas testadas para o teste de ELISA. O experimento constou de duas repetições e os resultados obtidos foram submetidos à análise estatística empregando tabelas de contingência (à2) segundo YATES (1934)YATES, F. The analysis of multiple classifications with unequal numbers in the different classes. J. Am. Statistical Assoc., v.29, p.51-66, 1934. para comparar a eficência na transmissão.

Quadro 1
Isolados espanhóis das estirpes de Potato virus Y (PVY) utilizados nos ensaios de transmissão e resistência.

Eficiência de transmissão das estirpes por M. persicae em cinco cultivares de batata

Avaliou-se o nível de resistência de cinco cultivares comerciais de batata ('Agata', 'Jaette Bintje', 'Mondial', 'Monalisa' e 'Santè'- controle resistente) às estirpes de PVY (PVYº, PVYN e PVYNTN) através da transmissão por M. persicae, empregando-se os mesmos procedimentos descritos no item anterior. O tipo de sintomas, severidade e porcentagem de infecção por cultivar foram avaliados por um período de 30 dias, após o qual os sintomas visuais foram confirmados por ELISA. Os dados de transmissão foram submetidos à análise estatística empregando-se o teste de Tukey-Kramer ANOVA a 0,5% de probabilidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Comprovação da infectividade dos isolados obtidos

Os resultados mostraram que os isolados das estirpes PVYN, PVYO e PVYNTN estavam infectivos, sendo transmitidos tanto mecanicamente como por M. persicae para plantas teste de S. tuberosum 'Mondial' e N. tabacum 'Xanthi'. Observou-se sintomatologia característica de cada estirpe em plantas de tabaco 'Xanthi', eliminando a hipótese de infecção mista, fato corroborado serologicamente. Alguns autores (COLLARICCIO 1996COLLARICCIO, A. Identificação do vírus Y da batata, estirpe comum (PVYº) em Solanum palinacanthum DUN. São Paulo: 1996. 110p. [Tese (Doutorado) - Instituto de Biociências, Univ. São Paulo].; PIRONE & THORNBURY, 1983PIRONE, T.P. & THORNBURY, D.W. Role of virion and helper component in regulating aphid transmission of tobacco etch virus. Phytopathology, v.73, p.872-875, 1983.) citam casos da perda da infectividade de diversos Potyvirus, inclusive da transmissibilidade por afídeos, resultante das inúmeras inoculações sucessivas para manutenção das fontes em laboratório, fato que não ocorreu com os vírus em questão, pois se encontravam armazenados em material propagativo.

Eficiência de transmissão das estirpes de PVY por M. persicae e A. gossypii

As três estirpes de PVY foram transmitidas com uma alta eficiência pelo afídeo M. persicae em relação ao A. gossypii (Tabela 1). Este segundo afídeo é descrito no Brasil como vetor de menor importância para o PVY (MORAES, 1997MORAES, F.H.R. Estudo comparativo de algumas propriedades biológicas de cinco isolados do vírus Y da batata ("Potato virus Y" - PVY). Lavras: 1997. 87p. [Dissertação (Mestrado) - Univ. Fed. Lavras-UFLA/MG].). Segundo BERGER et al. (1983)BERGER, P.H.; TOLER, R.W.; HARRIS, K.F. Maize dwarf mosaic virus transmission by greenbug biotypes. Plant Dis., v.67, p.496-497, 1983. a eficiência dos afídeos como vetores do gênero Potyvirus pode variar inclusive entre populações diferentes de uma mesma espécie vetora, dependendo de condições a que estes são submetidos. Sabe-se que o processo de transmissão não persistente envolve um mecanismo biológico e não mecânico, e que há determinadas associações muito restritas aos organismos em questão, no caso, afídeos e vírus vegetais que se estendem intra específicamente.

Entre as estirpes testadas, PVYNTN obteve uma alta taxa de transmissão (71,4%) por M.p ersicae, mas não foi transmitido por A. gossypii. Os demais isolados (PVYO e PVYN) foram transmitidos por A. gossypii, porém com eficiência bem mais baixa do que por M. persicae (Tabela 1). Segundo FIGUEIRA & PINTO (1995)FIGUEIRA, A.R. & PINTO, A.C.S. Estirpe necrótica do vírus Y da batata em sementes importadas esta causando problemas ao bataticultor mineiro. Fitopatol. Bras., v.20, p.299, 1995. e FIGUEIRA et al. (1996)FIGUEIRA, A.R.; MORAES, F.H.R.; PINTO, A.C.S. New PVY necrotic strain is causing great losses in Brazil. Phytopathology, v.86, n.2, p.85, 1996., as estirpes necróticas de PVY possuem uma maior transmissibilidade, aliada ao fato de apresentarem uma maior concentração nos tecidos da planta hospedeira. Em experimento similar, utilizando N. tabacum 'TNN' como planta indicadora, MORAES (1997)MORAES, F.H.R. Estudo comparativo de algumas propriedades biológicas de cinco isolados do vírus Y da batata ("Potato virus Y" - PVY). Lavras: 1997. 87p. [Dissertação (Mestrado) - Univ. Fed. Lavras-UFLA/MG]. também encontrou valores superiores na transmissão de isolados da estirpe necrótica (PVYN) (50-81.3%) em relação à estirpe ordinária de PVYº (6,3%). Entretanto, no presente estudo, o isolado de PVYN foi transmitido por M. persicae com menor eficiência que o de PVYO. As diferenças em isolados de vírus, populações de afídeos e plantas hospedeiras utilizadas podem explicar as variações observadas em eficiência de transmissão entre esses estudos.

Tabela 1
Taxas de transmissão de três estirpes do Potato virus Y (PVY) por inoculação mecânica e por afídeos em Solanum tuberosum cv. Desirée.
Tabela 2
– Transmissão por Myzus persicae de três estirpes de Potato virus Y (PVY) em cinco cultivares comerciais de Solanum tuberosum.

Existem vários fatores que influenciam a dispersão de fitovírus em batata, tais como a proporção de inoculo inicial nas sementes empregadas, as práticas agrícolas relacionadas com a produção dessas sementes, status dos afídeos vetores colonizantes e migratórios na cultura com relação a ciclos de vida e comportamento, efeitos dos fatores ambientais na dinâmica populacional e fenologia da planta (ROBERT et al., 2000ROBERT, T.; WOODFORD, J.A.T.; DUCRAY-BOURDIN, D.G. Some epidemiological approaches to the control of aphidborne virus diseases in seed potato crops in northern Europe. Virus Res., v.71, p.33-47, 2000.). Segundo BOURDIN et al. (1999)BOURDIN, D.; TERRADOT, L.; SIMON, J.C.; ROUZÉ, J.; TANGUY, S.; LETERME, N.; ROBERT, Y. Variation among both aphid clones and virus isolates regulate Potato leafroll Luteovirus transmission by vectors of the Myzus persicae group. In: INTERNATIONAL PLANT VIRUS EPIDEMIOLOGY SYMPOSIUM, 7., 1999, Almeria, Aguadulce, España. Abstracts. Almeria, Aguadulce: 1999. p53. há fatores nos modelos epidemiológicos que muitas vezes não são levados em conta na caracterização das interações planta/vírus/inseto vetor, incluindo a correta identifiação do isolado viral e do inseto (espécie ou clone) envolvidos no estudo (M. persicae, por exemplo, é confundido com outras espécies ou populações dentro da cultura) e a idade da colônia (colônias antigas transmitem com menor eficiência alguns isolados). Além disso, as taxas de transmissão podem variar de acordo com as plantas hospedeiras e os locais de coleta dos insetos empregados.

Eficiência de transmissão das estirpes por M. persicae em cinco cultivares de batata

Observou-se uma variação na eficiência de transmissão por M. persicae das estirpes PVYO, PVYNTN e PVYN, dependendo do cultivar testado, indicando diferentes níveis de resistência (Tabela 2). O cultivar Santè mostrou-se resistente a todas as estirpes. Este cultivar foi desenvolvido por meio de manipulação genética visando resistência ao PVY e, quando desafiada com isolados oriundos da Espanha, apresentou resultados promissores (GRUDEN et al., 2000GRUDEN, K.; STRUKELJ, B.; RAVNIKAR, M.; HERZOG-VELIKONJA, B. A putative viral resistence-connected protein isolated from potato cultivar Santè resistant to PVYNTN infection. Phyton, v.40, n.4, p. 191-200, 2000.) No entanto, os cultivares brasileiros mostraram, no máximo, uma resistência moderada às mesmas estirpes. Entre os cinco cultivares testados, apenas 'Santè' se mostrou resistente ao processo de transmissão e ao próprio PVY, pois também não foi possível inocular mecanicamente nenhum das três estirpes neste cultivar.

A inclusão do cultivar Santè nos experimentos se justifica pela escassez de informações sobre resistência à transmissão de PVY e suas estirpes por afídeos vetores. Em vários estudos a resistência genética tem sido avaliada somente por inoculação mecânica ou enxertia, sendo que a inoculação vetorial pode ser mais eficaz em algumas ocasiões. Com base no presente estudo, detectou-se uma resistência moderada em 'Ágata' e 'Jaette Bintje' para a transmissão do PVYº, sendo que 'Jaette Bintje', 'Mondial' e 'Monalisa' mostraram-se moderadamente resistentes ao PVYN. Nenhum dos cultivares brasileiros avaliados mostrou-se imune ou resistente à transmissão do PVYNTN.

MILHOVILOVICH et al. (1998)MILHOVILOVICH, E.; SALAZAR, L.F.; SAGUMA, F.; BONIERBALE, M.W. Survey of the durability of extreme resistance to PVY derived from Solanum tuberosum subsp. Andigena. CIP Program Reporter - potato (97/98), p.123-128,1998. consideram como a melhor estratégia para controlar ou minimizar as perdas causadas pelo PVY, o emprego de genes de resistência duráveis, os quais podem ser de "hipersensibilidade" e de "extrema resistência", consistindo na expressão de respostas necróticas à infecção viral (genes N) e na ausência ou no pequeno acúmulo de vírus na planta (genes R), respectivamente. Os genes de resistência que possuem maior durabilidade são os Ry, visto que atuam contra uma grande gama de estirpes de PVY, sendo que os genes Ny se limitam a algumas estirpes específicas. Em batata são conhecidos dois genes de resistência para o PVY, sendo os mesmos provenientes de duas espécies nativas: S. tuberosum subsp. andigena (Ryadg) e S. stoloniferum (Rysto). Estes genes foram introduzidos no cultivar Santè, empregada como controle resistente no presente estudo. Vale destacar que esta resistência ao PVY foi obtida através de melhoramento genético clássico, o que permite transferir para a geração subseqüente algumas características agronômicas não desejáveis, tais como tipo de pele, cor da pele e tamanho de tubérculo.

Um controle eficiente dos vírus transmitidos em hortaliças apenas se torna viável com o emprego de uma estratégia de caráter global, ou seja, associando enfoques ambientais, culturais e genéticos. Neste contexto, o emprego de cultivares resistentes parece ser uma estratégia simples e barata, reduzindo as perdas provocadas por vírus transmitidos por pulgões. Atualmente, graças aos rápidos avanços da biotecnologia pode-se sugerir a introdução destes genes de resistência que obtiveram êxito no cultivar Santè (Ryadg e Rysto) em cultivares comerciais brasileiros, mas de maneira a atender às atuais exigências do mercado.

  • *
    Parte do trabalho de Doutorado do 1º. Autor, realizado com bolsa SWE do CNPq (Brasil) no CCMA/CSIC (Madrid/ España), no âmbito do Convênio de Cooperação Internacional CNPq/CSIC (Proc. No. 690032/02-1).
  • 1
    Doados pela Cooperativa Agrícola de Capão Bonito - CACB/SP, Brasil
  • 2
    Fornecidos pelo Centro de Mejora de la Patata - NEIKER ,Vitória, País Basco - Espanha

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BASKY, Z. The relationship between aphid dynamics and two proeminent potato viruses (PVY and PLRV) in seed potatoes in Hungary. Crop Prot, v.21, p.823-827, 2002.
  • BERGER, P.H.; TOLER, R.W.; HARRIS, K.F. Maize dwarf mosaic virus transmission by greenbug biotypes. Plant Dis, v.67, p.496-497, 1983.
  • BOURDIN, D.; TERRADOT, L.; SIMON, J.C.; ROUZÉ, J.; TANGUY, S.; LETERME, N.; ROBERT, Y. Variation among both aphid clones and virus isolates regulate Potato leafroll Luteovirus transmission by vectors of the Myzus persicae group. In: INTERNATIONAL PLANT VIRUS EPIDEMIOLOGY SYMPOSIUM, 7., 1999, Almeria, Aguadulce, España. Abstracts Almeria, Aguadulce: 1999. p53.
  • CLARK, M.F. & A DAMS, A.M. Characteristics of the microplate method of enzyme-linked immunosorbent assay for the detection of plant viruses. J. Gen. Virol., v.34, p.475483, 1977.
  • COLLARICCIO, A. Identificação do vírus Y da batata, estirpe comum (PVYº) em Solanum palinacanthum DUN São Paulo: 1996. 110p. [Tese (Doutorado) - Instituto de Biociências, Univ. São Paulo].
  • COSTA, C.L. Vetores de vírus de planta-1. Insetos. Revisão anual de patologia de plantas (RAPP), v.6, p.103-171, 1998.
  • EASTOP, V.F. Worldwide im Harris importance as aphids as virus vectores. In: HARRIS K.F. & MARAMOROSCH, K. (Eds.). Aphids as virus vectors New York: Academic Press, 1977. 559p. Chapter 1: Worldwide importance of aphids as virus vectors.
  • FERERES, A.; BLUA, M.J.; PERRING, T.M. Retention and transmission characteristics of Zucchini Yellow Mosaic Virus by Aphis gossypii and Myzus persicae (Homoptera: Aphididae). J. Econ. Entomol, v.85, p.759-768, 1992.
  • FIGUEIRA, A.R. & PINTO, A.C.S. Estirpe necrótica do vírus Y da batata em sementes importadas esta causando problemas ao bataticultor mineiro. Fitopatol. Bras., v.20, p.299, 1995.
  • FIGUEIRA, A.R.; MORAES, F.H.R.; PINTO, A.C.S. New PVY necrotic strain is causing great losses in Brazil. Phytopathology, v.86, n.2, p.85, 1996.
  • GÁRZO, E.I.G. Selección y caracterización de germoplasma de melón resistente a Aphis gossypii (Glover) y a los virus que transmite Madrid, Espanha: 2002. 201p. [Tese (Doutorado) - Universidad Politécnica de Madrid, Escuela Técnica Superior de Ingenieros Agrónomos. Departamento de Producción Vegetal].
  • GRAY, S.M. Plant virus protein involved in natural vector transmission. Trends Microbiol, v.4, p.259-264, 1996.
  • GRUDEN, K.; STRUKELJ, B.; RAVNIKAR, M.; HERZOG-VELIKONJA, B. A putative viral resistence-connected protein isolated from potato cultivar Santè resistant to PVYNTN infection. Phyton, v.40, n.4, p. 191-200, 2000.
  • HOLLINGS, M. & BRUNT, A.A. Potyvirus group London: Commonw. Mycol. Inst./Assoc. Appl. Biol., 1981. 7p. (Description of Plant Viruses, 245).
  • IBGE - Levantamento Sistemático da Produção AgrícolaSIDRA, novembro/2003 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 9 jan. 2004).
    » http://www.ibge.gov.br
  • KOENIG, R. Indirect ELISA for the broad specificity detection of plant viruses. J. Gen. Virol., v.55, p.53, 1981.
  • LECOQ, H. & PITRAT, M. Resistance to aphid-borne viruses in vegetable crops. In: INTERNATIONAL PLANT VIRUS EPIDEMIOLOGY SYMPOSIUM, 7., 1999, Almeria, Aguadulce, España. Abstracts Almeria, Aguadulce: 1999. p.172.
  • MILHOVILOVICH, E.; SALAZAR, L.F.; SAGUMA, F.; BONIERBALE, M.W. Survey of the durability of extreme resistance to PVY derived from Solanum tuberosum subsp. Andigena. CIP Program Reporter - potato (97/98), p.123-128,1998.
  • MORAES, F.H.R. Estudo comparativo de algumas propriedades biológicas de cinco isolados do vírus Y da batata ("Potato virus Y" - PVY). Lavras: 1997. 87p. [Dissertação (Mestrado) - Univ. Fed. Lavras-UFLA/MG].
  • ORUETXEBARRIA, I., KEKARAINEN, T.; SPETZ, C.; VALKONEN J.P.T. Molecular characterization of Potato virus v genomes from europe indicates limited spatiotemporal strain differentiation. Phytopathology, v.90, n.4, p.437-444, 2000.
  • PINTO, C.A.B.P. Cultivares de batata resistentes a viroses. Batata Show, v.3, p.11. 2003.
  • PIRONE, T.P. Viral genes and gene products that determine insect transmissibility. Seminars in Virol, v.2, p.81-87, 1991
  • PIRONE, T.P. & THORNBURY, D.W. Role of virion and helper component in regulating aphid transmission of tobacco etch virus. Phytopathology, v.73, p.872-875, 1983.
  • ROBERT, T.; WOODFORD, J.A.T.; DUCRAY-BOURDIN, D.G. Some epidemiological approaches to the control of aphidborne virus diseases in seed potato crops in northern Europe. Virus Res, v.71, p.33-47, 2000.
  • RYBICKI, E.P. & VON WECHMAR, M.B. The serology of the bromoviruses. 1. Serological interrelationships of the bromoviruses. Virology, v.109, p.391-402, 1981.
  • SHUKLA, D.D.; WARD, C.W.; BRUNT, A.A. The Potyviridae United Kingdown: CABI, 1994. 516p.
  • SOUZA-DIAS, J.A.C. Viroses da batata e suas implicações na produção de batata-semente no Estado de São Paulo. Summa Phytopathol, v.21, n.3/4, p.264-266, 1995.
  • YARWOOD, C.E. Sulfite in plant virus inoculations. Virology, v.39, p.74-78, 1969.
  • YATES, F. The analysis of multiple classifications with unequal numbers in the different classes. J. Am. Statistical Assoc, v.29, p.51-66, 1934.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2004

Histórico

  • Recebido
    21 Jan 2004
  • Aceito
    26 Jun 2004
Instituto Biológico Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 1252 - Vila Mariana - São Paulo - SP, 04014-002 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: arquivos@biologico.sp.gov.br